Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1097/18.2T8VNF.G1
Relator: MARIA LEONOR BARROSO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
VALOR DA ACÇÃO
LESÕES E SEQUELAS
INCAPACIDADE PARA O TRABALHO
DUPLO NEXO DE CAUSALIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
A decisão do tribunal não sofre do vício de nulidade, em nenhuma das suas espécies.
O tribunal da relação não deve alterar a decisão da matéria de facto quando a prova produzida não imponha uma decisão diferente.
Não se apurou a existência de causalidade entre a lesão sofrida no acidente e constatada na altura (traumatismo na região lombar) e a actual sequela (patologia da anca) e a incapacidade para o trabalho.
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

AUTOR - AA
RÉ - Companhia de Seguros A..., S.A.

Os autos de acção especial emergente de acidente de trabalho prosseguiram para a fase contenciosa porque a seguradora, embora aceitando a ocorrência de acidente de trabalho,  conforme consta no auto de não conciliação: “…“Não aceita o resultado do resultado do exame médico efectuado no GML, ou seja não aceita a avaliação da incapacidade atribuída pela perita médica do GML; nem as alterações ali efectuadas aos períodos de ITA;- Consequentemente, aceita pagar ao sinistrado a pensão anual e vitalícia calculada com base na retribuição acima mencionada, na IPP que vier a ser fixada, em exame a efectuar por junta médica, e nos termos da Lei; Não aceita pagar a quantia de 4.599,96 , a título de subsídio por situação de elevada incapacidade permanente; Não aceita pagar qualquer quantia a título de diferenças na indemnização por IT´s; - Não aceita pagar qualquer quantia, a título de taxas moderadoras, consultas médicas, exames e análises clínicas, medicamentos, despesas de deslocação a Centros de Saúde, hospitais e médicos da especialidade, nem a sessões de fisioterapia, relacionadas com o evento descrito - conforme o acima reclamado pelo sinistrado”. Aceitou pagar ao sinistrado a quantia de 20,00 de despesas de deslocação para comparência obrigatória ao GML e a este Tribunal.

PERÍCIA SINGULAR
Na fase conciliatória do processo foi realizada perícia médica singular junto do GML, sendo atribuída pelo perito uma IPP de 0,25%, “aumentada” e reclamada pelo sinistrado para 37,50% no auto de não conciliação, alegando-se o factor de bonificação de 1.5 pela idade, sendo as sequelas enquadradas na TNI rubrica I.10.2.4.b, coeficientes de 0,15 a 0,45, com consolidação de lesões em 26-12-2018.

PEDIDO - foi apresentada petição inicial pedindo-se que a ré seja condenada a pagar-lhe:
a) A pensão anual e vitalícia calculada com base na retribuição mencionada no ponto 33.º da p.i. e na IPP fixada pelo Gabinete Médico Legal em 37,50%, com IPATH;
b) A quantia de 4.599,96     a título de subsidio por situação de elevada incapacidade permanente nos termos do disposto no artigo 67.º, n.º 1, 3 e 5 da LAT (Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro) e Portaria n.º 4/2017);
c) A quantia que vier a apurar-se ser devida, a título de diferenças na indemnização por IT´s.
d) A quantia de 20,00, a título de despesas de deslocação para comparência obrigatória ao Gabinete Médico Legal ... e a este tribunal;
e) A quantia de 233,50 que despendeu em taxas moderadoras;
f) A quantia de 706,90 que despendeu em consultas na especialidade de neurocirurgia e ortopedia, com exames e análise clinicas;
g) A quantia de 509,60 que despendeu em medicamentos
 h) A quantia de 935,71que despendeu em deslocações ao CS de ..., aos hospitais e médicos da especialidade;
i) A quantia de 370,00     que despendeu em sessões de fisioterapia;
j) Juros de mora, à taxa legal.

CAUSA DE PEDIR: sofreu um acidente de trabalho no dia 20 de Fevereiro de 2017, pelas 9 horas, em ..., na ..., quando trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização da sua entidade empregadora “A..., S.A.”, desempenhando as funções de armador de ferro, mediante a retribuição anual ilíquida de € 26.445,76 (€ 557 x 14 + € 1.553,98 x 12). O acidente ocorreu nas seguintes circunstâncias: quando se encontrava a revisar/fiscalizar uma placa que estava a ser construída em betão, ao descer da rampa/escadas do 1.º piso, ainda em construção, escorregou e caiu desamparado, de uma altura de cerca de um metro, ao chão e ficou imobilizado durante cerca de 15 minutos, sem se conseguir mexer. Como consequência, directa e necessária, do acidente resultou traumatismo da região lombar, que provocou as lesões constantes no auto de exame médico de fls. 239 a 242 dos autos, tendo o Autor sido assistido no Hospital ..., ficando em situação de ITA, tendo a Companhia, em 27.02.2017, atribuído alta sem desvalorização. Aquando da ocorrência do sinistro os médicos da Companhia de Seguros não realizaram todo o diagnóstico que se impunha ao sinistrado/Autor, tendo o mesmo a expensas suas sido observado em várias consultas de ortopedia e neurocirurgia em diversos hospitais e por diferentes clínicos para tratarem da situação de incapacidade que o sinistrado/Autor padecia e padece, entendendo que a consolidação das lesões ocorreu em 28.02.2020, data da alta da artroplastia total da anca esquerda a que foi sujeito. Ficou, ainda, a padecer de uma IPP de 37,50% (25% x 1,5), acrescida de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual. Mais pretende ser ressarcido de todas as despesas médicas e medicamentosas, bem como de deslocação que despendeu por causa do acidente.
O Instituto da Segurança Social IP – Centro Distrital de ... IP, deduziu contra a Ré pedido de reembolso dos subsídios pagos ao Autor Autor no valor de € 14.383,72, reportado às prestações pagas no período entre 13/07/2017 e 27/11/2018.

CONTESTAÇÃO - a ré contestou, aceitando a ocorrência do acidente de trabalho, a transferência da remuneração do sinistrado, não aceitando, porém, o grau de incapacidade atribuído pelo GML, nem os períodos clínicos de ITA, nem que o Autor se encontre em situação de IPATH, já que, os seus serviços clínicos consideraram que o Autor, em consequência das lesões sofridas no acidente, se encontrou em situação de ITA no período de 21/02/2017 a 27/02/2017, data a partir do qual lhe foi atribuída alta, em situação de curado sem desvalorização, nada mais aceitando pagar ao Autor para além da quantia de € 340,06 já paga a título de indemnização por incapacidade temporária, com excepção da quantia de € 20 de despesas de deslocação para comparência obrigatória ao GML e ao Tribunal.

VALOR DA ACÇÃO - No despacho saneador foi fixado o valor da acção em 7.456,67€. Não houve recurso deste despacho.
No despacho saneador foi fixada factualidade assente, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

Desdobrado o processo com vista à fixação de incapacidade, por decisão proferida em 25.11.2021 do apenso foi determinado que:
» o sinistrado esteve na situação de incapacidade temporária absoluta desde 21.02.2017 a 27.02.2017;
» o sinistrado está curado desde 27.02.2017, com uma incapacidade parcial permanente de 37,5%, considerando o factor de bonificação de 1,5 em função da idade do sinistrado (25 % x 1,5), sem IPATH.”

Procedeu-se a julgamento e proferiu-se a SENTENÇA ora alvo de recurso com o seguinte teor:
Face ao exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente, e, em consequência:
» condena-se a Ré “Companhia de Seguros A..., S.A.” a pagar ao Autor AA a quantia de € 14,97, relativamente a indemnização por incapacidades temporárias sofridas, acrescida de juros desde a data do vencimento de cada uma das prestações e até efectivo e integral pagamento;
» condena-se a Ré “Companhia de Seguros A..., S.A.” a pagar ao Autor a quantia de € 20, a titulo de despesas de deslocação, acrescida de juros de mora desde a data da realização da diligência de não conciliação até integral pagamento.
» absolve-se a Ré “Companhia de Seguros A..., S.A.” do pedido de reembolso formulado pelo “Instituto da Segurança Social IP – Centro Distrital de ... IP”.
» Custas da acção a suportar pelo Autor, pela Ré e pelo “ISS,IP”, na proporção do decaimento. (Cfr. Artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil)
Valor da acção alterado nos termos do artigo 120.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho: € 34,97 (cfr. artigos 297.º, n.º 1, 299.º, n.º 1, 306.º do Código de Processo Civil e artigo 120.º do Código de Processo do Trabalho).

