Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
238/06.7TCGMR-C.G1
Relator: MARIA LUÍSA RAMOS
Descritores: DIVÓRCIO
BEM COMUM
PRESTAÇÃO DE CONTAS
JUÍZOS DE EQUIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/25/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I. A obrigação legal de “Prestar Contas “ decorrente da previsibilidade legal dos artº 941º e sgs. do NCPC, reporta-se à qualidade de administrador em que alguém se encontra investido quanto a bens que não lhe pertencem, ou não lhe pertencem por inteiro.
II. A utilização exclusiva do prédio comum de ex-casal representa uma vantagem económica, que não pode deixar de ser considerado na prestação de contas.
III. Dispondo o nº3 do artº 566º do Código Civil, que “ Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos o Tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”, o Tribunal para tomar uma decisão baseada em critérios de equidade, tem de socorrer-se de elementos concretos de facto que resultem dos factos provados e que permitam a definição do valor a fixar, não dispensando o preceito legal em referência o ónus de alegação e prova dos factos que revelem a existência de danos e permitam a sua avaliação segundo juízos de equidade.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

L…, intentou acção especial de Prestação de Contas, nº 238/06.7TCGMR-C, da 2ª Vara de Competência Mista de Guimarães, contra D…, na qualidade de cabeça de casal nos autos de Inventário subsequente a Divórcio, pedindo a citação do Réu para prestar contas da sua administração, no prazo de 30 dias, ou contestar a acção.
Devidamente citado, veio o Réu, D… prestar contas da sua administração desde a data da propositura da acção de divórcio – 10.03.2006 –, conforme foi requerido pela Autora, L…, apresentando um saldo a seu favor de € 36.077,35, correspondente a metade da diferença entre as receitas obtidas (com as rendas dos imóveis e a produção dos prédios rústicos) e a despesas pagas (referentes a taxas, impostos, consumos de água e energia, conservação e reparação dos prédios urbanos, bem como ao amanho dos prédios rústicos e a obras aí realizadas e ainda ao trabalho material do requerente tanto nos prédios rústicos como urbanos), sendo certo que tal diferença foi suportada exclusivamente por si.
Concluiu pedindo a condenação da requerente a pagar-lhe o referido saldo de € 36.077,35.
A requerente contestou estas contas, impugnando o valor das receitas e o valor das despesas.
Quanto às receitas, alegou que falta incluir o valor locativo do prédio urbano sito na Rua Dr. Lindoso, n.º 84, São Salvador de Briteiros, Guimarães, que o requerido vem usufruindo em exclusivo desde 2004.
Mais alegou que não devem ser contabilizadas as receitas do vinho, dos cereais e dos legumes, por se tratar de cultivo para consumo do requerido, como o próprio reconhece.
Quanto às despesas, alegou que não devem ser contabilizadas as relacionadas com o vinho, os cereais e os legumes, pelas razões já expostas, o mesmo sucedendo com o valor referente ao trabalho do requerido, pois este trabalhou para ele próprio, sendo aquele valor exagerado.
Alegou ainda que não devem contabilizar-se as despesas desnecessárias, discriminando em seguida quais as despesas que aceita, impugnando todas as demais.
Concluiu afirmando a existência de um saldo positivo de € 31.792,66 e pedindo a condenação do requerido a pagar-lhe metade do mesmo – € 15.896,33.
O requerido apresentou resposta.
Foi proferido despacho saneador e elaborada a Base Instrutória da acção.
Realizado o julgamento foi proferida decisão a condenar a Autor a pagar ao cabeça-de-casal a quantia de € 3.175,18.
Inconformada veio a Autora recorrer, interpondo recurso de Apelação.

O recurso foi recebido como recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresenta, a apelante formula as seguintes conclusões:
I. “ O cônjuge administrador não pode beneficiar do lucro que lhe proporciona a utilização exclusiva dos prédios comuns, em prejuízo do outro ex-cônjuge “.
II. “ O valor do uso desses prédios representa uma vantagem económica, que não pode deixar de ser considerado na prestação de contas, sob pena de injusto locupletamento à custa alheia e de um intolerável enriquecimento sem causa do cônjuge que os utiliza exclusivamente, em seu benefício “.
