Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
865/18.0T8VNF-C. G1
Relator: CONCEIÇÃO SAMPAIO
Descritores: ACÇÃO JUDICIAL PARA RESOLUÇÃO EM BENEFICIO DA MASSA
COMPETÊNCIA MATERIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

I - Nos termos do art. 120.º do CIRE, podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os atos prejudiciais à massa praticados dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência (n.º 1), considerando-se prejudiciais à massa os atos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência (n. º2).

II - Quanto à forma de resolução, preceitua o art. 123.º do CIRE que esta pode ser efetuada pelo administrador da insolvência por carta registada com aviso de receção nos seis meses seguintes ao conhecimento do ato, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência.

III - A redação desta norma tem sido criticada por permitir a sugestão de que a única forma procedimental para a resolução do ato é a carta registada com aviso de receção.

IV - Não resulta do texto legal que a carta registada com aviso de receção é o único meio ao alcance do administrador da insolvência para que se resolva um ato em benefício da massa. Dando a lei clara preferência a esta via, não exclui o recurso aos meios judiciais.

V - Assente a admissibilidade do recurso à ação judicial para efetivar a resolução, nos termos do art. 123.º do CIRE, tal ação corre como dependência do processo de insolvência, como expressamente consagra o art. 125º, para a hipótese comum da impugnação da resolução.

VI - Falharia qualquer sentido lógico e normativo considerar-se que no caso de o administrador resolver o ato por meio de carta registada com aviso de receção, a impugnação dessa resolução houvesse de correr como dependência do processo de insolvência e caso optasse pela ação judicial para o mesmo efeito a mesma tivesse de correr em separado.

VII - Existem razões de ordem material que fundamentam a conexão e a dependência ao processo de insolvência das ações que visam a reintegração dos bens e valores para a massa.

VIII – Essas razões assentam na natureza e fundamento do próprio processo de insolvência, como processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.

IX - A competência do tribunal em razão da matéria determina-se por referência à data da instauração da ação e afere-se em razão do pedido e da causa de pedir tal como configurados na petição inicial.

X - Às Secções de Comércio compete o julgamento dos processos de insolvência nos termos do artigo 128.º, n. º1, al. a) da LOSJ, competindo-lhe, igualmente, o julgamento dos apensos e incidentes que, porventura, se suscitem no âmbito das ações cuja competência lhes é atribuída, nos termos do art. 128.º n. º3, do citado diploma.

XI - A criação de secções dos tribunais com competência especializada visa proporcionar melhores condições para a correta e célere apreciação das matérias em causa.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I - RELATÓRIO

Inconformada com a decisão que julgou o Juízo de Comércio de (…) materialmente incompetente para a causa, absolvendo os RR. da instância, veio a massa insolvente de (…), interpor recurso, finalizando com as seguintes conclusões:

A) A sentença proferida em sede de primeira instância pelo Mmo. Juiz a quo padece de erro na interpretação dos pressupostos de Direito violando os Artigos 7.º, n.º 3, 9, n.º 1 e 126.º, n.º 2 do CIRE em Articulação com o Artigo 128.º, n.º 1 alínea a) da Lei da Organização do Sistema Judiciário.
B) A Administradora da Insolvência, em representação da massa insolvente, tem o poder de instaurar ação judicial de condenação à restituição do bem imóvel decorrente de contrato de compra e venda nulo, nos termos do Artigo 126.º, n.º 2 do CIRE, se o mesmo bem não foi voluntariamente restituído para a massa insolvente, nos termos do Artigo 126.º, n.º 1 do CIRE, pelo respetivo obrigado. O que se verifica nos autos.
C) A aludida Ação Judicial de tipo declarativo e de condenação tem carácter urgente dado que é dependência do processo de insolvência, nos termos dos Artigos 126.º, n.º 2, 7.º, n.º 3 e 9.º, n.º 1 do CIRE, com todas as consequências que daí emergem.
D) A sustentar a nossa posição veja-se a sábia lição de Fernando Gravato Morais, Resolução em Benefício da Massa Insolvente, Coimbra, Almedina, 2008, p. 184: “Essa ação, de tipo declarativo, na modalidade de ação de condenação, tem igualmente carácter urgente, dado que “é dependência do processo de insolvência, com todas as consequências que daí emergem, designadamente as previstas no Artigo 9.º CIRE.”.
E) Aliás, o Artigo 126.º, n.º 2 do CIRE é claro ao consagrar que a ação declarativa de condenação é dependência do processo de insolvência, sendo esta expressão em sublinhado, entendida pela jurisprudência da segunda instância como sinónimo de ação que deve correr em apenso ao processo de insolvência – Artigo 7.º, n.º 3 e Artigo 9.º do CIRE – conforme Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 14.02.2012, Processo n.º 5298/08.3TBLRA-B.C1, Relator Henrique Antunes que no ponto V. do Sumário expõe:

