Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
131/16.5T8EPS.G1
Relator: MARIA DOS PRAZERES SILVA
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
MARCAÇÃO DO JULGAMENTO
NOTIFICAÇÃO
ARGUIDO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: A notificação do despacho que designa data para audiência, no caso em que o tribunal não julgue necessária a presença do arguido, pode ser efetuada somente ao respetivo defensor, que o representa até final no processo, não sendo aplicável nessas circunstâncias, a exigência legal de notificação simultânea ao arguido e ao defensor, que decorre do artº 113º, do CPP.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO:
No presente processo C. F. deduziu impugnação judicial da decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) que lhe aplicou a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 2 meses, pela prática de uma contraordenação, do tipo previsto e punível pelo artigo 81.º, n.º 3, 138.º e 146.º, alínea j), do Código da Estrada.
Após a realização de audiência de julgamento, foi proferida decisão judicial que julgou parcialmente procedente o recurso e alterou a decisão administrativa, reduzindo para 30 dias a sanção de inibição de conduzir imposta ao arguido.
Inconformado o arguido C. F. interpôs recurso para esta Relação, formulando, para o efeito, as seguintes
CONCLUSÕES:

A. Interposto o recurso de impugnação judicial foi este admitido por despacho, cfr fls. 26 dos autos, tendo a MM Juiz considerado não ser necessária audiência, pois ordenou a notificação do arguido para declarar a sua oposição à decisão por mero despacho, com a cominação de no silêncio daquele aceitava esta.

B. Acabou o arguido por nunca ser notificado do despacho, nos termos e para os efeitos do art.° 64°, n.° 2 do RGCO, primeiro por ter sido enviada a uma morada inexistente, por erro de secretaria, por informação incorreta da própria GNR (ofício de 22/06/201 6), e depois porque, como informou a GNR de V. Nova de Famalicão, em ofício datado no Citius de 31/10/2016, foi apurado que o arguido encontrava-se a trabalhar em frança.

C. Na sequência deste ofício, e após indeferir a promoção do M.P°, para vir a mandatária aos autos informar a morada do arguido — e cuja promoção a mandatária na data devida não teve conhecimento, como se depreende do fax enviado ao Tribunal a quo, em 7 de Dezembro de 2016, a MM Juiz designa data para a audiência de julgamento, dispensando a presença do arguido.

D. Ou seja, o facto de dispensar a presença física do arguido na audiência de julgamento, ao contrário do que parece ser o entendimento do Tribunal a quo, que ao não conseguir notificar o arguido do disposto no art.° 64°, n.° 2 do RGCO, volta a atrás na sua própria decisão de decidir por mero despacho e marca julgamento, com fundamento num lacónico “Melhor vistos os autos”, e que em nosso entender, e salvo melhor opinião não é fundamento cabal para o efeito, sendo, por isso, este despacho ilegal, cuja ilegalidade requer seja declarada, com as legais consequências,

E. não dispensa a notificação do arguido para o acto, ou seja não dispensa a sua presença processual, sendo obrigatória a sua notificação nos termos do art.° 113°, n.° 10 do C. Penal,

F. pois não estamos já perante uma fase administrativa, a qual termina no momento em que o M.P° recebe os autos e os faz presente ao Juiz, (art.° 62°, n.° 1 do RGCO), neste sentido veja-se o assento n.°1/2001 do STJ, mas sim na fase judicial.

G. Apesar de a comparência do arguido e até do seu defensor não ser obrigatária e, por isso, a ausência de um ou ambos não constituir nulidade insanável, só assim se poderá considerar quando o arguido/recorrente tenha sido notificado para o acto. E, aliás,

H. não faria sentido sequer considerar-se que uma decisão proferida por mero despacho enferma de nulidade insanável (nos termos do art.° 119°, n.° 1 alínea c) do CPP, aplicável ex vi art.° 41° do RGCO) se o arguido não tiver sido notificado para os efeitos do n.° 2 do art.° 64° do RGCO,

I. e o mesmo destino não ter uma sentença, cujo julgamento prévio foi efectuado sem que o arguido tenha sido notificado da sua realização, podendo tê-lo sido, dando-lhe a oportunidade de se pronunciar sobre a prova produzida em audiência, porquanto foi ouvida uma testemunha do MP.