III. Ficou provado que “ o requerido vem usufruindo de forma exclusiva do prédio urbano situado na Rua Dr. Lindoso, n.º 84, freguesia de Briteiros S. Salvador, concelho de Guimarães, nomeadamente para apoio à exploração agrícola dos produtos para consumo próprio “.
IV. Deve ser incluído, do lado da receita, o valor locativo do prédio urbano situado na rua Dr. Lindoso, 84, freguesia de Briteiros São Salvador, concelho de Guimarães, inscrito na matriz sob o artigo 140, utilizado exclusivamente pelo recorrido.
V. O valor locativo do prédio urbano deverá ser fixado, com recurso ao critério da equidade, num valor nunca inferior a uns modestos € 185,00 mensais.
VI. O montante global das receitas é de € 29.671,46.
VII. A diferença entre as receitas obtidas e as despesas efectuadas é de € 9.359,65.
VIII. Assim, o recorrido deverá ser condenado no pagamento de metade dessa diferença, no valor de € 4.679,83.
IX. A douta decisão recorrida violou o disposto no artigo 941º, do Novo Código de Processo Civil.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência ser revogada a sentença recorrida, e substituída por outra, que relacione o valor locativo do prédio urbano situado na rua Dr. Lindoso, 84, freguesia de Briteiros São Salvador, concelho de Guimarães, inscrito na matriz sob o artigo 140, no montante de € 15.170,00, e condene o recorrido a pagar o valor de € 4.679,83, correspondente a metade da diferença entre as receitas obtidas e as despesas efectuadas.



Foram proferidas contra-alegações.
O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, tal como decorre das disposições legais dos artº 635º-nº3 do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras “( artº 608º-nº2 do CPC).
E, de entre estas questões, excepto no tocante aquelas que o tribunal conhece ex officio, o tribunal de 2ª instância apenas poderá tomar conhecimento das questões já trazidas aos autos pelas partes, nos termos dos artº 5º do CPC, não podendo a parte nas alegações de recurso e respectivas conclusões vir suscitar e requerer a apreciação de questões ou excepções novas.
Atentas as conclusões da apelação deduzidas, e supra descritas, são as seguintes as questões a apreciar:
- na decisão proferida deveria ter sido considerado, no lado da receita, o valor locativo do prédio urbano situado na rua Dr. Lindoso, 84, freguesia de Briteiros São Salvador, concelho de Guimarães, inscrito na matriz sob o artigo 140?
- no montante de € 15.170,00, correspondente a € 185,00 mensais, fixados com recurso a critérios de equidade ?
- e, consequentemente, deveria ter sido condenado o recorrido a pagar á Autora o valor de € 4.679,83, correspondente a metade da diferença entre as receitas obtidas e as despesas efectuadas ?


FUNDAMENTAÇÃO
I. Os Factos _ (São os seguintes os factos declarados provados na sentença recorrida:
1. O requerido foi nomeado cabeça de casal nos autos de inventário em apenso.
2. O requerido sempre tratou dos depósitos e das aplicações financeiras do extinto casal, assim como da gerência do património comum, recebendo as rendas dos prédios urbanos que o integram.
3. Entre 10 de Março de 2006 e 31 de Dezembro de 2006 o requerido recebeu rendas no valor de € 2.878,86.
4. Nesse mesmo período despendeu:
a) 3 x € 5,07 em taxas de lixo;
b) € 23,33 + € 166,01 em IMI;
c) € 1.077,33 em terraplanagens, referentes à limpeza do “curtelho da Calçada frente à capela da Bouça”;
d) € 132,20 + € 40,60 + € 20,00 + € 52,40 + € 45,00 + € 140,00 + € 189,97 + € 20,83 + € 133,92 em obras de restauro, reparação ou manutenção dos prédios urbanos que constituem as verbas n.º 1 e 3;
e) € 53,00 em adubos para os prédios agrícolas comuns;
f) € 16,00 no consumo de energia eléctrica da verba n.º 1;
g) Quantia não concretamente apurada no pagamento a jornaleiros para exploração agrícola dos prédios rústicos.