RECURSO – FOI INTERPOSTO PELA RÉ- CONCLUSÕES APÓS APERFEIÇOAMENTO:

1. A MMa Juiz na douta sentença que ora se recorra alterou o valor da causa para 34,97€, ao ter alterado o valor da causa violou o disposto no artigo 120.º, n.º 3 do CPT e o disposto nos artigos 297.º, n.º 1 e 299.º, n.ºs 1 e 4 ambos CPC e ainda o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, denegando ao A. o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
2. O valor do recurso deverá ser fixado em 30.000,01€ (trinta mil euros e um cêntimo), atendendo à utilidade do mesmo, ao abrigo do artigo 641.º ex vi artigo 1.º, n.º 2 alínea c) do CPC, uma vez que o valor da causa apenas pode ser devidamente fixado a final, face aos elementos que se vierem a apurar e face ao valor da pensão que vier a ser fixada.
3. A sentença que ora se recorre padece de nulidades porque  deu como provado nos pontos K. L, M, N, O, P, Q, R, S, T, U e V da matéria que o Autor suportou despesas médicas e medicamentosas, deslocações, fisioterapia tendo o douto tribunal considerado para tal os documentos de fls. 330 (ponto K.), 330 a 342 (ponto L.), 343 e 353 (ponto M.), 343 verso (ponto N.), 344, 344 verso, 345, 346, 348, 350, 350 verso, 351 verso e 352 verso (ponto O), 345 verso, 347, 347 verso, 349, e 351 (ponto P.), 346 verso, 348 verso, 349 verso, 353 verso e 355 verso (ponto Q.), 352 (ponto R.), 354 (ponto S.), 355 (ponto T.), 356 a 373 (ponto U.) e 373 e 374 (ponto V.), mas paradoxalmente não condenou a R./recorrida a pagar ao mesmo as quantias despendidas.
4. As testemunhas do A. em sede de inquirição confirmaram que o sinistrado/A. gastou bastante dinheiro e que suportou as despesas que teve com exames, fisioterapia, consultas médicas, que inclusive teve momentos de dificuldades económicas.
5. A sentença  ao dar como provado que o Autor despendeu as quantias supra referidas, e não ter condenado a R./recorrida ao pagamento das mesmas, violou o estatuído no artigo 25.º, n.º 1 alíneas a), b), c), d), f),  i) por remissão do artigo 23.º, alínea a) da Lei 98/2009 de 4 de Setembro.
6. A MM Juiz ao não condenar a R./recorrida ao pagamento das despesas incorreu também em nulidade porque os fundamentos estão em oposição com a decisão, na justa medida em que dá como provado os pontos  K. L, M, N, O, P, Q, R, S, T, U e V, e  ao mesmo tempo, não condenou a R. no pagamento, nulidade esta que expressamente se argui no presente recurso, ex vi do disposto nos artigos 1.º, n.º 2, alínea c) e 77.º, do CPT e do artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC.
7. A douta sentença não deu como provado, no ponto 1. (dos factos não provados) que o acidente de trabalho sub judice foi causa directa e necessária da incapacidade permanente parcial do A./Recorrente.
8. Do auto de exame médico realizado pelo Perito médico do GML resultou (pág. 5 e 6) a incapacidade temporária absoluta fixada de 20/02/2017 até 26/12/2018; a existência de nexo causalidade entre as lesões e o acidente, assim como das sequelas resultaram incapacidade permanente absoluta para a atividade profissional habitual do A..
9. A Seguradora na tentativa de conciliação aceitou o nexo causal entre o acidente e as sequelas que o sinistrado/A. apresenta, sendo que, o nexo causal é uma questão que ficou decidida, na fase conciliatória, pelo que não podia a mesma ser novamente apreciada e decidida na fase contenciosa.
10. A douta decisão que aqui se recorre entendeu que o Recorrente/A./sinistrado padece de uma IPP de 37,5 %, mas excluiu que essa IPP tenha nexo de causalidade com o evento por alegadamente a sequela não ter origem do acidente.
11. No despacho saneador proferido a fls... dos presentes autos foi dado como assente na alínea D): “Como consequência, directa e necessária, do descrito acidente resultou-lhe traumatismo da região lombar, que provocou as lesões no auto de exame médico de fls. 239 a 242 dos autos, que aqui se dão como reproduzidas.”
12. O MM Julgador incorreu na douta sentença em manifesto excesso de pronúncia, uma vez que apreciou questões que não poderia tomar conhecimento, por já estar decidida quanto ao nexo de causalidade e ainda contradição, pelo que, a douta decisão padece de nulidade que se invoca e argui, nos termos do disposto no artigo 615.º. n.º 1, alíneas c) e d) parte final, e n.º 1, alínea e) do CPC.
13. Ao apreciar objecto diverso do pedido a douta decisão incorreu em nulidade, que se invoca e argui para todos os legais efeitos, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea e) ex vi artigo 609.º, n.º 1, ambos do CPC.
14. Padece ainda de contradição a sentença ao ter dado como provado o ponto D., mas não condenou a Seguradora por referir alegadamente não existir nexo causal (no qual já tinha sido dado como assente  no despacho saneador a fls...), incorrendo em nulidade, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC ex vi artigo 77.º do CPT.
     
Para além disso,
15. A decisão proferida no Apenso A de fixação da incapacidade para o trabalho, padece também de nulidade, na medida em que extravasou o objecto e a apreciação efectuada, assim como a referida junta médica, uma vez que os senhores peritos médicos estavam apenas  limitados a pronunciar-se sobre o grau de gravidade da lesão sofrida pelo sinistrado, incorrendo em nulidade que aqui se invoca.
16. A decisão proferida no apenso A. e a junta médica são nulas, nos termos do disposto no artigo 77.º ex vi artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d) do CPC, pois extravasam o objecto da perícia, assim como é contraditória com o facto dado como assente na alínea D) no despacho saneador a fls... dos autos principais que considerou: “Como consequência, directa e necessária, do descrito acidente resultou-lhe traumatismo da região lombar, que provocou as lesões no auto de exame médico de fls. 239 a 242 dos autos, que aqui se dão como reproduzidas.”
17. Em razão das arguidas nulidades, a douta decisão deverá ser revogada e ser condenada a seguradora/Recorrida nos termos supra expostos.Sem prescindir,
18. O recurso quanto à matéria de facto versa sobre os factos constantes no ponto E, 1.ª e 2.º parte, dos factos dados como provados e dos pontos 1., 2. e 3. dos factos dados como não provados da douta sentença e ainda versa sobre a junta médica e a sentença proferida no Apenso A, que foram incorrectamente julgados e existem no processo meios probatórios que impõem decisão diversa.
19. A MMa Juiz na douta sentença, no 2.º parágrafo da página 1, referiu que: “Decorrida a fase conciliatória do processo, as partes não chegaram a acordo, uma vez que a seguradora não aceitou o resultado do exame médico efectuado no GML (...)” [sublinhado nosso], mas esta referência é falsa porque a seguradora aceitou o resultado do exame efectuado no GML como resulta dos autos.
20. A decisão que aqui se recorre dá como provado no ponto D. da douta sentença que as lesões são consequência directa e necessária do acidente.
21. A questão do nexo causal entre as lesões e/ou sequelas sofridas pelo sinistrado é uma questão que ficou decidida, na fase conciliatória, e foi dada como assente no douto despacho saneador a fls.., pelo que não podia a mesma ser novamente apreciada e decidida na fase contenciosa.
22. Face ao disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil, impõe-se a anulação da junta médica realizada, bem como a subsequente sentença aqui recorrida, devendo proceder-se a nova junta médica onde, respeitando a matéria já assente no auto de conciliação quanto ao nexo causal entre o acidente e as lesões/sequelas constantes do auto de conciliação, fixe a incapacidade ao sinistrado.
23. A douta sentença deu como provado no ponto E , que: “As lesões sofridas pelo Autor determinaram-lhe incapacidade temporária absoluta para o trabalho de 21/02/2017 a 27/02/2017, data em que ficou curado, sem sequelas do acidente”. [sublinhado nosso].
24. Com a devida vénia, a matéria  da sentença no ponto E, 1.ª parte, dada como provada padece de erro de apreciação da prova, uma vez que no ponto E) do despacho Saneador proferido a 11/12/2020, foi dado como assente, segundo o artigo 131.º, n.º 1 do CPT que ” As lesões sofridas pelo autor determinaram-lhe incapacidade temporária absoluta para o trabalho de 21/02/2017 a, pelo menos, 27/02/2017. [sublinhado nosso].
25. A MMa Juiz na douta sentença ao dar como provado no ponto E, 1.ª parte um facto em total contradição ao que já se encontrava assente no ponto E) do despacho saneador, incorreu em total contradição e nulidade.

26. Dos elementos constantes dos autos resulta do exame médico realizado pelo médico do GML, que o sinistrado padeceu  de ITA desde 20/02/2017 a, pelo menos 28/12/2018.

27. Foi dado como provado no ponto D. da douta sentença que as lesões padecidas pelo sinistrado como consequência directa e necessária do acidente lhe provocou as lesões mencionadas no auto de exame médico de fls. 239 a 242 dos autos e a fls 242 dos autos menciona a data da alta do sinistrado a 28/02/2020.

28. A MMa juiz não devia ter dado como provado que o Autor esteve com ITA de 21/02/2017 a 27/02/2017, porque segundo a documentação médica junta aos autos e o relatório do GML, o sinistrado foi submetido a uma cirurgia em 24/02/2020 (artroplastia da anca esquerda com alta no dia 28/02/2020. (Cfr. Relatório N.º ... do GML de fls. 239 a 242 dos autos)., o sinistrado esteve com uma ITA por muito mais tempo.

29. Existe manifesta contradição no ponto E, 1.º parte dos factos provados, pelo que a decisão deverá ser anulada nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 2, do CPC, que aqui se invoca para todos os legais efeitos.

