Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2892/10.6TJVNF.G1
Relator: MARIA DA PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: COMPRA E VENDA
DEFEITOS DA COISA VENDIDA
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
ÓNUS DA PROVA
VENDA POR AMOSTRA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/21/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1.Impendia sobre a autora compradora o ónus da prova de que o produto que comprou à ré e que esta lhe forneceu era defeituoso e, como o não cumpriu, soçobra a sua pretensão de anulação do negócio, baseada nesse facto.
2.Para haver uma venda sobre amostra é indispensável que o vendedor se tenha obrigado a entregar uma coisa exactamente igual à amostra sujeitando-se ao confronto dela pelo comprador ou pelos peritos. A amostra deve ser em tudo igual à mercadoria que se há-de entregar.
3. Não estando provado que a autora encomendou o produto fornecido tal como constava das amostras enviadas, não existe venda por amostra.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório
A.., S.A., intentou esta acção ordinária contra a ré P.., Ldª.
Alegou em síntese o seguinte:
No seguimento do concurso público, a Câmara Municipal de.. deliberou adjudicar à autora a execução da empreitada documentada no doc. 4, que implicava a execução de uma ciclovia e passeio pedonal, no prazo de 270 dias, contados da data da consignação.
Uma vez que o material referido no caderno de encargos era fornecido na zona norte pela ré, a autora contatou-a para que esta apresentasse proposta de preço para o fornecimento deste material, tendo solicitado a entrega de amostras, acabando por celebrar contrato de fornecimento em 12/05/2009.
De acordo com esse contrato, a ré obrigou-se a fornecer à autora 48, 600 toneladas de betuminoso colorido IRR castanho e de 11,500 toneladas de betuminoso colorido IRR creme, no período compreendido entre 12/05 e 03/06 e efetuar o acompanhamento técnico da aplicação desses materiais mediante o pagamento da quantia de 27 876,00 Euros, acrescido de IVA à taxa em vigor,
valor que a autora pagou.
Sucede que somente em 22/06/2009 é que a ré entregou à autora a denominada composição do IRR referido no ponto 24, na sequência do que e após o dono da obra ter decidido a aplicação desse produto nos dias 10 e 11 de Julho de 2009, a autora aplicou na obra o material fornecido pela ré, em
conformidade com as fichas técnicas fornecidas pela ré e de acordo com as indicações dadas pela ré no local.
Verificou-se, porém que, 72 horas depois de aplicado o material, o simples uso pedonal da ciclovia e da zona pedonal deixava marcas nos pavimentos em causa, o que contrariava o prescrito nas fichas técnicas, o que significa que o produto fornecido não cumpria as características previstas no caderno de encargos. Em 25/08/2009 o dono da obra notificou a autora para aplicar uma solução alternativa ao pavimento previsto no caderno de encargos já que a ré não fornecia solução credível, razão pela qual deve a ré restituir à autora a importância de 32 406, 24 Euros.
Acresce que o aludido comportamento obrigou a autora a permanecer na obra injustificadamente desde 10 de Julho de 2009 a 15 de Setembro de 2009 ou seja 2,27 meses para além do previsto, que implicou um custo global de 76 631, 39 Euros, que a autora reclama.
Pede a procedência e a condenação da ré no valor do pedido.
A ré contestou alegando que as novas amostras foram aprovadas pela ré em 17/6/2009, sob condições que não podem ser imputadas à ré sendo que os defeitos registados no pavimento aplicado resultaram do facto do pavimento ter ficado sujeito a tráfego que não estava previsto, não podendo ser imputadas à ré.
Conclui pugnando pela improcedência da ação e pela sua absolvição do pedido contra ela formulado.
A autora replicou concluindo como na P.I..
Foi realizado despacho saneador que fixou os factos assentes e a base instrutória, peças que não mereceram reclamação.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e no final foi proferida a seguinte sentença:
Pelo exposto, julgo a ação totalmente improcedente e, em consequência absolvo a ré P.., Ldª dos pedidos contra ela formulados.
Custas a cargo da autora.
A autora não se conforma com esta decisão impugnando-a através do presente recurso, pretendendo vê-la revogada.
Apresenta as seguintes conclusões:
A. A recorrida forneceu um produto destinado a pavimentação, mais concretamente um betuminoso chamado IRR, que consiste numa mistura de agregados (areia), corante e ligante.
B. Mas obrigou-se não apenas a fornecer o produto, mas também a fazer o acompanhamento técnico.
Ou seja, e como se entendeu na sentença (pag. 20), contratou uma compra e venda e prestação de serviços
C. Sucede que, aplicado o produto e decorrido o período de cura, o mesmo de desagregou ou, por outras palavras, desfazia-se em areia colorida.
D. Apesar disso, entendeu-se na sentença que não ficou provada a existência de um defeito e, por isso, se absolveu a ré do pedido!
E. Dá-se aqui por integralmente reproduzida a matéria de facto supra indicada.
F. No que se refere ao conhecimento do caderno de encargos por parte da ré e a limitação da sua obrigação ao fornecimento de quantidades, sem obrigação de fazer verificação laboratorial, desde logo se considera que a posição da sentença não está conforme a prova produzida.
G. De qualquer modo, o conhecimento do caderno de encargos da obra é irrelevante, pois que a ré não se obrigou a fornecer qualquer produto mas antes se obrigou a fornecer pavimento IRR.
H. Assim, a ré não podia deixar de saber que o produto a fornecer tinha uma finalidade determinada, por si conhecida e aceite. Logo, tinha obrigatoriamente de servir para tal finalidade.
I. Nesse sentido, no contrato celebrado com a autora, que foi junto pela própria ré (doc. 6 da petição), diz-se: «o objecto do presente Contrato consiste no fornecimento de pavimento IRR, incluindo acompanhamento técnico durante a sua aplicação ... »,
J. Também na matéria de facto se considerou provado o seguinte: 5.9.Na sequência do que, e dado que o material referido no ponto 8 supra (IRR - Aglomerado asfáltico colorido) era fornecido na zona Norte de Portugal pela R., a A. contactou esta, no decurso do ano de 2008, no sentido de a mesma apresentar proposta de preço para o fornecimento desse material destinado à execução da ciclovia e passeio pedonal, incluindo o acompanhamento técnico da sua aplicação- ¬Alínea I) dos Factos Assentes.
K. Acresce que a ré forneceu à autora o que chamou de ficha técnica do produto (Doc. 7 da petição), de onde resulta inequivocamente que o produto fornecido se destinava a pavimentação.
L. Ora, o que se provou é que, mesmo depois de ultrapassado o período de tempo previsto para a cura, o produto em causa se desagregava, inclusive com o simples movimento do pé ou, por outras palavras: a ré comprometeu-se a fornecer um pavimento. mas o que verdadeiramente forneceu foi areia colorida.
M. Sobre isto, ficou provado o seguinte:
5.31. Verificou-se, porém, que 72 horas depois de aplicado o material, o simples uso pedonal da ciclovia e da zona pedonal deixava marcas nos pavimentos em causa - Resposta ao ponto 2r da B.I..
5.32. Por fax remetido pela autora à ré em 13/07/2009,esta informa que o tapete betuminoso colorido IRR apresentava sinais da existência de desagregação do Material aplicado, solicitando uma reunião em obra - Resposta aos pontos 24° e 26° da B.I ..
5.33. As fichas técnicas do produto determinavam que após 72 horas da aplicação já seria possível a circulação de viaturas, sem execução de manobras - Resposta ao ponto 25° da B.I..
N. Quanto à questão da verificação laboratorial, a Mm" Juiz a quo, não atentou devidamente nos pontos 5.1 e 5.4 do contrato celebrado (doc. 6 da petição).
