Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
305/15.6T8MNC-E.G1
Relator: ANTÓNIO BARROCA PENHA
Descritores: NULIDADE PROCESSUAL
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/19/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. A “nulidade secundária”, referida no art. 195º, n.º 1, do C. P. Civil, tem de ser arguida pela parte através de reclamação (cfr. art. 196º, parte final do C. P. Civil), sob pena de sanação ou de preclusão do direito, a menos que o respetivo prazo de arguição só comece a correr depois da expedição do recurso para o tribunal “ad quem”.

II. A ausência de despacho sobre a admissibilidade de meios probatórios traduz-se numa “nulidade secundária” a ser arguida pelo interessado em momento próprio (arts. 195º, n.º 1 e 199º, n.º 1, do C. P. Civil), sob pena de se considerar sanada.

III. Assim, neste caso, o que pode ser impugnado por via do recurso é a decisão que conhecer da reclamação por aquela nulidade – e não a nulidade ela mesma.
Decisão Texto Integral:
Recorrente: J. C.
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Comarca de Viana do Castelo – Juízo de Comércio de Viana do Castelo
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Acordam, em conferência, os Juízes desta Relação de Guimarães, sendo

Relator: António José Saúde Barroca Penha.
1º Adjunto: Desembargador José Manuel Flores.
2º Adjunto: Desembargadora Sandra Melo.
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Sumário (art. 663º, n.º 7, do C. P. Civil):

I. A “nulidade secundária”, referida no art. 195º, n.º 1, do C. P. Civil, tem de ser arguida pela parte através de reclamação (cfr. art. 196º, parte final do C. P. Civil), sob pena de sanação ou de preclusão do direito, a menos que o respetivo prazo de arguição só comece a correr depois da expedição do recurso para o tribunal “ad quem”.
II. A ausência de despacho sobre a admissibilidade de meios probatórios traduz-se numa “nulidade secundária” a ser arguida pelo interessado em momento próprio (arts. 195º, n.º 1 e 199º, n.º 1, do C. P. Civil), sob pena de se considerar sanada.
III. Assim, neste caso, o que pode ser impugnado por via do recurso é a decisão que conhecer da reclamação por aquela nulidade – e não a nulidade ela mesma.
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I. RELATÓRIO

X – STC, S.A. intentou o presente incidente de habilitação de cessionário, contra Caixa ..., Caixa ..., S.A.; e J. C., alegando, em suma, que:

- No pretérito dia 27 de Dezembro de 2018, a Caixa ..., Caixa ..., S.A. celebrou com a Y FINANCE DESIGNATED ACTIVITY COMPANY um contrato de «Cessão de Créditos», no âmbito do qual a Caixa ... cedeu à Y uma carteira de créditos, onde se incluem os créditos e respetivas garantias detidas sobre os ora requeridos, sendo que, com a referida cessão da carteira de créditos, foram transmitidos pela Cedente, Caixa ..., para a Cessionária, Y, os respetivos direitos e garantias e acessórios inerentes aos citados créditos;
- Entretanto, no pretérito dia 12 de Abril de 2019, a Y celebrou com a X, FINANCE DESIGNATED ACTIVITY COMPANY um contrato de «Cessão de Créditos», conforme Escritura Pública, no âmbito do qual a Y cedeu à X uma carteira de créditos, onde se inclui o crédito e respetivas garantias detidas sobre os ora requeridos, sendo que, com a referida cessão da carteira de créditos, foram transmitidos pela Cedente, Y, para a Cessionária, X, os respetivos direitos e garantias e acessórios inerentes aos citados créditos.

Requer, a final, que seja habilitada, como cessionária, a intervir nos presentes autos na qualidade e posição de titular dos créditos reclamados nestes autos pela Caixa ....

Regularmente notificado para o efeito, foi apresentada oposição pelo requerido/insolvente, nos termos da qual o mesmo alega nunca ter sido notificado das alegadas cessões de créditos que são invocadas pela requerente, impugnando as mesmas.

Mais invoca que que, com a referida escritura pública de 12.04.2019, não foi junta a lista de créditos que foram cedidos, apesar de estar expresso na mesma que foram arquivados documento complementar (doc. n.º 1) e listagem (doc. n.º 2).

