Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5118/17.8T8GMR.G1
Relator: FERNANDA PROENÇA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
SERVIDÃO ADMINISTRATIVA DE PASSAGEM DE LINHA ELÉTRICA DE ALTA TENSÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/05/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Ao prever o art. 37º do DL 43335, de 19/11/60 que quaisquer prejuízos provenientes da construção das linhas são indemnizáveis, quis estabelecer um direito indemnizatório geral decorrente não só do facto de existirem prejuízos directos advindos do acto de construção mas de todos os prejuízos atuais ou futuros decorrentes de uma diminuição do valor do imóvel pela construção ou passagem de linhas de alta tensão.
II. A actualização da indemnização pela constituição de uma servidão administrativa de passagem de linha eléctrica aérea deve ser feita nos termos do artigo 24º, nºs 1 e 2, do Código das Expropriações.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório.

M. J. e mulher, M. C., intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, nos Juízos Centrais Cíveis de Guimarães, Juiz 5, Comarca de Braga, contra “RE – Rede Eléctrica ..., S.A.”, pedindo a condenação da ré a pagar-lhes as quantias de:

- € 73.859,55, a título de danos patrimoniais;
- € 25.000,00, a título de danos não patrimoniais; e
- juros de mora contados desde a apresentação em juízo da presente acção, até efectivo e integral pagamento da indemnização.
Alegaram para o efeito que são proprietários de prédio urbano onde desenvolvem a sua actividade comercial de reparação e venda de veículos automóveis e que a ré, sem lhes dar prévio conhecimento, invadiu-o, procedeu ao abate de árvores neste implantadas e instalou sobre o respectivo espaço aéreo uma linha de muito alta tensão. Durante a execução dos trabalhos, os autores suportaram no seu prédio a presença de máquinas e trabalhadores da ré, em movimento constante, com prejuízo da limpeza e da tranquilidade que até então gozavam no prédio. Depois da entrada em funcionamento, vivem com permanente receio dos malefícios produzidos pelos campos electromagnéticos, desgaste mental resultante do ruído gerado pelo transporte de electricidade na linha, sobretudo em dias húmidos ou chuvosos, para além de que o prédio se encontra paisagisticamente afectado e desvalorizado pelo desinteresse que o atravessamento pela linha gera em potenciais compradores. A presença da linha no espaço aéreo gera ainda uma servidão administrativa sobre o terreno do prédio dos autores, que limita as respectivas utilização florestal e potencial edificativo.
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Contestou a ré (fls. 33 v.º e ss.), admitindo a instalação da LMAT sobre parte do espaço aéreo do prédio dos autores e a criação de uma área de protecção condicionante da actividade florestal, mas negando a desvalorização do prédio nos valores sugeridos pelos demandantes, já que não resultou afectada a capacidade edificativa no mesmo. Impugnou a produção de campos electromagnéticos ou ruídos nefastos para os autores ou para outras pessoas que frequentem o prédio, mantendo que os valores gerados se encontram, em qualquer dos casos, muito abaixo dos limites legais aplicáveis.
Os danos patrimoniais resultantes para os autores cifram-se em apenas € 1.205,00, compensação correspondente ao valor do arvoredo abatido prematuramente e aos lucros cessantes da área onerada pela servidão.
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Com dispensa de realização da audiência prévia foi identificando o objecto do litígio, descrita a matéria assente e os temas da prova, seguido de despacho de apreciação dos requerimentos probatórios.
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Realizado o julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
“III - DECISÃO
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Em face do exposto:
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A.
Julgo parcialmente procedente a acção, condenando a Ré a pagar aos Autores as quantias de:
- € 8.094,00 (oito mil e noventa e quatro euros), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal contados desde a citação até efectivo e integral pagamento;
- € 2.000,00 (dois mil euros) a título de dano não patrimonial, acrescido de juros à taxa legal contados desde a prolação da presente sentença até efectivo e integral pagamento.
B.
Julgo parcialmente improcedente a acção, absolvendo a Ré da parte restante dos pedidos formulados pelos Autores.
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Custas por Autores e Ré na proporção do decaimento, sem prejuízo de eventual benefício de apoio judiciário (art.º 527º, n.º 1 do C.P.C.).
Registe e notifique.”
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Inconformados com esta decisão, os autores dela interpuseram recurso e formularam, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem):
“Conclusões

I. No caso em apreço discute-se, grosso modo, o quantum indemnizatório devido aos Recorrentes pela instalação de linhas elétricas de muito alta tensão sobre o seu prédio e a consequente oneração com uma servidão administrativa.
II. O valor a indemnizar passará pela adequada avaliação do valor do solo, baseada em critérios objetivamente definidos por lei, e cujo valor dependerá da classificação desse solo.
III. Compulsada a douta sentença, não são esclarecidos os critérios subjacentes à determinação da indemnização devida aos Apelantes.
IV. O Tribunal a quo não explica porque classificou o prédio dos Recorrentes com afeto à exploração florestal, quando foi dado como provado que o mesmo é composto por uma oficina, está pavimentado, está murado e vedado, tem acesso à via pública e à rede de abastecimento de água, saneamento, luz, telecomunicações (cfr. factos provados 2, 3, 5, 7 )
V. De modo que, a indemnização fixada pelo Tribunal a quo deveria assentar na consideração integral do solo como apto à construção, nos termos do Código das Expropriações, sendo este o único diploma legal que define os critérios para a qualificação dos solos para a determinação das indemnizações devidas por expropriação ou constituição de servidão (vd. Art.8º C. Exp.).
VI. Com efeito, conforme se extrai da motivação de direito, sob o título “do montante indemnizatório”, o Tribunal a quo considera apenas, para efeitos de indemnização, as limitações impostas pela constituição da servidão administrativa no que respeita à exploração florestal do prédio dos Recorrentes, desconsiderando, inter alia, a inequívoca afetação do prédio à atividade industrial e comercial, bem como a ocupação do seu espaço aéreo e ainda o acesso indevido dos trabalhadores da Recorrida ao prédio dos Apelantes, antes da sua notificação do início dos trabalhos (cfr. facto provado 11).
VII. A única forma de obter o equilíbrio entre os benefícios de toda a comunidade e a salvaguarda do direito de propriedade, constitucionalmente garantido (artigo 62º da CRP), é a indemnização dos prejuízos causados pela constituição da servidão administrativa.
VIII. É unívoco que, a constituição da servidão administrativa, decorrente da instalação de linhas elétricas de muito alta tensão sobre o prédio dos Apelante, lhes confere o direito à indemnização. Porém, não é já unívoco o quantum indemnizatório.
IX. A desvalorização aferida pelo Tribunal a quo, estriba-se num critério infundado e errado e, por conseguinte, injusto e incompreensível. O referido montante foi determinado pelos Srs. Peritos, considerando que a linha de muito alta tensão instalada ao longo do prédio dos Recorrentes se insere, segundo o PDM da Póvoa de Lanhoso há data do licenciamento da linha, em espaço florestal.
Desconsiderando, para efeitos de determinação da indemnização devida, a realidade ôntica do prédio dos Apelantes e dos factos dados como provados nº2, 3, 5, 7, 15, 30.
X. A garantia da justa indemnização contida no nº 2 do art. 62º da Constituição da República não se limita aos atos ablatórios da titularidade do bem, mas também o sacrifício de uma das faculdades de gozo ou uso que a coisa proporciona.
XI. A constituição da servidão tem, assim, um efeito equivalente à expropriação sempre que os danos decorrentes dessa constituição possam ser considerados impeditivos ou limitativos da plena utilização do bem, conforme se encontra confortada pelo art. 8º do Código das Expropriações.
XII. A indemnização pelas servidões administrativas deve ser calculada de acordo com as normas respeitantes à indemnização por expropriação, caso a lei não preveja outro critério especial.
XIII. Neste conspecto, o nº 1 do art. 23º do Código das Expropriações enuncia como (principal) critério valorimétrico na avaliação do objeto da expropriação o critério do valor de mercado entendido não em sentido estrito, mas em sentido normativo, isto é, o valor de mercado normal ou habitual, despido dos elementos especulativos.