30. A douta sentença recorrida, nesta parte deve ser revogada sendo alterada a resposta dada na 1.ª parte do ponto E., devendo passar a constar quanto à matéria de facto provada que: “ As lesões sofridas pelo Autor determinaram-lhe incapacidade temporária absoluta para o trabalho de 21/02/2017 a, pelo menos 26/12/2018, data em que não ficou curado, e ficou com sequelas do acidente.

31. A douta sentença deu como provado no ponto E, 2.ª parte que: “As lesões sofridas pelo Autor determinaram-lhe incapacidade temporária absoluta para o trabalho de 21/02/2017 a 27/02/2017, data em que ficou curado, sem sequelas do acidente. (negrito e sublinhado nosso).

32. A 2.ª parte do ponto E)  dada como provada, padece de erro de apreciação da prova, uma vez que a sentença também deu como provado no ponto D) dos factos provados que: “Como consequência, directa e necessária, do acidente resultou-lhe traumatismo da região lombar, que provocou as lesões no auto de exame médico de fls. 239 a 242 dos autos, que aqui se dão como reproduzidas.

33. Do auto da tentativa de conciliação resultou que a Seguradora aceitou a existência do acidente, a caracterização, o nexo de causal entre o acidente e as lesões descrita no auto de exame de médico consideradas pelo Perito médico do GML, tendo as sequelas resultantes do acidente de trabalho sido aceites pelas partes na tentativa de conciliação têm as mesmas de se considerar definitivamente assentes, nos termos do artigo 131.º, n.º 1 alínea c) do CPT.

34. Os senhores peritos da seguradora e do tribunal disseram que o sinistrado apresenta uma IPP de 25% (que terá ainda que ser necessariamente objecto do factor de bonificação em função da idade), mas não atribuem nexo com o evento ao contrário do Senhor Perito do Sinistrado que considera que existe nexo de causalidade entre a necrose da cabeça femural esquerda e o evento traumático ocorrido em 20-02-2017, com uma IPP e IPATH de 25%.

35. Se dúvidas houvesse, por parte da MMa Juiz podia ter determinado nova junta médica para seu esclarecimento, o que não pode é, salvo o devido respeito, considerar que o sinistrado não é portador de sequelas incapacitantes por estas não serem atribuíveis ao acidente em discussão nos autos, quando tal facto já foi aceite pelas partes.

36. A questão do nexo causal entre as lesões e/ou sequelas que o sinistrado apresenta é uma questão que foi decidida “arrumada” na fase conciliatória, pelo que não podia a mesma ser novamente apreciada e decidida na fase contenciosa.

37. Não poderia a junta médica considerar o sinistrado curado e, por consequência o tribunal a quo, com base na referida junta médica, dar como provado que o sinistrado ficou sem sequelas, quando a mesma em sede conciliatória ficou assente.

38. A douta sentença recorrida deve ser revogada sendo alterada a resposta dada na 2.ª parte do ponto E., devendo passar a constar quanto à matéria de facto provada no ponto E que: “As lesões sofridas pelo Autor determinaram-lhe incapacidade temporária absoluta para o trabalho de 21/02/2017 a, pelo menos, 26/12/2018, sem estar curado e com sequelas do acidente.”

39. Considera o recorrente que o ponto 1 dos factos não provados da douta sentença merece prova positiva ao contrário do decidido.

40. Segundo o relatório do GML existe nexo de causalidade entre a necrose avascular da cabeça do femoral esquerda secundária, unilateral, e o evento traumático ocorrido em 20-02-2017, facto que se encontra assente, mas que a MMa Juiz teve apenas em atenção essencialmente o resultado do exame médico-legal realizado no apenso e os esclarecimentos prestados pelos Senhores peritos em sede de audiência de julgamento, que, apesar de concluírem que o sinistrado apresenta efectivamente uma IPP de 37,5 %, excluem que essa IPP tenha nexo com o evento por a sequela de que o sinistrado padece não terá origem no acidente, decisão que incorre em clara violação do princípio da livre apreciação da prova.

41. A Ex.ma Senhora Perita médica do GML considerou e atribuiu ao sinistrado uma IPP de 25,00%, com IPATH.

42. A Digníssima Senhora Procuradora do Ministério Público, no dia da tentativa de conciliação proferiu despacho a retificar a IPP fixada pelo Gabinete Médico Legal ..., com o seguinte teor: DESPACHO ”No relatório de perícia médica de fls. 239 a 242 a Sr.ª Perita médica fixou ao sinistrado uma IPP de 25,00%, com Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual (IPATH), mas não considerou o factor de bonificação de 1,5 previsto na al. a) do n.º 5, do Anexo I da TNI, por força do que a IPP em causa é a de 37,50% (25,00 % x 1,5), e os senhores peritos da junta médica atribuíram igual valor de IPP ou seja, 37,5%, mas excluem o nexo causal quando o mesmo foi aceite pela Seguradora, quer na fase conciliatória, quer posteriormente na contestação que apresentou.

43. A R. Companhia de Seguros A..., S.A. apresentou contestação onde alegou o seguinte: “ 6. Tal como resulta dos autos, a Ré aceitou, já em fase conciliatória, que o A. foi vítima de um acidente de trabalho em 20/02/2017, em ... - ....  7. E aceita também que à data do sinistro se encontrava transferido o salário acima nesta peça referido.  8. Aceita-se igualmente a existência do acidente, a sua caracterização como de trabalho e o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões apresentadas. 19.A Ré aceita, por corresponder à verdade, a matéria vertida nos artigos 1.º a 6.º; 33.º, 34.º, embora este enferme do que se admite tratar-se mero lapso de escrita ao referir o artigo 28º; 35.º, 37.º a 41.º, estes na medida em que reproduzam fielmente a posição assumida pela Ré em sede de Tentativa de Conciliação, todos inclusive, da douta p.i..
44. As sequelas resultantes do acidente de trabalho tendo sido aceites pelas partes na tentativa de conciliação têm as mesmas de considerar-se definitivamente assentes, nos termos do artigo 131.º, n.º 1 alínea c) do CPT.
45. Não foi posto em causa o nexo causalidade entre as sequelas apresentadas pelo sinistrado e o acidente, mas apenas, a atribuição do grau de incapacidade às sequelas/lesões apresentadas, as quais foram consideradas decorrentes do acidente, veja-se o auto de conciliação e a contestação da R. nos seus artigos 8.º, 9.º e 19.º.
46. A ter apreciado uma questão que se encontrava aceite pelas partes, a douta sentença incorreu em violação do caso julgado, que aqui se invoca e argui para todos os legais efeitos.
47. Resulta ainda do depoimento da testemunha BB que o sinistrado em consequência da queda que teve em fevereiro de 2017 ficou incapacitado para trabalhar, não tendo trabalhado mais desde a data em que sofreu o acidente.
48. Não podemos ainda descurar que existem elementos documentais, tais como o relatório médico do GML que atribui nexo causal entre o traumatismo e o dano ocorrido no evento/sinistro que se encontra em discussão (excluindo expressamente a pré-existência de dano  corporal) e a incapacidade no qual padece o recorrente.
49. Existe ainda na prova testemunhal e da prova pericial elementos que impõem decisão diversa.

