Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
43622/19.0YIPRT.G1
Relator: ANTÓNIO BARROCA PENHA
Descritores: CONTRATO DE MANDATO FORENSE
CONTRATO ADMINISTRATIVO
COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- O contrato de mandato forense, celebrado entre um contraente público e um advogado ou sociedade de advogados, reveste a natureza de “contrato administrativo”, nos termos conjugados dos arts. 1º, n.º 6, als. a) e d) e art. 450º, do CCP, estando sujeito ao regime dos procedimentos da contratação pública, nos termos dos arts. 6º, n.º 1, al. e) e art. 16º, nºs 1 e 2, al. e) e 27º, n.º 1, al. b), do CCP (na versão do D.L. n.º 149/2012, de 12.07).
II- Nesta medida, o conhecimento de litígio emergente desse contrato de mandato forense, designadamente destinado à cobrança de honorários devidos pelo patrocínio em ação judicial, é da competência material da jurisdição administrativa, ao abrigo do disposto no art. 4º, n.º 1, al. e), do ETAF (na redação que lhe foi dada pelo D.L. n.º 214-G/2015, de 02.10).
Decisão Texto Integral:
Recorrente: Z. C. e Associados, Sociedade de Advogados, R.I.

Recorrida: Águas ..., S.A.

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:
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I. RELATÓRIO

Z. C. e Associados, Sociedade de Advogados, R.I. instaurou, em 04.05.2029, contra Águas ..., S.A. (ex-Águas X, S.A.) requerimento de injunção, pedindo a condenação da requerida a pagar-lhe € 918,50, acrescida de juros de mora vencidos, calculados desde 1 de Julho de 2018, até à presente data, à taxa legal comercial aplicável em cada momento, o que perfaz o montante de € 54,08, bem como os juros vincendos até efetivo pagamento.

Para o efeito, veio alegar, de acordo com o mesmo requerimento, o seguinte;

A requerente é uma Sociedade de Advogados. Nessa qualidade, e através do seu sócio maioritário, Z. C., foi celebrado entre requerente e requerida um contrato de mandato judicial, tendo a procuração forense outorgada pela requerida a data de 17 de Outubro de 2013. Na decorrência de tal mandato, a requerente patrocinou a requerida no Proc. n.º 1444/14.6BEBRG, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, e em que ela era ré (originalmente designada por “Águas X, S.A.”) e autores C. G. e esposa M. E.. Neste processo os autores pediam a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 45.000,00 a título de danos patrimoniais e morais, acrescido da execução de trabalhos de substituição de canalizações numa extensão de 30 metros, tudo acrescido do pagamento das custas e demais encargos processuais. A ré contestou, tendo o processo seguido a sua tramitação.
Entretanto, a 20/04/2018 a requerida informou a requente de que deveria substabelecer na sua Ilustre Colega, Dr.ª C. G., os poderes que lhe tinham sido conferidos pela requerida naquele referido processo. Substabelecimento que a requerente logo no dia 30 de abril seguinte elaborou, subscreveu e, de seguida, o enviou.
Em 14 de maio de 2018 a requerente apresentou à requerida a sua nota de despesas e de honorários.
NOTA: Em outubro de 2011 foi aprovada por requerente e requerida (por deliberação do seu Conselho de Administração) uma fórmula de cálculo de honorários que aqui a requerente sempre seguiu à risca. Por outro lado, nos termos de um contrato de assessoria jurídica que vigorava entre as partes, os honorários a debitar corresponderiam a 50% dos honorários que fossem devidos nos termos de tal fórmula de cálculo, se não existisse a avença, condição que também foi cumprida pela requerente na fixação dos honorários em causa.
Por carta datada de 18 de janeiro de 2016, a requerida, colocou termo ao contrato de prestação de serviços de assessoria jurídica, mantendo-se em vigor diversos contratos de mandato judicial, entre eles o relativo ao processo supra identificado.
Mesmo assim, apesar de ter terminado a avença a requente, na nota de honorários em causa, calculou e peticionou os honorários que lhe eram devidos num valor correspondente a 50% dos honorários que seriam devidos e sempre com respeito por tal fórmula de cálculo aprovada pela requerida em outubro de 2011.
Assim, na referida nota de despesas e de honorários, a requerente fixou os honorários pelo patrocínio de tal ação em € 3.000,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor. Como a requente tinha recebido em 29/09/2014 a quantia de € 2.000,00 a título de provisão para honorários, existe um saldo a seu favor no montante de € 1.000,00, mais uma vez acrescido de IVA à taxa legal em vigor. Relativamente às despesas, foi entregue pela requerida à requerente, na mesma data de 29/09/2014, a quantia de € 1.000,00. Como a importância gasta com taxas de justiça ascendeu à quantia de € 688,50, resulta, a este título, um saldo a favor da requerida no valor de € 311,50. Desta forma, deve a requerida à requerente a quantia de € 918,50 (€1.000,00 x 23% de IVA = €1.230,00 - €311,50).