Por requerimento de 11.10.2019, a requerente veio discriminar os números das operações, o que por mero lapso não constava do requerimento inicial, que se referem aos créditos do requerido que, fazendo parte da carteira de créditos da cedente, foram cedidos pela Caixa ... à Y, mediante o contrato de cessão de créditos celebrado em 27.12.2018; créditos esses que, discriminados pelos mesmos nºs de operações, por sua vez, mediante o contrato de cessão de créditos, celebrado em 12.04.2019, foram cedidos, com as respetivas garantias detidas sobre o requerido, à requerente X (cfr. fls. 91 a 95).

O requerido, notificado da petição inicial aperfeiçoada, manteve a contestação anteriormente apresentada.

Em resposta, veio a requerente arguir que o requerido foi notificado das referidas cessões de créditos para a morada que forneceu à entidade cedente, conforme cópia das cartas remetidas que entretanto juntou para prova, sendo certo que o mesmo sempre deverá considerar-se notificado, com a citação para a presente ação. Mais defende que, com a petição inicial foi junta a lista de créditos cedidos com as cessões de crédito ocorridas, discriminando, mediante documento junto (doc. n.º 7), os créditos que foram cedidos à requerente nos contratos de cessões identificados, concluindo que quer no requerimento inicial e na presente resposta foram juntos documentos suficientes que atestam as cessões de créditos realizadas e os créditos cedidos são os mesmos reclamados nestes autos e relacionados pelo requerido.

Em sede de tentativa de conciliação, a qual se frustrou, o requerido apresentou o seguinte requerimento:

J. C., insolvente/requerido nos autos, notificado dos 7 documentos juntos com o requerimento de 21 de outubro de 2019, vem nos termos do artigo 3 do CPC, dizer o seguinte:

1) O requerido vem novamente referir que não foi notificado da cessão de créditos,
2) Tanto é assim que as cartas que supostamente foram enviadas ao requerido (documentos n.º 1 a 6) não foram rececionadas pelo mesmo, como se comprova com a simples consulta do envio no site dos correios.
3) Foi assim violado o disposto no artigo 583, nº 1 do Código Civil.
4) Além disso, a lista dos créditos cedidos (documento nº 7) apenas foi junta com a resposta e não com a petição inicial primitiva ou com a petição inicial aperfeiçoada, como lhe correspondia.
5) O requerente entende que o referido documento não deve ser admitido pois foi junto aos presentes autos de forma extemporânea,
6) O que se requer.
7) O requerente vem assim impugnar os documentos que foram juntos com o requerimento apresentado pela requerente em 21 de outubro de 2019.

Nestes termos deve o presente incidente de habilitação do cessionário ser julgado improcedente, seguindo os demais termos legais.

Na sequência, por decisão proferida a 23.12.2019, veio a julgar-se procedente o presente incidente, nela se lendo na sua parte final:

Pelo exposto, e ao abrigo do disposto no supra citado art.º 356.º do Cód. Proc. Civil, nomeadamente atenta a prova documental oferecida, impõe-se, na procedência do incidente suscitado, julgar habilitada X – STC, S.A. como cessionária na posição até então ocupada por Caixa ..., Caixa ..., S.A., esta credora reclamante no processo de que o presente constitui apenso.

Inconformado com o assim decidido, veio o requerido J. C. interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes

CONCLUSÕES

1) Com o devido respeito, o Tribunal a quo não se pronunciou (nomeadamente na sentença recorrida) sobre a segunda parte do requerimento (artigos 4 e seguintes) que foi apresentado pelo recorrente no âmbito da audiência de tentativa de conciliação.
2) Verifica-se uma omissão de pronúncia por parte do Tribunal a quo.
3) O Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre uma questão que estava obrigado a apreciar.
4) Ocorre assim a nulidade da sentença nos termos do artigo 615, nº 1, alínea d) do CPC.
5) Nulidade que se invoca para os devidos e legais efeitos.
6) A sentença recorrida violou o disposto no artigo 615, nº 1, d) do CPC,
7) Pelo que deve ser revogada e substituída por outra que aprecie o atrás foi referido.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Na sequência, foi proferida decisão singular, em 20.02.2020, mediante a qual foi a apelação julgada improcedente, mantendo-se a decisão recorrida (cfr. fls. 140 a 145).