XIV. Adaptando esse critério às servidões administrativas, tal significa que a respectiva indemnização deverá corresponder à diminuição do valor de mercado do prédio serviente, tendo em conta as circunstâncias e as condições de facto existentes à data da constituição da servidão, o qual deverá ser atualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, conforme prescreve o artigo 24º, nº1 do C. Exp.
XV. O Tribunal a quo adere a este critério para determinar a indemnização, porquanto refere que os danos patrimoniais decorrem da depreciação do prédio. No entanto, para aquilo que efetivamente é relevante, até porque não existe outra definição legal, o Tribunal a quo descola do estatuído no C. das Exp., quanto à classificação dos solos.
XVI. Independentemente do critério, seja o definido no C. das Exp. seja em lei especial, o cálculo da indemnização varia em função da classificação dos solos, como apto à construção ou solo para outros fins, nos termos do artigo 25º, nº1 do C. Exp.
XVII. Ora, ficou cabalmente demonstrado que, o prédio dos Recorrentes é um prédio, composto por uma oficina em bom estado de conservação, devidamente murado, vedado e pavimentado, onde os Apelantes exercem a sua atividade profissional, dispondo ainda de acesso às redes viárias, água, luz, saneamento, telecomunicações (cfr. factos provados 2, 3, 5, 7, 15, 30).
XVIII. O valor total do prédio era de € 253.908,50 - cfr. facto provado nº 34.
XIX. Por conseguinte, atendendo às suas características ônticas, o prédio dos Recorrentes, enquadra-se na previsão da al. a), do nº2 do artigo 25º do C. Exp., independentemente da sua classificação em instrumento de gestão territorial, (que aliás consubstanciaria um outro critério caracterizador do solo apto à construção).
XX. Assim, o Tribunal a quo deveria fixar a indemnização, considerando o solo do prédio dos Apelantes como apto à construção, cujo valor, por metro quadrado, é de € 25,00, conforme resposta ao quesito 12 e 13 da Ré.
XXI. Contudo, o Tribunal a quo determinou o quantum indemnizatório, relativo aos danos patrimoniais, considerando tão-somente a limitação da exploração florestal, ao longo da faixa de proteção da linha, com área de 1.369m2.
XXII. Respaldado no relatório pericial, o Tribunal a quo considerou que o preço por metro quadrado do terreno dos Apelantes é de 0,77€/m2, atendendo à classificação de Espaço Florestal, dada pelo PDM da Póvoa de Lanhoso. E ainda que, a aplicação da faixa de gestão de combustível ao prédio dos Apelantes impossibilitava qualquer construção.
XXIII. Na verdade, a classificação de solo apto à construção não depende da classificação dada por instrumento de gestão territorial.
XXIV. Portanto, o cálculo da indemnização não poderia ser arbitrado em função da classificação dada pelo PDM da Póvoa de Lanhoso (que, aliás, se encontrava suspenso em virtude da sua revisão), até porque não tem qualquer fundamento legal.
XXV. Relativamente à faixa de gestão de combustível, o Tribunal a quo considera que a mesma consubstancia um impedimento à edificação (cfr. motivação da decisão da matéria de facto). No entanto, tal como referido anteriormente, as classificações dadas por instrumento de gestão territorial são irrelevantes para a classificação de solos, para efeitos de indemnização pela constituição de servidão administrativa.
XXVI. O Tribunal a quo considera, para efeitos de calculo da indemnização, a classificação do solo do prédio dos Apelantes segundo o PDM em vigor (mas suspenso) à data do licenciamento da linha. No entanto, para justificar a impossibilidade edificativa no terreno do Recorrentes, apoia-se no PDM atualmente em vigor., demonstrando um raciocínio incoerente.
XXVII. O alcance e sentido do nº 3 do artigo 72º do atual PDM da Póvoa de Lanhoso foi escorreitamente esclarecida pelo Sr. Perito indicado pelos Recorrentes. Com efeito, esclarece o Sr. Perito que a faixa de gestão de combustível tem que ser assegurada na área florestal confinante com a área de Espaços de Atividades Económicas - cfr- resposta ao quesito j) dos Autores. Mais esclarece que o solo do prédio dos Apelantes se encontra, segundo carta de ordenamento do atual PDM da Póvoa de Lanhoso, inserido em Espaço de Atividades Económicas sem condicionantes - cfr. resposta ao quesito j) dos Autores. Portanto, a faixa de gestão de combustível não afeta a capacidade edificativa do prédio dos Apelantes, ao contrário do que assevera o Tribunal a quo.
XXVIII. Seja como for, crê-se que, absolutamente relevante para classificar o solo, é a sua realidade ôntica. Desconsiderar esta realidade, também para efeitos do artigo 37ºdo o DL nº 43335, de 19 de novembro de 1960, é manifestamente injusto. Pois, o mencionado diploma legal (DL nº 43335, de 19 de novembro de 1960) não define um critério para a classificação dos solos (a qual é feita unicamente pelo código das expropriações).
XXIX. Apesar do nº 3 do art. 8º do C. das Exp. ressalvar a existência de legislação especial para definir o critério de cálculo, a verdade é que, no caso em apreço, o DL nº 43335, de 19 de novembro de 1960, não define como devem ser classificados os solos.
XXX. Na verdade, preceitua o artigo 37º do citado diploma que devem ser indemnizados “quaisquer prejuízos provenientes da construção das linhas”.
XXXI. Resulta, pois, do transcrito normativo, que este não estabelece qualquer limitação à ressarcibilidade dos danos decorrentes da depreciação do prédio, em virtude da constituição da servidão, quer presentes, quer futuros.
XXXII. Portanto, atenta a realidade do prédio dos Apelantes, a indemnização fixada não poderia tão-somente ter refletida a afetação do mesmo à atividade florestal. Pois, não integra o alcance da norma do mencionado artigo 37º. Para o efeito, deveria o Tribunal a quo considerar que o terreno dos Recorrentes estava afeto à actividade comerciais e industrial, aquando da instalação da linha, onde aqueles exerciam a sua atividade profissional.
XXXIII. É inequívoco que, o prédio dos Apelantes se insere em ambiente urbano, conforme definido pelo C. Exp., de maneira que terá de ser classificado como solo apto à construção, cujo valor por metro quadrado é de € 25,00, conforme resposta aos quesitos 12 e 13 formulado pela Ré.
XXXIV. Ademais, foi já assim considerado pela Recorrida, em 23/04/2004, quando onerou o prédio em discussão nestes autos com uma outra servidão administrativa, decorrente, também, da instalação de uma linha elétrica, indemnizando os Recorrentes em € 24.939,00.
XXXV. Note-se que, acrescendo ao expendido, à data do licenciamento da linha em questão nos presentes autos, em 08/05/2015, o respetivo PDM da Póvoa de Lanhoso encontrava-se suspenso, em virtude da sua revisão, nos termos do artigo 134º, nº 1 e 2 do RJIGT (DL nº 80/2015, de 14 de maio).
XXXVI. Assim, não havia motivo para diferenciar o caso em apreço e a situação de 23/04/2004.
XXXVII. A decisão proferida pelo Tribunal a quo, na qual é interpretado o artigo 37ºdo o DL nº 43335, de 19 de novembro de 1960, com desconsideração das normas do artigo 25º do Código das Expropriações e artigo 134º, nº1 e 2 do RJIGT é inconstitucional, por violação dos artigos 13º, nº1 e 62º da CRP.
XXXVIII. O prédio dos Apelantes está onerado com duas servidões administrativas, decorrentes da instalação de linhas elétricas de muito alta tensão.
XXXIX. As limitações e restrições impostas aos Recorrentes pela existência das duas linha elétricas sobre o seu prédio, consubstancia uma verdadeira expropriação pelo sacrifício, cuja indemnização terá sempre de ser justa, nos termos e para os efeitos do artigo 62º da CRP.
XL. Os danos patrimoniais sofridos pelos Recorrentes com a instalação da Lina de Muito Alta Tensão, nunca poderia, face à prova produzida, ser inferior a € 34.225.
XLI. Aos quais terá de acrescer a ocupação do espaço aéreo do prédio dos Apelantes e ainda a violação do seu direito de propriedade, por acesso indevido antes da sua notificação da licença de construção da linha, os quais não foram considerados pelo Tribunal a quo.
XLII. A ocupação do espaço aéreo do prédio dos Apelantes, ao longo da faixa de proteção da linha, com a área de 1369m2, integra a servidão administrativa em crise nos autos, imposta por lei e de cariz duradouro, de modo que terá, igualmente, de ser tida em conta na determinação da indemnização dos danos patrimoniais, o que não se sucedeu no caso em apreço, porquanto o Tribunal a quo tão somente considerou a faixa de proteção da linha projetada no solo (vide, facto provado 15).
Nestes termos e nos mais de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida substituindo-se por outra que decida de harmonia com as antecedentes conclusões, sendo assim feita uma correta aplicação da lei e a mais elementar Justiça.”
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A ré apresentou contra-alegações, terminando as mesmas com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“IV – Conclusões