“V - Porém, o credor que não se socorreu da reclamação – meio mais simples – porque, por exemplo, deixou passar o prazo assinado na sentença declarativa da insolvência, nem por isso fica desarmado: ele pode fazer reconhecer o crédito sobre a insolvência de que se diz titular, propondo acção declarativa contra a massa insolvente, os credores e o devedor (artº 146 nº 1 do CIRE). Esta acção constitui dependência do processo de insolvência, correndo-lhe por apenso e segue sempre, seja qual for o seu valor, a forma sumária de processo comum de declaração (artº 148 do CIRE).”. (sublinhado nosso)
F) A Ação declarativa de condenação plasmada no Artigo 126.º, n.º 2 é uma ação que tem fundamento legal no Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, encontra-se na dependência do processo de insolvência e, como tal, tem carácter urgente e deve correr em apenso ao processo principal.
G) Assim sendo, é mister que os Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães procedam à anulação da decisão do Mmo. Juiz a quo declarando como Tribunal competente em razão da matéria o Tribunal Judicial da Comarca de (…) – Juízo de comércio de (…) – Juiz 4.

Pugna a Recorrente pela procedência do recurso e, em consequência, pela revogação da douta decisão recorrida, substituindo-se por nova decisão que declare o Tribunal Judicial da Comarca de (..) – Juízo de Comércio de (…) – Juiz 4 como o Tribunal competente em razão da matéria.
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Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

A questão decidenda a apreciar, delimitada pelas conclusões do recurso, consiste em saber se o Juízo do Comércio é o competente para a ação de restituição de bens para a massa insolvente.
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III – FUNDAMENTAÇÃO

Os factos a considerar são os que resultam do relatório supra.

Relembra-se aqui o teor da decisão recorrida:

«Massa Insolvente de (…), vem intentar acção declarativa para condenação à restituição de objecto contra (…) pedindo que, pela procedência da mesma sejam os 2º e 3º RR. obrigados a restituir a favor da massa insolvente de (…) o imóvel composto pelas fracções autónomas designadas pelas letras “..), localizadas na Rua (…) da União da Freguesia de (…), inscritas na matriz predial urbana sob o artigo … e descritas na 2ª Conservatória do Registo Predial de Braga sob o nº …, no prazo máximo de 15 dias, livre de pessoas e bens, em virtude de o contrato de compra e venda celebrado entre os RR. sobre o referido imóvel padecer de vício de simulação gerador de nulidade.

Em alternativa, e para a hipótese de se entender que os 2º e 3º RR. pagaram a quantia de € 78.889,43, desconhecendo a situação em que o 1º R. insolvente se encontrava, estes serem condenados a pagar a quantia de € 39.648,42 à massa insolvente, por forma a perfazer o valor real do imóvel.

A questão que se coloca e que nos propomos analisar é a de saber se este tribunal do Comércio tem competência em razão da matéria para apreciar o pedido de declaração de nulidade do negócio em apreço por simulação.