A 11/06/2018 a requerente emitiu e remeteu para a requerida a fatura n.º F2 2/262, no valor de € 1.230,00 (honorários), vencida no dia 30/06/2018 e a nota de crédito n.º C2 2/29, no valor de € 311,50 (remanescente da provisão para despesas).
Apesar de interpelada, mais do que uma vez, a requerida não pagou nem paga as importâncias pedidas. (…).

Regularmente notificada, a requerida veio deduzir oposição, excecionando a incompetência em razão da matéria do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, atribuindo essa mesma competência aos Tribunais Administrativos, designadamente porque estão em discussão honorários devidos no âmbito de um mandato forense, que se insere num contrato de prestação de serviços, o qual possui natureza administrativa.
Invocou ainda as exceções de litispendência e de prescrição e impugnou a existência do alegado crédito da requerente, tendo concluindo pela procedência das exceções invocadas e pela improcedência do procedimento de injunção em causa.
Uma vez remetido à distribuição, o requerimento de injunção foi distribuído, como ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, ao Juízo Local Cível de Braga (Juiz 2).
A requerente respondeu à matéria de oposição apresentada pela requerida, tendo concluído pela improcedência das exceções invocadas.

Na sequência, em 13.04.2020, foi proferida decisão que, conhecendo da referida exceção dilatória de incompetência em razão matéria, decidiu:

Por todo o exposto, é materialmente incompetente para conhecer da presente ação este Juízo Local Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Braga e, assim sendo, declaro a incompetência, em razão da matéria, deste Tribunal, e consequentemente, absolvo a Ré da instância (arts. 96º, al. a), 97º, n.º 1, 98º e 99º,n.º 1, do Código de Processo Civil).

Inconformada com o assim decidido, veio a requerente Z. C. e Associados, Sociedade de Advogados, R.I. interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes

CONCLUSÕES

1. OS ÓRGÃOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PODEM CELEBRAR CONTRATOS ADMINISTRATIVOS,SUJEITOS A UM REGIME SUBSTANTIVO DE DIREITO ADMINISTRATIVO, OU CONTRATOS SUBMETIDOS A UM REGIME DE DIREITO PRIVADO. (ART.º 200.º, 1, DO CPA)
2. SOB A EPÍGRAFE “PROCEDIMENTOS PRÉ-CONTRATUAIS”, DISPÕE O ARTIGO 201.º, 1, DO CPA, QUE A FORMAÇÃO DOS CONTRATOS CUJO OBJETO ABRANJA PRESTAÇÕES QUE ESTEJAM OU SEJAM SUSCETÍVEIS DE ESTAR SUBMETIDOS À CONCORRÊNCIA DE MERCADO ENCONTRA-SE SUJEITA AO REGIME ESTABELECIDO NO CÓDIGO DOS CONTRATOS PÚBLICOS OU EM LEI ESPECIAL. (DESTACADO NOSSO)
3. SOB A EPÍGRAFE “REGIME SUBSTANTIVO”, DISPÕE O ARTIGO 202.º, 2, DAQUELE MESMO CÓDIGO: NO ÂMBITO DOS CONTRATOS SUJEITOS A UM REGIME DE DIREITO PRIVADO SÃO APLICÁVEIS AOS ÓRGÃOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA AS DISPOSIÇÕES DESTE CÓDIGO QUE CONCRETIZAM PRECEITOS CONSTITUCIONAIS E OS PRINCÍPIOS GERAIS DA ATIVIDADE ADMINISTRATIVA.