J. Assim, e face ao exposto, salvo melhor opinião, conclui-se que a falta de notificação do arguido para a data de audiência de julgamento, o que ficou provado na acta deste, constitui uma nulidade, nos termos do art.° 121°, n.° 2 do CPP, a qual desde já requer a este douto Tribunal declare, com as legais consequências.

Assim farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA!


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O Ministério Público apresentou resposta ao recurso, na qual pugnou pelo provimento do recurso.
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O tribunal a quo sustentou que não foi cometida a arguida nulidade processual por falta de notificação pessoal ao arguido do despacho que designou data para audiência de julgamento.
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Nesta Relação o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
v
II. FUNDAMENTAÇÃO:
A. O despacho recorrido fixou os seguintes
Factos Provados

A) No dia 17/8/2014, pelas 7.39horas, o arguido conduziu o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..-..-.. na Av. …, Apúlia, Esposende, estando influenciado por uma TAS de pelo menos 0,73 g/l
B) Para a verificação da taxa referida em A) foi utilizado o aparelho Drager, modelo 7110 MKIII P, cuja última verificação datava de 24/1/2014.
C) O arguido agiu de forma livre e consciente, sabendo que a conduta referida em A) era proibida e sancionada, tendo actuado com falta de cuidado e prudência.
D) Não tem averbado no seu registo individual de condutor qualquer contra-ordenação.
E) O arguido é titular da carta de condução n.º BR-459652, com data de emissão de 21/2/2013.
F) Procedeu ao pagamento voluntário da coima.

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Factos não Provados

1. Para a verificação da taxa referida em A) foi utilizado um aparelho cuja última verificação datava de 31/8/2012.

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B. Em matéria de direito consignou o seguinte:
Ao arguido vem imputada a prática de um contra-ordenação pª e pª pelos arts. 81.º, n.ºs 3, 6, alin. b), e 7, 138.º e 146.º, alin. j), todos do Código da Estrada.

Nos termos de tais preceitos, é punido com uma coima fixada entre 500,00€ a 2.500,00€, e ainda com uma sanção acessória de inibição de conduzir a fixar entre dois meses e dois anos, nos termos do art. 147.º, n.º 2, do Código da Estrada, o condutor que, encontrando-se em regime probatório (o que acontecerá durante os três primeiros anos de validade da carta – cfr. art. 112.º, n.º 1, do Código da Estrada), pelo menos a título de negligência (cfr. art. 133.º do Código da Estrada), conduzir sob a influência de uma TAS superior a 0,5 g/l.

Ora, inexistem dúvidas, em face da matéria de facto assente (ultrapassada que está a questão da validade da prova, questão que foi já apreciada em sede de motivação), que a actuação do arguido integra a prática da contra-ordenação que lhe vem imputada em sede da decisão administrativa, pois que se apurou que o mesmo, estando em regime probatório (dado que a sua carta havia sido emitida em 21/2/2013 e foi fiscalizado em 17/8/2014, portanto, no decurso do segundo ano de carta), veio a conduzir um veículo automóvel na via pública estando influenciado por uma TAS de pelo menos 0,73 g/l, assim agindo de forma livre e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e sancionada, tendo actuado com falta de cuidado e prudência, do que resulta afirmada a sua negligência.

Resta verificar se a sanção acessória imposta ao arguido na sequência da prática de tal contra-ordenação se revela desajustada (nada havendo que conhecer quanto à coima, uma vez que a mesma foi já voluntariamente paga pelo mínimo legal).

O arguido pretenderia que tal sanção lhe fosse especialmente atenuada.

Pois bem.

Conforme já acima se enunciou, a contra-ordenação em causa, sendo muito grave, é punida com uma sanção acessória de inibição de conduzir a fixar entre dois meses e dois anos (cfr. arts. 136.º, 138.º, 146.º, alin. j), e 147.º, n.º 2, todos do Código da Estrada).

O art. 139.º do Código da Estrada estipula os critérios para a determinação da medida da sanção.

Assim, a medida e o regime de execução da sanção deverão ser determinadas em função da gravidade da contra-ordenação e da culpa, tendo ainda em conta os antecedentes do infractor relativamente ao diploma legal infringido ou aos seus regulamentos (n.º 1), sendo que, quando a contra-ordenação for praticada no exercício da condução, além dos critérios referidos no número anterior, deve atender-se, como circunstância agravante, aos especiais deveres de cuidado que recaem sobre o condutor, designadamente quando este conduza veículos de socorro ou de serviço urgente, de transporte colectivo de crianças, táxis, pesados de passageiros ou de mercadorias, ou de transporte de mercadorias perigosas (n.º 3).