1.ª O presente recurso foi interposto pelos AA., ora Recorrentes, M. J. e M. C., da douta sentença proferida pelo Juízo Central Cível de Guimarães – Juiz 5, em 16-01-2020 (Ref.ª 166333124), que decidiu: “A. Julgo parcialmente procedente a acção, condenando a Ré a pagar aos Autores as quantias de: - € 8.094,00 (oito mil e noventa e quatro euros), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal contados desde a citação até efectivo e integral pagamento; - € 2.000,00 (dois mil euros) a título de dano não patrimonial, acrescido de juros à taxa legal contados desde a prolação da presente sentença até efectivo e integral pagamento. B. Julgo parcialmente improcedente a acção, absolvendo a Ré da parte restante dos pedidos formulados pelos Autores”;
2.ª Com exceção de dois segmentos decisórios, a douta sentença recorrida não padece de nenhum erro de julgamento ou motivo de censura, sendo o presente recurso dos AA. manifestamente improcedente;
3.ª O douto Tribunal recorrido, em face dos factos não impugnados pelas partes, corroborados pelos documentos juntos, relatórios de peritagem e prova testemunhal, considerou provado, além do mais, que no segundo semestre do ano de 2015, a Recorrida implementou uma linha de transporte de eletricidade num terreno adjacente a uma oficina de chapeiro e pintura de automóveis, com estufa de pintura, propriedade dos Recorrentes, a qual sobrepassa o prédio junto ao limite a Sudeste deste, entre os apoios 66 e 67, numa extensão linear de aproximadamente 60 metros, não envolvendo a instalação de postes no prédio e definindo nele uma faixa de protecção com área de 1.369 m2;
4.ª Considerou provado o douto Tribunal recorrido, outrossim, que a 8 de Maio de 2015, data do licenciamento da linha de muito alta tensão, o Plano Diretor Municipal (PDM) da Póvoa de Lanhoso classificava o solo do prédio como “Espaço Florestal”, sendo que a parcela com área de 1.369 m2 efetivamente onerada pela servidão administrativa sub judice inseria-se ainda em “Reserva Ecológica Nacional”, em “Espaço Florestal” e em “Zona de Elevado Risco de Incêndio”, estando as edificações a implantar no terreno sujeitas a salvaguardar uma distância mínima de 50 metros até à estrema da propriedade, sendo que a presença da linha não interfere com a ampliação do edifício existente, ou a construção de infraestruturas e equipamentos apoio, desde que permitida pelo PDM e os pontos mais elevados dos edifícios respeitem as distâncias aos cabos condutores em condições de flecha máxima não inferior a 6 metros, mas impede a exploração florestal com árvores de levado porte, nomeadamente pinheiros e eucaliptos, na área de protecção, tendo assim concluído que a existência da linha provocou uma depreciação do prédio de €8.094,00;
5.ª Por outro lado, considerou o douto Tribunal recorrido que, com interesse para a boa decisão da causa, não resultou provado que o ruído provocado pela linha produzisse desgaste mental às pessoas que trabalham no prédio dos Recorrentes nem que, a longo termo, era passível de originar patologias psicológicas por exaustão no esforço de concentração mental, nem tão pouco que a área do prédio onde foi constituída a servidão sub judice impedia os Recorrentes de ampliar o edifício existente, de construir infraestruturas e equipamentos de apoio e de utilizar para cultivo de árvores de fruto, ou que a existência da linha provocasse uma depreciação de 30% do valor do prédio;
6.ª Por referência às conclusões do recurso dos Recorrentes, verifica-se que estes pugnam pelo reconhecimento de um valor indemnizatório global não inferior a €34.225,00, a título de danos patrimoniais sofridos com a implementação da linha elétrica sub judice, acrescido de uma compensação (que não especificam) pela ocupação do espaço aéreo do prédio e a violação do seu direito de propriedade, os quais consideram ter sido indevidamente omitida na decisão do douto Tribunal a quo;
7.ª Não obstante a existência de um denominador comum – a defesa de que a área do solo onerada pela servidão é apta à construção (solo urbanizável) – verifica-se uma dissemelhança entre a p.i. e as alegações de recurso dos Recorrentes no que diz respeito aos valores indemnizatórios e a fundamentação utilizada para os alcançar;
8.ª Sob pena de pôr em causa o princípio da estabilidade da instância ínsito no artigo 260º do CPC, aos Recorrentes não se afigura processualmente admissível alterarem em sede de recurso de apelação a causa petendi que levaram ao douto Tribunal a quo na sua p.i., pois foi sobre essa causa de pedir que o Tribunal recorrido se pronunciou e proferiu a decisão ora recorrida, sendo que os recursos não se destinam a suscitar questões novas, mas tão somente a obter a reapreciação de questões já decididas no Tribunal a quo;
9.ª Os Recorrentes incorreram na violação do princípio da estabilidade da instância ao terem formulado no seu recurso questões novas face àquelas que foram decididas pelo Tribunal recorrido;
10.ª Quanto à matéria dos danos patrimoniais invocados, o douto Tribunal Recorrido considerou que no caso vertente, demonstrada que foi a constituição da servidão administrativa sobre 1.369 m2 de terreno do prédio dos Recorrentes com a inerente limitação da sua exploração florestal, bem como a perda do interesse de parte dos potenciais compradores do mesmo prédio, é certa a ocorrência de um dano patrimonial indemnizável, traduzido na depreciação do valor de mercado do imóvel em €8.094,00;
11.ª A consideração e fundamentação daquele valor resulta diretamente do teor do relatório da perícia colegial, junto a fls. 320 e ss. dos autos, bem como dos esclarecimentos verbalmente prestados pelos Senhores peritos em audiência de julgamento.
12.ª Analisando o teor da perícia que suporta a decisão recorrida, verificamos que a unanimidade dos Senhores peritos conclui que a servidão em apreço não tem qualquer consequência non aedificandi, porquanto o regime legal e regulamentar da servidão em causa, designadamente o Regulamento de Segurança de Linhas Elétricas de Alta Tensão, aprovado pelo Decreto Regulamentar 1/92, de 18 de fevereiro (RSLEAT), não impede a construção na área onerada pela servidão, contanto fossem respeitados os distanciamentos de segurança entre o edificado e os condutores da linha não inferiores a 6 metros;
13.ª Asseveraram os Senhores peritos, também por unanimidade, que a classificação do solo da área onerada pela servidão, à data do licenciamento da linha (08-05-2015) era de “Espaço Florestal” e não “Espaço de Actividades Económicas” como procuram, sem sucesso, demonstrar os Recorrentes;
14.ª Relativamente à questão do instrumento de gestão territorial a considerar para a classificação do prédio, dúvidas não restam que somente poderá ser o PDM da Póvoa do Lanhoso em vigor à data da emissão licença de estabelecimento, sendo este último ato do licenciamento técnico da infraestrutura que fundamenta e legitima a constituição imediata da servidão administrativa, devendo ser a respetiva data de emissão o momento temporal a que se deve atender para aferir a indemnização, solução que vai ao encontro do que sucede com a DUP no instituto expropriativo regulado pelo Código das Expropriações, diploma que é subsidiariamente aplicável à constituição das servidões e à determinação da respectiva indemnização;
15.ª Constitui entendimento jurisprudencial pacífico que a indemnização pela instalação de linhas de alta tensão e respectivos postes é fixada com base na situação existente no prédio na altura em que foram concedidas as licenças de estabelecimento deferidas pelo Governo que permitiu o desenvolvimento do projecto de transporte de energia;
16.ª Bem andou o Tribunal a quo ao considerar a classificação do prédio dada pelo PDM em vigor à data da emissão da licença de estabelecimento, que determinava a classificação do solo do prédio como “Espaço Florestal”, e bem assim ao considerar a condicionante de “Reserva Ecológica Nacional” que igualmente incidia sobre a parcela onerada;
17.ª O apelo feito pelos Recorrentes relativamente à apreciação das características ônticas do prédio por contraposição à classificação do imóvel e, em particular, da área do terreno onerada pela servidão, de acordo com os instrumentos de gestão territorial então em vigor, é manifestamente infundado e improcedente;
18.ª Nos termos de jurisprudência uniformizada do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, os terrenos integrados, seja em Reserva Agrícola Nacional (RAN), seja em Reserva Ecológica Nacional (REN), por força do regime legal a que estão sujeitos, não podem ser classificados como «solo apto para construção», nos termos do artigo 25.º, nºs 1, alínea a), e 2, do Código das Expropriações, aprovado pelo artigo 1.º da Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, ainda que preencham os requisitos previstos naquele n.º 2;
19.ª Ademais, do confronto do teor dos art.º 23º e 25º-n.º2 do C. Expropriações e preceitos constitucionais em referência, conclui-se que para a classificação de um determinado solo como apto para construção, não basta a simples verificação em abstracto de alguma das situações previstas no n.º 2 do art. 25°, necessário se torna que, na prática, dos autos resulte provada, com referência ao caso concreto, a aptidão edificativa do solo de acordo com as leis e regulamentos em vigor, e ainda que se demonstre que a construção nesse solo constitui o seu aproveitamento económico normal;
20.ª Ainda que não seja discutível que o prédio e, mais concretamente, a área de 1369 m2 onerada pela servidão administrativa sub judice, não possuía capacidade construtiva à data da emissão da licença de estabelecimento, ficou também clarificado que a sobrevinda classificação do prédio em “Espaço de Actividades Económicas” através do novo PDM do Município da .. nunca conferiria àquela parcela qualquer capacidade edificativa;
21.ª Clarificaram ainda os Senhores Peritos, de forma unânime, em resposta à questão de saber se os Recorrentes estavam impedidos de poder ampliar o edifício existente ou construir novos equipamentos ou infraestruturas de apoio na área onerada pela servidão, que “desde 2006 que os AA. estão impedidos de edificar ou ampliar edifícios ou construir equipamentos ou infraestruturas na área onerada pela servidão em apreço”, pelo que se afigura manifestamente anódino ou improcedente a pretensa mas indemonstrada classificação da parcela onerada como “solo apto à construção”, tanto mais que não tem qualquer sentido prático ou jurídico equiparar a servidão sub judice como se de uma efetiva expropriação se tratasse, porquanto a questão da imposição de uma servidão administrativa não é semelhante à da expropriação, na qual se encontra em causa a ablação de um direito real sobre a coisa, enquanto na primeira se visa a imposição de um direito, ónus ou sujeição sobre outro direito pré-existente;
22.ª O que estava em causa nos presentes autos era apurar se o prédio sobre o qual incidem tais limitações, propriedade dos Recorrentes – sofreu efetivamente uma limitação das suas utilidades e, sofrendo-as, qual o justo valor da privação dessas utilidades, tendo presente que a indemnização por justa indemnização em resultado da constituição de servidões administrativas só é devida nos termos e limites previstos na lei, podendo em concreto justificar-se ou não uma indemnização, consoante as utilidades certas e reais que concretamente se mostrem afetadas no prédio afetado;
23.ª São essas as limitações ao direito de propriedade cujo valor importa avaliar para efeitos de indemnização, tendo presente que a indemnização a que se refere o artigo 37.º do Decreto-Lei nº 43335, de 19.11.1960 é uma indemnização que se determina em função dos danos certos e actuais, derivados directamente do estabelecimento das linhas aéreas de alta tensão, e não dos que eventualmente possam resultar quanto a possíveis actividades futuras no prédio onerado com a servidão;
24.ª Recorrendo a esse princípio, a maioria dos Senhores Peritos (o que inclui o Perito designado pelo Tribunal) concluiu que a servidão sub judice, embora não tendo consequências non aedificandi, inviabilizou a exploração florestal com árvores de elevado porte, nomeadamente pinheiros e eucaliptos, pelo que consideraram uma depreciação equivalente ao valor do solo enquanto suporte físico daqueles povoamentos florestais, fixando o valor unitário do solo florestal em € 0,77/m2, decorrendo que a depreciação do valor do prédio será de: V = 1.369 m2 x € 0,77/ m2 = € 1.054,00;
25.ª Tal operação mais não corresponde que à correta aplicação do critério subsidiário consagrado no nº 3 do artigo 27º do CE, i.e., o método do rendimento fundiário da parcela, atendendo-se àquilo que é possível produzir na referida parcela, tendo a maioria dos Senhores Peritos utilizado o método analítico ou de capitalização do rendimento por via do qual se determina o valor do capital a partir do rendimento que ele produz, ou seja, através da sua avaliação e capitalização;
26.ª Mais considerou a maioria dos Senhores Peritos, que a obrigatoriedade de permitir a entrada de pessoal e equipamento, necessários à fiscalização e a eventuais trabalhos de manutenção ou reparação da linha também conduzia a uma depreciação residual do prédio, atribuindo aos Recorrentes, por esse constrangimento, uma compensação de €2.000,00, entendendo, outrossim, ser justificável uma compensação a título da depreciação da condição paisagística e ambiental da construção existente equivalente a 3% do seu valor, que computaram em €5.040,00;
27.ª O laudo pericial maioritário em que se estribou a douta decisão do Tribunal recorrido considerou assim, porventura com relativo excesso, todos os impactos negativos, presentes e futuros, diretos e indiretos, gerados pela linha sobre o valor económico do prédio dos Recorrentes, inexistindo, a esse título, qualquer omissão no relatório pericial e na douta sentença recorrida, sendo, pois, evidentemente falso, o que consta do ponto XXI das conclusões do recurso dos Recorrentes;