5. No ano de 2007 o requerido recebeu rendas no valor de € 3.397,56.
6. Nesse mesmo período despendeu:
a) € 173,08 + € 173,07 + € 23,33 em IMI;
b) € 7,35 + € 7,35 + € 5,07 + € 8,07 em taxas de lixo;
c) € 43,50 + € 30,25 + € 550,00 em obras de restauro ou reparação dos prédios urbanos que constituem as verbas n.º 1 e 3;
d) € 178,00 no consumo de energia eléctrica da verba n.º 1;
e) Quantia não concretamente apurada no pagamento a jornaleiros para exploração agrícola dos prédios rústicos.
7. No ano de 2008 o requerido recebeu rendas no valor de € 1.501,68.
8. Nesse mesmo período despendeu:
a) € 173,07 + 173,06 + 23,33 em IMI;
b) € 5,13 + € 7,71 + € 7,71 + € 7,71 + € 2,57 + € 2,57 + € 2,57 em taxas de lixo e outros serviços administrativos;
c) Quantia não concretamente apurada no pagamento a jornaleiros para exploração agrícola dos prédios rústicos;
d) € 510,50 + € 4.985,00 + 228,70 + € 550,00 em obras de restauro ou reparação dos prédios urbanos que constituem as verbas n.º 1 e 3 e em obras no prédio rústico da verba n.º 4;
e) € 11,38 + € 11,62 + € 0,46 + € 7,26 + € 19,61 no consumo de energia eléctrica da verba n.º 1;
f) € 21,50 em adubos para os prédios agrícolas comuns.
9. No ano de 2009 o requerido recebeu rendas no valor de € 1.543,68.
10. Nesse mesmo período despendeu:
a) € 7,89 + € 7,89 + € 7,89 + € 7,89 + € 2,57 + € 2,57 em taxas de lixo;
b) € 153,78 + 151,70 + 23,33 em IMI;
c) € 47,14 + € 9,05 + € 13,06 + € 9,91 + € 3,94 + € 9,54 + € 10,79 + € 9,05 + € 8,66 + € 9,05 + € 8,40 + € 8,86 no consumo de energia eléctrica da verba n.º 1 e 3;
d) € 33,95 + € 7,45 + 38,25 + € 29,94 + € 6,90 + € 6,90 + € 4,15 + € 10,90 em obras de restauro do prédio urbano que constitui a verba n.º 1;
e) € 1.000,00 + € 1.500,00 + € 336,00 + € 143,55 + € 270,00 em obras de restauro de muros e bardos para vinha do prédio da verba n.º 5 /Campo de Tatins);
f) Quantia não concretamente apurada no pagamento a jornaleiros para exploração agrícola dos prédios rústicos;
g) € 600,00 + € 800,00 em vedações dos prédios comuns;
h) € 390,00 na limpeza dos campos de Tatins e do Prado.
11. No ano de 2010 o requerido recebeu rendas no valor de € 1.543,68.
12. Nesse mesmo período despendeu:
a) 4 x € 7,89 em taxas de lixo;
b) € 170,02 + € 170,01 em IMI;
c) Quantia não concretamente apurada no pagamento a jornaleiros para exploração agrícola dos prédios rústicos;
d) € 136,00 na reparação e colocação de portões na verba n.º 3;
e) € 10,76 + € 9,44 + € 8,80 + € 2,48 + € 9,62 + € 9,62 + € 7,99 + € 9,44 + € 8,39 + € 27,00 + € 8,58 + € 17,23 e € 8,84 no consumo de energia eléctrica da verba n.º 1 e 3;
f) € 400,00 na aquisição de um motor para bombeamento da água para rega dos prédios rústicos;
g) € 786,50 + € 850,00 na aquisição de esteios ou postes de betão para construção de bardos para vinha nos prédios rústicos e no logradouro do prédio da verba n.º 1;
h) € 221,50 + € 177,65 em obras de restauro e de manutenção dos prédios urbanos das verba n.º 1 e 3;
i) € 587,20 + 84,40 + 29,90 na aquisição de produtos para exploração agrícola dos prédios rústicos e logradouro do prédio urbano.