50. Tal ponto 1 dos factos não provados está em contradição com a alínea D) dos factos provados.
51. Em razão de tudo o que antecede, impõe-se que se altere a resposta do facto dado como não provado no ponto 1 para provado, passando a constar que:  “A incapacidade permanente parcial referida em AA é consequência direta e necessária do acidente descrito em C.”.
52. Considera o recorrente que os pontos 2 e 3 dos factos não provados da douta sentença merecem prova positiva ao contrário do decidido.
53. Foi dado como não provado no ponto 2 que: “O Autor efectuou despesas para se deslocar ao Centro de Saúde ..., aos Hospitais e médicos de especialidade, deslocações efectuadas em viatura própria conduzida por familiares a quem solicitava, uma vez que não dispunha de transportes públicos da sua área de residência, para as unidades de saúde, tendo despendido a quantia global de € 935,71.
54. E ainda foi dado como não provado no ponto 3 que: “As despesas médicas e medicamentosas descritas de G. a V. foram consequência do acidente.”
55. O sinistrado em declarações de parte o A. esclareceu o tribunal que do acidente teve sequelas ao nível da anca e que os médicos da companhia não fizeram o diagnóstico correto, tendo-se socorrido de outros especialistas de saúde, porque o médico da Companhia de seguros dizia-lhe que estava a ser pressionado pela Companhia para dar alta, mas como não estava curado e tinha que ir para a médica de família, Cfr. minuto 06:09 até ao minuto 17:50 e do minuto 19m30s até ao minuto 20m30s.
56. A testemunha do A. CC confirmou que o sinistrado/A. desde o dia em que caiu na ..., e depois veio para Portugal, andou em hospitais, fisioterapias em que gastou dinheiro e todos os exames que o sinistrado fez foi ele que pagou e gastou muito dinheiro, desde o minuto 02:56 até ao minuto 04:44 e ainda o depoimento da testemunha BB, do minuto 06:04 ao minuto 07:22.
57. A decisão do ponto 3. dos factos não provados padece de manifesta contradição com os factos provados sob as alíneas D, K, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, U e V da douta sentença.
58. Em razão de tudo o que antecede, impõe-se que se altere a resposta de não provada nos pontos 2 e 3 para provados.
59. Incorreu nessa medida em erro de julgamento a decisão dos pontos 1., 2., e 3. dos factos não provados na douta sentença.
60. Com o devido respeito pelo doutamente decidido e salvo melhor opinião, entende o recorrente que a decisão proferida nos termos em que o foi, praticando os erros que supra se evidenciaram quanto à matéria de facto, fruto da incorreta e/ou incompleta análise dos factos e provas, violou cabal e frontalmente várias normas e princípios jurídicos o que jamais se pode aceitar, pelo que se impõe igualmente a sua reapreciação.
61. Entende o recorrente que a decisão da douta sentença proferida no processo principal, o exame de junta médica e ainda a decisão proferida no Apenso A, violaram os artigos 8.º e 10.º da LAT, os artigos 352.º, 353.º, n.º 2 e 356.º, todos do CC ex vi artigo 1.º, n.º 2, alínea a), os artigos 112.º, 131.º, n.º 1, alínea c) e 135.º, todos do CPT e ainda o princípio da livre apreciação da prova ínsito no artigo 607.º, n.º 4 e 5 do CPC ex vi artigo 1.º, n.º 2, alínea c) do CPT.
62. A douta decisão que aqui se recorre violou ainda o caso julgado dos factos assentes e dados como provados nos presentes autos, nos termos do disposto nos artigos 112.º e 131.º, n.º 1, alínea c), ambos do CPT, que aqui se invoca.
63.  A douta sentença incorreu ainda em violação dos artigos 23.º e 25.º, n.º 1 alíneas a), b), c), d) f) i) da Lei 98/2009, de 04 de setembro.
64. Como decorre das alíneas B. e C. dos factos provados, os factos ocorreram quando o sinistrado prestava a sua actividade ao serviço e sob as ordens, direcção e fiscalização da sua entidade empregadora, designadamente quando se encontrava a revisar/fiscalizar uma placa que estava a ser construída em betão, ao descer da rampa/escadas do 1.º piso, ainda em construção, o Autor escorregou e caiu desamparado, de uma altura de cerca de um metro, ao chão e ficou imobilizado durante cerca de 15 minutos, sem se conseguir mexer. trata-se, portanto, inequivocamente, de um acidente de trabalho.
65. O sinistrado estava dispensado de provar o nexo de causalidade entre as lesões sofridas e o acidente, por o mesmo se presumir nos termos do referido artigo 10.º da LAT.
66. A seguradora declarou, expressamente, aceitar a existência do acidente, a sua caracterização como de trabalho e o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões apresentadas e a transferência do salário reclamado pelo sinistrado de € 26.445,76 anual e a quantia de €20,00 em deslocações ao GML e ao Tribunal.
67. Concluindo-se que houve aceitação expressa e reportada àquele facto concreto, relativo à retribuição auferida pelo sinistrado, atento o disposto nos artigos 112.º, n.º 1 e 131.º, n.º 1, alínea c) do CPT, ao proceder ao saneamento do processo, o Tribunal “a quo” não podia deixar de o considerar assente que a IPP que padece o aqui recorrente é consequência directa e necessária do acidente em discussão, Cfr. Ponto D. dado como provado.
68. A douta sentença ao referir na douta motivação a alegada falta de nexo causal incorreu em manifesta violação da livre apreciação da prova constante nos presentes autos.
69. Ao rejeitar a consideração do facto como matéria assente e provada no ponto D. e da matéria assente no douto despacho saneador e do Auto de não conciliação a fls..., violou o julgador a quo o regime da confissão ínsito no Código Civil, nomeadamente os artigos 352.º, 353.º, n.º 1 e 356.º, n.º 2, daquele diploma legal.
70. A douta decisão deverá ser revogada e alterada, e consequentemente ser condenada a Ré/recorrida  a pagar ao A. a pensão anual e vitalícia a que o mesmo tem direito, o subsidio de elevada incapacidade permanente, a quantia das diferenças na indemnização por IT´s, as despesas que o A. despendeu em deslocações, taxas moderadoras, consultas, medicamentos, sessões de fisioterapia, e os juros de mora à taxa legal nos termos  peticionados/expostos.

Termos em que, e nos que Vossas Excelências superiormente suprirão, devem ser julgadas verificadas as arguidas nulidades, impõe-se a revogação da douta sentença ora recorrida, do exame de junta médica e da decisão proferida no Apenso A e, consequentemente julgar a decisão nos termos supra peticionados pelo ora recorrente, condenando a R./Recorrente no pagamento dos valores que o A. tem direito nos termos da lei...

CONTRA-ALEGAÇÕES: sem contra-alegações.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO: sustenta-se a manutenção da decisão recorrida.

RESPOSTA DO RECORRENTE - repete a argumentação.
O recurso foi apreciado em conferência – 659º, do CPC.

QUESTÕES A DECIDIR [1]: fixação do valor da causa; nulidades da sentença; Impugnação da matéria de facto no que se refere ao nexo de causalidade entre as lesões/sequelas e incapacidade temporária e permanente.

I.I. FUNDAMENTAÇÃO

A) FACTOS:

Factos provados:

A. O Autor AA nasceu em .../.../1971.
B. No dia 20 de Fevereiro de 2017, cerca das 9 horas, o Autor trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização da empresa “A..., S.A.”, com a categoria profissional de armador de ferro, mediante a retribuição anual global bruta de € 26.445,76 (€ 557 x 14 + € 1.553,98 x 14, respectivamente, salário base e ajudas de custo).
C. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em B., quando se encontrava a revisar/fiscalizar uma placa que estava a ser construída em betão, ao descer da rampa/escadas do 1.º piso, ainda em construção, o Autor escorregou e caiu desamparado, de uma altura de cerca de um metro, ao chão e ficou imobilizado durante cerca de 15 minutos, sem se conseguir mexer.
D. Como consequência, directa e necessária, do acidente resultou-lhe traumatismo da região lombar, que provocou as lesões no auto de exame médico de fls. 239 a 242 dos autos, que aqui se dão como reproduzidas.
E. As lesões sofridas pelo Autor determinaram-lhe incapacidade temporária absoluta para o trabalho de 21/02/2017 a 27/02/2017, data em que ficou curado, sem sequelas do acidente.
F. A Ré pagou ao Autor a quantia de € 340,06 a título de indemnização por IT.
G. O Autor efectuou uma consulta no Hospital ... com o Dr. DD em 18/01/2019 e em 02/05/2019.
H. O Autor efectuou um RX da bacia em 09/04/2019 e um em 09/05/2019.
I. O Autor foi observado em consulta na especialidade de Ortopedia no Hospital ... em 27/08/2019.
J. O Autor foi submetido a artroplastia total da anca esquerda em 24/02/2020.
K. O Autor socorreu-se do Serviço Nacional de Saúde – Centro de Saúde ... – em 05.01.2017, tendo despendido € 4,50 em taxas moderadoras.
L. O Autor socorreu-se do Serviço Nacional de Saúde – Centro de Saúde ... – entre Junho de 2017 e Maio de 2020, onde despendeu em taxas moderadoras o valor de € 221.
M. O Autor, nas consultas realizadas no C..., EPE, em 20.07.2017 e em 27.11.2019, despendeu € 42,10 em taxas moderadoras.
N. O Autor, nas consultas realizadas no Hospital ..., em 16.02.2018, despendeu a quantia de € 60.
O. O Autor, nas consultas, exames e análises, realizadas no Hospital ..., em 14.03.2018, 19.03.2018, 14.09.2018, 18.01.2019, 02.05.2019, 22.05.2019, 10.07.2019, 27.08.2019, 26.11.2019, despendeu a quantia de € 76.
P. O Autor, nas consultas, exames e análises, realizados no Hospital ... em 07.12.2018, 09.04.2019, 09.05.2019, 13.07.2019, despendeu a quantia de € 123,30.
Q. O Autor, nas consultas realizadas na Clínica ..., em 03.04.2019, 08.05.2019, 15.05.2019, 20.02.2020, 07.08.2020, despendeu a quantia de € 300.
R. O Autor, na consulta realizada no Hospital ... em 22.10.2019, despendeu a quantia de € 60.
S. O Autor, em exames realizados na Santa casa da Misericórdia de ... em 22.02.2020, despendeu a quantia de € 5,50.
T. O Autor, em consultas realizadas na Policlínica de ..., em 05.05.2020 despendeu a quantia de € 40.
U. O Autor despendeu, entre Julho de 2017 e Maio de 2020, na farmácia em medicamentos a quantia global de € 590,60.
V. O Autor efectuou em 05.05.2020, 28.05.2020, 26.06.2020 e 30.07.2020, sessões de fisioterapia, onde despendeu a quantia global de € 370.
W. O Autor suportou a quantia de € 20 em deslocações para o tribunal e o GML.
X. Na data do acidente, a “A..., S.A.” tinha transferido para a Ré, a responsabilidade por acidentes de trabalho, através do contrato de seguro reportada, quanto ao Autor, à retribuição anual bruta de € 26.445,76.
Y. O Autor é beneficiário do Instituto da Segurança Social, IP, através do Centro Distrital ..., inscrito sob o n.º ...53.
Z. O C..., IP pagou ao Autor o montante de € 14.383,72, a título de subsídio de doença no período de 13/07/2017 a 27/11/2018.
Nos termos do artigo 135.º do Código de Processo do Trabalho:
AA. O sinistrado apresenta uma incapacidade permanente parcial de 37,5% (25% x 1,5 – factor de bonificação em função da idade), sem IPATH.
*
Factos Não Provados

1. A incapacidade permanente parcial referida em AA. é consequência directa e necessária do acidente descrito em C.
2. O Autor efectuou despesas para se deslocar ao Centro de Saúde ..., aos Hospitais e médicos de especialidade, deslocações efectuadas em viatura própria conduzida por familiares a quem solicitava, uma vez que não dispunha de transportes públicos da sua área de residência, para as unidades de saúde, tendo despendido a quantia global de € 935,71.
3. As despesas médicas e medicamentosas descritas de G. a V. foram consequência do acidente.