28.ª Não obstante a força probatória da perícia ser fixada livremente pelo tribunal, nos termos do artigo 389º do Código Civil, no processo que nos ocupa (a que se aplica subsidiariamente a disciplina do CE), a perícia assume uma particular importância, podendo mesmo afirmar-se que as conclusões apresentadas pelos peritos – unanimemente ou por maioria, preferindo-se as que provêm dos peritos nomeados pelo tribunal, pela maior equidistância relativamente às partes – só devem ser afastadas quando se constata que foram elaboradas com base em critérios legalmente inadmissíveis ou desadequados, ou quando se nos deparam erros ou lapsos evidentes, que importem correcção;
29.ª Verificada a lógica e adequação dos critérios adotados pela maioria dos Senhores Peritos para a determinação da indemnização a atribuir aos Recorrentes, não existiam quaisquer motivos para que o douto Tribunal recorrido se afastasse desse laudo pericial maioritário, não merecendo a sentença recorrida, sob este ponto de vista, qualquer tipo de crítica ou censura, pelo que bem andou ao fixar a indemnização de €8.094,00 a atribuir aos Recorrentes a título de dano patrimonial indemnizável pela constituição da servidão administrativa que nos ocupa;
30.ª Assinale-se ainda o enorme labor do douto Tribunal recorrido no que diz respeito à instrução dos factos que lhe foram colocados pelas Partes, tendo sido realizadas, além da peritagem para a determinação dos danos patrimoniais decorrentes da constituição da servidão, outras duas perícias destinadas à medição do ruído e do campo elétrico e magnético gerados pela linha;
31.ª Em resultado dessas outras perícias, foi possível atestar que o ruído gerado pela linha era inaudível e cumpria com os critérios de ruído e incomodidade previstos no Decreto Lei 9/2007, de 17 de janeiro, e bem assim, que a indução magnética máxima se encontrava a 0,71% do limite legal aplicável e o campo elétrico máximo emitido pela linha corresponde a 10% do limite legal aplicável.
Nestes termos:
Deverá ser negado provimento ao recurso dos Recorrentes.”.
Mais interpôs a ré recurso subordinado, terminando com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“VII – Conclusões
Do exposto nas presentes alegações podem retirar-se as seguintes conclusões:
1.ª O presente recurso subordinado é interposto pela Ré, ora Recorrente, RE. – REDE ELÉCTRICA ..., S.A., da douta sentença proferida pelo Juízo Central Cível de Guimarães – Juiz 5, em 16-01-2020 (Ref.ª 166333124), que decidiu: “A. Julgo parcialmente procedente a acção, condenando a Ré a pagar aos Autores as quantias de: - € 8.094,00 (oito mil e noventa e quatro euros), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal contados desde a citação até efectivo e integral pagamento; - € 2.000,00 (dois mil euros) a título de dano não patrimonial, acrescido de juros à taxa legal contados desde a prolação da presente sentença até efectivo e integral pagamento. B. Julgo parcialmente improcedente a acção, absolvendo a Ré da parte restante dos pedidos formulados pelos Autores”;
2.ª A douta sentença recorrida possui dois segmentos decisórios que padecem de erro na decisão da matéria de facto, bem como erros de direito ou julgamento, os quais importam corrigir ou revogar, um referente à condenação por danos não patrimoniais e outro relativo à condenação em juros;
3.ª Nos termos do artigo 662 nº 1 do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa;
4.ª Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 662 n.º 1 do CPC, a Recorrente considera que o Tribunal a quo deveria ter dado por não provado que i) Nos dias com precipitação meteorológica e elevados índices de humidade do ar, a linha de muito alta tensão aludida no facto provado número 13, gera ruído permanente incómodo e descargas elétricas que se exteriorizam como o som de um estalo ou chicotada e ii) o ruído mencionado no facto provado anterior é, nos dias de precipitação e de elevados índices de humidade do ar, ouvido no prédio dos Autores, onde estes e os trabalhadores do estabelecimento exercem as suas profissões;
5.ª Nos termos da decisão proferida pelo douto Tribunal recorrido, este considerou provado, além do dano de natureza patrimonial decorrente da constituição da servidão administrativa sub judice, que no decurso da execução da obra, os Recorridos suportaram o ruído da manobra dos veículos pesados de mercadorias que transportavam as pegas que constituem os suportes, da movimentação/colocação das pegas metálicas de grandes dimensões, e a poluição atmosférica provocada pelo transporte, em viaturas, dos trabalhadores e de cargas, bem como que nos dias com precipitação meteorológica e elevados índices de humidade do ar, a linha gera ruído permanente incómodo e descargas elétricas que se exteriorizam como o som de um estalo ou chicotada, ouvido no prédio dos Recorridos, onde estes e os trabalhadores do estabelecimento exercem as suas profissões;
6.ª Perante a factualidade supra descrita, o douto Tribunal recorrido entendeu que importava dar aos lesados uma compensação ou satisfação por danos de ordem moral cuja gravidade, aferida por um critério objectivo, considerou justificada, pelo que, tendo presente o incómodo gerado durante a execução das obras e, sobretudo, o ruído emitido pela linha em dias húmidos e chuvosos, considerou justa e equilibrada a fixação em €2.000,00 (dois mil euros) do montante da indemnização dos Recorridos, pela totalidade dos danos não patrimoniais sofridos com a constituição da servidão em apreço;
7.ª A matéria em apreço dada por provada pelo Tribunal recorrido é amplamente infirmada pelo teor do relatório pericial referente às medições do ruído da linha, sendo igualmente contraditada por outros factos que foram dados por provados;
8.ª Salvo o devido respeito, não se alcança o iter cognoscitivo do Tribunal a quo ao concluir nos pontos 23 e 24 dos factos provados que nos dias com precipitação meteorológica e elevados índices de humidade do ar, a linha de muito alta tensão […] gera ruído permanente incómodo e descargas elétricas que se exteriorizam como o som de um estalo ou chicotada e que tal ruído é, nos dias de precipitação e de elevados índices de humidade do ar, ouvido no prédio dos Autores, onde estes e os trabalhadores do estabelecimento exercem as suas profissões, quando é certo que consta dos autos um relatório pericial ao “ruído Ambiente – Avaliação da Conformidade Legal”, conduzido pelo IEP - Instituto Electrotécnico Português, cujos resultados infirmam aquelas conclusões.
9.ª O referido relatório, bem fundamentado e desenvolvido, atesta, além do mais, que as principais fontes de ruído no local são o tráfego rodoviário da via adjacente, muito audível do ponto de amostragem, bem como o ruído proveniente da oficina do AA , bem como que o ruído proveniente da Linha em condições favoráveis à propagação de ruído é inaudível, quer junto ao receptor sensível onde foi realizada a medição quer próximo do apoio da linha, concluindo que ao abrigo dos critérios definidos no Artigo 13º do Decreto Lei 9/2007, a actividade da linha Alta Tensão da RE. cumpre o estabelecido no referido regime jurídico;
10.ª De salientar, ainda, que a monitorização do ruído proveniente da linha foi realizada nas condições favoráveis à ocorrência do ruído da linha, chuva fraca, nevoeiro e velocidade do ar moderada a forte, sendo conveniente ter presente que se trata de uma medição realizada ao longo de um período de 2 dias não consecutivos, de modo a abarcar os períodos de referência “Diurno” (das 7 h às 20 h), “Entardecer” (das 20 h às 23 h) e “Nocturno” (das 23 h às 7 h);
11.ª Sem pôr em causa que a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo Tribunal nos termos dos artigos 655º do CPC e 389º do Código Civil, cumpre salientar que o juízo técnico e científico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador; o julgador está amarrado ao juízo pericial, sendo que sempre que dele divergir deve fundamentar esse afastamento, exigindo-se um acrescido dever de fundamentação;
12.ª Salvo o devido respeito, perante a factualidade que estava em causa – aferir o ruído e incomodidade sonora gerados pela linha (elemento esse especialmente dependente de medições com recurso a meios tecnológicos sensíveis que não métodos subjetivos de apreciação) e face ao teor do relatório pericial em apreço, o douto Tribunal recorrido não logrou cumprir o acrescido dever de fundamentação que se lhe impunha para, em total contravenção com os resultados das medições efetuadas pelo IEP, concluir pela prova da matéria aludida nos pontos 23 e 24 dos factos provados que constam da sentença sub judice;
13.ª Considerando o teor do relatório pericial do IEP nº E-2018-1025.00, de 30-04-2019, não poderia o douto Tribunal a quo ter dado por provada a matéria que consta dos pontos 23 e 24 dos factos provados, violando essa decisão o disposto nos artigos 655º do CPC e 389º do Código Civil;
14.ª Assinale-se, outrossim, que foi dado por provado pelo douto Tribunal a quo que no espaço de oficina do prédio […] são desenvolvidas actividades ruidosas, como serviços de reparação (bate-chapa) ou pintura automóvel […] sendo o mesmo contíguo a uma Estrada Nacional (EN 205), pelo que a prova deste facto contradita a matéria dada por provada nos pontos 23 e 24 dos factos provados, ou, quanto muito, sempre poria em causa que o alegado ruído provocado pela linha fosse, pela sua gravidade, merecedor de uma tutela indemnizatória aos Recorridos;
15.ª Termos em que deveria o Tribunal a quo ter dado por não provada a matéria constante dos pontos 23 e 24 dos factos provados, devendo proceder-se à consequente alteração da matéria de facto nos termos propugnados;
16.ª Independentemente da matéria constante dos factos provados 23 e 24 ter que ser dada por não provada, sempre se diria que nestes autos nunca haveria lugar ao pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais;
17.ª Estamos aqui perante uma servidão administrativa de passagem de linha eléctrica aérea, a que se aplica, com as necessárias adaptações, o regime do Código das Expropriações (cf. artigo 8º, nº3, do Código das Expropriações);
18.ª Como regra geral, a indemnização pelas servidões deve ser calculada de acordo com as normas respeitantes à indemnização por expropriação, inexistindo lugar à aplicação do instituto da responsabilidade civil extracontratual, para cuja avaliação de danos se devem incluir os danos não patrimoniais (cf. artigo 496º, nº1, do Código Civil);
19.ª Tratando-se de indemnização por ato lícito ou pelo sacrifício, ela segue os termos estabelecidos na lei que a prevê, no caso, no Código das Expropriações, onde se não encontra regulado o direito à indemnização do proprietário pelo dano não patrimonial sofrido com a ablação do direito, ou com a imposição de uma restrição ao pleno exercício do direito;
20.ª A sentença recorrida, ao ter atribuído aos Recorridos uma compensação por danos de natureza não patrimonial, incorreu na violação do disposto no artigo 23º, nº1, do Código das Expropriações;
21.ª Ainda que seja aqui inaplicável o ínsito normativo previsto no artigo 496º, nº1, do Código Civil, extrai-se do mesmo que a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objetivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de fatores subjetivos;
22.ª A gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado;
23.ª O ruído que possa ser gerado pela linha ou pelas obras na construção desta infraestrutura nas imediações de um estabelecimento no qual são desenvolvidas actividade ruidosas como serviços de reparação e bate-chapa em automóveis, contígua a uma Estrada Nacional com elevados níveis de trafego rodoviário, não se afigura, à luz de um padrão objetivo de avaliação, de uma gravidade tal que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária aos proprietários desse estabelecimento;
24.ª Diferente juízo poderia ser feito caso estivéssemos perante um núcleo residencial onde as preocupações do repouso (e do necessário silêncio) são preponderantes, o que não é manifestamente o caso;
25.ª Constitui orientação consolidada na jurisprudência que as meras contrariedades não justificam, por falta da necessária gravidade, a atribuição de indemnização a título de danos não patrimoniais, na medida em que a noção corrente de uma simples contrariedade ou incómodo possa traduzir um nível de gravidade objectiva insuficiente para os efeitos do nº 1 do art. 496º do CC;
26.ª Assim, perante a factualidade que nos ocupa, não pode senão concluir-se que os danos alegadamente sofridos pelos Recorridos são reconduzíveis ao conceito de uma mera contrariedade e não se revestem de uma gravidade que mereça a tutela do direito;
27.ª Termos em que, a sentença recorrida, ao ter atribuído aos Recorridos uma compensação por danos de natureza não patrimonial, incorreu, outrossim, na violação do disposto no artigo 496º, nº1, do Código Civil;
28.ª Na fixação da indemnização a atribuir aos Recorridos pela constituição de uma servidão administrativa de passagem de linha elétrica aérea, aplica-se, com as necessárias adaptações, o regime do Código das Expropriações, significando, pois, que a indemnização calcula-se com referência à data da declaração de utilidade pública [aqui, por adaptação, à data da emissão da licença de estabelecimento da linha], sendo actualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, nos termos previstos no artigo 24º, nº1, do referido diploma legal;
29.ª Termos em que a decisão do douto Tribunal recorrido em matéria de condenação da Recorrente no pagamento de juros, calculados à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento, sobre a quantia arbitrada para reparação dos danos patrimoniais, viola inapelavelmente o especialmente disposto no artigo 24º, nº1, do Código das Expropriações aqui aplicável;
30.ª Impõe-se, assim, a revogação parcial da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, por violação, além do mais, do disposto nos artigos 655º do CPC, 389º e 496º, nº1, do Código Civil e 23º, nº1 e 24º, nº1 do Código das Expropriações, sendo a mesma substituída pela fixação em €8.094,00 (oito mil e noventa e quatro euros), o valor da indemnização a pagar pela Recorrente aos Recorridos, atualizada desde maio de 2015 até à data da decisão final do processo, de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação.