No caso concreto, a sanção acessória foi fixada no limite mínimo previsto.

Vejamos, então, se deve lançar-se mão da atenuação a que alude o art. 140.º do Código da Estrada.

Dispõe o referido preceito que “os limites mínimo e máximo da sanção acessória cominada para as contraordenações muito graves podem ser reduzidos para metade tendo em conta as circunstâncias da infracção, se o infractor não tiver praticado, nos últimos cinco anos, qualquer contraordenação grave ou muito grave ou facto sancionado com proibição ou inibição de conduzir e na condição de se encontrar paga a coima”.

No caso, extrai-se da matéria assente que o arguido não tem averbada qualquer contra-ordenação no seu registo individual de condutor e pagou voluntariamente a coima.

Perante tal, entendemos que deve ser acolhida a sua pretensão, devendo atenuar-se especialmente a sanção acessória a aplicar ao arguido nos termos do aludido art. 140.º do Código da Estrada, devendo assim fixar-se tal sanção em 30 dias.


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C. Apreciação do Recurso:
Conforme jurisprudência assente, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, sem prejuízo da apreciação de todas as matérias que sejam de conhecimento oficioso.
No concernente ao recurso da sentença ou despacho judicial que, em matéria contraordenacional, reaprecie a decisão da autoridade administrativa importa ter presente que a impugnação apenas pode versar matéria de direito, nos termos do artigo 75.º, n.º 1, do Regime Geral das Contraordenações (DL n.º 433/82, de 27 de Outubro), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código Processo Penal, aplicável por força do disposto no artigo 41.º, n.º 1, do citado diploma legal.
No presente recurso colocam-se as questões de saber:
Ø se o despacho que determinou a realização de audiência é ilegal por ter sido proferido depois de se considerar que a impugnação judicial devia ser conhecida por despacho;
Ø se a falta de notificação pessoal do arguido do despacho que designa data para a audiência de julgamento constitui nulidade insanável, nos termos do artigo 119.º, n.º 1, alínea c), do Código Processo Penal.

1.ª Questão:
O recorrente começa por questionar a validade da decisão que, invertendo o sentido do despacho inicial, julgou ser de conhecer da impugnação judicial da decisão administrativa mediante audiência de julgamento, nos termos do artigo 64.º, n.º 1, do RGCO (DL n.º 433/82, de 27 de Outubro).
Vejamos.
Em 04-04-2016 o tribunal a quo proferiu despacho Vd. Despacho constante de fls. 26 dos autos. do seguinte teor: «Por ter sido tempestivamente interposto por quem detém legitimidade para o efeito, ser este o tribunal territorialmente competente para o conhecer, e respeitar as exigências legais de forma, previstas nos artigos 59º, nºs 2 e 3, 60º, 61º, nº1 e 63º, nº1, a contrario, todos do Decreto-Lei nº 433/82 de 27 de Outubro, admite-se o recurso de impugnação judicial interposto por C. F..
Notifique o arguido para declarar se se opõe à decisão por mero despacho, com a expressa cominação de que, nada dizendo, se entenderá que a aceita
Entretanto, na sequência de promoção do Ministério Público no sentido de se notificar a mandatária do recorrente para informar sobre a atual morada do mesmo, o tribunal a quo proferiu o despacho de 08-11-2016 Vd. Despacho constante de fls. 58 dos autos. do teor seguinte: «Melhor vistos os autos, entendo que os mesmos deverão prosseguir com a realização da audiência de julgamento, pelo que indefiro o promovido e passo a designar data para a realização da audiência de julgamento. (…)»
Os sujeitos processuais conformaram-se com o teor deste último despacho, do qual não foi interposto qualquer recurso.
Após a realização da audiência de julgamento foi proferida a decisão judicial que apreciou a impugnação judicial da decisão da ANSR, tendo sido interposto o recurso em apreciação, no qual, além do mais, se peticiona Vd. Conclusão D do recurso. a declaração da ilegalidade, com as “legais consequências”, do aludido despacho de 08-11-2016.
Sucede, porém, que incidindo o presente recurso sobre a decisão final, proferida em 21-12-2016, está vedado a este tribunal ad quem, nesta sede, debater e conhecer das razões de discordância do recorrente relativamente ao despacho de 08-11-2016, o qual não foi objeto de recurso interlocutório a conhecer conjuntamente com o recurso da decisão sob escrutínio.
Assim sendo, a primeira questão colocada pelo recorrente situa-se fora do âmbito do recurso pelo mesmo interposto e, por outro lado, não integra matéria de conhecimento oficioso deste tribunal.
Por conseguinte, não compete a este tribunal ad quem conhecer daquela matéria, cuja apreciação somente poderá ter lugar em sede de recurso do despacho de 08-11-2016.