13. No ano de 2011 o requerido recebeu rendas no valor de € 1.548,00.
14. Nesse mesmo período despendeu:
a) 4 x € 8,07 em taxas de lixo;
b) € 170,01 + € 170,02 em IMI;
c) € 15,86 + € 25,99 + € 11,53 + € 6,40 + € 9,77 + € 9,44 + € 12,55 + € 16,25 + € 9,58 + € 12,93 + € 101,41 + € 11,74 no consumo de energia eléctrica da verba n.º 1 e 3;
d) € 13,40 + € 19,90 + € 240,00 + € 203,50 no restauro do prédio urbano da verba n.º 1;
e) Quantia não concretamente apurada no pagamento a jornaleiros para exploração agrícola dos prédios rústicos;
f) € 234,19 + € 156,01 + € 799,50 + € 246,00 na colocação de bardos, incluindo o seu transporte, nos prédios rústicos e no logradouro do prédio urbano;
g) € 100,00 na colocação de estores na verba n.º 3;
h) € 747,23 e € 193,73 em terraplanagens efectuadas no campo de Tatins;
i) € 102,75 em arame zincado;
j) € 470,48 numa porta para um dos prédios comuns;
k) € 35,00 + 10,70 + 3,20 + € 12,70 + € 31,20 + € 3,95 + € 1,50 + € 422,85 na aquisição de produtos para exploração agrícola dos prédios rústicos e logradouro do prédio urbano.
15. No ano de 2012 o requerido recebeu rendas no valor de € 1.548,00.
16. Nesse mesmo período despendeu:
a) € 170,02 + € 170,01 em IMI;
b) € 9,62 + € 9,62 + € 9,62 + € 8,07 em taxas de lixo;
c) € 261,20 + € 205,56 + € 13,50 + € 366,70 + € 13,90 + € 1,20 em materiais de construção para restauro do prédio urbano da verba n.º 1 e de muros dos prédios rústicos;
d) € 89,00 na aquisição de uma rebarbadeira;
e) Pelo menos € 329,30 na aquisição de produtos na “Casa Agrícola Taipas” para exploração agrícola dos prédios rústicos e logradouro do prédio urbano;
f) € 15,03 + € 394,83 em serviços com martelo pnemático para substituir mão-de-obra;
g) € 747,23 em trabalhos de arrancamento de árvores e construção de bardos nos prédios de Tatins e Prado;
h) Quantia não concretamente apurada no pagamento a jornaleiros para exploração agrícola dos prédios rústicos;
i) € 900,00 no pagamento ao jornaleiro Isac Manuel Dias Carvalho para obras nos prédios urbanos;
j) € 393,60 no aluguer de máquinas agrícolas;
k) € 6,50 na aquisição de uma pistola de rega;
l) € 11,71 + € 12,32 + € 11,54 + € 3,49 + € 17,54 + € 11,86 + € 12,66 + € 13,08 + € 13,86 + € 9,86 + € 23,53 + € 12,92 + 12,62 no consumo de energia eléctrica da verba n.º 1 e 3;
m) € 941,37 na ligação ao ramal de abastecimento púbico de água relativa ao prédio urbano da verba n.º 3;
n) € 251,84 na aquisição de vidros;
o) € 843,13 na ligação ao ramal de abastecimento púbico de água relativa ao prédio urbano da verba n.º 1;
p) € 60,00 na reparação de uma carrinha de sulfatar.
17. O requerido vem usufruindo de forma exclusiva do prédio urbano situado na Rua Dr. Lindoso, n.º 84, freguesia de Briteiros S. Salvador, concelho de Guimarães, embora não resida aí.
18. O requerido destinou o produto da exploração agrícola dos prédios a consumo próprio.
19. Quando o requerido regressou de França, onde residiu, parte dos prédios rústicos do casal encontrava-se “a monte”, com silvados e outras plantas de geração espontânea.
20. Um dos prédios urbanos encontrava-se deteriorado, quase em estado de ruína, pelo que foi necessário refazer toda a estrutura do telhado, repor acessos, substituir caixilharias e portas, tanto exteriores como interiores, endireitar paredes exteriores, refazer pavimentos e efectuar trabalhos e reinstalações de várias especialidades, nomeadamente abastecimento de água e energia.



II. O Direito
Inconformada com a decisão de prestação de contas que a condenou a pagar ao Réu/ cabeça-de-casal a quantia de € 3.175,18, veio a Autora recorrer de tal decisão, interpondo recurso de Apelação, defendendo dever ser revogada a sentença recorrida e, substituída por outra, que relacione o valor locativo do prédio urbano situado na rua Dr. Lindoso, 84, freguesia de Briteiros São Salvador, concelho de Guimarães, inscrito na matriz sob o artigo 140, no montante de € 15.170,00, e condene o recorrido a pagar o valor de € 4.679,83, correspondente a metade da diferença entre as receitas obtidas e as despesas efectuadas.