Nestes termos,
Deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência:

a) Ser modificada a decisão de facto dada por provada, nos termos da impugnação formulada nas presentes alegações;
b) Ser, em qualquer caso, revogada parcialmente a douta sentença recorrida, por violação, entre outros, dos artigos 655º do CPC, 389º e 496º, nº1, do Código Civil e 23º, nº1 e 24º, nº1 do Código das Expropriações, fixando-se em €8.094,00 (oito mil e noventa e quatro euros), o valor da indemnização a pagar pela Recorrente aos Recorridos, atualizada desde maio de 2015 até à data da decisão final do processo, de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação.”
*
Os recursos foram admitidos como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber:

No que ao recurso dos autores diz respeito:

1- Da adequação das indemnizações fixadas.

No que ao recurso subordinado da ré respeita:
1- Da impugnação da matéria de facto;
2 – Da adequação das indemnizações fixadas.
*
III. Fundamentação de facto.

Os factos que foram dados como provados na sentença sob recurso são os seguintes:

“Factos Provados
1. Os AA. são donos do prédio misto sito no lugar …, freguesia de …, concelho de Póvoa de Lanhoso, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial n.ᵒ … e na matriz predial rústica sob o artigo matricial n.ᵒ …, descrito na Conservatória do Registo Predial da … sob o n.ᵒ … (artigos 1º a 4º da p.i.);
2. O prédio referido no facto provado número 1 é constituído por uma oficina de chapeiro e pintura de automóveis, com estufa de pintura, um anexo composto por uma só divisão utilizado como stand de vendas e exposição de viaturas, uma área de logradouro pavimentado e uma bouça com mato (artigo 5º da p.i.);
3. O prédio em apreço, encontra-se localizado numa encosta voltada a poente, com inclinação, sem construções limítrofes, com vista desafogada e exposição solar, é contíguo à Estrada Nacional n.º 205 que dá acesso à sede de concelho (artigos 42º e 43º da p.i.);
4. O prédio aludido no facto provado número 1, encontra-se a 3,4 Km da sede do concelho da Póvoa de Lanhoso, onde dispõe de infraestruturas para fazer face às necessidades empresariais dos AA. (artigo 44º da p.i.);
5. O edifício existente no prédio é uma construção com 15 anos que apresenta estado de conservação adequado ao seu tempo de existência e ao fim a que se destina, com vias de acesso ao edifício e área circundante pavimentadas com tapete betuminoso ou calçada, rede de iluminação pública, rede de energia elétrica e rede de tecnologia de comunicação (artigos 45º e 46º da p.i.);
6. No espaço de oficina do prédio aludido no facto provado número 1 são desenvolvidas actividades ruidosas, como serviços de reparação (bate-chapa) ou pintura automóvel (artigo 42º da contestação);
7. O prédio é contíguo à EN 205 (artigo 42º da contestação);
8. O A. é mecânico de profissão e comerciante de veículos automóveis usados (artigo 6º da p.i.);
9. É no imóvel aludido no facto provado número 1 que o A. desenvolve a sua atividade profissional, despendendo a maior parte do quotidiano no local (artigo 7º da p.i.);
10. No segundo semestre do ano de 2015, a R. deu início a uma obra em terreno adjacente ao prédio aludido no facto provado número 1 (artigo 8º da p.i.);
11. Para realização da obra aludida no facto provado número 10, a R. introduziu em parte do prédio dos AA., trabalhadores e maquinaria sem que lhes tivesse prestado prévio esclarecimento (artigo 9º da p.i.);
12. A Ré enviou aos AA. a comunicação escrita, datada de 16.10.2015, reproduzida no documento número 4 junto com a p.i. - fls. 12 v.º e 13 dos autos (artigo 11º da p.i.);
13. A obra levada a cabo pela R. fazia parte da constituição da linha aérea dupla de transporte de energia elétrica a 400 Kv, Vieira do Minho - Pedralva 2 (artigo 14º da p.i.);
14. A linha de muito alta tensão aludida no facto provado anterior, sobrepassa o prédio aludido no facto provado número 1, junto ao limite a Sudeste deste, entre os apoios 66 e 67, numa extensão linear de aproximadamente 60 metros, não envolvendo a instalação de postes no prédio (artigos 10º e 11º da contestação);
15. A projeção no solo dos limites de proteção à linha de muito alta tensão – de 22,5m para cada lado do eixo da linha -, define uma faixa de protecção com área de 1.369 m2 no prédio dos AA. (artigos 33º da p.i. e 12º da contestação);
16. Previamente à implementação da linha aérea aludida nos factos provados anteriores, o prédio mencionado no facto provado número 1, já se encontrava sobrepassado por uma outra linha elétrica de muito alta tensão explorada pela Ré, denominada “Linha aérea a 150kV, derivação para Oleiros, entre o apoio n.º 70 da linha Vila Nova – Riba d’Ave e o apoio n.º 58 da linha Riba d’Ave – Oleiros, extensão de 18339 metros, integrando o troço final desta última linha até à subestação de Oleiros na extensão de 10 240 metros” (doravante “linha Frades – Pedralva”), a qual obteve a Licença de Estabelecimento por despacho do Senhor Director-Geral de Energia, de 5 de Maio de 2003 (artigo 13º da contestação);
17. A linha “Frades – Pedralva” aludida no facto provado anterior, foi implementada pela RE. em 2004 e sobrepassa o prédio dos AA. junto ao limite situado a Norte, onerando a faixa de protecção daquela infraestrutura uma área de 2.413 m2 desse prédio (artigos 36º da p.i. e 14º da contestação);
18. Em 23.04.2004, por ocasião da implementação da linha “Frades – Pedralva”, os AA. e a R. celebraram acordo indemnizatório no montante de € 24.939,00, quantia essa recebida pelos AA. a título de reparação por todos os prejuízos, actuais e futuros, decorrentes do estabelecimento e exploração dessa linha (artigo 16º da contestação);
19. No plano horizontal, os condutores de ambas as linhas (a linha de muito alta tensão Vieira do Minho - Pedralva 2 e a linha “Frades – Pedralva”) encontram-se equidistantes à parte urbana do prédio dos AA. (oficina), numa distância aproximada de 14 metros (artigo 15º da contestação);
20. Com a execução da obra da linha de muito alta tensão Vieira do Minho - Pedralva 2, o prédio aludido no facto provado número 1 passou a estar sobrepassado por duas linhas de transporte de energia eléctrica: a linha Vieira do Minho - Pedralva 2 pelo seu lado sudeste; e a linha Frades – Pedralva pelo seu lado norte (artigo 21º da p.i.);
21. No decurso da execução da obra, os AA. suportaram o ruído da manobra dos veículos pesados de mercadorias que transportavam as peças que constituem os suportes, da movimentação/colocação das peças metálicas de grandes dimensões, e a poluição atmosférica provocada pelo transporte, em viaturas, dos trabalhadores e de cargas (artigos 16º a 18º da p.i.);
22. Os AA. receiam os danos para a saúde que a exposição aos campos magnéticos da uma linha de alta tensão possa trazer-lhes e aos trabalhadores do estabelecimento existente no prédio mencionado no facto provado número 1 (artigos 22º, 56º e 58º da p.i.);
23. Nos dias com precipitação meteorológica e elevados índices de humidade do ar, a linha de muito alta tensão aludida no facto provado número 13, gera ruído permanente incómodo e descargas elétricas que se exteriorizam como o som de um estalo ou chicotada (artigo 25º da p.i.);
24. O ruído mencionado no facto provado anterior é, nos dias de precipitação e de elevados índices de humidade do ar, ouvido no prédio dos Autores, onde estes e os trabalhadores do estabelecimento exercem as suas profissões (artigos 26º e 27º da p.i.);
25. Na parcela de terreno aludida no facto provado número 15: a) A indução magnética máxima emitida pela LMAT é de 0,7157 μT a 1,8 m acima do solo, o que corresponde a 0,71% do limite legal aplicável; b) O campo elétrico máximo emitido pela LMAT é de 504,4 V/m a 1,8 m acima do solo, o que corresponde a 10% do limite legal aplicável (artigo 36º da p.i.);
26. A 8 de Maio de 2015, data do licenciamento da linha de muito alta tensão mencionada no facto provado número 13 (LMAT), o Plano Diretor Municipal (PDM) da Póvoa de Lanhoso classificava o solo do prédio aludido no facto provado número 1 como Espaço Florestal (artigos 34º a 35º da p.i. e 19º da contestação);
27. Na mesma ocasião, a área aludida no facto provado número 15 inseria-se ainda na Reserva Ecológica Nacional, em Espaço Florestal e em zona de elevado risco de incêndio, estando as edificações a implantar no terreno sujeitas a salvaguardar uma distância mínima de 50 metros até à estrema da propriedade (artigos 34º a 37º e 39º da p.i., 67º e 68º da contestação);
28. Nenhum ponto da área identificada no facto provado número 15 dista mais de 22 metros do limite da propriedade (artigos 34º a 37º e 39º da p.i., 67º e 68º da contestação);
29. A partir de 16.07.2015, data em que passou a vigorar o PDM actual, o solo do prédio aludido facto provado número 1, a classificação do solo passou a estar dividida em dois tipos de espaços: de atividades económicas, na zona sul do prédio; e florestais de produção, na zona norte (artigos 34º a 35º da p.i. e 19º da contestação);
30. A área de protecção aludida no facto provado número 17 situa-se no “espaço florestal de produção” do prédio aludido no facto provado número 1 (artigo 36º da p.i.);
31. A área de protecção aludida no facto provado número 15 situa-se no “espaço de actividades económicas” do prédio aludido no facto provado número 1 e encontra-se inserida em área da Reserva Ecológica Nacional (artigos 37º da p.i. e 68º da contestação);
32. Na zona do prédio referida no facto provado anterior, a linha possui uma distância ao solo não inferior a 25 metros (artigo 20º da contestação);
33. A presença da linha aludida no facto provado número 15 não interfere com a ampliação do edifício existente, ou a construção de infraestruturas e equipamentos apoio, desde que permitida pelo PDM e os pontos mais elevados dos edifícios respeitem as distâncias aos cabos condutores em condições de flecha máxima não inferior a 6 metros, mas impede a exploração florestal com árvores de levado porte, nomeadamente pinheiros e eucaliptos, na área de protecção aludida no facto provado número 17 (artigo 67º da contestação);
34. A preços correntes de mercado, o valor do prédio aludido no facto provado número 1 ascendia, antes da criação da linha mencionada no facto provado número 15, ao montante de € 253.908,50 (duzentos e cinquenta e três mil, novecentos e oito euros e cinquenta cêntimos) (artigo 48º da p.i.);
35. A existência da linha aludida no facto provado número 15, provoca a perda do interesse de parte dos potenciais compradores do prédio aludido no facto provado número 1 (artigo 63º da p.i.);
36. A existência da linha aludida no facto provado número 15, provoca uma depreciação do prédio aludido no facto provado número 1, de € 8.094,00 (artigos 65º e 66º da p.i.).”.
*
Foram dados como não provados os seguintes factos:
“Factos Não Provados
*
1. O trânsito de máquinas e trabalhadores referido no facto provado número 21, afectou o ar respirado pelos AA. e pelos restantes trabalhadores do estabelecimento existente no prédio destes (artigos 16º a 18º da p.i.);
2. O que levou os AA. a, por diversas vezes, lavar a área exterior do seu prédio com recursos hídricos próprios e a efectuar limpezas aos veículos aparcados no estabelecimento, quer estivessem dentro, quer fora do edifício aí existente (artigos 19º e 20º da p.i.);
3. O ruído mencionado no facto provado número 23 produz desgaste mental às pessoas que trabalham no prédio dos Autores e pode, a longo termo, originar patologias psicológicas por exaustão no esforço de concentração mental (artigo 28º da p.i.);
4. A existência da área de protecção aludida no facto provado número 15 impede os AA. de ampliar o edifício existente, de construir infraestruturas e equipamentos de apoio e de utilizar para cultivo de árvores de fruto, entre outros fins, na área afectada do seu prédio (artigos 39º da p.i.);
5. A existência da linha aludida no facto provado número 15 provoca uma depreciação do prédio mencionado no facto provado número 1, de 30% do seu valor (artigos 63º e 65º da p.i.).”.
*
Considerando a prova documental dos autos (documento nº 2 junto com a contestação - fls. 242), temos ainda como provado que:
“Por despacho de 8 de Maio de 2015, a linha referida em 13, obteve a Licença de Estabelecimento”.
*
IV. Do objecto do recurso.