O. Em primeiro lugar, na reunião de 29 de Junho de 2009 (Doc. 15 da petição), foram recolhidas amostras do pavimento e assumido o compromisso de apresentar o resultado da análise das mesmas no dia seguinte, tendo igualmente sido reconhecido por todos que «este pavimento apresenta patologias, nomeadamente desagregação do material», o mesmo resultando da sentença (ponto 5.41).
P. Em segundo lugar, não podemos esquecer que as amostras fornecidas pela autora primeiramente não foram aprovadas e as seguintes tiveram uma aprovação condicionada a vários requisitos, entre os quais a apresentação de um estudo de composição e a recolha de amostra no acto da descarga e da apresentação de dados.
Q. Nesse sentido, provou-se:
5.21. Nessa reunião, a R. obrigou-se de entregar à A., amostras do Betuminoso IRR (lmxlm) nos RAL 8001 e RAL 1001 para efeitos de aprovação do Dono da Obra¬ - Resposta ao ponto 6° da RI ..
5.22. A R. entregou à A. as referidas amostras as quais, aliás, não foram aprovadas pelo dono da obra em virtude de as respetivas cores não corresponderem às das primeiras amostras que tinham sido aprovadas e executadas pela R. na obra em Agosto de 2008 - Resposta ao ponto 8° da RI ..
5.23. A R. entregou novas amostras, que mereceram a aprovação, de forma condicionada do dono da obra em 16/06/2008 porquanto a aprovação definitiva ficou sujeita às seguintes condições:
a) Apresentação de um estudo de composição;
b) Recolha de amostra no ato de descarga em obra e apresentação dos dados relativos à mesma no que se refere aos materiais e suas percentagens de teores - Resposta ao ponto 11° da B.I.
R. Ainda no mesmo sentido, podem ver-se os documentos 9 da petição e documentos 48 e 49 juntos em julgamento, sendo certo que no primeiro desses documentos diz-se expressamente que deve ser "apresentado o resultado laboratorial".
Entendeu-se ainda na sentença que a ré forneceu amostras e, apesar de conhecer a reação do produto, a autora manteve interesse no fornecimento, apesar de saber que o produto se desagregava e a cor se alterava (pag. 18 da sentença), pelo que se entendeu estarmos perante uma venda sob amostra, prevista no artigo 99 do Código Civil.
S. Este raciocínio sofre de vários vícios, desde logo porque as amostras fornecidas pela ré NÃO FORAM APROVADAS.
T. Bem pelo contrário, a primeira foi recusada e a segunda foi aprovada condicionalmente.
U. Há que ter presente que, como foi ostensivamente explicado pelas testemunhas e se apreende pelo senso comum, o pavimento IRR não é um produto químico, mas sim um produto natural, concretamente composto por areia ou brita, por um produto corante e por um químico ligante.
V. Sucede que, como produto natural que é, a areia ou brita varia nas suas características, nomeadamente na seu grau de PH ou acidez, razão pela qual é habitual que as centrais onde é fabricado o betuminoso (e este foi fabricado pela ré), tem habitualmente anexo um laboratório, de modo a que o produto produzido vai sendo testado.
W. Face ao referido, ainda que estivéssemos perante uma venda sob amostra, e não tendo esta sido aprovada, cai pela base o argumento da sentença.
X. Aliás, é absurdo considerar que a culpa é da autora porque, apesar de conhecer a reação do produto, manteve interesse no fornecimento, desde logo porque não foi essa a finalidade das amostras.
Y. Por outro lado, como se disse, estamos perante um produto natural e com características acertadas sempre que é produzido, pelo que as amostras entregues antes do fornecimento - boas ou más - não servem de referência definitiva. Por isso é que, neste tipo de trabalhos, é habitual recolher amostras "em obra", mesmo quando há amostras anteriores.
Z. De qualquer modo, é manifesto que não estamos perante uma venda sobre amostra, já que, para existir venda sob amostra, é essencial que a mesma se resuma ao fornecimento de um produto com características previamente definidas por uma amostra, ou seja, é antecipadamente apresentada uma parcela da mercadoria e, aceite esta, fornecida a restante acordada.
AA. Sucede que, no caso concreto, não há um mero fornecimento, mas também o acompanhamento técnico, o que desde logo afasta a simples venda sobre amostra.
BB. Efetivamente, resulta do contrato (doc. 6 da petição) e ficou estabelecido na alínea I dos factos assentes (ponto 5.9 da sentença) que a ré se obrigou ao acompanhamento técnico da aplicação do produto.
CC. Salienta-se que se trata de uma obrigação e não uma mera faculdade concedida à ré de assistir à aplicação do pavimento, pelo que, para ter efeito útil, a obrigação da ré tem de estar associada ao resultado.
DD. Ainda sobre esta questão, e salvo o devido respeito, na sentença inverteram-se totalmente as regras sobre o cumprimento das obrigações, na medida em que se considera que, se se a autora sabia da reação do produto, devia ter recusado a sua aplicação.
EE. Porém, não podemos esquecer que a autora se obrigou a adquirir o pavimento IRR.
FF. Como é bom de ver, a autora e a dona da obra comunicaram à ré as suas reservas, aprovando o produto condicionalmente.
GG. Face a uma aprovação condicional, não tinha de ser a autora a recusar, mas a ré a assumir (ou a não) o fornecimento. Só assim pode entender-se uma actuação de boa-fé.
HH. Se a autora tivesse recusado o cumprimento, a ré teria alegado que se trata de um produto natural, cuja qualidade é "afinada" na fase da produção e não na amostra, pelo que, a autora estaria a faltar ao cumprimento do contrato e, em lugar de autora, seria agora ré.
II. Assim, o que a autora podia fazer e fez foi conceder à ré a possibilidade de cumprir as suas obrigações.
JJ. A tese da sentença inverte os papéis: em lugar de ser a ré a responder pelo seu incumprimento. é a autora a responder por não ter impedido a ré de "fazer asneira"!
KK. Para finalizar esta questão, deve ter-se ainda presente que não tem aqui aplicação o regime legal invocado na sentença (art. 919 do Código Civil), pois estamos perante um contrato celebrado entre duas sociedades comerciais, pelo que é evidente e se presume a sua natureza comercial (art. 2 e 230 do Código Comercial).
LL. Assim, a haver venda sob amostra - o que não se aceita -, seria regulada pelo art. 469 do Código Comercial, donde resulta que ao invés do que sucede no direito civil, em que há uma venda perfeita desde o início, no direito comercial há uma venda sob condição suspensiva.
MM. Daí resulta que o contrato só se considera perfeito se o comprador examinar o que comprou e não reclamar, e que o comprador fica dispensado de demonstrar os vícios da coisa.
NN. Importa aqui lembrar que a autora comunicou à ré as suas reservas (e da dona de obra) em relação às amostras e, logo que o produto aplicado revelou os seus vícios, a notificou de tudo e repetidamente a convocou para reuniões e para dar solução.
OO. Considerou-se também na sentença que, apesar de a finalidade do produto não ter sido atingida, terá havido por culpa da autora/dono da obra, culpa in elligendo na escolha do material, por ser inadequado à finalidade.
PP. Ora, esse entendimento confunde o defeito do produto num caso concreto, com uma inadequação geral do mesmo para o fim a que se destina, assim como conclui pela inadequação do produto pela mera opção por uma solução alternativa.
QQ. Relembra-se aqui que a autora contratou com a ré o fornecimento de pavimento IRR e acompanhamento técnico, e que a ré entregou o que chamou de fichas técnicas referentes a esse produto, o qual está no mercado e é comercializado como solução capaz.
RR. Rigorosamente nada resulta da matéria de facto, no sentido de este tipo de produto ser inviável como solução de pavimentação.
