Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2430/05-2
Relator: ANTÓNIO ELEUTÉRIO
Descritores: TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA
CARTA ROGATÓRIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/20/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I – Os instrumentos de cooperação judiciária internacional não impedem a possibilidade de serem os arguidos, através dos mecanismos próprios, sujeitos à medida de coacção de termo de identidade e residência.
2 – Com efeito, do disposto no art. 196º do CPP não resulta a obrigatoriedade do TIR ser prestado apenas no território nacional, pelo que, dando-se conhecimento ao arguido do conteúdo do TIR, e assumindo este o respectivo conhecimento (assinando-o), não há razão substancial para o não considerar válido tendo emanado, como emanou, da autoridade competente e no contexto legal que o torna admissível.
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

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O Ministério Público promoveu a expedição de uma carta rogatória para que os arguidos M e J, na circunstância residentes em França, fossem notificados da acusação e sujeitos a TIR o que foi deferido e concretizado em relação ao arguido J.
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Atenta a prestação do supra referido TIR foi proferido o seguinte despacho:
Pelos fundamentos já aduzidos no despacho de folhas 259, atendendo a que as Convenções de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal não permitem que os pedidos incluam a prestação de medidas de coacção previstas no Código de Processo Penal, e ao abrigo do disposto no artigo 123.° n.° 2 do Código de Processo Penal julgo não válida a medida de coacção de termo de identidade e residência tomada ao arguido J.
Notifique.
O despacho de fls 259 tinha o seguinte conteúdo:
Antes de mais, atendendo a que os instrumentos de cooperação judiciária internacional não contemplam a possibilidade de serem os Arguidos sujeitos a medidas de coacção previstas no Código de Processo Penal, como é o caso do termo de identidade e residência, oficie ao Gabinete de Documentação e Direito Comparado da Procuradoria Geral da República solicitando que informe sobre a validade e eficácia do termo de identidade e residência prestado nos autos, designadamente se tal acto possibilita a realização do julgamento na ausência do Arguido, que actualmente se encontra na situação de contumácia.
Atendendo por outro lado a que as pessoas a notificar, designadamente o Arguido, não podem ser sujeitas a sanções ou cominações, nem tal notificação o obriga, solicita-se a mesma informação no caso de o termo de identidade e residência ser válido e eficaz, isto é, s e o Arguido sendo notificado por carta rogatória da data de julgamento e faltando poderá ser julgado na ausência.
Envie fotocópia de folhas 222 a 257.
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O Mº Pº interpôs recurso da decisão que declarou inválido o TIR e concluiu da seguinte forma:
1- O arguido J prestou TIR a fls. 243, 244 através de carta Rogatória emitida para o efeito.
2.- Pela Mm.a Juiz foi proferido despacho no sentido de declarar inválido o TIR prestado pelo arguido, por considerar que as Convenções de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal não permitem que os pedidos incluam a prestação de medidas de coacção previstas no Código de Processo Penal.
3.- Tal como resulta do n.°1 do artigo 196° do Código de Processo Penal a referida medida de coacção pode ser aplicada não só pela autoridade judiciária mas também pelo órgão de polícia criminal.
4.- A referida medida é obrigatória após a constituição como arguido, não estando dependente dos requisitos dos artigos 191°, 193° e 204° do Código de Processo Penal, sendo certo que assume a qualidade de arguido todo aquele contra quem for deduzida acusação - cfr. art.57°, n.°1 do Código de Processo Penal.
5.- Neste momento a questão que se coloca é a da validade, ou não, do TIR já prestado.
6.- Uma vez que a medida de TIR pode ser aplicada não só pela autoridade judiciária mas também pelo órgão de polícia criminal, sendo que tal requisito legal foi cumprido, nada obsta à validade do TIR prestado e a que do mesmo se retirem as necessárias consequências processuais.
7.- Face ao exposto, deverá o despacho recorrido ser revogada por violação do disposto nos artigos 57°, n.° 1 e 196° do Código de Processo Penal, sendo este substituída por douto Acórdão que considere válido o Termo de Identidade e Residência prestado pelo arguido Jorge Pinto e, consequentemente, aplicáveis as cominações legais previstas no mesmo.
Nestes termos e noutros, que Vossas Excelências doutamente saberão suprir, deve o recurso ser julgado procedente, revogando-se o despacho recorrido e proferindo-se o correspondente Acórdão validando o TIR prestado pelo arguido, assim se fazendo, como sempre,
JUSTIÇA.
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O Magistrado do Mº Pº pronunciou-se pelo provimento do recurso (fls 29 a 31).
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Há, desde logo, uma impossibilidade prática em descortinar o fundamento do despacho recorrido porquanto este omite qualquer referência concreta das sobreditas Convenções à proibição de prestação da medida de coacção em causa (fez-se constar tão só que as mesmas não a permitem mas não se explicita onde, como e em que medida).
Seja como for, o TIR é uma consequência legal que emana da constituição de arguido (art. 196º nº 1 do CPP) e na carta rogatória apenas se solicitava a notificação do arguido da acusação contra ele deduzida e prestação do TIR em causa.
Neste contexto, a medida de coacção em causa foi ordenada pela autoridade portuguesa (e não pela entidade destinatária da referida carta) e a formalidade rogada bastou-se com um simples dar conhecimento da mesma ao arguido a notificar na circunstância (assinando o respectivo termo).
Inexiste, por isso, qualquer razão substancial que invalide o TIR prestado nas sobreditas circunstâncias.
Aliás, a existir irregularidade, seria uma irregularidade externa que não inquinaria a essência do acto praticado (atenta a natureza do mesmo) pelo que não haveria fundamento para ser oficiosamente decretada (a acusação pressupõe a condição de arguido que por sua vez impõe a prestação do TIR pelo que tudo se encontra indissoluvelmente associado).
Acresce que, se fosse caso de não cumprimento do pedido em causa por ausência de fundamento legal, a entidade rogada poderia ter suscitado a impossibilidade de cumprimento o que não aconteceu.
Poder-se-ia argumentar que o TIR em causa, para ser válido, deveria ser prestado em território nacional e perante a autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal nacionais.
Contudo, do disposto no art. 196º do CPP não resulta a obrigatoriedade do TIR ser prestado no sobredito contexto pelo que dando-se conhecimento ao arguido do conteúdo do TIR e assumindo este o respectivo conhecimento (assinando-o) não há razão substancial para o não considerar válido tendo emanado, como emanou, da autoridade competente e no contexto legal que o torna admissível.
O requisito do TIR ser lavrado no processo, cfr. nº 1 do art. 196º do CPP, é satisfeito com a incorporação nos autos do doc. em causa.
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Nestes termos, dá-se provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido e determina-se que seja substituído por outro que não considere inválido o TIR em causa pelo sobredito motivo.
Sem tributação.
Guimarães, 20/3/2006