B) VALOR DA CAUSA

O valor da causa foi fixado em 7.456,67€ no despacho saneador, sem que tenha sido interposto recurso.

Aquando da prolação da sentença o valor foi alterado nos seguintes termos:
Valor da acção alterado nos termos do artigo 120.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho: € 34,97 (cfr. artigos 297.º, n.º 1, 299.º, n.º 1, 306.º do Código de Processo Civil e artigo 120.º do Código de Processo do Trabalho).”
O autor contesta o valor e pretende que o mesmo seja fixado em 30.000,01€. Sustenta nas alegações que:
“…deve atender-se à utilidade económica imediata do pedido (artigo 296. º, n.º 1 do CPC) e ao disposto nos artigos 297.º , n.º 1 e 299.º ,n.º 1 do CPC, uma vez que foram formulados vários pedidos pelo A. respeitantes para além de uma pensão anual e vitalícia calculada com base na retribuição dada como provada no ponto B) dos factos provados, com  base no valor de 4.599,96 € a título de subsidio por situação de elevada, foi peticionada ainda o seguinte: A quantia que vier a apurar-se ser devida a título de diferenças na indemnização por IT´s;  a quantia de 20,00 €; a título de despesas de deslocação para comparência obrigatória ao Gabinete Médico Legal ... e a este tribunal;  a quantia de 233,50 € que despendeu em taxas moderadoras; a quantia de 706,90 €, que despendeu em consultas na especialidade de neurocirurgia e ortopedia, com exames e análise clínicas; a quantia de 509,60 €, que despendeu em medicamentos;  a quantia de 935,71€, que despendeu em deslocações ao Centro de Saúde ..., aos hospitais e médicos da especialidade e a quantia de 370,00 €, que despendeu em sessões de fisioterapia;” e que “….a decisão que ora se recorre viola, de forma grosseira, a garantia de acesso aos tribunais do aqui recorrente (artigo 2.º do CPC), constituindo, maxime, um evidente e ilícito obstáculo ao seu acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa)…”
O autor não tem razão na reclamação. Não há que recorrer ao CPC, porque a lei adjectiva laboral tem norma especial.

O CPT dispõe em norma própria o seguinte (artigo 120º - valor da causa-):
1 - Nos processos de acidentes de trabalho, tratando-se de pensões, o valor da causa é igual ao do resultado da multiplicação de cada pensão pela respectiva taxa constante das tabelas práticas aplicáveis ao cálculo do capital da remição, acrescido das demais prestações.
2 - Tratando-se de indemnizações por incapacidade temporária, o valor é igual a cinco vezes o valor anual da indemnização; tratando-se de indemnizações vencidas, o valor da causa é igual ao da soma de todas as prestações.
3 - Em qualquer altura o juiz pode alterar o valor fixado em conformidade com os elementos que o processo fornecer.”
Nos termos do normativo, a senhora juiz poderia, na sentença, alterar o valor anteriormente fixado (do qual não houve recurso embora inferior á alçada da Relação) e os critérios a atender seriam os suprarreferidos e não os previstos no CPC.
Pese embora o autor tenha formulado vários pedidos, face à improcedência da maior parte (incluindo as prestações referentes a IPP, IPATH, ITA), a senhora juiz reduziu o valor da acção precisamente aos valores das prestações pedidas e concedidas (34,97€), o que está conforme ao normativo.
Não há violação do direito ao acesso a tutela jurisdicional. Em primeiro lugar, porque os processos emergentes de acidente de trabalho admitem sempre recurso para o Tribunal da Relação, independentemente do seu valor - 79º, b), CPT. A impossibilidade de recurso de revista para o STJ não representa denegação de justiça, contendo, aliás, o regime deste recurso várias restrições, como a “dupla conforme” ou a impossibilidade de recurso sobre a matéria de facto.
Em segundo lugar, mesmo que não se tratasse de causa que, pela espécie, admitisse sempre recurso para a Relação, ainda sim, haveria a “válvula de escape” que torna sempre admissível o recurso das decisões respeitantes ao valor da causa - 629º, 2, b) CPC. A ser dado provimento a este, o recurso principal passaria a ser admissível (em termos de valor), pelo que está sempre assegurado o direito de recurso.
Improcede a questão.

C) NULIDADES DA SENTENÇA

O recorrente invoca múltiplas e variadas nulidades ao longo do recurso, de forma confusa e não sistematizada.

Separando-as:

Da contradição da decisão:
Começa o recorrente por dizer que ocorre nulidade da decisão por contradição nos seus termos porque se “…deu como provado nos pontos K. L, M, N, O, P, Q, R, S, T, U e V da matéria que o Autor suportou despesas médicas e medicamentosas, deslocações, fisioterapia tendo o douto tribunal considerado para tal os documentos de fls. …. mas paradoxalmente não condenou a R./recorrida a pagar ao mesmo as quantias despendidas.”.
Segundo o artigo 615º, 1, do CPC, é nula decisão quando:… c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
A contradição entre os fundamentos e decisão reporta-se a um vício de raciocínio lógico que ocorre quando os fundamentos invocados não condizem com o resultado que é a decisão final. Trata-se de um erro de contradição lógica porque o fundamento em que a decisão final se baseia leva necessariamente a conclusão oposta à proferida[2]. Distingue-se, assim, do erro de julgamento que se reporta a uma errada aplicação do direito aos factos e que é sindicável por via de recurso.
A ambiguidade ou obscuridade constituem casos de ininteligibilidade que se reportam unicamente à parte decisória da sentença e não se estendem à fundamentação e que relevam quando um declaratário normal não consiga alcançar um sentido inequívoco, ainda que por recurso à fundamentação da decisão[3]. Ocorre obscuridade quando a decisão é ininteligível e se presta a dúvidas. Ocorre ambiguidade quando alguma passagem da decisão não é clara por comportar vários sentidos ou diferentes interpretações[4].
No caso, por um lado, o resultado da sentença (o chamado dispositivo) é completamente coerente com a fundamentação de facto e de direito. Na verdade, embora se tenha provado que o autor sofreu despesas, também se deu como provado que o autor ficou curado sem sequelas em 27-02-2017, sendo as despesas posteriores e não relacionáveis ao acidente. Na verdade, deu-se como não provado que estas despesas fossem consequência do acidente. Na fundamentação referiu-se que a IPP de que o autor padece não tem nexo com sequela decorrente do evento em causa dos autos, tendo origem natural. Logo, absolveu-se a ré do pedido. O resultado compatibiliza-se, pois, com a premissa. Finalmente, o dispositivo é claro, não comportando qualquer das referidas deficiências, pois não há dúvida sobre o sentido da decisão (as pretensões foram indeferidas).
Refere também contradição entre o facto de se ter provado que, em consequência do acidente, para o sinistrado resultou “....traumatismo da região lombar, que provocou as lesões no auto de exame médico…”, o facto de se ter atribuído uma IPP e de, ainda assim, a ré ter sido absolvido do pedido. Afirma que a decisão proferida no apenso de incapacidade, ao atribuir uma IPP e a ré não ser condenada a pagar-lhe pensão, sofre de igual nulidade.
Damos por reproduzidas as anteriores considerações. A decisão é coerente ao absolver a ré do pedido por considerar que a IPP (fixada no apenso) que atinge o autor resulta de sequelas, que são diferentes de lesões, não relacionáveis com o acidente. Refere-se na decisão que a sequela actual é um problema da anca, ao passo que a lesão e sequela temporária decorrente do acidente foi um traumatismo na zona lombar. Diz-se : “Com efeito, concluíram os Senhores Peritos – por maioria do tribunal e seguradora – que, em consequência do acidente, o sinistrado sofreu uma lombalgia de esforço (lesão), e, embora admitam que este é portador de “necrose avascular da cabeça do fémur”, concluem que tal é uma patologia natural, que não terá origem no evento ...” Saber se a sequela resulta ou não do acidente respeita ao julgamento da matéria de facto e não a vício de nulidade.
 