Uma vez notificado de tal decisão singular veio o requerido apresentar reclamação para a conferência, apresentando as seguintes:

CONCLUSÕES

A) O recorrente realizou um requerimento em sede de tentativa de conciliação em que impugnou a junção aos autos de um documento por parte da recorrida por entender que a sua junção havia sido extemporânea.
B) O recorrente pronunciou-se sobre o referido vício, no primeiro momento em que teve oportunidade para exercer o contraditório.
C) Sendo que sobre a questão que foi levantada pelo recorrente, o Tribunal a quo não se pronunciou, nomeadamente na sentença aqui em questão, momento imediatamente posterior à apresentação do articulado atrás referido.
D) O recorrente arguiu a nulidade dessa falta de pronúncia do Tribunal a quo, no momento oportuno, em sede de recurso, pois a decisão proferida pelo Tribunal a quo admitia recurso ordinário.
E) A referida nulidade não se sanou pois arguida no momento oportuno, pelo meio próprio e por quem tinha legitimidade.
F) O recorrente entende que a douta decisão singular padece do mesmo vício da sentença proferida nos presentes autos.
G) A douta decisão singular violou o disposto no artigo 615º, n.º 1, al. d) do CPC.

Termina, pugnando pela procedência da presente reclamação para a conferência, seguindo os ulteriores termos processuais.
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II. DO OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, n.º 4, 637º, n.º 2 e 639º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil), não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil).

No seguimento desta orientação, cumpre fixar o objeto do presente recurso.

Neste âmbito, a única questão decidenda traduz-se na seguinte:

- Saber se a decisão recorrida, assim como a decisão reclamada, são nulas por omissão de pronuncia.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

FACTOS PROVADOS

O tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

3.1. Por escritura pública denominada de «Cessão de Créditos», datado de 27 de Dezembro de 2018, a Caixa ..., Caixa ..., S.A. cedeu à Y FINANCE DESIGNATED ACTIVITY COMPANY um contrato de «Cessão de Créditos», no âmbito do qual a CAIXA ... cedeu à Y uma carteira de créditos, onde se incluem os créditos e respetivas garantias detidas sobre o ora Requerido/Insolvente.
3.2. Por escritura pública denominada de «Cessão de Créditos», datado de 12 de Abril de 2019, a Y FINANCE DESIGNATED ACTIVITY COMPANY cedeu à ora Requerente, X, FINANCE DESIGNATED ACTIVITY COMPANY, uma carteira de créditos, onde se inclui o crédito e respetivas garantias detidas sobre o ora Requerido/Insolvente.
3.3. Nos termos da escritura pública descrita em 3.2., foi ainda declarado que “a referida cessão deverá ser levada ao conhecimento dos mutuários correspondentes, designadamente através de comunicações escritas que lhes serão enviadas pela Cessionária”
3.4. A Caixa ..., Caixa ..., S.A. remeteu, via postal registada dirigida para a morada à mesma fornecida pelo Requerido/Insolvente e dirigida àquele, comunicação dando conta da cessão de créditos objeto do presente incidente.
3.5. O expediente postal remetido nos termos do descrito em 3.4. foi devolvido.
3.6. Com as escrituras públicas em sujeito, foi junta a lista de créditos que foram cedidos.
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FACTOS NÃO PROVADOS

Por seu turno, o tribunal a quo consignou que: “Inexistem factos não provados com relevância para a decisão a proferir.
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IV) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Da nulidade da sentença e da decisão singular reclamada por omissão de pronúncia

Insurge-se o apelante no que se refere à decisão recorrida, invocando, única e simplesmente, que a mesma decisão não cuidou de se pronunciar sobre a 2ª parte do requerimento apresentado pelo requerido recorrente na diligência de tentativa de conciliação realizada a 27.11.2019, mais concretamente sob os pontos 4 e seguintes, pelo que se verifica uma “omissão de pronúncia” por parte do tribunal a quo.

Julgamos, porém, que não lhe assiste razão.