4. O CONTRATO DE MANDATO JUDICIAL É UM CONTRATO DE DIREITO PRIVADO SUJEITO AO REGIME SUBSTANTIVO DE DIREITO PRIVADO;
5. COMPETENTE PARA DIRIMIR LITÍGIOS EMERGENTES DE CONTRATOS SUJEITOS A REGIME DE DIREITO PRIVADO, COMO É O CASO DO CONTRATO DE MANDATO, É A JURISDIÇÃO COMUM;
6. O DISPOSTO NO ARTIGO 280.º, 1, DO CÓDIGO DOS CONTRATOS PÚBLICOS, IDENTIFICA OS CONTRATOS A QUE SE APLICA O REGIME SUBSTANTIVO PRE-VISTO NA SUA PARTE III, DA QUAL ESTÁ EXCLUÍDO, POR NÃO ENCAIXAR NELA, O CONTRATO DE MANDATO FORENSE;
7. O QUE SE CONCLUI NAS ALÍNEAS ANTERIORES SOFRE A EXCEÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 280.º,3,DO CCP,
8. SE ESTABELECENDO, REPORTANDO-SE A CONTRATOS QUE, EMBORA SUBMETIDOS NA SUA FORMAÇÃO AO REGIME ESTABELECIDO NESTE CÓDIGO, NÃO SÃO CONTRATOS ADMINISTRATIVOS QUE NÃO OBSTANTE NÃO SE INTEGRAREM NO ÂMBITO DE APLICAÇÃO DA PARTE IIIDO CCP,SÓ LHES É APLICÁVEL TAL REGIME, AÍ, ESTABELECIDO QUANTO À INVALIDADE (ARTIGOS 283.º A 285.º), LIMITES À MODIFI-CAÇÃO DO CONTRATO (ARTIGO 313.º COM REMISSÃO PARA O ARTIGO 312.º) À CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL E À SUBCONTRATAÇÃO (ARTIGOS 316.º A 324.º);
9. COMO SE DO ESTABELECIDO NA REFERIDA PARTE III DO CCP DISCIPLINA DO REGIME SUBSTANTIVO DOS CONTRATOS – NUNCA SE APLICA À EXECUÇÃO DOS CONTRATOS DE DIREITO PRIVADO, SALVO NO QUE TANGE À VALIDADE DA CONTRATAÇÃO E ÀS MODIFICAÇÕES OBJETIVAS E SUBJETIVAS DO MESMO;
10. O CASO DOS AUTOS NÃO CONTEMPLA QUALQUER DAQUELAS QUESTÕES, ANTES O LITÍGIO SE ENQUADRA NA FALTA DE PAGAMENTO, PELA RECORRIDA, DOS HONORÁRIOS PETICIONADOS PELA RECORRENTE;
11. DAÍ QUE, REPETE-SE, A JURISDIÇÃO COMPETENTE PARA DIRIMIR TAL LITÍGIO SEJA A JURISDIÇÃO COMUM E NÃO A JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA;
12. ALIÁS, ATENTO O COMANDO CONSTITUCIONAL, VERTIDO NO ARTIGO 212.º, 3, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, “COMPETE AOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS O JULGAMENTO DA SAÇÕES E RECURSOS CONTENCIOSOS QUE TENHAM POR OBJETO DIRIMIR OS LITÍGIOS EMERGENTES DAS RELAÇÕES JURÍDICAS ADMINISTRATIVAS”;
13. O QUE SIGNIFICA QUE A COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DA JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA SE AFERE PELA NATUREZA ADMINISTRATIVA DAS RELAÇÕES JURÍDICAS EM LITÍGIO;
14. E A NATUREZA ADMINISTRATIVA DAS RELAÇÕES JURÍDICAS, QUANDO RESULTANTES DE CONTRATO, NÃO DEPENDE NEM RESULTA DO FORMALISMO OU DO PROCEDIMENTO PRÉ-CONTRATUAL QUE O PRECEDEU, MAS DOS SEUS INTRÍNSECOS FATORES DE ADMINISTRATIVIDADE;
15. QUESTÕES RELACIONADAS COM A FORMAÇÃO DO CONTRATO, NEGOCIAÇÕES OU FORMALISMOS, PODEM SER SINDICADAS PELA JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA NO CASO DE CONTRATOS DE DIREITO PRIVADO;
16. AS QUESTÕES QUE SE SUSCITEM QUANTO AO REGIME SUBSTANTIVO DOS CONTRATOS PRIVADOS ESTÃO EXCLUÍDOS DA SINDICÂNCIA DA JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA VERTIDA NA PARTE IIIDO CCP;
17. O CONTRATO DE MANDATO FORENSE É UM ESPECÍFICO CONTRATO DE DIREITO PRIVADO, QUER PELAS SUAS CARACTERÍSTICAS (IMPOSSIBILIDADE DE SE FIXAR O PRAZO, O PREÇO E MESMO O OBJETO) QUER PELA NATUREZA DA RELAÇÃO ENTRE CLIENTE E ADVOGADO QUE RADICA NA CONFIANÇA MÚTUA PESSOAL;
18. OUTROSSIM, E POR ISSO MESMO, NÃO É POSSÍVEL, POR EXEMPLO, A ELABORAÇÃO DE ESPECIFICAÇÕES CONTRATUAIS SUFICIENTEMENTE PRECISAS QUE PERMITAM DEFINIR QUALITATIVAMENTE ATRIBUTOS DE PROPOSTAS NECESSÁRIOS À FIXAÇÃO DE UM CRITÉRIO DE ADJUDICAÇÃO;
19. ATÉ O DIREITO EUROPEU QUE ENDEUSA A “CONCORRÊNCIA”, ASSIM O ENTENDE. O ARTIGO 10.º, D), I), DA DIRETIVA 2014/24/EU,DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, DE 26 DE FEVEREIRO DE 2014, EXCLUI, EXPRESSAMENTE DAS NORMAS DA CONTRATAÇÃO PÚBLICA, OS CONTRATOS DE MANDATO FORENSE E DE ASSESSORIA JURÍDICA;
20. ASSIM É QUE,ENTENDENDO-SE COMO NECESSÁRIO UM PROCEDIMENTO PRÉ-CONTRATUAL ELE SÓ PODE CONSISTIR NO AJUSTE DIRETO, POR CRITÉRIOS MATERIAIS, INDEPENDENTEMENTE DO VALOR;
21. ALIÁS, ASSIM SERIA EXEQUÍVEL A ESCOLHA E CONTRATAÇÃO DE UM ADVOGADO, POIS NÃO HAVERIA TEMPO PARA TRATAR DE PROCEDIMENTO MAIS COMPLEXO, DADA A EXIGUIDADE DOS PRAZOS PROCESSUAIS;
22. FINALMENTE, SALIENTA-SE A PREVISÃO DO ARTIGO 67.º, 2, DO ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS, APROVADO PELA LEI N.º 145/2015, DE 9 DE SETEMBRO, ONDE AFIRMA CATEGORICAMENTE: O mandato forense não pode ser objeto, por qualquer forma, de medida ou acordo que impeça ou limite a escolha pessoal e livre do mandatário pelo mandante.