SS. E, se bem que não cabia, nem cabe à autora demonstrar a causa do incumprimento da ré, ou seja, o motivo porque o produto em questão não funcionou, a verdade é que da prova produzida resultou inequívoco que, no caso concreto, o produto ligante não interagiu corretamente com a areia ou brita e o corante, de modo que, em lugar de um piso uniforme, resultou uma mistura solta.
TT. Aliás, como se vê dos autos, a ré nunca entregou os exames e relatórios laboratoriais do produto, pelo que se deduz que não teve os devidos cuidados na fase da produção.
UU. Daí resultou que, em lugar de produzir algo que em condições normais serviria de pavimento, produziu algo com um problema na ligação entre os diversos componentes.
VV. Só que, em lugar de responsabilizar a ré pelos seus erros, na sentença seguiu-se o caminho de culpar a autora pelos erros da ré!
WW. O facto de se ter optado por uma solução alternativa em nada interfere com o que foi dito, pois daí não se pode inferir que a solução inicial fosse inviável.
XX. Aliás, trata-se de uma solução comercializada no mercado e que, se executada sem vícios, até permite o trânsito de veículos.
YY. A última questão colocada na sentença tem a ver com o facto de se entender que a pretensão indemnizatória da autora não ter fundamento legal, porque "não se evidenciou atraso na obra, pois que não se provou que o dono da obra tivesse solicitado qualquer indemnização pelo referido atraso" (pag. 19 da sentença) e, por outro, por se entender que" a autora solicita, a devolução do preço pago e uma indemnização que vai para além da indemnização pelo interesse contratual negativo" (pag. 24 da sentença).
ZZ. Na verdade, o que sucedeu é que, com o incumprimento da ré, a autora teve essencialmente dois tipos de prejuízos:
i.O valor que pagou à ré pelo produto que, afinal, teve de remover e perdeu.
ii. Os encargos que teve com o facto de ter permanecido na obra mais tempo do que o previsto
AAA. Nenhum desses prejuízos tem conexão com a posição do dono da obra, sendo certo que, se se o dono da obra tivesse reclamado da autora uma indemnização, ou lhe tivesse aplicado uma multa, a autora não teria alternativa que não fosse a de solicitar da ré uma indemnização do valor correspondente.
BBB. Quanto ao fundamento legal da indemnização pedida pela autora é, salvo o devido respeito, evidente, pois que, tendo a ré fornecido um produto que não serviu para o fim a que se destina, não restava outra alternativa que não fosse a sua remoção.
CCC. E, independentemente da solução aplicada, a verdade é que o problema em causa levou necessariamente tempo para ser resolvido, além do que a autora pagou à ré a quantia de € 32.406.24 (ponto 5.51 da sentença e 64 da BI).
DDD. Como é bom de ver, a autora perdeu esse valor por culpa da ré e, assim sendo, tem o direito de reclamar dela o seu pagamento.
EEE. A esse dano acresce o do tempo que a autora teve de permanecer em obra, tanto mais que a remoção da obra executada levou necessariamente mais tempo, daí resultando um prejuízo.
TERMOS EM QUE deve ser concedido provimento ao presente recurso e, por via dele, revogar-se a decisão proferida e substituindo-a por outra que julgue a ação provada e procedente e condene a ré no pedido, assim se fazendo a tão deseja JUSTIÇA!

Não foram apresentadas contra alegações.
O recurso foi admitido.
Nada a tal obstando, cumpre apreciar e decidir.

A questão a resolver consiste no enquadramento jurídico dos factos provados e suas consequências jurídicas.

Fundamentação
De facto
Na 1ª instância foram declarados provados e não provados os seguintes factos:
Oriundos da Matéria Assente
5.1. A A. “A.., S.A.”, que também usa, no giro comercial, a designação “A..”, é uma sociedade anónima que se dedica, entre outras atividades, à execução de obras públicas – Alínea A) dos Factos Assentes.
5.2. A R. é uma sociedade comercial por quotas, cuja atividade consiste na produção, comércio, representações, colocação, assistência técnica de produtos diversos, nomeadamente pavimentos – Alínea B) dos Factos Assentes.
5.3.No seguimento de concurso público, lançado nos termos do disposto no artigo 80 do DL nº 59/99, de 2-3, a Câmara Municipal de.. deliberou, em representação do Município de.., adjudicar à A. “A.., S.A.” a execução da empreitada “Requalificação Urbana e Ambiental da Margem Ribeirinha de.." – Alínea C) dos Factos Assentes.
5.4.Em 27 de Abril de 2007, foi celebrado entre a A., na qualidade de empreiteira, e o Município de .., na qualidade de dono da obra, o contrato de empreitada que constitui o documento nº4, junto aos autos com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido – Alínea D) dos Factos Assentes.
5.5.Tal contrato tinha por objeto a “Requalificação Urbana e Ambiental da Margem Ribeirinha de..”, de harmonia com a proposta apresentada pela A., programa de concurso, caderno de encargos e projeto (parte escrita e desenhada) patenteado no concurso – Alínea E) dos Factos Assentes.
5.6.Nos termos do constante nesse contrato, os trabalhos que constituíam a Empreitada tinham de ser executados com toda a solidez e perfeição e neles tinham de ser empregues materiais da melhor qualidade, de harmonia com o caderno de encargos – Alínea F) dos Factos Assentes.
5.7.O prazo de execução da empreitada era de 270 dias, contados da data da consignação, incluindo sábados, domingos e feriados – Alínea G) dos Factos Assentes.
5.8. Sendo que, concluída a consignação, foi dada posse ao empreiteiro dos terrenos e construção – Alínea H) dos Factos Assentes.
5.9.Na sequência do que, e dado que o material referido no ponto 8 supra (IRR – Aglomerado asfáltico colorido) era fornecido na zona Norte de Portugal pela R., a A. contactou esta, no decurso do ano de 2008, no sentido de a mesma apresentar proposta de preço para o fornecimento desse material destinado à execução da ciclovia e passeio pedonal, incluindo o acompanhamento técnico da sua aplicação – Alínea I) dos Factos Assentes.
5.10.Tendo a A. solicitado ainda à R. a entrega de amostras de pavimento IRR nos RAL 8001 e 1001 para efeitos de aprovação do mesmo por parte do dono da obra – Alínea J) dos Factos Assentes.
5.11.Em 26 de Maio de 2009 realizou-se uma reunião nas instalações da A. sitas na Av.., V.N. de Famalicão, na qual intervieram J.., na qualidade de sócio-gerente da R. e em representação da mesma, e a Engª R.. e Engª. M.., em representação da A. – Alínea K) dos Factos Assentes.
5.12.Em 9/6/2009, às 13h59m, a R, enviou à A. uma “Ficha Técnica” do material, conforme escrito que constitui o documento nº7, junto aos autos com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido – Alínea L) dos Factos Assentes.
5.13.E ás 14h21m desse mesmo dia (09/06/2009), a R. enviou à A. outra Ficha Técnica que continha informação sobre o material em causa, nomeadamente sobre o “Transporte e Armazenagem”, “Processo Construtivo” e “Condições técnicas” – Alínea M) dos Factos Assentes.
5.14.Na sequência do que, e após o dono da obra ter decidido a aplicação desse produto nos dias 10 e 11 de Julho de 2009, a A. aplicou na obra o material fornecido pela R., concretamente o material IRR RAL 1001 no pavimento da zona pedonal e o material IRR RAL 8001 no pavimento da ciclovia – Alínea N) dos Factos Assentes.
5.15.Em 04/08/2009, a R. comunicou à A. que, no dia seguinte (05/08/2009) ia iniciar os trabalhos de reparação do pavimento em IRR e, bem assim, a solução/metodologia dos mesmos – Alínea O) dos Factos Assentes.