Do recurso dos autores.
Ao longo das suas alegações de recurso, e subsequentes conclusões, insurgem-se os autores/apelantes quanto à classificação do solo e consequente determinação da indemnização dos danos patrimoniais fixados pelo Tribunal a quo, que entendem ser erradas.
Afirmam que o Tribunal a quo não explica porque classificou o prédio dos apelantes como afecto à exploração florestal; que a indemnização a fixar deveria assentar na consideração integral do solo como apto à construção, nos termos do Código das Expropriações; e que a decisão, na qual é interpretado o art. 37º do DL nº 43335, de 19 de Novembro de 1960, com desconsideração das normas do art. 25º do Código das Expropriações e art. 134º nº 1 e 2 do RJIGT é inconstitucional, por violação dos art.s 13º nº 1 e 62º da CRP.
Assim, entendem que a indemnização a fixar aos apelantes, com a instalação da linha de muito alta tensão, nunca poderia, face à prova produzida, ser inferior a € 34. 225,00.
Ora, esquecem-se os autores/recorrentes, que não apresentaram recurso da matéria de facto.

E assim sendo, mostra-se como provado nos pontos 26, 27, 28, 29, 31, 33 e 36 dos factos provados que:
26. A 8 de Maio de 2015, data do licenciamento da linha de muito alta tensão mencionada no facto provado número 13 (LMAT), o Plano Diretor Municipal (PDM) da Póvoa de Lanhoso classificava o solo do prédio aludido no facto provado número 1 como Espaço Florestal (artigos 34º a 35º da p.i. e 19º da contestação);
27. Na mesma ocasião, a área aludida no facto provado número 15 inseria-se ainda na Reserva Ecológica Nacional, em Espaço Florestal e em zona de elevado risco de incêndio, estando as edificações a implantar no terreno sujeitas a salvaguardar uma distância mínima de 50 metros até à estrema da propriedade (artigos 34º a 37º e 39º da p.i., 67º e 68º da contestação);
28. Nenhum ponto da área identificada no facto provado número 15 dista mais de 22 metros do limite da propriedade (artigos 34º a 37º e 39º da p.i., 67º e 68º da contestação);
29. A partir de 16.07.2015, data em que passou a vigorar o PDM actual, o solo do prédio aludido facto provado número 1, a classificação do solo passou a estar dividida em dois tipos de espaços: de atividades económicas, na zona sul do prédio; e florestais de produção, na zona norte (artigos 34º a 35º da p.i. e 19º da contestação);
31. A área de protecção aludida no facto provado número 15 situa-se no “espaço de actividades económicas” do prédio aludido no facto provado número 1 e encontra-se inserida em área da Reserva Ecológica Nacional (artigos 37º da p.i. e 68º da contestação);
33. A presença da linha aludida no facto provado número 15 não interfere com a ampliação do edifício existente, ou a construção de infraestruturas e equipamentos apoio, desde que permitida pelo PDM e os pontos mais elevados dos edifícios respeitem as distâncias aos cabos condutores em condições de flecha máxima não inferior a 6 metros, mas impede a exploração florestal com árvores de levado porte, nomeadamente pinheiros e eucaliptos, na área de protecção aludida no facto provado número 17 (artigo 67º da contestação);
36. A existência da linha aludida no facto provado número 15, provoca uma depreciação do prédio aludido no facto provado número 1, de € 8.094,00 (artigos 65º e 66º da p.i.).”.

Por outro lado, foi dado como não provado, nos pontos 4 e 5, que:

4. A existência da área de protecção aludida no facto provado número 15 impede os AA. de ampliar o edifício existente, de construir infraestruturas e equipamentos de apoio e de utilizar para cultivo de árvores de fruto, entre outros fins, na área afectada do seu prédio (artigos 39º da p.i.)”;
5. A existência da linha aludida no facto provado número 15 provoca uma depreciação do prédio mencionado no facto provado número 1, de 30% do seu valor (artigos 63º e 65º da p.i.).”.
Ou seja, toda a discussão que os autores/apelantes levantam à volta da forma de classificação do solo, ou de cálculo da indemnização devida, ou de interpretações inconstitucionais, não tem qualquer razão de ser, visto que resulta da factualidade provada, e não impugnada, nomeadamente do facto provado nº 36, o valor da depreciação do seu prédio em função da existência da linha de muito alta tensão. É lá (nesse facto provado nº 36) que está fixado o valor da desvalorização do prédio. Se os autores/apelantes não impugnam estes factos (os acima referidos), não podem vir pedir agora que se calcule de outra forma a indemnização devida a esse título, uma vez que já está fixada na factualidade o valor da desvalorização.
Assim, não tendo os factos em causa sido impugnados, nada há a apontar à decisão recorrida, que, com base nos mesmos, e recorrendo aos critérios legalmente estabelecidos, fixou o montante de indemnização devido a esse título.
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Mais entendem os autores/apelantes que ao valor anteriormente por si referido, deve acrescer uma indemnização pela ocupação do espaço aéreo do seu prédio e ainda a violação do seu direito de propriedade, por acesso indevido antes da sua notificação da licença de construção da linha, os quais não foram considerados pelo Tribunal a quo.
Também aqui lhes não cabe razão.
É que, na decisão apelada, os valores peticionados a esses títulos, foram considerados.
E para tal se concluir basta ler o que da mesma consta, quando se afirma: “No caso vertente, a instalação das linhas eléctricas sobre o espaço aéreo do prédio dos Autores é uma compressão do direito de propriedade destas por via da constituição de servidão administrativa…”
“… o citado art.º 37º do Decreto-Lei n.º 43335 de 19 de Novembro de 1960, ao prever quaisquer prejuízos provenientes da construção das linhas quis estabelecer um direito indemnizatório geral decorrente não só do facto de existirem prejuízos directos advindos do acto de construção mas de todos os prejuízos actuais ou futuros decorrentes de uma diminuição do valor do imóvel pela construção ou passagem de linhas, in casu, de alta tensão.
Deste modo, a licitude do acto de ocupação do espaço aéreo do prédio dos Autores, não obsta ao dever de a Ré os indemnizar por todos os prejuízos actuais e futuros resultantes da diminuição do valor do imóvel, proporcionadas pela presença da linha de alta tensão sobre o seu prédio.
No caso sub judicio, ficou provado que, devido à sobrepassagem da LMAT junto ao limite Sudeste do prédio dos AA., os limites de proteção de 22,5m para cada lado do eixo da linha, definem uma faixa de protecção com área de 1.369 m2 no seu prédio.
Trata-se de uma servidão administrativa que impede os Autores de explorar a faixa de terreno abrangida com a plantação de árvores de grande porte como eucaliptos e pinheiros bravos, que têm de ser abatidas.
A entrada da ré no prédio dos autores e o corte de tais árvores, é prerrogativa decorrente deste ónus legal e mostra-se incluída na indemnização inerente à constituição da servidão administrativa que, como se disse, abarca os prejuízos actuais e futuros resultantes da diminuição do valor do imóvel em virtude da presença da linha de alta tensão.”

No caso vertente, demonstrada que está a constituição da servidão administrativa sobre 1.369 m2 de terreno do prédio dos Autores com a inerente limitação da sua exploração florestal, bem como a perda do interesse de parte dos potenciais compradores do mesmo prédio, é certa a ocorrência de um dano patrimonial indemnizável, traduzido na depreciação do valor de mercado do imóvel em € 8.094,00”.
Temos assim que, contrariamente ao alegado pelos autores/apelantes, tais danos agora invocados, e que foram invocados na petição inicial, foram considerados na sentença recorrida.
Improcede assim, a apelação dos autores.
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Interpôs a ré recurso subordinado.
Em sede de recurso, a apelante impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância.

Dispõe o artigo 640º do CPC, que:

“1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) (…);
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.».

No caso dos autos, verifica-se que a recorrente indica quais os factos que pretende que sejam decididos de modo diverso, bem como os meios probatórios que na sua óptica o impõe(m).
Deste modo, podemos concluir que cumpriu suficientemente o ónus estabelecido no citado artigo 640.º.
Assim, este presente Tribunal pode proceder à reapreciação da matéria de facto impugnada, uma vez que dispõe dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os factos em causa.
Cumpre, pois, verificar se a prova obtida se apresenta de molde a alterar a factualidade impugnada, nos termos pretendidos pela apelante.