23. O QUE SIGNIFICA QUE, NO MANDATO FORENSE, NÃO MEDIDA OU ACORDO OU CONCURSO QUE OBRIGUE O MANDANTE A ESCOLHER COMO SEU MANDATÁRIO PESSOA DIFERENTE DA QUE ELE, EM SEU EXCLUSIVO CRITÉRIO,ESCOLHERIA.
24. NESTE SENTIDO, EM CASO EXATAMENTE IGUAL E EM QUE ATE AS PARTES ERAM AS MESMAS, JÁPRONUNCIOU ESTE ALTO TRIBUNAL, NO PROC. N.º 45639/18.3YIPRT.G1, NO DOUTO ACÓRDÃO DE 31 DE OUTUBRO DE 2019, CUJA CÓPIA, POR MERA COMODIDADE DE ANÁLISE SE JUNTA. (DOC. N.º 1)
25. ASSIM, DECIDINDO DIVERSAMENTE, A DOUTA DECISÃO RECORRIDA, SALVO O DEVIDO RESPEITO, VIOLOU, DESIGNADAMENTE, O DISPOSTO NOS ARTIGOS 212.º, 3, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, 67.º DO ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS, APROVADO PELA LEI N.º 145/2015, DE 9 DE SETEMBRO, 200.º E 202.º DO CPA, 280.º, DO CÓDIGO DOS CONTRATOS PÚBLICOS E 4.º,1,E), DO ETAF.

Termina, pedindo a revogação da decisão recorrida, julgando-se competente para dirimir a presente causa a jurisdição comum e, logo, o tribunal a quo.

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A requerida apresentou contra-alegações, finalizando com as seguintes
CONCLUSÕES

1. O Tribunal a quo decidiu acertadamente quanto à questão de incompetência suscitada pela Recorrida, quando concluiu que: “Por todo o exposto, é materialmente incompetente para conhecer da presente acção este Juízo Local Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Braga e, assim sendo, declaro a incompetência, em razão da matéria, deste Tribunal, e consequentemente, absolvo a da instância (arts. 96º, al. a), 97º, n.º 1, 98º e 99º, n.º 1, do Código de Processo Civil).” (negrito, sublinhado e itálico nosso).
2. Salvo o devido respeito, considera a Recorrida que a Recorrente carece de qualquer fundamento e razão no seu recurso, não tendo tomado em consideração na sua argumentação, quer a natureza jurídica da aqui Recorrida, quer o vínculo contratual que se estabeleceu entre as partes, pelo que acaba por realizar uma errada leitura daquele que é o direito aplicável, assim como parece ignorar toda a jurisprudência que se sedimentou quanto a esta matéria (principalmente o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 27/06/2019, proferido no processo 46229/18.6YIPRT; Acórdão do Tribunal de Contas, no Acórdão n.º 1/2015-3ª, Proc. 03JFR/2014; Acórdão do Tribunal de Conflitos n.º 020/16) e, mais recentemente, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 45639/18.3YIPRT.G1.S1, datado de 02/06/2020 (e que, por facilidade de leitura, e por ainda não se encontrar disponível nas plataformas digitais, se juntou ao presente).
3. Repare-se que, a Recorrente vem, através de requerimento de injunção apresentado, peticionar o pagamento de honorários alegadamente devidos pelos serviços prestados no âmbito do mandato forense, relativo ao processo n.º 1444/14.6BEBERG, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga.