Factos provados oriundos das respostas à Base Instrutória: 5.16. Estavam incluídos no objeto do contrato referido em C), a realização dos trabalhos definidos, quanto à sua espécie, quantidade e condições técnicas de execução, nos projetos e caderno de encargos, designadamente execução de ciclovia e passeio pedonal, nos termos do escrito que constitui o documento nº5, junto aos autos com a petição inicial – Resposta ao ponto 1º da B.I..
5.17. Como resultava do Caderno de Encargos (ponto 2.21, intitulado “Pavimento em Argamassa Betuminosa, das Condições técnicas Gerais, Condições Técnicas Especiais), a A. obrigou-se a utilizar na execução da ciclovia e do passeio pedonal Argamassas Betuminosas Cor de Pedra Calcária e Cor Creme/Castanho Claro com características de desgaste, tipo “IRR – Aglomerado Asfáltico”, ou equivalente, obedecendo às seguintes especificações:
«Ligante: Mistura de betume sintético com solventes de hidrocarbono e resinas aditivadas sofisticadas. Este betume enriquecido evita o desagregamento do produto final uma vez que combina a funcionalidade dos grupos polares, aumentando a durabilidade.
O ligante deverá ser composto por um betuminoso (grau 100 de penetração) diluído com um dissolvente (álcool branco e xileno). Deverá conter também aditivos como: éter penta enthrytol, adesivos, hidrocarbonetos de petróleo não saturados, ácidos gordos, ácidos creosotados, resinas, anti-espumantes, agentes humidificantes e outros componentes.
Agregados: Os agregados deverão ser provenientes de explorações de formação homogénea, sendo limpos e não alteráveis sob a acção dos agentes climatéricos.
Deverão conter adequada adesividade ao ligante, de qualidade uniforme e isentos de materiais decompostos, de matéria orgânica ou outras substâncias prejudiciais.
Os agregados deverão ser constituídos por materiais pétreos britados, provenientes de exploração de pedreira» - Resposta ao ponto 2º da B.I..
5.18. Autora e ré celebraram um contrato de fornecimento que foi reduzido a escrito em 12/05/2009 – Resposta ao ponto 3º da B.I..
5.19.De acordo com esse contrato, a R. obrigou-se a fornecer à A. 48,600 toneladas de Betuminoso colorido IRR Castanho (RAL8001) e de 11,500 toneladas de Betuminoso colorido IRR Creme (RAL1001), no período compreendido entre 12/05/2009 e 03/06/2009, e, bem assim, a efetuar o acompanhamento técnico da aplicação desses materiais mediante o pagamento da quantia de € 27.876,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor – Resposta ao ponto 4º da B.I..
5.20.Sendo certo que, por virtude de vicissitudes entretanto ocorridas, esses prazos foram posteriormente alterados – Resposta ao ponto 5 da B.I..
5.21. Nessa reunião, a R. obrigou-se de entregar à A., amostras do Betuminoso IRR (1mx1m) nos RAL 8001 e RAL 1001 para efeitos de aprovação do Dono da Obra – Resposta ao ponto 6º da B.I..
5.22. A R. entregou à A. as referidas amostras as quais, aliás, não foram aprovadas pelo dono da obra em virtude de as respetivas cores não corresponderem às das primeiras amostras que tinham sido aprovadas e executadas pela R. na obra em Agosto de 2008 – Resposta ao ponto 8º da B.I..
5.23. A R. entregou novas amostras, que mereceram a aprovação, de forma condicionada, do dono da obra em 16/06/2008 porquanto a aprovação definitiva ficou sujeita às seguintes condições:
a) Apresentação de um estudo de composição;
b) Recolha de amostra no ato de descarga em obra e apresentação dos dados relativos à mesma no que se refere aos materiais e suas percentagens de teores – Resposta ao ponto 11º da B.I..
5.24. A ré acompanhou a aplicação do material fornecido – Resposta ao ponto 15º da B.I..
5.25. Relativamente ao transporte do material desde as instalações da R. até à obra, foi a autora quem procedeu ao transporte – Resposta ao ponto 16º da B.I..
5.26.Após cada transporte, procedeu-se à aplicação do Betuminoso – Resposta ao ponto 17º da B.I..
5.27. A aplicação pela autora do material foi acompanhada pela ré, no local – Resposta ao ponto 18º da B.I..
5.28. Toda a área de aplicação do tapete betuminoso colorido IRR foi vedada com rede do tipo Bekaert após essa aplicação – Resposta ao ponto 19º da B.I..
5.29.Foram ainda colocados «new jerseys» à entrada da Rua.. – Resposta ao ponto 20º da B.I..
5.30.Para assegurar a conservação da vedação do local, a A. afetou exclusivamente dois funcionários que, diariamente, também procediam à rega do pavimento - Resposta ao ponto 21º da B.I..
5.31. Verificou-se, porém, que 72 horas depois de aplicado o material, o simples uso pedonal da ciclovia e da zona pedonal deixava marcas nos pavimentos em causa – Resposta ao ponto 22º da B.I..
5.32. Por fax remetido pela autora à ré em 13/07/2009, esta informa que o tapete betuminoso colorido IRR apresentava sinais da existência de desagregação do material aplicado, solicitando uma reunião em obra – Resposta aos pontos 24º e 26º da B.I..
5.33. As fichas técnicas do produto determinavam que após 72 horas da aplicação já seria possível a circulação de viaturas, sem execução de manobras – Resposta ao ponto 25º da B.I..
5.34.Tendo a R. enviado à A. um fax no dia 15/07/2009, onde reconhecia que a vedação do local tinha sido efetuada corretamente e alegava que, na visita à obra em 12/07/2009 (segunda-feira), tinha constatado marcas de rodado de bicicleta aconselhando, por isso, a nova passagem do cilindro de forma a regularizar o pavimento nessa fase de cura o que, de imediato, foi efetuado pela
A. – Resposta aos pontos 27º e 28º da B.I..
5.35.Mais alegava que, relativamente ao acabamento do produto junto e nas tampas de caixas de visita, ainda tinha constatado, nessa visita, a possibilidade de ser melhorado o acabamento em volta de algumas dessas caixas – Resposta ao ponto 29º da B.I..
5.36.E terminava o referido fax afirmando que, em nova visita à obra na manhã de 14/07/2009, tinha constatado que a cura estava a decorrer dentro da normalidade – Resposta ao ponto 30º da B.I..
5.37.Na reunião de 29/07/2009, a “N..” procedeu à recolha de amostras, ficando de apresentar o resultado da análise às mesmas bem como a proposta de solução até 30/07/2009, o que não foi feito – Resposta ao ponto 33º da B.I..
5.38. Pelo que, em 20/07/2009, a A. enviou à R. novo fax. a comunicar-lhe as inúmeras tentativas até então efetuadas desde 13/07/2009 no sentido de a contactar – via fax e telefone – porquanto necessitava de apresentar ao dono da obra o resultado dessa amostra – Resposta ao ponto 34º da B.I..
5.39. E, por outro lado, a A. pretendia ainda que a R. lhe confirmasse a possibilidade, quer de remover as proteções da ciclovia quer de colocar a mesma em uso a partir de 21/07/2009 – Resposta ao ponto 35º da B.I..
5.40. A A. enviou novo fax à R. reiterando o teor daquele solicitando-lhe, inclusive, que se deslocasse à obra para o efeito – Resposta ao ponto 36º da B.I..
5.40. A. entendeu manter, como manteve, a ciclovia fechada até 22/07/2009, interditando todo e qualquer uso durante esse período de tempo – Resposta ao ponto 37º da B.I..