Como é sabido, a distribuição legal da competência dos vários tribunais, em razão da matéria tem na sua base, em grande medida, como resulta das leis estatutárias e de processo, um princípio de especialização da função jurisdicional, pelo reconhecimento da vantagem de a reservar a tribunais diferenciados que, pela sua organização e composição, tendencialmente, assegurem a melhor realização da justiça em determinados domínios.

Assim, a menos que alguma “jurisdição especial” se mostre competentes para apreciar determinado conflito, a competência para dele conhecer radica-se nos tribunais comuns.

O artigo 64.º do Código de Processo Civil determina que são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional e as leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotados de competência especializada – artigo 65.º do Código de Processo Civil.

Ora, segundo o estatuído no artigo 40.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, são da competência dos Tribunais Judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem.

O artigo 80.º dispõe que compete aos Tribunais de comarca preparar e julgar os processos relativos a causas não abrangidas pela competência de outros tribunais e que estes podem ser de competência genérica e de competência especializada.

Nas instâncias centrais podem ser criadas secções de competência especializada de comércio – artigo 81.º, n.º 1, al. f) da Lei da Organização do Sistema Judiciário.

A competência dos Tribunais de Comércio está prevista no artigo 128.º que estatui que “Compete às secções de comércio preparar e julgar:

a) Os processos de insolvência e os processos especiais de revitalização;
b) As ações de declaração de inexistência, nulidade e anulação do contrato de sociedade;
c) As ações relativas ao exercício de direitos sociais;
d) As ações de suspensão e de anulação de deliberações sociais;
e) As ações de liquidação judicial de sociedades;
f) As ações de dissolução de sociedade anónima europeia;
g) As ações de dissolução de sociedades gestoras de participações sociais;
h) As ações a que se refere o Código do Registo Comercial;
i) As ações de liquidação de instituição de crédito e sociedades financeiras”.

Ora, o pedido de declaração de nulidade de determinado negócio de compra e venda por simulação não se insere em nenhuma das alíneas do art. 128º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, pois não estamos perante:

a) um processo de insolvência ou um processo especial de revitalização;
b) uma acção de declaração de inexistência, nulidade e anulação do contrato de sociedade;
c) uma acção relativa ao exercício de direitos sociais;
d) uma ação de suspensão e de anulação de deliberações sociais;
e) uma acção de liquidação judicial de sociedades;
f) uma acção de dissolução de sociedade anónima europeia;
g) uma acção de dissolução de sociedades gestoras de participações sociais;
h) uma ação a que se refere o Código do Registo Comercial;
i) uma ação de liquidação de instituição de crédito e sociedades financeiras.

Por outro lado, não está aqui em causa uma acção em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente (pois o imóvel em causa não foi apreendido, nem o podia ser) nem se trata de uma acção de natureza exclusivamente patrimonial, pelo que não se verificam os pressupostos do art. 85º, nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Aqui chegados, podemos concluir sem hesitar que não é esta Secção de Comércio materialmente competente para preparar e julgar o pedido de declaração de nulidade do negócio supra identificado por simulação nem o pedido subsidiário, pois não se inserem, nos termos do art. 128º, nº 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário, no âmbito da competência das secções de comércio.

A infracção das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, excepção esta que é do conhecimento oficioso do tribunal.
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Pelo exposto, decido julgar esta 2ª Secção de Comércio da Comarca de (…) incompetente em razão da matéria para preparar e julgar a presente acção.
Custas pela A..
Registe e notifique.».

A decisão recorrida subsumiu a causa à declaração de nulidade do negócio por simulação, após o que, restringiu a questão à incompetência material do tribunal do Comércio para a sua apreciação.

Cremos que assim não é.