4. Sucede, contudo, que tais serviços prestados derivam de uma relação contratual estabelecida entre Recorrida e Recorrente, estando em causa a discussão de honorários devidos no âmbito de um mandato forense, que se insere dentro de um contrato de prestação de serviços - contrato esse de natureza administrativa!
5. Tendo em consideração que a Recorrida é uma entidade de natureza eminentemente pública, nomeadamente uma concessionária de um serviço público facto que decorre do próprio Decreto-Lei que a constitui, tal como havia sido enunciado em requerimento de oposição à injunção -, está em causa a resolução de litígio referente a uma relação jurídica administrativa.
6. Pelo que, tal litígio sempre estaria sujeito ao âmbito da jurisdição dos tribunais administrativos, nos termos dos artigos 64.º do CPC, 1.º e 4.º do ETAF e 37.º, n.º1, al. l) do CPTA, pela conjugação destes duas realidades jurídicas que, diga-se, fazem parte dos factos e das matérias jurídicas discutidos nos presentes autos, não podendo o Exmo. Tribunal a quo desconhecer. Pois vejamos que,
7. A Recorrida, enquanto concessionária de um serviço público e pessoa colectiva de capitais exclusivamente públicos, é considerada enquanto entidade adjudicante, segundo o disposto no artigo 2°, n°1, al. a) do CCP.
8. Nesse sentido, a matéria controvertida nos presentes autos, relativa aos honorários devidos pelos mandatos conferidos, está dependente de decisão que vier a ser proferida quanto à interpretação e cumprimento de um contrato de prestação de serviços, sendo que umas das partes é uma concessionária que, pela sua natureza, se submete ao direito público.
9. Ora, tendo em consideração aquele normativo legal, são considerados contratos públicos todos os que forem celebrados pela Recorrida e que não se mostrem expressamente excluídos nos artigos e do referido Código – sendo certo que, tal como confirmado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 27.06.2019, Proc. Nº 46229/18.6YIPRT.G1, o contrato de aquisição de serviços em causa não se integra na contratação excluída, quer tendo em consideração os normativos nacionais, quer tendo em consideração o teor das diretivas europeias, concluindo aquele douto Tribunal que: “O que é relevante (...) para determinar o âmbito “contratual” da jurisdição administrativa, continua a ser a natureza jurídica do procedimento que antecedeu - ou que devia ou podia ter antecedido - a sua celebração, e não a própria natureza do contrato.” (…) Assim, o contrato em análise é um contrato administrativo legalmente tipificado e nominado nos termos do art. 1º, 6, al. a) e 450º e está o mesmo submetido à disciplina da contratação pública dos procedimentos para a formação de contratos previstos nos art. 16º, 1 e ss do CCP. Atento o art. este contrato não está excluído da aplicação deste diploma e nos termos do art. não está excluído da contratação pública porquanto não nos encontramos perante uma prestação que, em razão da sua natureza ou das suas características, bem como da posição relativa das partes no contratou do contexto da sua própria formação, não esteja, nem seja susceptível de estar submetidas à concorrência de mercado. Com efeito, o facto de nos encontrarmos perante um contrato em que o factor confiança é determinante, de modo algum, inviabiliza que a contratação deva ser efectuada segundo as regras da concorrência ainda que por ajuste directo. A Directiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Fevereiro de 2014 relativa aos contratos públicos não exclui do seu âmbito de aplicação todos os contratos de mandato forenses, mas, a nosso ver, apenas os contratos destinados a serviços jurídicos em processos judiciais perante os tribunais de um outro Estado-Membro.”.
Em boa verdade, tal entendimento resulta de vasta jurisprudência dos Tribunais Administrativos, do Tribunal de Conflitos e, principalmente, do Tribunal de Contas (vide, Acórdão n.º 1/2015-3ª, Proc. 03JFR/2014).
10. Sendo que, também nesse sentido veio a decidir o douto Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão proferido em 02/06/2020 (e junto ao presente): “Assim, nos termos do artigo 1.º, n.º 6, al. a) do CCP, e atento o disposto no art. 4.º do mesmo diploma (que não exclui expressamente tal contrato do âmbito do diploma) deve o referido contrato de mandato de 2008 ser qualificado como contrato administrativo. Mas também o deve ser nos termos do art. 1.º,n.º6, al. d) do CCP (já atrás transcrito), a tal não obstando o art. 5 do mesmo diploma que dispõe: “A parte ii do presente Código não é aplicável à formação de contratos a celebrar por entidades adjudicantes cujo objeto abranja prestações que não sejam susceptíveis de estar submetidas à concorrência de mercado, designadamente em razão da sua natureza ou das suas características, bem como da posição relativa das partes no contrato ou do contexto da sua própria formação.”. É que os advogados cobram um preço pelos seus serviços, que é, obviamente, levado em conta na altura da contratação. Aliás, a sociedade de advogados autora disso conta no seu requerimento de injunção: Em outubro de 2011 foi aprovada por requerente e requerida (por deliberação do seu Conselho de Administração) uma fórmula de cálculo de honorários que aqui a requerente seguiu à risca. Por outro lado, nos termos de um contrato, paralelo, de assessoria jurídica que vigorava entre as Partes, os honorários a debitar correspondiam a 50% dos honorários que fossem devidos nos termos de tal fórmula de cálculo, condição que também foi cumprida na nota de honorários em dívida.”. Não pode, assim, afirmar que o contrato de mandato forense não está, de todo, sujeito à concorrência de mercado.”