Do excesso de pronúncia:
Segundo o artigo 615º, 1, a sentença é nula quando, no que ao caso interessa, “d) O juiz ...conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
O excesso de pronúncia sobre “questões” refere-se aos pedidos deduzidos, causas de pedir e excepções, conforme tem sido decidido uniformemente pela jurisprudência[5] e acolhido pela doutrina[6]. Não poderá o juiz debruçar-se sobre causas de pedir não invocadas ou de exceções não deduzidas e que estejam na exclusiva disponibilidade das partes - 698º, 2, CPC
Refere o recorrente que já “estava decidido” o nexo de causalidade entre as lesões/sequelas e o acidente, porque na tentativa de conciliação tal facto já tinha sido aceite.
Refere-se também que a decisão que fixou a incapacidade extravasou o objecto do processo, bem como a análise feita pelos peritos que se devam cingir à apreciação da incapacidade.
Do invocado pelo recorrente logo se evidencia o equívoco. Não estamos perante uma questão de excesso de pronúncia, mas sim perante impugnação do julgamento da matéria de facto, a analisar em sede própria.
Na verdade, o nexo de causalidade é um dos elementos em que se decompõe o acidente de trabalho que está e causa nos autos e que foi submetido à apreciação do tribunal, logo é uma “questão” a decidir nos termos acima referidos - 8º da NLAT (Lei 98/2009, de 4-09)
Questão diversa é saber se tal facto (nexo de causalidade) se deveria considerar assente por ter havido acordo na tentativa de conciliação - 112º, e 131º, 1, c), CPT. Trata-se, como referido, de apreciar se o julgamento da matéria de facto é correcto, ou seja, se avaliou bem as cominações decorrente do ónus de tomar posição definida sobre factos.
Diga-se, finalmente, que a decisão proferida no apenso de incapacidade limitou-se a pronunciar-se sobre o grau e períodos de ITA e de IPP, tal como lhe competia - 132º e 135. Quanto aos mais referido pelo recorrente, diga-se que as nulidades do art. 615º CPC referem-se a sentenças e despachos e não ao laudo dos peritos que está sujeito a regime próprio de reclamação previsto no artigo 485º CPC, ou, quiçá, ao regime geral de irregularidade de actos do artigo 195º CPC, misturando-se, mais uma vez, conceitos.
Condenação em objecto diverso:
Ainda a propósito de pretensamente ter havido acordo na tentativa de conciliação sobre nexo de causalidade entre acidente e sequelas, menciona o recorrente a condenação em objecto diverso.
Segundo o artigo 615º/1, CPC, é nula se sentença quando:
…e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
Esta disposição relaciona-se com uma outra, a saber, o artigo 609º/1, CPC, que estipula:
”A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir”
Estas normas são sobretudo informadas pelo princípio do dispositivo segundo o qual compete às partes escolher a tutela ou providência que pretendem.
No caso, diga-se, que à matéria de acidentes de trabalho subjazem razões de interesse público e imperatividade, que a “rouba” à disponibilidade das partes, mormente declarando-se como nulos os actos de sinistrado que renunciem a direitos conferidos pela lei (por exemplo pensões) - vg. artigo 12º NLAT.
Ademais, a senhora juiz não condenou, nem absolveu, em objecto diverso/superior, ao invés pronunciou-se sobre os pedidos formulados em causa nos autos, incluindo o direito a pensão e indemnização por incapacidades, que recusou. Mais uma vez confunde-se julgamento da matéria de facto com vício de nulidade.
Improcedem todas as arguições de nulidade.

D) RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

A decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada pelo tribunal da Relação se os factos considerados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem, e não somente admitirem, decisão diferente – art. 662º do CPC.
A utilização do verbo “impor” confere um especial grau de exigência na modificação da materialidade que apenas deve ser revista se houver um claro e flagrante erro de julgamento. Não se trata de reapreciar a prova como se fosse um novo julgamento, mas de, com referência à matéria impugnada, rastrear os casos de clara desarmonia entre a prova disponível e a decisão tomada, as incongruências ou outras anomalias que claramente sobressaiam. Ou seja, o julgador do tribunal superior tem de estar bem seguro de que a prova foi mal apreciada e, só nessa circunstância, a deve modificar[7].
O autor começa por criticar o segundo parágrafo da pág. 1 da sentença. Mas o recurso sobre a matéria de facto reporta-se aos factos que são julgados provados ou não provados e não às afirmações proferidas na sentença.
Seguidamente refere que impugna: os pontos provados E) quanto à data de termo de ITA e quanto ao facto de não ter sequelas; os pontos não provados 1, 2 e 3 e a decisão de fixação da incapacidade no apenso

O ponto E tem a seguinte redacção:
E. As lesões sofridas pelo Autor determinaram-lhe incapacidade temporária absoluta para o trabalho de 21/02/2017 a 27/02/2017, data em que ficou curado, sem sequelas do acidente.

Este ponto é parcialmente “trazido” do ponto 2 do despacho saneador que tinha a seguinte redacção:
“As lesões sofridas pelo Autor determinaram-lhe incapacidade temporária absoluta para o trabalho de 21/02/2017 a, pelo menos, 27/02/2017”
A senhora juiz supriu a expressão “pelo menos”, contra o que se insurge o recorrente, alegando erros de apreciação, tudo misturado com nulidades por contradição.
Quanto às nulidades as mesmas não se verificam, remetendo-se para o supra referido, para além de a nulidade por contradição se reporta a uma só decisão e não por referência a decisões sucessivas.
O que poderia estar em causa seria uma questão de caso julgado formal positivo, isto é, saber o facto se poderia dar por definitivamente assente no despacho saneador. Mas, a doutrina/jurisprudência vinha já respondendo de forma negativa no âmbito da anterior revisão do CPC (1995-96), referindo-se que os factos assentes “não constituindo uma decisão, mas a mera organização de um conjunto de factos para boa disciplina das fases ulteriores do processo, essa selecção não formava caso julgado formal” - José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de PC anotado, Vol 2, 4ª ed., p. 668.
Ademais, a ré não aceitou os períodos maiores de ITA na tentativa de conciliação.
De todo o modo, diga-se que em termos de desfecho do processo nenhuma diferença existe na utilização das duas expressões, pois, ainda que permanecesse a redacção de que a ITA foi “pelo menos até 27/02/2017”, em vez da expressão mais perentória “foi até 27/02/2017), não seria por aí que o autor teria direito a indemnização por maior período de ITA. Na verdade, para tanto, teria de provar pela positiva qual foi esse período maior em que esteve em ITA.