Analisada a petição inicial verificamos que a Massa Insolvente de (…) legalmente representada pela Administradora Judicial, vem, nos termos dos artigos 120º, 121º, 123º e 126º, n.º 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante CIRE) intentar ação declarativa de condenação à restituição de objeto contra(…) , das duas frações autónomas designadas pelas Letras (..)” sitas na Rua (…) da União da freguesia de (…) (… ).

Como causa de pedir invoca que o negócio foi simulado, criando apenas uma aparência de venda, com vista à dissipação dos bens e fuga aos credores, mas mesmo que o negócio jurídico tenha sido realizado, o preço declarado no contrato de compra e venda de € 78.889,43 (setenta e oito mil oitocentos e oitenta e nove euros e quarenta e três cêntimos), revela-se um ato declarativo prejudicial à massa insolvente uma vez que o valor declarado é muito inferior ao valor de mercado.

A final formula os seguintes pedidos:

a) Sejam os 2.º e 3.º RR. obrigados a restituir a favor da massa insolvente de … o imóvel composto pelas frações autónomas designadas pelas letras “…”, no prazo máximo de 15 dias, livre de pessoas e bens, em virtude de o contrato de compra e venda celebrado entre o 1.º e 2.º e 3.º RR. sobre o imóvel referido padecer do vício de simulação gerador de nulidade;
b) Em alternativa, e para a hipótese de se entender que os 2.º e 3.º RR. pagaram a quantia de quantia de €78.889,43 (setenta e oito mil, oitocentos e oitenta e nove euros e quarenta e três cêntimos), desconhecendo a situação em que 1.º R. insolvente se encontrava, estes serem condenados a pagar a quantia de € 39.648,42 (trinta e nove mil, seiscentos e quarenta e oito euros e quarenta e dois cêntimos) à massa insolvente de forma a perfazer o valor real do imóvel, sem qualquer dano para os interesses da massa insolvente.

A questão em apreço reconduz-se juridicamente ao instituto da resolução em benefício da massa insolvente, mais concretamente ao seu efeito de restituição de bens para a massa insolvente.

Os princípios gerais deste instituto encontram-se previstos no art. 120º, do CIRE, aí se estabelecendo que podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os atos prejudiciais à massa praticados dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência (n.º 1), considerando-se prejudiciais à massa os atos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência (n.º2).

Quanto à forma de resolução, preceitua o art. 123º que esta pode ser efetuada pelo administrador da insolvência por carta registada com aviso de receção nos seis meses seguintes ao conhecimento do ato, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência.

A redação desta norma tem sido criticada por permitir a sugestão de que a única forma procedimental para a resolução do ato é a carta registada com aviso de receção.

A propósito escreve Meneses Leitão “A unificação das figuras da resolução e da impugnação pauliana colectiva, anteriormente previstas separadamente no CPEREF levanta agora grandes dúvidas de interpretação. É que no sistema do CPEREF a resolução efectuava-se, como é regra, por declaração. Mas a impugnação pauliana tinha que ser judicialmente instaurada. Actualmente, a nova resolução parece ser efectuada apenas por declaração do administrador de insolvência, a qual pode ser objecto de impugnação em acção especialmente instaurada para o efeito (…), solução que nos parece dificilmente justificável, especialmente nos casos em que a resolução dependa da prova da má fé do terceiro. No entanto, o art. 126.º, n.º2, do CIRE faz referência a uma acção instaurada pelo administrador da insolvência, com a finalidade de produzir os efeitos da resolução. Ora, sob pena de contradição insanável entre estas disposições, parece-nos que essa acção não pode visar a produção dos efeitos da resolução, que é decretada por carta registada, mas antes a restituição do objecto ou do enriquecimento do terceiro.(1).

Também Maria do Rosário Epifânio considera que “a declaração deve ser realizada pelo menos (mas não necessariamente, pois o administrador da insolvência pode recorrer à notificação judicial avulsa) através de carta registada com aviso de receção”. Mas acrescenta logo de seguida a autora, que “muito embora teoricamente seja admissível o recurso a uma ação judicial com vista ao exercício do direito de resolução, pareceria excessivo (pelas custas processuais e demais despesas que envolve) e até despropositado (uma vez que não encurta o prazo para o exercício do direito de impugnar a resolução) (2).