11. Assim, da conjugação destas normas resulta que um contrato celebrado pela concessionária Recorrida e que tem por objeto a aquisição de um serviço prestado pelos agentes particulares em regime concorrencial, concretamente o serviço de patrocínio judiciário, está sujeito ao regime da contratação pública.
12. Motivo pelo qual, aquele tem de estar submetido às regras do direito dos Contratos Públicos, pelo que a decisão quanto à sua existência/ validade/interpretação/execução sempre será de natureza administrativa - Tanto que a presente ação está incluída no âmbito da previsão da al. e) do n°1 do artigo 4° do ETAF, sendo, portanto, da competência dos tribunais administrativos!
13. Ora, tendo em consideração que o regime da contratação pública estabelecido na parte ii é aplicável à formação dos contratos públicos que, independentemente da sua designação e natureza, sejam celebrados pelas entidades adjudicantes referidas no presente Código e não sejam excluídos do seu âmbito de aplicação – artigo 1, n.º 2 do CCP.
14. E sendo certo que nos termos do artigo 278º do mesmo diploma, “na prossecução das suas atribuições ou dos seus fins, os contraentes públicos podem celebrar quaisquer contratos administrativos, salvo se outra coisa resultar da lei ou da natureza das relações a estabelecer”,
15. E, sendo ainda de relevar que, nos contratos administrativos especialmente previstos no CPC encontra-se o contrato de aquisição de serviços, definido no artigo 450º, que se caracteriza por ser aquele “pelo qual um contraente público adquire a prestação de um ou vários tipos de serviços mediante o pagamento de um preço”.
16. Posto isto, apenas se poderá concluir que um contrato celebrado por uma concessionária (entidade adjudicante nos termos da al. a), do n.º 2, do artigo 2.º do CCP), tendo por objeto a aquisição de serviços mediante um preço, é um contrato administrativo especialmente previsto no referido Código e, como tal, um contrato que possui aspetos específicos do respetivo regime substantivo regulado por normas de direito públicoNeste preciso sentido, Cfr. Acórdão do Tribunal de Conflitos, datado de 31-01-2017, Proc. n.º 023/16.
17. Ou seja, perante qualquer contrato de mandato forense outorgado entre Recorrida e Recorrente, sempre se estaria perante uma relação jurídica administrativa, quer devido à natureza publicista da Recorrida, quer devido à natureza iminentemente administrativa do contrato de prestação de serviços (mandato forense) quando outorgado por uma entidade sujeita ao regime jurídico do CCP.
18. Nesse sentido, veja-se, também, o decido pelo Acórdão do Tribunal de Conflitos, proferido em 11.01.2017, Proc. n.º 020/16, concretamente: “Consequentemente, para julgar o presente processo é competente a jurisdição administrativa, sendo irrelevante para a determinação da competência a natureza privada ou administrativa do contrato. Na verdade, como decorre do art. 4º, 1, al. e) do ETAF, o elemento determinante da competência não é a natureza jurídica da relação jurídica de onde emerge o litígio, mas sim a sujeição do mesmo ou a possibilidade da sua sujeição a um regime pré-contratual dedireito público, o que quer dizer que a jurisdição administrativa é competente quer a relação jurídica subjacente seja, ou não, uma relação jurídico-administrativa.”
19. Por outro lado, e quanto à fundamentação da Recorrente, relativa à caracterização estatuída pela Ordem dos Advogados no que concerne às características essenciais e imprescindíveis do mandato forense, sempre se diga que o mesmo também se encontra em contradição jurisprudencial com a decisão proferida pelo douto Tribunal de Contas, no Acórdão n.º 1/2015-3ª, Proc. 03JFR/2014.
20. Nesse sentido, vem o Tribunal de Contas (já em 2015!) esclarecer, precisamente, que o carácter concorrencial em que se deve firmar o procedimento pré-contratual de contratação de advogado não contraria a relação de confiança e a independência, características de um mandato forense, nem impede ou limita a escolha pessoal e livre do mandatário, uma vez que “a relação de confiança que se estabelece com os prestadores de serviços jurídicos tem de ser aferida por critérios objetivos, designadamente por parâmetros curriculares, referenciados a matérias trabalhadas, respetiva extensão e resultados, pelo que não deve eleger-se a relação de confiança subjetiva entre o prestador e o beneficiário dos serviços como fundamento material de adoção do procedimento de ajuste direto”.