Impugnação dos períodos e incapacidades atribuídas
Diz o recorrente que esteve de ITA até pelo menos 28-12-2018. Alude a documentação junta aos autos, relatório do GML, onde se alude a artoplastia da anca esquerda em 24-2-20 e alta a 28-02-20.
Reclamação ainda contra o facto de ter sido considerado curado sem sequelas e sem IPP (parte final do ponto E)
Aqui o “meio de prova” esgrimido para fundamentar uma resposta diferente é uma suposta aceitação por parte da seguradora na tentativa de conciliação do nexo de causalidade entre o evento e a lesão, pelo que não poderia o tribunal imiscuir-se na causalidade, que estaria “arrumada”.
Vejamos:
Na tentativa de conciliação as partes são obrigadas a tomar posição expressa sobre determinados aspectos. Não existindo acordo terão de se pronunciar sobre os factos atinentes à existência e à caracterização do acidente, ao nexo causal entre a lesão e o acidente, à retribuição do sinistrado, à entidade responsável e à natureza e grau da incapacidade atribuída- 111º CPT. O objectivo é reduzir a litigiosidade das fases subsequentes e encaminhar a tramitação posterior dos autos, que será tanto mais simples quanto menos forem as questões controvertidas, sendo a celeridade um dos objectivos inerentes a um processo norteado por princípios de ordem e interesse público e social - 139º CPT.
O auto de tentativa de conciliação é vinculativo quanto aos factos que ali constam como aceites- 112º e 131º, 1, c), CPT.
Ora, a seguradora pese embora tenha declarado que “aceita a caracterização do mesmo como acidente de trabalho. Aceita o nexo causal entre o referido acidente e as lesões descritas no auto de exame médico ...” também declarou queNão aceita o resultado do resultado do exame médico efectuado no GML, ou seja não aceita a avaliação da incapacidade atribuída pela perita médica do GML; nem as alterações ali efectuadas aos períodos de ITA. E, no despacho saneador (parágrafo 4), ficou assente que “Como consequência, directa e necessária, do acidente resultou-lhe traumatismo da região lombar...”, factualidade transposta para a alínea D dos factos provados e que não é questionada pelas partes.
O recorrente olvida que no acidente de trabalho há uma dupla causalidade.
O conceito de acidente de trabalho compreende:  a lesão (perturbação funcional/doença, no caso a fractura), a redução na capacidade de trabalho/ganho, o nexo de causalidade entre o evento e a lesão e o nexo de causalidade entre a lesão e a sequela geradora de redução na capacidade de trabalho/ganho (duplo nexo de causalidade) - Lei 98/2009, de 4-09 (NLAT). O acidente é uma cadeia de factos sucessivamente interligados, obedecendo a uma ordem lógica em que cada um dos referidos elos estão ligados por um nexo causal. Em particular a lesão/doença terá de resultar do evento naturalístico e a incapacidade para o trabalho (temporária ou absoluta) deverá resultar da lesão/doença e dos seus efeitos.
Diga-se “en, passant” que a presunção de causalidade entre o acidente e a lesão restringe-se à constada no tempo e local de trabalho (primeiro nexo, no caso traumatismo da região lombar) e não a lesões/sequelas constadas dois anos depois (na anca), como acontece no caso- artigo 10º da NLAT.
Assim, a fixação das lesões e do duplo nexo de causalidade (evento-lesões-incapacidade) poderia ser discutida e decidida em julgamento no processo principal -arts. 118º, 126º, 1 e 132º do CPT.
Ademais:
Para o efeito são admissíveis todos os meios de prova, mormente periciais, testemunhais e documentais, e esclarecimentos dos peritos médicos que intervieram nos exames médicos que compareçam na audiência de discussão e julgamento. É certo que à junta médica, em rigor, apenas cabe pronunciar-se sobre a natureza da incapacidade e o grau de desvalorização. Porém, por economia processual, nada obsta a que no apenso de fixação de incapacidade sejam formulados quesitos sobre essa matéria (como foram), desde que se tenha presente que a perícia da junta médica é apenas mais um elemento de prova, entre outros, livremente apreciada pelo tribunal, sem que, contudo, se possa coartar a possibilidade de produzir prova em audiência de julgamento- 126º, 2, 132º, 1, 140º, n.º 2 do CPT 126º, 2, 132º, 1, 140º, n.º 2 do CPT e ac. RG de 3-12-2020, www.dgsi.pt
Ora, precisamente no caso dos autos, a seguradora nunca aceitou que a sequela que o autor apresenta na anca, e que determina a IPP, seja causa do acidente.
Refira-se ainda que uma coisa é a lesão e outra a sequela.
A lesão é o efeito imediato causado pelo acidente (evento). Lesão é um termo não específico usado para descrever qualquer dano ou mudança anormal no tecido de um organismo vivo, anomalias que podem ser causadas por doença ou traumatismo.
Pode manifestar-se logo a seguir ao acidente, algum tempo depois ou, mesmo, muito tempo depois. O que importa é que haja um nexo de causalidade entre o acidente e a lesão corporal - Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Profissionais, Almedina, 2ª ed., p. 39.
Porém, como aludimos, se a lesão for constatada no tempo e local de trabalho (ou in itinere), ou seja, tiver manifestação imediatamente a seguir ao acidente, presume-se consequência deste. Caso contrário, se a sua manifestação for posterior, compete ao sinistrado/beneficiários  a prova do nexo de causalidade – 10º NLAT.
A lesão pode deixar, ou não, sequelas.
A sequela é o efeito permanente da lesão, é uma alteração anatómica ou funcional que subsiste, após a doença ou acidente.
Como referimos, o que aqui está em causa é o duplo grau de causalidade, ou seja, a causalidade entre as lesões/sequela e a incapacidade para o trabalho (IT ou IPP).
Ademais, os senhores peritos na avaliação da incapacidade terão sempre de avaliar a sua ligação à sequela, não sendo esta operação cindível, para além de serem questões eminentemente técnicos. As partes aceitam uma lesão em sentido comum e naturalístico, por exemplo um traumatismo no joelho, na coluna vertebral, um torção no braço, etc, mas não é adequado que aceitem juízos técnicos sobre sequelas.
Analisando agora o mérito da decisão que concluiu pela falta de causalidade da ITA e IPP do autor com sequela relacionável ao acidente- ponto não provado 1 e ponto provado E, parte final (curado sem sequelas”):
Refere o recorrente o perito do sinistrado considera que existe nexo de causalidade entre a necrose da cabeça femoral esquerda e o evento traumático ocorrido em 20-02-2017, com uma IPP de 25% e IPATH.
Na decisão recorrida fundamentou-se assim:
Quanto à factualidade não provada e constante do ponto 1. – e reportada ao nexo de causalidade entre o acidente e a incapacidade permanente parcial de que padece o Autor - teve-se em atenção essencialmente o resultado do exame médico-legal realizado no apenso e os esclarecimentos prestados pelos Senhores peritos em sede de audiência de julgamento, que, apesar de concluírem que o sinistrado apresenta efectivamente uma IPP de 37,5 %, excluem que essa IPP tenha nexo com o evento por a sequela de que o sinistrado padece não terá origem no acidente.
Com efeito, concluíram os Senhores Peritos – por maioria do tribunal e seguradora – que, em consequência do acidente, o sinistrado sofreu uma lombalgia de esforço (lesão), e, embora admitam que este é portador de “necrose avascular da cabeça do fémur”, concluem que tal é uma patologia natural, que não terá origem no evento (auto de 09.07.2021), esclarecendo que, “na maioria dos diagnósticos clínicos de necrose avascular da cabeça do fémur não é possível encontrar a causa - estas são causas idiopáticas/origem desconhecida; quando relacionadas com eventos traumáticos, estão associados a luxação ou fratura, não tendo sido presente aos peritos qualquer registo clínico que documente lesões traumáticas agudas desta natureza ao nível da anca esquerda, pelo que, os peritos não conseguem estabelecer o nexo de causalidade” (auto de 22.10.2021).
Ora, os senhores peritos, por maioria, afastaram o nexo causal porque entenderam que a “sequela”/”necrose avascular da cabeça do fémur” apresentada pelo Autor é uma patologia natural, sendo que, como bem esclareceu em sede de audiência a Senhora Perita médica do Tribunal, não estavam verificados todos os requisitos necessários para estabelecerem o nexo de causalidade médico-legal – único que apreciam -, mencionando que, o que lhes é descrito é um acidente descrito como sendo uma queda e do qual resultou uma lombalgia pós-traumática, sendo que, o sinistrado volta a trabalhar, e tem uma nova queda, não tendo qualquer evidência traumática, não havendo registos, designadamente imagiológicos, documentados, que permitissem concluir por uma adequação temporal da necrose àquele evento, pois que, o primeiro registo que aparece é dois anos depois do acidente.
Excluíram, também, os Senhores peritos o problema relacionado com a linguagem (isto é, o facto de o sinistrado ter o acidente na ..., onde estão documentadas as primeiras queixas, e eventualmente não sendo conhecedor da língua ..., não se ter explicado correctamente aos médicos na ...), pois que, se é verdade que a lombalgia foi documentada na ..., a verdade é que, o sinistrado veio para Portugal, e mesmo aqui continua a não haver queixas ao nível da anca.
Em sede de esclarecimentos, os senhores peritos, por maioria, referiram que a causa da necrose de forma traumática só acontece se existir uma fractura subcapital do fémur com desvio ou uma luxação, e no caso concreto, para além de não terem dados que permitia concluir ter existido qualquer uma destas situações, a verdade é que o sinistrado não conseguia andar a trabalhar durante 2 anos.
Ora, os senhores peritos que decidiram por maioria, foram bastante claros, fundamentaram as suas respostas e esclarecimentos peticionados, não tendo nem o senhor Perito indicado pelo sinistrado (que apenas referiu ser do entendimento que existe nexo de causalidade e que relativamente à necrose da cabeça femoral, 15-20% das situações são de natureza idiopática, os restantes 80-85% das situações são devidas a traumatismos da anca, a doenças conhecidas, que neste caso não foram reportadas ao médico de família após recurso aos respetivos registos, ao uso de medicação, nomeadamente corticosteróides e ao consumo excessivo de álcool), nem a prova testemunhal produzida em sede de audiência (que se resumiu ao depoimento do filho, cunhada e vizinha do sinistrado) logrado infirmar as afirmações e esclarecimentos prestados pelos Senhores Peritos.
Ora, efectivamente a seguradora, em sede de tentativa de conciliação, aceitou o nexo causal entre o referido acidente e as lesões descritas no auto de exame médico consideradas pelo perito médico do GML, não aceitando, porém, o seu resultado, seja quanto à avaliação da incapacidade atribuída, seja, quanto aos períodos de ITA.
Assim sendo, pode concluir-se que a seguradora aceitou a existência de uma ocorrência; quanto à aceitação das lesões - que em si mesmo não constitui um facto -, nunca poderia entender-se que abrange as sequelas. Com efeito, nos termos do artigo 112.º do Código de Processo do Trabalho refere-se o nexo entre a lesão e o acidente, devendo entender-se aqui lesão no sentido mais comum, reportado às consequências do sinistro no corpo do trabalhador. Ora quanto a este nexo não pode considerar-se ter ocorrido acordo. Mas, ainda que assim não fosse, sempre teria que se levar em linha de conta o juízo efectuado em sede de junta médica, na qual se concluiu que as alterações apresentadas são uma patologia natural, agravadas apenas temporariamente, sem sequelas do evento dos autos.
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa 16 de Junho de 2010 (processo 3594/08.9TTLSB.L1-4), disponível em www.dgsi.pt “a fixação da incapacidade e as sequelas resultantes do acidente estão intimamente ligadas, constituindo no seu cerne questão médica, pelo que não teria sentido as partes poderem acordar relativamente a questões médicas, como as sequelas. Questão diferente é aceitação de factos que as partes possam percecionar e compreender, como as lesões resultantes do acidente, mas não as sequelas dessas lesões.”.
E, como se entendeu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 13 de Julho de 2021 (processo 359/19.6Y3BRG.G1), disponível em www.dgsi.pt «Uma coisa é aceitar que o sinistrado sofreu uma entorse no joelho, outra, da perceção médica, saber quais as sequelas dessa ocorrência. Quanto a estas não teria sentido limitar um perito médico pelo entendimento tido por outro perito, se fosse o caso. Ou há acordo relativamente ao valor das incapacidades (sequelas) resultante dos autos, na fase conciliatória, ou não há.
Não havendo tudo fica em aberto, não ficando a parte que aceitava aquele valor preso ao mesmo.
A propósito dos limites da junta médica refere-se no Ac. deste tribunal, 793/14.8T8VRL.G1, não
publicado; “Atente-se ainda na redação da al. b) do nº 1 do artigo 117º do CPT, que alude à não conformação com “o resultado da perícia médica realizada na fase conciliatória do processo, para efeitos de fixação de incapacidade para o trabalho”. Toda a perícia na parte relativa às questões que influenciam o valor da incapacidade é incindível, sendo objeto de reapreciação em sede de junta médica. Tanto que o juiz pode até nos termos do nº 7 do artigo 139 e 140º do CPT, se o considerar necessário, determinar a realização de exames e pareceres complementares ou requisitar pareceres técnicos, o que só pode ter em vista a natureza e grau da incapacidade, e é, a correta definição das sequelas tendo em vista o apuramento do grau de incapacidade.
A junta médica constitui uma prova pericial, estando limitada na sua apreciação pela factualidade do caso, ou seja, se o acidente consistiu numa queda sobre o joelho, outras perturbações que o sinistrado apresenta sem qualquer ligação ao acidente não devem ser apreciadas. Mas quanto àquelas que lhes compete apreciar, não estão sujeitos nem limitados pela opinião de outros pareceres ou exames. Tal prova cujo valor é apreciado livremente pelo tribunal - arts. 389.º do Cód. Civil e 591.º do Cód. Proc. Civil -, destina-se a habilitar o julgador com uma “especial informação de facto tendo em conta os específicos conhecimentos técnicos ou científicos do perito que não se alcançam pelas regras gerais da experiência” - Manuel Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, 1976, 261. Não teria sentido limitar uma perícia pelas conclusões de outra.