Acompanhamos a posição defendida por Gravato Morais. O autor começa por afirmar que perfilha a construção que defende a utilização do “formalismo mínimo previsto”, a qual é adotada por Carvalho Fernandes e João Labareda (3) para quem o artigo 123.º exige formalidades mínimas, ou seja, não permite forma menos solene que a carta registada com aviso de receção. Explica Gravato Morais que “Da redação do normativo, destaca-se, sem margem para dúvida, uma clara preferência pelo meio que especificamente se consagra: a carta registada com aviso de recepção. (…) Seria pouco prudente que se admitisse, v.g., a mera carta (não registada) ou o envio de um fax a declarar a resolução do acto. (…) Quanto à possibilidade de utilização de um formalismo superior, parece que isso não pode de todo ser excluído. Note-se que se se permite a defesa por excepção (art. 1234º CIRE), não é crível que se exclua o uso de acção judicial. A questão está em saber se há interesse específico nisso”.

Conclui o autor que “Quanto a uma possível instauração de uma acção judicial por parte do administrador da insolvência, cabe desde já afirmar que se apresenta um caminho mais oneroso e, à partida, menos célere, conquanto possa apresentar algumas vantagens. Por um lado, como salientam Carvalho Fernandes e João Labareda, pode permitir aproveitar a acção de resolução para o fim referido no art. 126º CIRE. Mas ainda é susceptível, a nosso ver, de constituir um mecanismo para encurtar o prazo de impugnação da resolução previsto no art. 125º CIRE. Esse é o grande benefício que daí decorre.(4)

Não resulta do texto legal que a carta registada com aviso de receção é o único meio ao alcance do administrador da insolvência para que se resolva um ato em benefício da massa. Dando a lei clara preferência a esta via, não exclui o recurso aos meios judiciais.

Por outro lado, não cremos que possa extrair-se do art 126.º, n.º 2 do CIRE, a conclusão de que está afastada a utilização de ação para o exercício da resolução mesmo na hipótese aí contemplada. É até compreensível que o administrador da insolvência aproveite a ação de resolução para o fim referido no art 126.º. Em determinadas situações, apresenta-se até mais vantajoso o recurso à via judicial para resolver atos em benefício da massa insolvente, uma vez que a propositura dessa ação exprime o propósito de resolução do ato pelo administrador da insolvência, e esta ocorre quando haja conflito entre os contraentes e um deles negue ao outro o direito de resolução (5).

Assente a admissibilidade do recurso à ação judicial para efetivar a resolução, nos termos do art. 123.º do CIRE, cremos não restar dúvidas que tal ação corre como dependência do processo de insolvência, como expressamente consagra o art. 125.º, para a hipótese comum da impugnação da resolução.

Com efeito, falharia qualquer sentido lógico e normativo considerar-se que no caso de o administrador resolver o ato por meio de carta registada com aviso de receção, a impugnação dessa resolução houvesse de correr como dependência do processo de insolvência e caso optasse pela ação judicial para o mesmo efeito a mesma tivesse de correr em separado.

A resolução em beneficio da massa insolvente visa a reconstituição do património do devedor por meio de um instituto especifico que permite, de forma expedita e eficaz, a destruição de atos prejudiciais a esse património, constituindo o meio de apreender para a massa insolvente não só aqueles bens que se mantenham na titularidade do insolvente, como aqueles que nela se manteriam caso não houvessem sido por ele praticados ou omitidos aqueles atos, que se mostrem prejudiciais para a massa.

É nesse sentido que operam os efeitos da resolução.