Segundo o disposto no art. 615º, n.º 1 al. d) do CPC é nula a sentença quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”

Esta previsão legal está em consonância com o comando do art. 608º, n.º 2 do C. P. Civil, em que se prescreve que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”

Importa, no entanto, não confundir questões colocadas pelas partes, com os argumentos ou razões, que estas esgrimem em ordem à decisão dessas questões neste ou naquele sentido.

De facto, as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções deduzidas, desde que se apresentem, à luz das várias e plausíveis soluções de direito, como relevantes para a decisão do objeto do litígio e não se encontrem prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.

Coisa diferente das questões a decidir são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem “questões” no sentido pressuposto pelo citado art. 608.º, n.º 2 do C. P. Civil. Assim, se na apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador, este não se pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui uma nulidade da decisão por falta de pronúncia.

Neste sentido, colhendo a lição do Prof. Alberto dos Reis, refere este Ilustre Professor, que “uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção.

(…) São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.” (1) (nosso sublinhado).

Este entendimento tem, como é consabido, sido corroborado, há muito, pela jurisprudência que sempre o acolheu defendendo que a não apreciação de um ou mais argumentos aduzidos pelas partes não constitui omissão de pronúncia, porquanto o Juiz não está obrigado a ponderar todas as razões ou argumentos invocados nos articulados para decidir certa questão de fundo, estando apenas obrigado a pronunciar-se “sobre as questões que devesse apreciar” ou sobre as questões de que não podia deixar de tomar conhecimento.” (2)

Quer isto dizer que ao Tribunal cabe o dever de conhecer do objeto do processo, definido pelo pedido deduzido (à luz da respetiva causa de pedir – cfr. art. 581º, n.º 4, do C. P. Civil, que consagra o denominado princípio da substanciação) e das exceções deduzidas. Terá, pois, de apreciar e decidir as todas as questões trazidas aos autos pelas partes – pedidos formulados, exceções deduzidas, … – e todos os factos em que assentam, mas já não está obrigado a pronunciar-se sobre todos os argumentos esgrimidos nos autos.

A não apreciação de algum argumento ou razão jurídica invocada pela parte pode, eventualmente, prejudicar a boa decisão sobre o mérito das questões suscitadas. Porém, daí apenas pode decorrer um, eventual, erro de julgamento ou “error in iudicando”, mas já não um vício (formal) de omissão de pronúncia.

Feitas estas considerações prévias, cremos que, in casu, não existe qualquer omissão de pronúncia na decisão recorrida.

O tribunal de 1ª instância apreciou e decidiu todas as questões jurídicas em discussão, levando em consideração, designadamente, a causa de pedir que lhe serve de fundamento e o pedido formulado.

Em especial, deu conta da principal questão em discussão, que se prendia em se saber se a notificação ao devedor, ora recorrente, do ato de cessão de créditos, operada entre cedente e cessionário, é condição de eficácia ou de validade do negócio, concluindo que as cessões operadas são válidas e eficazes entre os contraentes com a celebração do negócio, tornando-se a cessionária a titular imediata do crédito cedido, sendo que, com a notificação judicial do requerido devedor para os termos do presente incidente, o mesmo tomou conhecimento das identificadas cessões de créditos e, como tal, as mesmas tornaram-se igualmente eficazes em relação ao devedor, uma vez que este tomou então conhecimento que a sua dívida foi cedida a outro credor.

Não pretendendo sindicar esta questão, que assim aceita, o recorrente entende antes que o tribunal a quo não cuidou de apreciar uma questão de extemporaneidade de prova documental apresentada pela requerente, que suscitou naquele requerimento que apresentou em sede de tentativa de conciliação.

Acontece, porém, que esta mesma “questão” colocada pelo apelante antes se refere não a qualquer nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, mas a uma outra nulidade (secundária) que se prende com a omissão de pronúncia sobre o requerido na segunda parte do requerimento apresentado pelo recorrente, em sede de tentativa de conciliação realizada em 27.11.2019.

Ora, quanto às regras gerais sobre a nulidade dos atos, dispõe o art. 195º, n.º 1, do C. P. Civil, que: “Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.”