21. Pelo que apenas se poderá concluir que o recurso a um procedimento de contratação pública para formação de um contrato de mandato forense não melindra, em nada, a independência do mandatário naquela que é a sua praxis jurídica, uma vez que aquele contrato não deixa de ser um contrato típico de prestação de serviços, com as especificidades que a sua natureza forense determina.
22. De facto, todas as disposições administrativas de “gestão contratual”, que, alegadamente, se opõe à natureza de um contrato de mandato forense, encontram disposições semelhantes no direito civil (que, alegadamente, é o direito aplicável aos presentes autos, pelo simples facto de ser aquele que melhor se coaduna com as características daquele mandato), concretamente:
§ O artigo 437.º e ss. do Código Civil também dispõe sobre “resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias” – à semelhança do que acontece no direito público, artigos311.º e ss. do CCP;
§ No Direito Civil o mandante poderá responsabilizar contratualmente o mandatário (responsabilidade civil contratual), por incumprimento contratual de um contrato de prestação de serviços (inclusive, um contrato de mandato forense!), dentro daquela que é a natureza iminentemente finalística de um contrato de mandato forense (ou seja, tendo apenas em consideração aquela que é uma obrigação de resultado previsível) – e mesmo que considerássemos o mandato forense um contrato administrativo, a entidade adjudicante apenas poderia responsabilizar contratualmente o mandatário, quando provasse, tal como numa ação de responsabilidade civil contratual, que o aquele incumpriu gravemente a sua obrigação de resultado, bem como que tal resultado era mais que espectável (fora do âmbito da artis legis);
§ E também nesse sentido, quanto à possibilidade de aplicação de multas contratuais por parte da entidade administrativa, sempre se diga que as mesmas nunca são de aplicação automática, por pura e simplesmente estar em causa um contrato administrativo, uma vez que tais multas/sanções têm de estar previstas no Caderno de Encargos, cujo co-contratante expressamente aceita aquando a submissão da sua proposta – não obstante também ser verdade que, regra geral, estas multas/sanções contratuais nunca são previstas para contratos de mandato forense, pelo facto de a entidade adjudicante ter precisamente em consideração as suas especiais características.
23. Motivo pelo qual, e salvo devido respeito, não parece aceitável dizer-se que um contrato de Direito Administrativo é incompatível coma excelsa prestação de serviços de um mandatário judicial, uma vez que não há qualquer disposição sancionatória ou restritiva da independência ou liberdade do mandatário, que não tenha igual ou semelhante disposição no âmbito do direito civil – sendo que, a única diferença inultrapassável é a sujeição daqueles contratos, durante a sua fase pré-contratual, às regras da concorrência e à tipicidade e transparência características dos procedimentos de contratação pública.
24. Tanto que, é precisamente nesse sentido que tem seguido a jurisprudência deste douto Tribunal da Relação de Guimarães, que veio a ser veiculada pelo douto Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão datado de 02/06/2020, veja-se: “Argumenta-se, em contrário, com a preservação da independência e da autonomia funcional e técnica do advogado (previstas no seu Estatuto). Todavia, não se descortinam bem as razões pelas quais a natureza pública do contrato pode impedira independência e autonomia funcional e técnica do advogado ou a relação de confiança entre as partes, aqui se sufragando o que a propósito se refere no acórdão da Relação de Guimarães de 30.1.2020, proc. 43621/19.2YIPRT.G1, em www.dgsi.pt: o recurso a um procedimento de contratação pública para formação de um contrato de mandato forense não melindra, em nada, a independência do mandatário naquela que é a sua praxis jurídica, uma vez que aquele contrato não deixa de ser um contrato típico de prestação de serviços, com as especificidades que a sua natureza forense determina”. Esse entendimento está, aliás, em linha com o manifestado pelo Ac. Do Tribunal de Conflitos de 11.1.2017, Proc. 20/16, em www.dgsi.pt (ainda que tirado no Âmbito do Dec. Lei 197/99, de 8 de junho). (…) Também não se nos afigura que a liberdade com que o mandato é exercido, a confiança pessoal entre as partes ou a independência e autonomia funcional e técnica do advogado (previstas no seu Estatuto),possam impedir que a sua celebração esteja dependente do procedimento de formação atinente ao contrato administrativo.
25. Em suma, apenas cumpre à Recorrida concluir que a Recorrente faz tábua rasa de toda a jurisprudência existente e firmada atinente à presente questão jurídica e que, inclusive, havia sido citada e transcrita na alegação da exceção de incompetência absoluta, submetida pela Recorrida.