2.ª Questão
Defende o recorrente que a notificação ao arguido da marcação de audiência de julgamento é pessoal, por imposição legal, donde a omissão dessa notificação, acarreta a nulidade insanável prevista no artigo 119.º, n.º 1, alínea c), do Código Processo Penal, a qual foi cometida nestes autos.
Vejamos.
Em primeiro lugar importa assinalar que não existe norma especial que, relativamente às infrações cometidas no exercício da condução automóvel, regule a matéria das notificações na fase judicial do processo contraordenacional, designadamente no Cód. Estrada, como sucede quanto à fase administrativa no artigo 176.º do citado diploma legal.
Depois, também o regime geral aplicável às contraordenações não contém norma expressa que discipline a matéria das notificações na fase judicial do processo contraordenacional, a que se reporta especificamente o capítulo IV do RGCO (DL n.º 433/82, de 27 de Outubro).
Contudo, tal regime jurídico do ilícito de mera ordenação social institui como direito processual subsidiário, aplicável em geral ao processo contraordenacional, incluindo pois a fase administrativa e a fase jurisdicional, os preceitos reguladores do processo criminal, isto é, as normas do Código Processo Penal (cfr. Artigo 41.º do DL n.º 433/82, de 27-10).
Neste seguimento, o recorrente socorre-se da indicada disposição legal para convocar a norma legal que regula a matéria das notificações no processo criminal, ou seja, a norma do artigo 113.º, do Código Processo Penal, mais concretamente o n.º 10 deste preceito legal.
Acontece que no concernente à audiência de julgamento em processo contraordenacional rege ainda o artigo 66.º RGCO, que preceitua: «Salvo disposição em contrário, a audiência em 1.ª instância obedece às normas relativas ao processamento das transgressões e contravenções, não havendo lugar à redução da prova a escrito».
Em conformidade com tal norma legal quanto à matéria atinente à audiência de julgamento em processo contraordenacional devem seguir-se as normas constantes do Dec.-Lei n.º 17/91, de 10-01 (Processamento e Julgamento das Contravenções e Transgressões), especialmente as dos artigos 11.º a 13.º, com a ressalva da existência de disposição legal do RGCO de sentido contrário, que afaste a sua aplicação Cfr., neste sentido Acórdão da Relação de Lisboa, de 28-02-2007, proc. 180/2007-3, disponível em www.dgsi.pt, citado no parecer do Ministério Público..
Além disso, decorre das normas dos artigos 67.º e 68.º RGCO que, em regra, não é obrigatória a presença do arguido na audiência de julgamento no processo contraordenacional, mas apenas se impõe a comparência dele quando o juiz a considere necessária ao esclarecimento dos factos.
Ora, resulta do disposto no artigo 11.º do Dec.-Lei n.º 17/91, de 10-01, que a notificação do despacho que designa data para audiência deve fazer-se na pessoa do arguido, mas na hipótese de não se revelar possível tal notificação o arguido é notificado na pessoa do defensor, que lhe será nomeado, «prosseguindo o processo até final sem intervenção do arguido».
A leitura conjugada dos preceitos legais indicados conduz à conclusão de que a notificação do despacho que designa data para audiência, no caso em que o tribunal não julgue necessária a presença do arguido, pode ser efetuada somente ao respetivo defensor, que o representa até final no processo, não sendo aplicável, nessas circunstâncias, a exigência legal de notificação simultânea ao arguido e ao defensor, que decorre do n.º 10, do artigo 113.º, do Código Processo Penal.
Assim sendo, considera-se, no caso concreto, o arguido regularmente notificado do despacho de 08-11-2016, não tendo sido cometida a arguida nulidade.
Improcede, pois, o recurso.

III. DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.
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Guimarães, 08-05-2017