Nos termos do artigo 941º do Novo Código de Processo Civil, o qual define o objecto da acção especial de Prestação de Contas “ A acção de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objecto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se”.
Relativamente à obrigação legal de “Prestar Contas “ decorrente da previsibilidade legal dos artº 941º e sgs., supra referidos, reporta-se tal dever de prestação de contas à qualidade de administrador em que alguém se encontra investido quanto a bens que não lhe pertencem, ou não lhe pertencem por inteiro, reiterando-se, decisão de igual sentido já expressa na sentença recorrida, sendo que tal entendimento é o que expressamente decorre da lei e é salientado de forma unânime pela doutrina e jurisprudência ( citando-se, a título meramente exemplificativo - A. Reis, in Processos Especiais, Vol. I, pg. 303; Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. II, pg. 192; Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 1 / 7/ 2004, in  www.dgsi.pt : “ A acção de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de as exigir e por quem tenha a obrigação de as prestar, e tem por objecto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios (artigo 1014º do Código de Processo Civil). Assim, é exigível judicialmente a prestação de contas contra o administrador de bens alheios que se recusa a prestá-las bem como contra aquele que se recusou a aprová-las na sequência da sua apresentação extrajudicial que tenha ocorrido.
Assim, a obrigação de prestação de contas só pode ser assumida por quem administre bens ou interesses alheios, e a referida prestação pode ser espontânea ou provocada.
Trata-se de uma obrigação de natureza material ou substantiva, pelo que o artigo 1014º do Código de Processo Civil pressupõe a existência de norma legal ou de contrato que imponha a prestação de contas”.
Em inventário subsequente a divórcio para separação de meações, o cabeça de casal está sujeito à obrigação de prestar contas da sua administração, anualmente, nos termos do art. 2093º do Código Civil.
No caso em apreço, nos autos de Prestação de Contas em curso, tendo sido proferida sentença a fixar as contas da administração do Réu, na qualidade de cabeça de casal nos autos de Inventário subsequente a Divórcio, veio a Autora interpor recurso de apelação defendendo dever ser considerado ainda como receita o valor locativo do prédio urbano situado na rua Dr. Lindoso, 84, freguesia de Briteiros São Salvador, concelho de Guimarães, inscrito na matriz sob o artigo 140, no montante de € 15.170,00, correspondente a € 185,00 mensais, fixados com recurso a critérios de equidade, e, consequentemente, condenado o recorrido a pagar o valor de € 4.679,83, correspondente a metade da diferença entre as receitas obtidas e as despesas efectuadas.
Relativamente á 1ª questão, referente á inclusão como receita do valor locativo do prédio urbano situado na rua Dr. Lindoso, 84, freguesia de Briteiros São Salvador, concelho de Guimarães, inscrito na matriz sob o artigo 140, atentos os factos provados, designadamente, o facto provado nº 17 nos termos do qual resulta provado que o requerido vem usufruindo de forma exclusiva indicado prédio urbano, embora não resida aí, a resposta não pode deixar de ser afirmativa.
Como se refere no Ac. do STJ de 25/3/2004, in www.dgsi.pt “I - Dissolvido o casamento por divórcio, o ex-cônjuge administrador que detenha a posse de bens comuns do casal e deles colha os seus frutos ou utilidades é obrigado a prestar contas ao outro ex-cônjuge, desde data da propositura da acção de divórcio. II - O cônjuge administrador não pode beneficiar do lucro que lhe proporciona a utilização exclusiva dos prédios comuns, em prejuízo do outro ex-cônjuge. III - O valor do uso desses prédios representa uma vantagem económica, que não pode deixar de ser considerado na prestação de contas, sob pena de injusto locupletamento à custa alheia e de um intolerável enriquecimento sem causa do cônjuge que os utiliza exclusivamente, em seu benefício”, e, no mesmo sentido se decidiu já neste TRG em Ac. de 8/3/2012, in www.dgsi.pt.