Com efeito, dispõe o art. 126.º que:

1 - A resolução tem efeitos retroativos, devendo reconstituir-se a situação que existiria se o acto não tivesse sido praticado ou omitido, consoante o caso.
2 - A ação intentada pelo administrador da insolvência com a finalidade prevista no número anterior é dependência do processo de insolvência.

Existem, pois, razões de ordem material que fundamentam a conexão e a dependência do processo de insolvência destas ações que visam a reintegração dos bens e valores para a massa.

Esta solução é a que se coaduna com a natureza e o fundamento do próprio processo de insolvência, como processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.

A posição da Recorrente é a de que não tendo sido restituído voluntariamente pelo respetivo obrigado o bem para a massa insolvente, após interpelação da Senhora Administradora da Insolvência, cabe à Administradora instaurar ação judicial tendo em vista essa restituição.

A ação judicial dirigida contra o insolvente e os terceiros adquirentes tem de conter os motivos da invalidade do negócio, no caso a simulação, justificativos do pedido de restituição do bem, bem como, subsidiariamente, a indicação do valor do bem para ser exigida a restituição correspondente à diferença entre o valor do bem e o preço pago.

Essa ação judicial de tipo declarativo e de condenação é a que se encontra expressamente consignada no art. 126º, nº2, do CIRE.

A mesma tem igualmente carater urgente dado que é, nos termos do art. 126.º, n.º 2 do CIRE, dependência do processo de insolvência, com todas as consequências que daí emergem, designadamente as previstas nos arts. 7.º, n.º 3 e 9.º do CIRE (6).

Aliás, o art. 126.º, n.º 2 do CIRE é claro ao consagrar que a ação declarativa de condenação é dependência do processo de insolvência, sendo esta expressão entendida como sinónimo de ação que deve correr por apenso ao processo de insolvência – art. 7.º, n.º 3 do CIRE.

A competência do tribunal em razão da matéria determina-se por referência à data da instauração da ação e afere-se em razão do pedido e da causa de pedir tal como configurados na petição inicial. Às Secções de Comércio compete o julgamento dos processos de insolvência nos termos do artigo 128.º, n.º1, al. a) da LOSJ, cabendo-lhe, igualmente, o julgamento dos apensos e incidentes que, porventura, se suscitem no âmbito das ações cuja competência lhes é atribuída, nos termos do art. 128.º n.º3, do citado diploma. A criação de secções dos tribunais com competência especializada visa proporcionar melhores condições para a correta e célere apreciação das matérias em causa (7).

Do que se deixa exposto, forçoso é concluir que a 2ª Secção de Comércio da Comarca de (…) onde corre o processo de insolvência é o competente em razão da matéria para preparar e julgar a presente ação, que de acordo com a lei dele é dependência.

Termos em que procede a apelação.
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SUMÁRIO (artigo 663º n º7 do Código do Processo Civil)
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IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em revogar a decisão recorrida, e em consequência, declarar a 2ª Secção de Comércio da Comarca de (…) onde corre o processo de insolvência competente em razão da matéria para preparar e julgar a presente ação.
Sem custas.
Guimarães, 24 de abril de 2019


Rel. – Des. Conceição Sampaio
1º Adj. - Des. Fernanda Proença Fernandes
2º - Adj. - Des. Heitor Gonçalves

1. Código da Insolvencia e da Recuperação de Empresas Anotado, 5ª edição, pag. 161.
2. Manual de Direito da Insolvência, 6ª Edição, pag. 257.
3. Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, Lisboa, pag. 438.
4. Resolução em Benefício da Massa Insolvente, Almedina, pag. 151 e 156.
5. Vide Acórdão da Relação do Porto 12/04/11, e Acórdão da Relação de Coimbra 21/05/13, disponíveis em www.dgsi.pt.
6. Neste sentido, Gravato Morais, Resolução em Benefício da Massa Insolvente, Almedina, p. 184.
7. Vide Acórdão do STJ de 01/06/2017 e da Relação do Porto de 27/09/2017, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.