Neste caso, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que tal nulidade for cometida, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar, sendo que, se não estiver presente, o prazo para arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência (cfr. art. 199º, n.º 1, do C. P. Civil).
Daqui decorre, desde logo, que este tipo de nulidade, também designada por “nulidade secundária”, tem de ser arguida pela parte através de reclamação (cfr. art. 196º, parte final do C. P. Civil), no momento em que ocorrer a nulidade, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário.
Caso não esteja presente, o prazo geral de arguição de dez dias conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade o quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência (cfr. arts. 199º, n.º 1 e 149º, n.º 1, do C. P. Civil).
Na verdade, mantém-se a atualidade e pertinência do brocardo segundo o qual “dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”.

Conforme explicava o Prof. Alberto dos Reis (3), “a arguição da nulidade só é admissível quando a infração processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se há um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou a omissão do ato ou formalidade, o meio próprio para reagir, contra a ilegalidade que se tenha cometido, não é a arguição ou reclamação por nulidade, é a impugnação do respetivo despacho pela interposição do recurso competente.” (sublinhámos)
Assim, o que pode ser impugnado por via do recurso é a decisão que conhecer da reclamação por aquela nulidade – e não a nulidade ela mesma.
A perda do direito à impugnação por via da reclamação – caducidade, renúncia, etc. – importa, simultaneamente, a extinção do direito à impugnação através do recurso ordinário.
Isto só não será assim no tocante às nulidades cujo prazo de arguição só comece a correr depois da expedição do recurso para o tribunal ad quem e no tocante às nulidades – exceções – que sejam oficiosamente cognoscíveis.
Também Miguel Teixeira de Sousa (4) afirma que “ (…) quando a reclamação for admissível, não o pode ser o recurso ordinário, ou seja, esses meios de impugnação não podem ser concorrentes; – se a reclamação for admissível e a parte não impugnar a decisão através dela, em regra está precludida a possibilidade de recorrer dessa mesma decisão. Possível é, no entanto, a impugnação da decisão através de reclamação e, perante a sua rejeição pelo tribunal, a continuação da impugnação através de recurso ordinário.” (sublinhámos)
Ainda na doutrina, Abrantes Geraldes (5), entende que: “As nulidades que não se reconduzam a alguma das situações previstas no art. 615º, n.º 1, als. b) a e), estão sujeitas a um regime de arguição que é incompatível com a sua invocação apenas no recurso a interpor da decisão final. A impugnação que neste recurso eventualmente se possa enxertar deve restringir-se às decisões que tenham sido proferidas sobre arguições oportunamente deduzidas com base na omissão de certo ato, na prática de outro que a lei não admitia ou na prática irregular de ato que a lei previa.”
Assim, a decisão proferida sobre a arguição de nulidade é que é suscetível de recurso mas – ainda assim – com limitações: desde que contenda com os princípios matriciais da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios (cfr. art. 630º, n.º 2, do C. P. Civil).
Nesta medida, cabe ainda ao recorrente alegar que a nulidade relativa ocorrida – além de ser essencial por interferir no exame ou na decisão da causa – infringe pelo menos um dos referidos princípios ou contende com a admissibilidade de meios probatórios.
Dito de outra maneira, a sindicabilidade do despacho proferido sobre a arguição de uma “nulidade secundária” está condicionada à alegação da concreta violação de algum dos princípios ou regras enunciados no art. 630º, n.º 2 do C. P. Civil, sob cominação de indeferimento do requerimento de interposição de recurso por a decisão não admitir recurso (cfr. art. 641º, n.º 2, al. a), do C. P. Civil).
Daqui resulta que cabia ao recorrente, no momento próprio (no nosso caso logo que teve conhecimento da decisão final proferida) arguir tal “nulidade secundária” (consubstanciada na falta de despacho de admissão ou não do referido documento) o que, porém, não fez, razão pela qual a mesma se sanou.
Não tendo, assim, arguido a nulidade (secundária) apontada, mediante a competente reclamação, não pode o recorrente vir agora erigi-la em fundamento específico de recurso de apelação.
Sublinhe-se, pois, que a suscitada omissão de pronúncia sobre a junção do identificado documento junto aos autos pela requerente, não constitui, em si mesma, uma questão essencial em discussão nos presentes autos que ao tribunal recorrido cumprisse apreciar, sob pena de nulidade da sentença proferida por omissão de pronúncia (art. 615º, n.º 1, al. d), 1ª parte, do C. P. Civil).
Nesta medida, competia, desde logo, ao recorrente reclamar da apontada omissão ou irregularidade processual, para, em seguida, interpor, se fosse esse o caso, recurso da decisão que indeferisse a reclamação apresentada.
Deste modo, não podemos concordar com o apelante quando invoca que arguiu a nulidade no momento oportuno e pelo meio próprio, tanto quanto é certo que não apresentou qualquer reclamação incidente sobre a nulidade secundária que invoca agora em sede de recurso de apelação e igualmente em reclamação da decisão singular proferida em 20.02.2020.
Não se vislumbra pois que quer a sentença recorrida quer a decisão singular reclamada padeça do vício de nulidade previsto no art. 615º, n.º 1, al. d), 1ª parte, do C. P. Civil.