5.41.No entanto, em 28/07/2009 o pavimento apresentava várias patologias, sendo evidente a desagregação do material – Resposta ao ponto 38º da B.I..
5.42. Em 29/07/2009 realizou-se uma reunião de obra, na qual intervieram, além da A., o dono da obra, a Fiscalização da obra, a R. (representada pelo Sr. J..) e um representante da N..(Eng. J..) empresa que, segundo a R., a terá auxiliado no apoio e na documentação técnica que forneceu à A. – Resposta ao ponto 41º da B.I..
5.43.Nessa reunião todos os intervenientes, concretamente a R., reconheceram, de forma inequívoca, que o material aplicado tinha sido fornecido pela mesma e que a sua aplicação tinha sido executada de acordo com as prescrições técnicas constantes das fichas técnicas e acompanhada pelo referido sócio gerente da R., Sr. J.., não tendo sido, então, detetada
qualquer não conformidade, quer no que respeitava ao produto quer no que respeitava à aplicação do mesmo – Resposta ao ponto 42º da B.I..
5.44.E de acordo com uma breve exposição sobre as características do produto feita pelo representante da referida N.., foi então dado a conhecer, pelo menos à A., que o tempo de cura necessário para o pavimento da ciclovia e do passeio poder suportar tráfego rodoviário com manobras era de três meses – Resposta ao ponto 43º da B.I..
5.45. Entretanto, em 25/08/2009, o dono da obra notificou a A. para aplicar uma solução alternativa consubstanciada num tipo diferente de material, ao pavimento previsto no Caderno de Encargos da empreitada o que, de imediato, foi dado a conhecer à R. – Resposta ao ponto 52º da B.I..
5.46. - Em resposta ao que a R. reincidiu na solução que tinha comunicado à A. através do fax de 04/08/2009 – Resposta ao ponto 53º da B.I..
5.47. A autora cumpriu a ordem do dono da obra – Resposta ao ponto 58º da B.I..
5.48.A autora removeu o produto fornecido pela R. e que tinha aplicado e pago – Resposta ao ponto 59º da B.I..
5.49. Assim como, adquiriu os materiais previstos na solução ordenada pelo dono da obra e executou essa solução – Resposta ao ponto 60º da B.I..
5.50. De facto, de acordo com o contrato de fornecimento celebrado com a R., ficou acordado que o pagamento do montante das faturas era efetuado a pronto pagamento – Resposta ao ponto 61º da B.I..
5.51.Em 13/07/2009 a R. entregou à A. a fatura nº 200900104 no montante de €27.005,20, acrescida de IVA à taxa legal então em vigor, o que totalizava a quantia de € 32.406,24 – Resposta ao ponto 64º da B.I..
5.52. Para pagamento desse montante, a A. emitiu e entregou à R. o cheque n.º74449628 sacado sobre o BPI no indicado montante de € 32.406,24 – Resposta ao ponto 65º da B.I..
5.53.Tendo a R. procedido ao desconto desse cheque em 14/07/2009 – Resposta ao ponto 66º da B.I..
5.54. A A. contratou a R. por esta ser a fornecedora do material em causa na zona Norte de Portugal – Resposta ao ponto 69º da B.I..
5.55. A R. desconhecia o conteúdo do caderno de encargos que acompanhava e fazia parte integrante do contrato de empreitada celebrada entre a A. e o Município de.. – Resposta ao ponto 108º da B.I..
5.56. As amostras do produto a fornecer haviam sido apresentadas e entregues à Autora pela Ré, em Agosto de 2008 – Resposta ao ponto 109º da B.I..
5.57.A Ré enviou um fax à Autora, em 12/06/2009, no qual informou que iria fornecer novas amostras, conforme solicitado – Resposta ao ponto 112º da B.I..
5.58.Tendo as referidas amostras sido aprovadas, de acordo com fax da Autora, em 17/06/2009 – Resposta ao ponto 113º da B.I..
5.59. O estudo de composição do IRR, encontra-se nos dois documentos técnicos que constituem docs. 7 e 8 juntos com a PI, os quais eram do conhecimento da Autora – Resposta ao ponto 114º da B.I..
5.60. Nos termos do contrato de fornecimento, a Ré estava obrigada a fornecer «amostras para aprovação do Cliente/Fiscalização» (Cláusula 5.4 do contrato, junto como doc. 6 à PI), o que fez – Resposta ao ponto 116º da B.I..
5.61. A responsabilidade pelo transporte, e, consequentemente, pela descarga do produto foi da Autora, nos termos do contrato de fornecimento – Resposta ao ponto 117º da B.I..
5.62.O contrato de fornecimento celebrado entre Autora e Ré consistiu, somente, no fornecimento de pavimento IRR à Autora, incluindo o acompanhamento técnico durante a sua aplicação – Resposta ao ponto 118º da B.I..
5.63.O Gerente da Ré acompanhou tecnicamente o início da aplicação do produto nos dias 10 e 11 de Julho de 2009 – Resposta ao ponto 119º da B.I..
5.64.O fornecimento da Ré se destinava à execução de uma ciclovia e passeio pedonal, cujos utilizadores são peões e bicicletas – Resposta ao ponto 122º da B.I..

De Direito
Conforme resulta das conclusões supra transcritas a matéria de facto não foi impugnada, pelo menos nos termos legalmente previstos, pelo que os factos se devem ter por correctamente apurados na instância recorrida.
Importa então proceder à subsunção jurídica face à matéria de facto dada como provada, começando por ponderar sobre a qualificação do contrato em causa.
Ora face aos factos provados e supra descritos afigura-se-nos inquestionável que que as partes pretenderam efectivamente celebrar entre si um contrato de compra e venda: o fabrico do produto é simplesmente o meio para concretizar transmissão da sua propriedade, ou seja, a sua venda, que é a finalidade principal do negócio em causa.
Qualificação a que não obsta o facto de, a par da sua obrigação de entrega da coisa vendida, a apelada se ter vinculado à realização de uma outra prestação - a de efetuar o acompanhamento técnico da aplicação desses materiais – uma vez que o de harmonia com a factualidade assente, o centro de gravidade do negócio é constituído pela prestação de coisa e não de trabalho (artºs 874 e 875 do Código Civil).
Tal contrato de compra e venda assume natureza comercial nos termos do disposto no art.º 463.º do Código Comercial, uma vez que está em causa a compra e venda de bens móveis trabalhados, isto é transformados pela indústria e destinados a revenda. Ademais, o contrato foi celebrado entre duas sociedades comerciais pelo que, sempre se deveria presumir a sua natureza comercial ( art.º 2.º do Cód. Comercial).
Do contrato de compra e venda emergem no Direito Português, três efeitos primordiais: o efeito translativo do direito; a obrigação de entrega da coisa e a obrigação de pagamento do preço (artºs 408 nº 1 e 879 do Código Civil). Não oferece dúvida, a qualificação deste contrato como bivinculante, sinalagmático e oneroso: do contrato derivam obrigações para ambas as partes, como contrapartida uma das outras e ambas suportando esforço económico.
A distinção mais importante entre as modalidades do contrato de compra e venda é que cinde a compra e venda de coisa, quer dizer, do direito de propriedade sobre a coisa – da compra e venda de direito. No caso, estamos nitidamente perante a primeira modalidade.
Além do efeito real, a compra e venda produz, ainda, dois outros efeitos obrigacionais, um dos quais é a obrigação que recai sobre o vendedor de entregar a coisa (artº 879 b) do Código Civil).