Os pontos da matéria de facto provada que a apelante pretende se dê como não provada, têm a seguinte redacção:

23. Nos dias com precipitação meteorológica e elevados índices de humidade do ar, a linha de muito alta tensão aludida no facto provado número 13, gera ruído permanente incómodo e descargas elétricas que se exteriorizam como o som de um estalo ou chicotada (artigo 25º da p.i.);
24. O ruído mencionado no facto provado anterior é, nos dias de precipitação e de elevados índices de humidade do ar, ouvido no prédio dos Autores, onde estes e os trabalhadores do estabelecimento exercem as suas profissões (artigos 26º e 27º da p.i.)”.
Invoca a apelante que tal matéria de facto foi dada como provada, contrariando o que resulta da prova pericial realizada.
Ora, revistos todos os meios de prova produzidos, formula este Tribunal da Relação uma convicção em tudo coincidente à do Tribunal a quo.
É que, com o respeito que é devido, a prova pericial indicada pela ré/apelante, não podendo ser valorada de per si, mas concatenada com o conjunto da prova produzida, não permite chegar a conclusão pretendida.
Com efeito, a perícia invocada não afasta o que resultou da prova testemunhal produzida, pois que a perícia em causa foi feita em apenas 2 dias, durante determinadas horas. Contudo, como se afirma na decisão recorrida: “No que respeita ao ruído, sendo certo que a perícia concluiu encontrar-se dentro dos valores permitidos por lei, tiveram-se também em consideração os testemunhos de pessoas indicadas pelos Autores – R. F. que disse ouvir-se no inverno um ruído muito incómodo de “bzzz” e “chispas”, S. A. (empregada de escritório da empresa do Autor há 11 anos e prima da Autora mulher) que disse que em dias de chuva os cabos fazem ruído e, ocasionalmente, faísca, F. J. (pintor de automóveis, empregado há 10 anos na empresa do Autor) que confirmou ouvir barulhos, estalidos, sobretudo quando está a chover, estalidos, o que causa transtorno e receio aos trabalhadores - mas também por testemunha indicadas pela Ré, como P. M. que admitiu ser normal as linhas de alta tensão fazerem ruído, sobretudo com nevoeiro e humidade, resultante do depósito desta nos cabos que podem estar a 80 graus celsius devido à passagem da energia. Assim se justifica o teor dos factos provados números 23 e 24, embora nem a descrição feita pelas testemunhas, nem o relatório da perícia o ruído, confirmem a empolada alegação de desgaste mental e eventuais patologias psicológicas às pessoas que trabalham no prédio dos Autores.”
Concorda-se inteiramente com o aí afirmado, por ser o que resultou da prova produzida em audiência, nomeadamente, como se afirmou, do depoimento da testemunha indicada pela ré, P. M., que admitiu ser normal as linhas de alta tensão fazerem ruído, sobretudo com nevoeiro e humidade, explicando a razão de ser de tal fenómeno (depósito de humidade nos cabos que podem estar a 80 graus celsius devido à passagem da energia).
Nesta medida, não é de dar à referida perícia a relevância que a ré/apelante invoca (no que a esta factualidade diz respeito), nem retirar de tal perícia as consequências pretendidas por aquela.
Resulta, pois, do exposto, que não se vislumbra uma desconsideração da prova produzida no que se refere à factualidade impugnada, mas sim uma correta apreciação da mesma, não se patenteando a inobservância de regras de experiência ou lógica, que imponham entendimento diverso do acolhido.
A fundamentação constante da sentença apelada é clara e consistente, tendo sido a prova valorada de forma objectiva, ponderada e crítica.
Nesta conformidade, indefere-se a impugnação de todos os pontos fácticos.
*
Mais entende a ré/apelante que, como regra geral, a indemnização pelas servidões deve ser calculada de acordo com as normas respeitantes à indemnização por expropriação, seguindo as regras do Código das Expropriações, onde se não encontra regulado o direito à indemnização do proprietário pelo dano não patrimonial sofrido com a ablação do direito, ou com a imposição de uma restrição ao pleno exercício do direito.
Assim, entende que não haverá lugar ao pagamento de qualquer indemnização por danos não patrimoniais.
De qualquer modo, ainda que assim não seja, entende que os danos que se provaram não têm gravidade para merecer a tutela do direito, pois são reconduzíveis ao conceito de uma mera contrariedade.
Vejamos.
A ré é a empresa concessionária da exploração da Rede … de Transporte de Electricidade, em regime de concessão de serviço público, sendo as suas instalações consideradas de utilidade pública (arts. 12º nº 1 do DL nº 29/2006, de 15 de Fevereiro, alterado pela Lei nº 42/2016, de 28 de Dezembro).
Ora, de acordo com o art. 51º nº 2 do DL 43335 de 19/11/60, a ré tem o direito, a atravessar prédios particulares com canais, condutas, caminhos de circulação necessários à exploração, condutores subterrâneos e linhas aéreas, e montar nesses prédios os necessários apoios, sempre que isso se mostre necessário ao cumprimento das suas funções.
E, de acordo com o § 1.º dessa mesma norma, estes direitos só poderão ser exercidos quando o concessionário tiver obtido a necessária licença de estabelecimento da instalação respectiva e sempre com as restrições impostas pelos regulamentos de segurança e pelo Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26852, de 30 de Julho de 1936, alterado pelo DL 446/76 de 5/6 e portaria nº 344/89 de 13/5.
Daqui decorre que beneficia a ré do direito de servidão administrativa - encargo imposto por disposição da lei sobre certo prédio em proveito da utilidade pública de uma coisa (Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. II, pág. 1052).
Nessa medida, podia a ré fazer passar pelo terreno dos autores as linhas de transporte de energia, não obstante a discordância dos respectivos proprietários, desde que obtida a necessária licença.
Por seu lado, preceitua o art. 37º do mesmo Decreto-Lei nº 43335 que os proprietários dos terrenos ou edifícios utilizados para o estabelecimento de linhas eléctricas serão indemnizados pelo concessionário ou proprietário dessas linhas sempre que daquela utilização resultem redução de rendimento, diminuição da área das propriedades ou quaisquer prejuízos provenientes da construção das linhas.
Temos assim que, a norma em causa fala de quaisquer prejuízos provenientes da construção, sejam eles directos e imediatos sejam quaisquer outros que possam advir do simples facto da sua existência.
Por outro lado, o mesmo artigo prevê um direito a indemnização sempre que daquela utilização resulte diminuição de rendimento.
Isto leva a que se considere, como se escreveu no acórdão do STJ de 03.07.2014, citado na decisão recorrida “que o citado art. 37º do Decreto-Lei nº43335 de 19 de Novembro de 1960, ao prever quaisquer prejuízos provenientes da construção das linhas quis estabelecer um direito indemnizatório geral decorrente não só do facto de existirem prejuízos diretos advindos do acto de construção mas de todos os prejuízos atuais ou futuros decorrentes de uma diminuição do valor do imóvel pela construção ou passagem de linhas, in casu, de alta tensão”.
Como afirmam Pires de Lima e Antunes Varela em anotação ao art.1344º do Código Civil (anotado): “Nos casos em que a lei permite a ocupação do espaço aéreo para a satisfação de certos interesses de carácter colectivo (passagem de linhas de alta tensão para transporte de electricidade, instalação de fios telegráficos ou telefónicos, etc) há, em regra, a atribuição de um direito de indemnização ao proprietário pelo prejuízo que ele sofre. É mais um tipo de caso em que a licitude do acto não impede a obrigação de reparar o dano, pela injustiça que constituiria o sacrifício de uns tantos em proveito de muitos outros”.
Tem sido entendido que a constituição de uma servidão tem um efeito equivalente à expropriação, sempre que os danos decorrentes dessa constituição possam ser considerados impeditivos ou limitativos da plena utilização do bem serviente ou anulem totalmente o seu valor.
Tal entendimento encontra resguardo no art. 8º nº 3 do Código das Expropriações que preceitua que: “à constituição das servidões e à determinação da indemnização aplica-se o disposto no presente Código, com as necessárias adaptações, salvo o disposto em legislação especial”.
Ou seja, como regra geral, a indemnização pelas servidões administrativas deve ser calculada de acordo com as normas respeitantes à indemnização por expropriação.
Contudo, como se referiu já, o nº 3 do citado art. 8º do Código das Expropriações, ressalva a existência de legislação especial.
E, em matéria de constituição de servidões administrativas de linhas eléctricas regem os DLs nº 172/2006, de 23.08, nº 29/2006, de 15.02 e nº 43335, de 19/11/60.
E este último, como já acima se deixou dito, ao prever no seu art. 37º que quaisquer prejuízos provenientes da construção das linhas são indemnizáveis, quis estabelecer um direito indemnizatório geral decorrente não só do facto de existirem prejuízos directos advindos do acto de construção mas de todos os prejuízos atuais ou futuros decorrentes de uma diminuição do valor do imóvel pela construção ou passagem de linhas de alta tensão.
Entendemos assim que, existindo quanto a esta matéria legislação especial, não será de aplicar o que resulta do Código das Expropriações, no que à indemnização por danos não patrimoniais diz respeito.
A tal acresce que, contrariamente ao afirmado pela ré/apelante, os danos não patrimoniais que foram indemnizados, não correspondem ao dano não patrimonial sofrido com a ablação do direito, ou com a imposição de uma restrição ao pleno exercício do direito.

Com efeito, como pressuposto da condenação da ré/apelante em indemnização decorrente de danos não patrimoniais, deu-se como assente que:

- no decurso da execução da obra, os autores suportaram o ruído da manobra dos veículos pesados de mercadorias que transportavam as peças que constituem os suportes, da movimentação/colocação das peças metálicas de grandes dimensões, e a poluição atmosférica provocada pelo transporte, em viaturas, dos trabalhadores e de cargas;
- nos dias com precipitação meteorológica e elevados índices de humidade do ar, a linha de muito alta tensão, gera ruído permanente incómodo e descargas eléctricas que se exteriorizam como o som de um estalo ou chicotada, o que é ouvido no prédio dos autores, onde estes e os trabalhadores do estabelecimento exercem as suas profissões.
Ou seja, contrariamente ao que pretende a ré/apelante, a indemnização que foi fixada por danos não patrimoniais, não resulta da ablação do direito, ou de uma restrição ao pleno exercício do direito, mas das consequências que para os autores resultaram, quer da realização da obra, quer da existência da linha.

A regra que fundamenta a indemnização dos danos não patrimoniais é o art. 496º do Código Civil, dispondo:
“1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
2. (...)
3. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º; (…)”.

Ensina-nos Antunes Varela que: “Danos não patrimoniais – são os prejuízos (…) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização. (...) O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”. (“Das Obrigações em Geral”, 6ª edição, l°, pg. 571).