Já no tocante á fixação do valor de tal uso, que a apelante pretende se fixe no montante de € 15.170,00, correspondente a € 185,00 mensais, fixados com recurso a critérios de equidade, falecem os fundamentos da apelação.
Com efeito, tendo a Autora/apelante, no articulado de contestação que apresentou nos autos, alegado ser o indicado valor locativo de € 250,00 mensais, num valor total, que indicou, referente aos anos de 2006 ( 10 meses ) a 2012, de € 14.500, tal factualidade veio a ser declarada “ Não provada “ na sentença proferida, na resposta á matéria de facto e declaração dos factos não provados, designadamente al.K, a fls.338, esclarecendo o Mº Juiz “ a quo”, em consonância ao que resulta dos autos, não ter sido produzida qualquer prova relativamente aos factos declarados não provados.
E, ora, em sede de alegações, vem a Autora, distintamente, indicar já o valor locativo no montante global de € 15.170,00, correspondente a € 185,00 mensais, sem qualquer correspondência factual ou probatória, requerendo seja tal valor fixado com recurso a critérios de equidade.
Ora, o Tribunal para tomar uma decisão baseada em critérios de equidade, tem de socorrer-se de elementos concretos de facto que resultem dos factos provados e que permitam a definição do valor a fixar, sob pena de o juízo equitativo deixar de ser efectuado em prudente arbítrio, para se passar a fazer de forma absolutamente arbitrária, nenhuns elementos factuais resultando dos autos que permitam tal aplicação, sendo nula a prova oferecida relativamente a tal factualidade.
Com efeito, e como dispõe o nº3 do artº 566º do Código Civil, “ Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos o Tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”, sendo que “ disposto no indicado preceito legal não dispensa o lesado de alegar e provar os factos que revelem a existência de danos e permitam a sua avaliação segundo um juízo de equidade” – P.Lima e A.Varela, in Código Civil anotado, Volume I, pg. 553.
No mesmo sentido se refere no Ac. do STJ, de 28/10/2010, in www.dgsi.pt “a aplicação do regime prescrito no nº3 do art 566º do CC em sede de puros e típicos danos patrimoniais envolve, desde logo, a questão de saber se a indefinição factual acerca do real valor do dano sofrido é susceptível de suprimento através de uma ponderação equitativa ; é que, como atrás se referiu, o apelo à equidade é, neste caso, puramente complementar e acessório da aplicação da teoria da diferença, pressupondo que o «núcleo essencial» do dano está suficientemente concretizado e processualmente demonstrado e quantificado – não devendo o juízo equitativo representar um verdadeiro e arbitrário «salto no desconhecido», dado perante matéria factual de contornos manifestamente insuficientes e indeterminados.
A previsão contida no referido preceito legal supõe, na verdade, o preenchimento de duas condições ou requisitos: não estar determinado apenas o «valor exacto» do dano mas terem sido provados «limites», máximo e mínimo, para esse dano – que não podem considerar-se verificadas quando, no momento do julgamento, ocorre uma essencial indefinição acerca do valor real do dano material sofrido, pressupondo a formulação do juízo complementar de equidade uma base factual minimamente sólida e consistente sobre os valores indemnizatórios em causa”.
De igual modo, também, in casu, não poderá o Tribunal proferir condenação genérica, relegando-se para ulterior liquidação em execução de sentença a concretização do montante exacto e preciso dos danos, nos termos do disposto no nº2 do artº 609º do CPC, pois que “a remissão para execução de sentença não poderá ser consequência da falta ou fracasso da prova na acção declarativa…” – Ac. STJ de 13/1/2000, in www.dgsi.pt., sendo certo, como acima se referiu, que no caso em apreço, e relativamente ao valor locativo do prédio urbano em referência, nenhuns elementos factuais resultam dos autos que permitam a aplicação de juízos de equidade, sendo nula a prova oferecida pela Autora relativamente a tal factualidade, não tendo a mesma cumprido o ónus de prova respectivo a que se encontrava adstrita, e que se lhe impunha, nestes termos, desde logo, falecendo a sua pretensão.
Conclui-se, face ao exposto, pela improcedência da apelação.

DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.

Guimarães, 25 de Setembro de 2014
Maria Luisa Ramos
Raquel Rego
António Sobrinho