As obrigações de entrega da coisa, a cargo do vendedor, e de pagamento do preço, a cargo do comprador, são obrigações simples. Mas sendo obrigações simples, elas surgem sempre acompanhadas de deveres acessórios. Entre os deveres acessórios específicos da compra e venda e que derivam de lei expressa, contam-se, naturalmente, os deveres legais atinentes á responsabilidade por vícios ou defeitos da coisa.
O comprador, adstrito ao dever de entregar a coisa objecto mediato do contrato, pode violar esse seu dever de prestar por uma de duas formas: ou pelo puro e simples incumprimento ou impossibilitando a prestação (artºs 798 e 801 nº 1 do Código Civil). Existe, no entanto, uma terceira possibilidade, que, relativamente ao contrato de compra e venda, é objecto de previsão específica: a de ter havido um cumprimento defeituoso ou inexacto (artº 913 e ss. do Código Civil). O comprador não está só adstrito à obrigação de entregar certa coisa; ele encontra-se ainda vinculado a entregar uma coisa isenta de vícios e conforme com o convencionado, quer dizer, sem defeitos (artº 913 Código Civil).
Coisa defeituosa é, portanto, aquela que tiver um vício ou se mostrar desconforme com aquilo que foi acordado. O vício corresponde a imperfeições relativamente à qualidade normal de coisas daquele tipo; a desconformidade representa uma discordância com respeito a fim acordado.
Quando não houver acordo das partes acerca do fim a que a coisa se destina, atende-se à função normal de coisas da mesma categoria (artº 913 nº 2 do Código Civil). Há, portanto, um padrão normal relativamente à função de cada coisa: é com base nesse padrão que se aprecia a existência de vício. Por exemplo, pressupõe-se que o veículo automóvel vendido esteja em condições, físicas e jurídicas, de circular.
O conceito de defeito abrange, assim, quatro categorias: vícios que desvalorizam a coisa; vícios que impedem a realização do fim a que a coisa se destina; falta de qualidades asseguradas pelo vendedor; falta de qualidades necessárias para a realização do fim a que a coisa se destina. Numa palavra: diz-se defeituosa a coisa imprópria para o seu uso concreto a que é destinada contratualmente – função concreta programada pelas partes – ou para a função normal das coisas da mesma categoria ou tipo, se do contrato não resultar o fim a que se destina.
Pedro Martinez in "Cumprimento Defeituoso - em especial na compra e venda e na empreitada", 1994, pág. 181, define defeito, como sendo “um desvio á qualidade devida, desde que a divergência seja relevante” e acrescenta que esta noção de defeito tem uma natureza híbrida, pois que, em primeiro lugar, há que ver se o bem corresponde á qualidade normal das coisas daquele tipo e, em segundo lugar, se é adequado ao fim em vista, implícita ou explicitamente estabelecido no contrato.
Por sua vez, ensina Antunes Varela, in "Das Obrigações em Geral", vol. II, 6.ª ed., pág. 128, que “existe cumprimento defeituoso em todos os casos em que o defeito ou irregularidade da prestação – a má prestação – causa danos ao credor ou pode desvalorizar a prestação, impedir ou dificultar o fim a que este objectivamente se encontra afectado, estando o credor disposto a usar de outros meios de tutela do seu interesse, que não sejam o da recusa pura e simples da aceitação”.
No mesmo sentido, afirma João Batista Machado, "Resolução por Incumprimento", in Estudos de Homenagem ao Professor Doutor J.J. Teixeira Ribeiro, vol. II, pág. 386, que existe cumprimento defeituoso ou inexacto quando a prestação efectuada não tem os requisitos idóneos a fazê-la coincidir com o conteúdo do programa obrigacional, tal como este resulta do contrato e do princípio geral da correcção e boa fé.
E esta inexactidão tanto pode ser quantitativa como qualitativa. No primeiro caso, coincide com a prestação parcial em relação ao cumprimento da obrigação.
As regras de garantia pelos vícios da coisa estão previstos nos arts. 913º a 922º do Cód. Civil e são aplicáveis, subsidiariamente, à compra e venda mercantil nos termos do art. 3º do Cód. Comercial.
É que à compra e venda comercial de coisas defeituosas devem aplicar-se as normas do Código Comercial. O recurso às normas do direito civil só é permitido para preencher lacunas do direito comercial, relativamente a questões que não possam ser resolvidas nem pelo texto do Código Comercial nem pelo seu espírito, nem pelos casos análogos nela prevenidos (art.º 3.º do Código Comercial).
Para proteger o comprador de coisas defeituosas, confere-lhe a lei os direitos previstos nos arts 913º a 921º do C. Civil.
Claro que, para fazer valer qualquer destes direitos contra a vendedora, cabe ao comprador provar que ela lhe vendeu coisa defeituosa.
De facto para se saber se o facto é constitutivo, ou se é impeditivo, modificativo ou extintivo, deve atender-se à sua conexão com o direito invocado ou com a pretensão formulada.
É evidente que o direito da vendedora ao preço emerge directamente da própria celebração do contrato de compra e venda, por efeito do disposto no artigo 879º, al. c), do Código Civil (CC). A lei não faz depender esse direito do facto de a venda não ser defeituosa.
No caso de venda de coisa defeituosa, o artigo 919º do CC preceitua: «1: Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes. 2: Quando do contrato não resulte o fim a que a coisa vendida se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria». E os direitos do comprador são os previstos nos artigos subsequentes ou nos artigos 905º ss.
Ora, para fazer valer qualquer destes direitos contra a autora vendedora, cabe ao comprador provar que ela lhe vendeu coisa defeituosa, por força do disposto no artigo 342º/1 do CC. O mesmo vale por dizer:cabe à autora compradora provar que quando o betuminoso lhe foi vendido e aplicado já enfermava de vício que o desvalorizava ou impedia a realização do fim a que era destinado ou que não tinha as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim.
Ora, o significado essencial do ónus da prova não está tanto em saber a quem incumbe fazer a prova do facto, como em determinar o sentido em que deve o tribunal decidir no caso de se não fazer essa prova (assim, P. Lima e A. Varela, CC Anotado, I, na última nota ao artigo 342º).
. Feita essa prova, é ao vendedor – por se presumir a sua culpa – que terá de demonstrar que o mau cumprimento ou o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua (artº 799 nº 1 do Código Civil).
O direito de indemnização reconhecido ao comprador de coisa defeituosa assenta também necessariamente na culpa do vendedor (artº 908, ex-vi artº 913 do Código Civil). Ao contrário do que sucede na venda de coisas oneradas, na venda de coisas defeituosas, só foi estabelecida uma responsabilidade subjectiva (artº 915 do Código Civil). Esta obrigação de indemnização não é independente das demais pretensões do devedor, estando, pelo contrário, sujeita aos mesmos pressupostos e é complementar dessas pretensões. Ela não pode ser requerida em substituição de qualquer dos outros pedidos - mas é complemento deles, com vista a reparar o prejuízo excedente.
Aplicando estes ensinamentos ao caso em apreço, logo concluímos que apesar de o fundamento desta acção ser a alegação de que o produto fornecido pela ré não cumpria as características definidas no caderno de encargos, ( ver artº73 da p.i) , esta prova a autora não fez.
Pelo contrário, provou-se que (5.5) A R. desconhecia o conteúdo do caderno de encargos que acompanhava e fazia parte integrante do contrato de empreitada celebrada entre a A. e o Município de.. – Resposta ao ponto 108º da B.I..
Também nunca a autora alegou no processo, a não ser agora nas alegações que a ré comprometeu-se a fornecer um pavimento, mas o que verdadeiramente forneceu foi areia colorida.