Atente-se ainda no disposto no artigo 12º da LAT no sentido da nulidade de convenção contrária aos direitos e garantias do trabalhador, é que o “acordo” assim configurado, poderia ser desfavorável ao trabalhador, pela omissão ou desconsideração de sequelas que a junta viesse a considerar existirem e serem consequência do sinistro. Atente-se ainda no caráter inalienável e irrenunciável dos direitos, conforme artigo 78 da LAT e no artigo 114, 1 do CPT, nos termos do qual o juiz apenas pode homologar o acordo após verificar a sua conformidade com os elementos fornecidos pelo processo e com as normas legais, regulamentares ou convencionais, obrigação que obviamente também tem aplicação à decisão a proferir nos termos do artigo 140º do CPT. Vd. RP de 21/05/2007, processo nº 0740656, disponível na net..».
Perante a prova produzida em sede de audiência, e essencialmente o resultado obtido por maioria do exame médico-legal efectuado no apenso, não podia deixar de se dar como não provada a factualidade constante do ponto 1. e provada a factualidade constante da 2.ª parte do ponto E., no sentido de que, do acidente, o Autor ficou curado, sem sequelas.”

Concordamos.
Lidos os relatóriso periciais (singular e de junta médica) e, sobretudo, ouvidos os esclarecimentos dos peritos prestados em julgamento, a posição do perito do sinistrado saiu isolada, menos fundamentada e sem apoio em qualquer documentação clinica nos dois anos subsequentes ao acidente. Esta falta de apoio em documentação clínica estende-se ao relatório pericial feito na fase conciliatória que assim é, também, objectivamente menos sedimentado.
Na verdade, da análise s documentos juntos, por ex. da informação da Clínica ... (Citus 12-5-21), da UCS ... (citius 17-05-2021) e do Hospital ... (Citius 4-06-21) apenas em 2019 (meados do ano) se evidenciam queixas de coxalgia e de necrose da cabeça do fémur, não obstante o acidente datar de fevereiro de 2017.
O perito da seguradora e a perita do tribunal prestaram esclarecimentos de forma que se afigurou bastante bem fundamentada, justificativa e peremptória. Explicaram que a necrose da cabeça do fémur tem origem natural/degenerativa e pode também ter origem traumática (como defende o sinistrado) mas só em dois casos: caso haja fratura ou luxação, coisa que não aconteceu ao sinistrado. Referiram que desde o acidente, e até cerca de dois anos depois, as queixas foram sempre apresentadas e interpretadas como patologia da coluna. Só aparecem queixas do sinistrado reportadas à anca volvidos que estavam cerca de dois anos depois do acidente. Mais acentuaram, por várias vezes, que não há evidência documentada, exames imagiológicos, registos clínicos que comprovem que o trauma conduziu à necrose, sendo que o primeiro registo aparece dois anos depois. E ainda que durante dois anos não apresentou sintomatologia de diagnóstico, não apresentou quadro clinico de anca, não há adequação temporal, nem registos médicos. Mesmo depois de regressar da ... e vir para Portugal continua sem queixas compatíveis com a anca.
Pelo que é de concluir que a lesão do acidente não levou causalmente à sequela da anca, esta sim causador da IT e IPP do autor, tendo este ficado sem sequelas na data provada.
Pretende ainda o autor que fiquem provados os pontos 2 e 3:

2. O Autor efectuou despesas para se deslocar ao Centro de Saúde ..., aos Hospitais e médicos de especialidade, deslocações efectuadas em viatura própria conduzida por familiares a quem solicitava, uma vez que não dispunha de transportes públicos da sua área de residência, para as unidades de saúde, tendo despendido a quantia global de € 935,71.
3. As despesas médicas e medicamentosas descritas de G. a V. foram consequência do acidente.
Do acima referido sobre a falta de nexo de causalidade resulta que as despesas em causa não resultaram do acidente, porque posteriores à data da alta em que se considerou que o sinistrado estava sem sequelas.
O ponto 2, foi fundamentado na sentença de seguinte modo:
Sobre a factualidade constante do ponto 2., não foi produzida prova suficiente, firme e credível, motivo pelo qual se deu a mesma como não provada.”
Concorda-se.
Do depoimento das testemunhas indicadas pelo recorrente CC, filho do autor, resulta apenas um relato muito genérico e uma alusão vaga a gastos e a outra testemunha BB, cunhada do autor, apresentou igualmente um relato muito genérico e vago dizendo “não sabe valores” e que “teve despesas”, nenhum deles especificando as deslocações, onde e se era em viatura própria ou não. E de manter o decidido.
Finalmente diga-se que o recorrente, de modo confuso e sem sistematização, insere novamente aqui a alegação de uma nulidade por contradição entre factos. Remete-se para o acima referido sobre o conceito de vício de sentença. A haver contradição - que não há- entre os pontos D, K, L, M, N, O, P, Q, R, S, T (traumatismo lombar, algumas despesas realizadas ao longo do tempo) e o ponto não provado 3 (causalidade entre despesas e o acidente), tal teria de ser resolvido ao nível do recurso sobre a matéria e facto. Mas, a este nível já vimos que as despesas não são resultantes do acidente, por deste não terem resultado sequelas para o autor.
É, assim, de manter o decidido, na medida em que a prova, de modo algum, impõe uma solução diversa.

D) MATÉRIA DE DIREITO

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, pelo que, decididas as questões de prova, a questão de direito recaía unicamente sobre a causalidade entre a lesão/sequela e a incapacidade sofrida pelo autor (dupla causalidade, na parte que se refere à relacionação entre sequela e incapacidade). Esta alicerçava-se e estavam totalmente dependentes da alteração da matéria de facto, julgada improcedente. Assim, remete-se, nesta parte, para a sentença.
I.I.I. DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso confirmando-se a decisão recorrida-  87º, CPT e 663º, CPC.
Custas a cargo da recorrente.
Notifique.
11-05-2023

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Francisco Sousa Pereira
Antero Dinis Ramos Veiga


[1] Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s.
[2] Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito de Processo Civil, vol. II, 2ª ed., p 434-5.
[3] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, volume 2, 4ª ed., p. 734-5.
[4] António Santos Abrantes Geraldes, CPC Anotado, vol. I, p. 738.
[5] Por exemplo, vd STJ de 13-01-2005, 12-05-2005 e 6-11-2019, www.dgsi.pt.
[6] Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito de Processo Civil, vol. II, 2ª ed., p 437.
[7] Referindo-se às limitações da 2ª instância quanto a factores coligidos pela psicologia judiciária e no sentido de evitar alterações quando não seja possível concluir com segurança pela existência de erro, vd  António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Código de Processo Civil, 5ª ed., p.s 292, 299, 300.