Ora, no caso dos autos, considerando a factualidade que se apurou, e já acima referida, entendemos que a gravidade dos danos sofridos, merece a tutela do direito, pois que os danos apurados não constituem meras contrariedades ou ligeiros incómodos, como entende a ré/apelante, sendo que o valor atribuído a título de indemnização por danos não patrimoniais, pelo Mmo. Sr. Juiz do tribunal “a quo”, na situação concreta, considerando os factos apurados, se mostra equilibrado e ajustado (sendo que tal valor também não é posto em causa pela apelante).
Nestes termos, também neste segmento, improcede o recurso subordinado.
*
Finalmente, entende a ré/apelante que na fixação da indemnização a atribuir aos autores pela constituição de uma servidão administrativa de passagem de linha eléctrica aérea, aplica-se, com as necessárias adaptações, o regime do Código das Expropriações, significando, pois, que a indemnização calcula-se com referência à data da declaração de utilidade pública (aqui, por adaptação, à data da emissão da licença de estabelecimento da linha), sendo actualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, nos termos previstos no artigo 24º, nº1, do referido diploma legal.
Assim entende que deve ser revogada a decisão quanto à sua condenação no pagamento de juros, calculados à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento, devendo antes o valor fixado da indemnização a pagar pela recorrente aos recorridos ser actualizado desde Maio de 2015 até à data da decisão final do processo, de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação
Vejamos.
Como já se deixou acima dito, tem sido entendido que a constituição de uma servidão tem um efeito equivalente à expropriação, sempre que os danos decorrentes dessa constituição possam ser considerados impeditivos ou limitativos da plena utilização do bem serviente ou anulem totalmente o seu valor, sendo que tal entendimento encontra resguardo no art. 8º nº 3 do Código das Expropriações.
Ou seja, como regra geral, a indemnização pelas servidões administrativas deve ser calculada de acordo com as normas respeitantes à indemnização por expropriação.
Ora, se quanto à indemnização por danos não patrimoniais existe, em nosso entender, legislação especial que afasta a aplicação do Código das Expropriações (o já referido art. 37º do DL nº 43335, de 19/11/60), o mesmo já não sucede no que à actualização da indemnização pela constituição de uma servidão administrativa de passagem de linha eléctrica aérea em si mesma diz respeito.
Neste sentido, deve entender-se que, nos termos do artigo 24º, nºs 1 e 2, do actual Código das Expropriações, a indemnização fixada de € 8.094,00 deve ser actualizada desde 8 de Maio de 2015 (data da emissão da licença de estabelecimento da linha) até à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, no Continente, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística.
Com efeito, na sentença recorrida, entendeu-se que com a prolação da decisão vence-se a obrigação, independentemente de qualquer formalidade, iniciando-se a mora da ré e a respectiva dívida de juros.
Entendemos que assim não pode ser, e que o início da eventual mora está implicitamente fixado no art. 71º nº1 do CE.
Efectivamente, como se escreve no Acórdão do STJ de 02/10/2007, disponível in http://bdjur.almedina.net/: “Relativamente ao pagamento das indemnizações por expropriação litigiosa, estabelece a lei deverem ser pagas de uma só vez, mediante depósito das quantias em dívida, a liquidar pela entidade expropriante, a efectuar nos 10 dias subsequentes à sua notificação, ordenada pelo juiz da 1.ª instância, no seguimento do trânsito em julgado da decisão que fixar o valor da indemnização, podendo os montantes depositados ser levantados, independentemente da respectiva impugnação, designadamente quanto aos cálculos que a eles conduziram – art.ºs 67.º e 71.º-1 e 3 C. Exp.
No cálculo do montante da indemnização, a ter em conta na liquidação prevista no art.º 71.º, atender-se-á á data da declaração de utilidade pública, havendo lugar à sua actualização à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços ao consumidor – art.º 24.º-1.
Desprezando o regime do art.º 68.º, por apenas aplicável às expropriações amigáveis, relativamente a juros moratórios, o Código prevê, em seu art.º 70.º-1 que “os expropriados e demais interessados têm o direito de ser indemnizados pelos atrasos imputáveis à entidade expropriante no andamento do procedimento ou do processo expropriativo ou na realização de qualquer depósito no processo litigioso”, juros que, segundo a norma do n.º 2 do preceito, “incidem sobre o montante definitivo da indemnização, ou sobre o montante dos depósitos, conforme o caso, e a taxa respectiva é a fixada nos termos do art.º 559.º do Código Civil”
Ainda a juros moratórios se refere o art.º 51.º da mesma Lei das Expropriações, nos seus n.ºs 1 e 3, 2.º segmento, para estabelecer, em ambos os casos, que, se a entidade expropriante não efectuar, o prazo de 30 dias subsequente à prolação do acórdão arbitral, o depósito da quantia indemnizatória nele fixada, fica obrigada também ao depósito dos juros moratórios correspondentes ao período em atraso.
Assim sucintamente mencionado o conteúdo das normas legais especiais mais relevantes para o conhecimento do objecto do recurso, importa ainda convocar o regime geral da lei civil para depois proceder à respectiva análise interpretativa.
A mora consiste, como a define a lei, na realização da prestação do devedor para além do tempo devido, sendo-lhe imputável o atraso ou retardamento, mesmo que a título de culpa presumida (art.ºs 804.º-2, 798.º e 799.º C. Civil).
Por outro lado, a regra, nesta matéria, é que o devedor só fica constituído em mora depois de interpelado para cumprir, sendo que, se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor (art.º 805.º-1 e 3 C. Civil).
4.3. - Os juros moratórios representam a indemnização pelo atraso no pagamento do capital, correspondendo a uma sanção pela não satisfação pontual da dívida.
Não se destinam a reparar os danos causados ao expropriado pela privação do bem, mas aqueles que decorram da dilação culposa do pagamento do montante indemnizatório já fixado.

Com efeito, a mora da entidade expropriante está sujeita às mesmas regras e princípios que a mora de qualquer devedor em direito civil, donde que, para que exista, além da ilicitude e culpa aludidas (retardamento imputável) é necessário que a indemnização devida já se tenha tornado certa, exigível e líquida e que haja uma interpelação (cfr. ac. TC n.º 263/98, de 05/03/98, DR, II, de 10/7/98).
Do facto de o crédito ser já exigível, o que, no caso, acontece por via do princípio da contemporaneidade entre o acto expropriativo e o pagamento da indemnização (art.º 1º C. Exp.), ou mesmo vencido, visto que, pelo mesmo princípio a declaração de utilidade pública fixa o momento em que a obrigação deve ser cumprida (cfr. art.º 777.º C. Civ.), não resulta, necessariamente, que o devedor se encontre em situação de mora. Basta que, como em regra acontece e se referiu, a lei exija a interpelação.
É que, uma coisa é o vencimento da obrigação de capital e outra, diferente, é a data do início do vencimento da obrigação de juros, autónoma em relação àquela, que se verifica, na falta de especial disposição, quando ocorrem os actos ou as hipóteses contempladas no citado art.º 805.º.
Ora, justamente, ao menos em nosso entender, tal exigência de interpelação, que é, insiste-se, a regra em direito civil, está consagrada no regime de pagamento da indemnização no processo expropriativo litigioso e respectivo iter procedimental.
Impõe-se, desde logo, oficiosamente a actualização do montante indemnizatório até à data da decisão final do processo, ou seja, até à decisão proferida no processo na data que mais se aproxime do pagamento, como cabe nas denominadas dívidas de valor.
Depois, porque assim é, estando, por essa via, tendencialmente obtida, a cada momento, a equivalência de valores, não parece ser razoável que se tenham por vencidos e exigíveis juros moratórios sobre um capital cuja fixação actualizada ainda não está efectuada, deferindo-se a liquidação ao devedor.
Por isso, prevê-se um incidente de liquidação que se inicia, exactamente, com uma interpelação judicial da entidade expropriante para, no prazo legalmente fixado de 10 dias, proceder á liquidação e depósito das quantias em dívida, liquidação que há-de respeitar os critérios estabelecidos no art.º 24.º, isto é, até à data da decisão final, que será, insiste-se a mais próxima da dessa liquidação.
Efectuada a notificação a que alude o art.º 71.º-1, e decorrido o prazo de 10 dias, então sim, inicia-se a mora, pois que, nesse caso, a falta de liquidez passa a ser imputável ao devedor (art.º 805.º-3 cit.). Vem sendo neste sentido, de resto, o entendimento deste Supremo, como pode ver-se, entre outros, nos acs. de 30/5/95 (BMJ 447.º-470), 24/10/2002 (Proc. 02B2999 ITIJ), 27/01/2005 (Proc. 04B4461 ITIJ9 e de 08/06/2004 (Proc. n.º 1077/04-6).
Prevê ainda o art.º 70.º o direito a indemnização mediante o pagamento de juros moratórios quando, culposamente, a entidade expropriante provoque atrasos no processo expropriativo ou na realização de qualquer depósito, caso em que os juros incidem sobre o montante definitivo da indemnização ou sobre o montante dos depósitos.
Trata-se de situações em que se pode afirmar que a lei exige o concurso dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, nomeadamente o incumprimento de prazos, com culpa, ou utilização de expedientes dilatórios no processo expropriativo, ou o retardamento na realização de depósitos, tudo susceptível de um juízo de censura, à luz da boa fé.
Ora, nem está em causa - por não ter sido com esse fundamento formulada a petição de juros -, a imputação de atrasos no processo expropriativo, nem a questão, nesses termos, foi alguma vez suscitada no processo, apesar de agora aludida (ex novo) em fase recursiva.
Os juros moratórios incidem nos casos mencionados sobre o montante definitivo da indemnização, o que pressupõe que sejam peticionados a coberto da invocação dos pressupostos aludidos ou que haja efectivo retardamento na realização de depósitos de quantias já fixadas, na lei ou por decisão arbitral, como acontece nas hipóteses contempladas nos aludidos n.ºs 1 e 3 do art.º 51.º, em que não há lugar a incidente de liquidação como o previsto no art.º 71.º, assumindo ali os juros a função actualizadora da indemnização fixada pela arbitragem que as regras dos art.ºs 71.º e 72.º prosseguem relativamente à decisão proferida em recurso.
Em qualquer caso apenas se prevêem juros incidentes sobre a totalidade da indemnização – sobre “o montante definitivo da indemnização”, nas palavras da lei (art.º 70.º-2) -, o que pressupõe a fixação referida no art.º 51.º ou uma liquidação prévia de cariz imperativamente actualizador.
O sistema apresenta-se, deste modo, a nosso ver, racional, coerente e harmónico em ordem a alcançar, como objectivos, que a indemnização a receber pelo expropriado seja sempre actualizada, sem prescindir de sancionar, com indemnização estabelecida a forfait através de juros legais, condutas abusivas no andamento do processo e de realização dos depósitos.
Nestas, porém, não cabe, sem mais, a obrigação de juros com início de vencimento na data do trânsito em julgado da decisão que fixa a indemnização, cuja liquidação há-de ainda ter lugar, mediante o procedimento estabelecido no art.º 71.º C. Exp..”
Nesta conformidade, entende-se que no art.º 71.º do CE o legislador fixou implicitamente o momento que marca o início da mora eventual da expropriante e contagem dos respectivos juros, nos casos de fixação litigiosa do quantum indemnizatório, juros esses eventualmente cumuláveis com os devidos ao abrigo do art.º 70.º-1, se e quando verificados os pressupostos cujo concurso esta norma exige, mas que aqui não estão em causa.
Procede, pois, nesta parte, o recurso subordinado.
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V. Decisão.

Perante o exposto, acordam as Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação dos autores, e parcialmente procedente o recurso subordinado da ré, e, consequentemente:
- revogar a decisão de condenação da ré no pagamento de juros à taxa legal contados desde a citação até efectivo e integral pagamento, sobre a quantia de € 8.094,00;
- determinar que a quantia de € 8.094,00 será actualizada desde 8 de Maio de 2015 (data da emissão da licença de estabelecimento da linha) até à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, no Continente, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística.
No mais, confirmar a decisão recorrida.
Custas da apelação pelos autores/recorrentes, e do recurso subordinado, pela ré e autores, na proporção dos respectivos decaimentos.
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Guimarães, 5 de Novembro de 2020

Assinado electronicamente por:
Fernanda Proença Fernandes
Alexandra Viana Lopes
Anizabel Pereira

(O presente acórdão não segue na sua redacção as regras do novo acordo ortográfico, com excepção das “citações” efectuadas que o sigam)