Não obstante, sempre seria de salientar (conforme aliás consta da decisão singular reclamada) que o aludido documento (n.º 7), junto com a resposta, traduz-se na cópia do documento junto com a própria petição inicial a fls. 28 verso, sendo certo que disso teve o tribunal a quo em atenção, por via dos factos provados sob o ponto 3.6., o que também não foi impugnado pelo recorrente.
Ademais, na própria motivação da decisão sobre a matéria de facto, foi salientado o seguinte: “O Tribunal formou a sua convicção, quanto à matéria de facto dada como provada, na análise conjugada e crítica aos elementos decorrentes da prova documental constante dos presentes autos.” (nosso sublinhado)

No fundo, se o tribunal a quo tomou em consideração a prova documental produzida, nela se incluindo, ao que tudo indica, o aludido documento junto com a resposta apresentada pela requerente, e cuja junção não deveria ser admitida conforme o pretendido pelo recorrente, então sempre caberia a este, em última análise, impugnar a decisão que incidiu sobre a matéria de facto, dando conta que o tribunal a quo valorou um documento que não havia sido admitido, o que, porém, não foi feito pelo recorrente.

Por conseguinte, mesmo a entender-se que foi cometida pelo tribunal recorrido uma irregularidade processual com influência na decisão final, esta última acabou por prejudicar o conhecimento de tal irregularidade, pois que implicitamente admitiu a junção e consequente valoração do citado documento, competindo assim ao recorrente impugnar a sentença proferida no segmento em que o referido documento foi valorado, o que, todavia, não ocorreu in casu.

Termos em que se considera que não houve qualquer “omissão de pronúncia” na decisão recorrida, nem na decisão singular reclamada, nos moldes acima consignados (art. 615º, n.º 1, al. d), 1ª parte, do C. P. Civil), sendo, pois, de manter a decisão singular reclamada, que julgou improcedente a apelação apresentada.
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V. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a invocada nulidade da decisão singular proferida nestes autos a 20.02.2020.
Mais acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação apresentada pelo requerido recorrente, deste modo se confirmando a sentença recorrida.

Custas pelo apelante, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido.
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Guimarães, 19.03.2020

Este acórdão contém a assinatura digital eletrónica dos Desembargadores:

Relator: António Barroca Penha.
1º Adjunto: José Manuel Flores.
2º Adjunto: Sandra Melo.


1. In Código de Processo Civil Anotado, Volume V, 3ª edição, Coimbra Editora, pág. 143.
2. Vide, neste sentido, por todos, Ac. STJ de 08.02.2011, proc. n.º 842/04.8TBTMR.C1.S1, relator Moreira Alves; Ac. STJ de 21.10.2014, proc. n.º 941/09.0TVLSB.L1.S1, relator Gregório Silva Jesus; Ac. STJ de 22.11.2015, proc. n.º 24/09.2TBMDA.C2.S1, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza; Ac. STJ de 07.07.2016, proc. n.º 802/13.8TTVNF.P1.G1.S1, relatora Ana Luísa Geraldes, e Ac. STJ de 04.05.2017, este já citado, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
3. In Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 2º, Coimbra Editora, 1945, pág. 507.
4. In Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 372.
5. In Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª edição, pág. 206.