Antes o que resulta do contrato celebrado entre a autora e a ré é que a ré se obrigou a fornecer pavimento IRR, incluindo acompanhamento técnico durante a sua aplicação de acordo com a lista de trabalhos/fornecimentos, quantidades e preços unitários… ver clausula 1 do contrato entre ambas celebrado e junto a fls 123 e ss destes autos mencionado nos factos provados, factualidade esta que se provou conforme consta dos pontos 5.14 e 5.62. 5.63 da matéria provada.
E se na verdade se provou que, mesmo depois de ultrapassado o período de tempo previsto para a cura, o produto em causa se desagregava, inclusive com o simples movimento do pé ou, por outras palavras faltou alegar e por conseguinte provar a causa da desagregação do produto e que essa causa era imputável à fornecedora/ré, mais concretamente se a desagregação do produto ocorreu devido a defeitos e quais.
Neste sentido ver o Ac STJ datado de 22.04.2015 proferido no processo 34/12. TBLSA.C1. S1 segundo o qual A detecção e denúncia da verificação e existência de uma situação de cumprimento defeituoso, consubstanciada num desvio ao aos cânones estabelecidos e convencionados no negócio jurídico, constitui a causa donde emerge a faculdade/direito do lesado pelo cumprimento defeituoso pelo que, pretendendo o accionamento da respectiva pretensão, em juízo, deverá, nos termos do artigo 342.º do Código Civil, invocar os factos (concretos e específicos) donde decorre o direito para que tenciona obter a respectiva tutela jurídica. Tratando-se de defeito da coisa objecto da prestação quem a recebeu deverá provar a existência de um desvio ao que foi convencionado e acordado, do mesmo passo que lhe está cometido o dever de demonstrar que o defeito detectado se revela de tal modo gravoso e decisivo que, pela relevância que assume na utilização (ordinária e normal) da coisa é susceptível de afectar o fim que lhe estava destinado pelo uso normal que lha cabia.
Contrariamente provou-se que Em 29/07/2009 realizou-se uma reunião de obra, na qual intervieram, além da A., o dono da obra, a Fiscalização da obra, a R. (representada pelo Sr. J..) e um representante da N.. (Eng. J..) empresa que, segundo a R., a terá auxiliado no apoio e na documentação técnica que forneceu à A. – Resposta ao ponto 41º da B.I..
5.43.Nessa reunião todos os intervenientes, concretamente a R., reconheceram, de forma inequívoca, que o material aplicado tinha sido fornecido pela mesma e que a sua aplicação tinha sido executada de acordo com as prescrições técnicas constantes das fichas técnicas e acompanhada pelo referido sócio gerente da R., Sr. J.., não tendo sido, então, detetada
qualquer não conformidade, quer no que respeitava ao produto quer no que respeitava à aplicação do mesmo
Como a autora não obteve a prova cujo ónus sobre si impendia, sofre a desvantagem correspondente: a do não reconhecimento do seu invocado direito ou pretensão.
No demais constante do recurso “esquece” a autora que o contrato que celebrou com a ré foi reduzido a escrito e consta de um documento formal unitário que define os direitos e obrigações de cada um das partes e qualifica a relação jurídica contratual estabelecida.
Tal documento está referido na matéria provada (ponto 5.18) e encontra-se junto a fls 122 a 126 dos autos.
Vamos transcrever algumas cláusulas cujo teor se dá como assente ao abrigo do disposto no artº 662º do CPC, resultando esta fatualidade de prova documental junta aos autos e aceite pelas partes.
Cláusula 1 - OBJECTO
1.1 - O objecto do presente Contrato consiste no fornecimento de pavimento IRR, incluindo acompanhamento técnico durante a sua aplicação, para a obra acima referendada, de acordo com a lista de trabalhos/fornecimentos, quantidades e preços unitários anexa a este contrato e que, rubricada por ambas as partes outorgantes, dele faz parte integrante.
1.2 - O FORNECEDOR obriga-se a executar todos os fornecimentos em conformidade com todas as especificações do presente contrato e de acordo com as instruções que receber de A.., S.A.
1.3 - O FORNECEDOR obriga-se a fornecer os materiais em boas condições de aplicação e funcionamento e com qualidade, sendo recusados sem que haja lugar a qualquer indemnização ou pagamento, os que não possuírem as características exigidas.
Cláusula 5 - QUALIDADE
5.1 - Todos os fornecimentos deverão ser executados de acordo com as boas regras da arte e regulamentação em vigor e indicações da A.., S.A., dos quais declara ter perfeito conhecimento.
5.2 - Não serão recepcionados os fornecimentos que no entender da Direcção e/ou Fiscalização da Obra não se encontrem em perfeitas condições, não tenham marcação CE e/ou não se encontrem executados ou fornecidos em conformidade com o disposto no anterior ponto 5.1. Neste caso deverá o FORNECEDOR refazer esses fornecimentos no prazo que for flxado pela Direcção de Obra.
5.3 - No caso de incumprimento do prazo estabelecido e/ou que a qualidade dos fornecimentos continue a não ser satisfatória. reserva-se A.., SA o direito de os mandar fornecer por outra entidade, sendo debitados ao FORNECEDOR todos os encargos que tal situação acarrete,
5.4 - Sempre que seja solicitado por A.., SA, o FORNECEDOR obriga-se a fornecer certificados de qualidade e/ou homologação, certificados de conformidade e amostras para aprovação do Cliente/Fiscalização.
(…)
6.2 - O FORNECEDOR compromete-se a cumprir a legislação em vigor em matéria de ambiente, saúde e segurança no que respeita à produção dos materiais e na execução do seu fornecimento, sob pena de responder pelos prejuízos resultantes da deficiências ou vícios Que esses materiais possuam e/ou que impeçam a realização do fim para que são destinados, ou não possuam as qualidades para a realização daquele fim, o que confere desde já a A.., S.A. o direito de exigir a reparação ou a substituição dos materiais por outros iguais, independentemente do direito à indemnização pelos prejuízos causados decorrentes da utilização de materiais que comprometam o destino da sua aplicação e/ou execução.
Assim, perante o teor da cláusula 1.3 concluímos que a recorrente não tem razão no afirmado na conclusão DD) e sgs.
De facto, como se decidiu e entre as partes foi acordado cabia à autora recusar o produto que segundo diz não teria as devidas qualidade tendo até sido aprovado condicionalmente (clausula FF).
Também o que entre as partes foi acordado no que se reporta aos direitos do comprador em caso de defeitos seria o direito de exigir a reparação ou a substituição dos materiais por outros iguais, independentemente do direito à indemnização pelos prejuízos causados decorrentes da utilização de materiais que comprometam o destino da sua aplicação e/ou execução ( clausula 6.2) .
E se o estabelecido e/ou que a qualidade dos fornecimentos continue a não ser satisfatória. reserva-se A.., SA o direito de os mandar fornecer por outra entidade, sendo debitados ao FORNECEDOR todos os encargos que tal situação acarrete ( clausula 5.3).
Ora não foram estes os direitos que a autora exigiu á ré.
O que aconteceu foi que Entretanto, em 25/08/2009, o dono da obra notificou a A. para aplicar uma solução alternativa consubstanciada num tipo diferente de material, ao pavimento previsto no Caderno de Encargos da empreitada o que, de imediato, foi dado a conhecer à R. – Resposta ao ponto 52º da B.I..
5 Em resposta ao que a R. reincidiu na solução que tinha comunicado à A. através do fax de 04/08/2009 – Resposta ao ponto 53º da B.I..
A autora cumpriu a ordem do dono da obra – Resposta ao ponto 58º da B.I..
A autora removeu o produto fornecido pela R. e que tinha aplicado e pago.
Ou seja, ao contrário do acordado o comprador não aceitou a reparação e sem pedir a substituição dos materiais, nem os pedir a outro fornecedor opta por ordem do dono da obra por outro material e solução técnica.
Perante este comportamento é também para nós lógico concluir que, terá havido por parte da autora/e ou dono da obra “ culpa in eligendo” no que respeita à escolha do material, por ser inadequado à finalidade pretendida.
No que se refere ás amostras a que aludem as conclusões N) e ss tem razão a ré quando afirma que “Nos termos do contrato de fornecimento, a Ré estava obrigada a fornecer «amostras para aprovação do Cliente/Fiscalização» (Cláusula 5.4 do contrato, junto como doc. 6 à PI), o que fez, tendo cumprido aquilo a que se vinculou , conforme resulta dos factos provados.
Por outro lado, quanto à «recolha da amostra no acto de descarga em obra e apresentação dos dados relativos à mesma no que se refere aos materiais e suas percentagens de teores ao fim de oito dias após a sua aplicação» a mesma não poderia nunca ser da responsabilidade da Ré, por não fazer parte do objecto do contrato de fornecimento, mas sim da Autora perante o Dono de Obra.
Os termos e as condições de prestação do contrato de empreitada, celebrado entre Autora e o Dono de Obra, nos termos do regime jurídico das empreitadas de obras públicas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, nem as respectivas obrigações contratuais se aplicam, obviamente, à Ré.
Deste modo, a segunda exigência do Dono de Obra, constante do fax da Autora de 17/06/2009 (doc. 9 junto com a PI), não poderia nunca ser imputada à Ré, mas sim à própria Autora”.
Aliás nesta parte convida-se a recorrente/autora a reler o contrato que celebrou com o dono da obra no seu ponto 11.2 intitulado “Amostras padrão” nomeadamente o ponto 11.3.3 no qual consta que A colheita das amostras e a sua preparação e embalagem serão feitas na presença da Fiscalização e do empreiteiro, competindo a este ultimo fornecer todos os meios indispensáveis para o efeito.
No que se reporta á rejeição provisória dos materiais acordaram que neste caso competia ao empreiteiro promover o ensaio da terceira amostra em laboratório acreditado (clausula 11.3.10).
Os materiais e elementos de construção não poderão ser aplicados na empreitada senão depois de aprovados pela Fiscalização (clausula 11.4.1 do mesmo documento) situação que se verificou no caso em apreço, conforme consta da seguinte factualidade apurada :5.57.A Ré enviou um fax à Autora, em 12/06/2009, no qual informou que iria fornecer novas amostras, conforme solicitado – Resposta ao ponto 112º da B.I..
5.58.Tendo as referidas amostras sido aprovadas, de acordo com fax da Autora, em 17/06/2009 – Resposta ao ponto 113º da B.I..
5.14 .Na sequência do que, e após o dono da obra ter decidido a aplicação desse produto nos dias 10 e 11 de Julho de 2009, a A. aplicou na obra o material fornecido pela R., concretamente o material IRR RAL 1001 no pavimento da zona pedonal e o material IRR RAL 8001 no pavimento da ciclovia – Alínea N) dos Factos Assentes.
Cumpre porém referir que, ao contrário do que consta da decisão recorrida pensamos não estamos perante uma venda por amostra.
Na verdade, conforme Cunha Gonçalves, Tratado do Direito Civil, 8º-424 e seg, para haver uma venda sobre amostra é indispensável que o vendedor se tenha obrigado a entregar uma coisa exactamente igual à amostra sujeitando-se ao confronto dela pelo comprador ou pelos peritos. A amostra deve ser em tudo igual à mercadoria que se há-de entregar.
Venda sobre amostra é aquela que se realiza em face de uma parcela da mercadoria, ou de um tipo predeterminado desta, parcela ou tipo que devem ser aprovados pelo comprador antes da conclusão do contrato, devendo ser-lhe exactamente igual a mercadoria total, mais tarde entregue pelo vendedor – vd. Baptista Lopes, “Do Contrato de Compra e Venda”, pág. 182.
O art. 919º do Código Civil, regendo a venda sobre amostra preceitua: «Sendo a venda feita sobre amostra, entende-se que o vendedor assegura a existência, na coisa vendida, de qualidades iguais às da amostra, salvo se da convenção ou dos usos resultar que esta serve somente para indicar de modo aproximado as qualidades do objecto».
Este preceito teve origem no art. 469º do Código Comercial de 1886, que trata da venda comercial sobre amostra e onde se estatui que “as vendas feitas sobre amostra de fazenda, ou determinando-se só uma qualidade conhecida no comércio, consideram-se sempre como feitas debaixo da condição de a cousa ser conforme à amostra ou à qualidade convencionada”.
Tal conformidade tem-se por verificada e o contrato como perfeito, se o comprador examinar as coisas compradas no acto da entrega e não reclamar imediatamente contra a sua qualidade, ou, não as examinando, não reclamar dentro de oito dias após a sua recepção efectiva – art. 471º do Código Comercial.
Assim, enquanto que na venda sobre amostra do art. 919º do Código Civil a aludida desconformidade dá lugar à aplicação das regras que regulam a venda de coisas defeituosas (arts. 913º e seguintes), no caso da venda comercial sobre amostra a mesma desconformidade implica a ineficácia do acto – v. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Volume II, pág. 161.
Esta ineficácia resultaria da inverificação do facto condicionante, isto é, da conformidade da mercadoria com a amostra. Quando essa conformidade, condição suspensiva (imprópria, no dizer do Prof. Mota Pinto), estatuída pela lei (conditio juris do art. 469º do Código Comercial), não se verifica, o acto não produzirá quaisquer efeitos.
Na verdade, decorrendo do texto legal que a produção dos efeitos da compra e venda comercial sobre amostra só tem início se a “cousa” for “conforme à amostra ou à qualidade convencionada”, considera-se o contrato perfeito desde a sua celebração se essa condição se verificar, uma vez que a condição actua retroactivamente – art. 276º do Código Civil.
Ora não vem alegado e portanto provado que a autora encomendou o produto fornecido tal como constava das amostras enviadas.
É certo que, em termos factuais, há vários pontos onde vem referida “a amostra”. Mas, juridicamente, não há venda sobre amostra, pelo menos não temos factos que nos permitam tal enquadramento. Aquilo que vem chamado amostra é o que foi entregue com vista à aprovação/fiscalização do cliente.
Aliás provou-se essa aprovação conforme resulta da seguinte factualidade
5.57.A Ré enviou um fax à Autora, em 12/06/2009, no qual informou que iria fornecer novas amostras, conforme solicitado – Resposta ao ponto 112º da B.I..
5.58.Tendo as referidas amostras sido aprovadas, de acordo com fax da Autora, em 17/06/2009 – Resposta ao ponto 113º da B.I..
Não sendo de alterar a matéria de facto na forma pretendida pela apelante, fica prejudicada a apreciação das conclusões que a recorrente pretende extrair relativamente à matéria de direito e também no respeitante aos pedidos de indemnização formulados.

Em síntese final:
.Na circunstância, impendia sobre a autora compradora o ónus da prova de que o produto que comprou à ré e que esta lhe forneceu era defeituoso e, como o não cumpriu, soçobra a sua pretensão de anulação do negócio, baseada nesse facto.
.Para haver uma venda sobre amostra é indispensável que o vendedor se tenha obrigado a entregar uma coisa exactamente igual à amostra sujeitando-se ao confronto dela pelo comprador ou pelos peritos. A amostra deve ser em tudo igual à mercadoria que se há-de entregar.
Ora não vem provado que a autora encomendou o produto fornecido tal como constava das amostras enviadas, logo não existe venda por amostra.

Decisão:
Pelo exposto, acordam em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão impugnada.
Custas pela apelante.
Guimarães, 21 maio de 2015
Purificação Carvalho
Espinheira Baltar
Henrique Andrade