26. E não pode a Recorrente vir dizer que a diretiva 2014/24/EU exclui expressamente o mandato judicial do seu âmbito de aplicação, pois que, e salvo devido respeito, padece de absoluto erro a interpretação jurídica – tal consubstancia numa interpretação abusiva da própria lei!
27. Pois que, ao contrário do que a Recorrente parece fazer crer, não se encontram excluídos do âmbito de aplicação da respetiva diretiva todos os contratos de mandato forense, mas antes aqueles que se inserem no âmbito de uma outra diretiva, a diretiva 77/249/CEE – que tem como finalidade facilitar o exercício efetivo da livre prestação de serviços pelos advogados, ou seja, tem como objetivo regular a prestação de serviços de advogados noutros Estados-Membros que não o Estado-Membro de origem (vide considerandos da directiva supra referida).
28. Tanto que, o próprio artigo 10.º, alínea b), ponto i) estabelece que a representação por advogado se exclui do âmbito de aplicação da directiva 2014/24/EU APENAS quando este represente um cliente “numa arbitragem ou conciliação realizada num Estado-Membro ou num país terceiro ou perante uma instância internacional de arbitragem ou conciliação” ou “em processos judiciais perante os tribunais ou autoridades públicas de um Estado-Membro ou de um país terceiro ou perante tribunais ou instituições internacionais”.
29. Ou seja, a diretiva exclui do seu âmbito de aplicação mandatos forenses exercidos por advogados noutro Estado que não o Estado de Origem, de acordo com o âmbito de aplicação da diretiva 77/249/CEE – o que faz todo o sentido, dado que maioria das vezes são contratados advogados que exerçam no país do foro competente, pelo que seria materialmente impossível a realização de um contrato público, para esse efeito.
30. Motivo pelo qual sempre deverá ser julgado totalmente improcedente o recurso interposto pela Recorrente, por se encontrar em clara colisão com as normas legais referidas e as correntes jurisprudenciais supra melhor identificadas, devendo a relação jurídica controvertida ser classificada como uma relação jurídica administrativa e, portanto, sujeita à jurisdição administrativa e competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais mantendo-se a decisão do douto Tribunal a quo.
31. Pelo que, sempre será de concluir que a resolução do presente litígio não compete ao Tribunal Judicial da Comarca de Braga – com efeito, é aos Tribunais Administrativos que cabe apreciar os processos que tenham por objeto dirimir litígios emergentes das relações jurídicas administrativas – cfr. artigo 212.º da CRP e artigo 1.º conjugado com a al. a), do n.º 1 do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF).
32. Nesse sentido, é pacífico o entendimento de que o pressuposto processual da competência se determina em função da ação proposta, tanto na vertente objetiva, atinente ao pedido e à causa de pedir, como na subjetiva, respeitante às partes (entre muitos outros, Acórdãos do Tribunal de conflitos de 28.09.2010, 20.09.2011, 10.07.2012 e 08.11.2012, disponíveis em www.dgsi.pt).
33. Também assim, veja-se que a competência dos Tribunais Administrativos é fundamentalmente delimitada pelo que se dispõe nos artigos 1.º e 4.º do ETAF, cumprindo realçar para o caso a al. e) do n.º 1 deste último, nos termos da qual é atribuída competência aos tribunais administrativos para apreciar, nomeadamente, “Validade de atos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes”.
34. In casu, e tendo em consideração tudo quanto supra foi mencionado, não restam dúvidas de que a relação estabelecida tem a natureza de relação jurídica administrativa, porquanto estamos perante a realização de uma competência de direito público, ao abrigo de concretas normas de direito público.
35. Assim, e porque forçoso será concluir que, pretendendo a Recorrente discutir a execução de um contrato de prestação de serviços (em concreto no que concerne a faturação e pagamentos), face ao disposto no artigo 4.º, n.º 1, al. e) do ETAF, é à jurisdição administrativa que cabe conhecer de tal questão.
36. Sendo certo que, tendo a Recorrente deduzido o presente incidente em tribunal da jurisdição judicial cível, sempre se estará perante um caso de incompetência absoluta, nos termos do artigo 96.º, al. a) do CPC.
37. A qual, nos termos do artigo 99.º, n.º 1, artigo 576.º, n.º 2 e artigo 577.º, al. a), todos do CPC, constitui exceção dilatória que implica a absolvição da Recorrida da instância - tal como fora decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, supra melhor identificado, bem como pelo douto Tribunal a quo.
38. Pelo que, e salvo devido respeito, apenas podemos considerar que a Recorrente formula uma incorreta leitura e interpretação do direito, que viola o disposto nos artigos n.ºs 64.º, 99.º/1, 576.º/2 e 577.º/a) do CPC; os artigos 1.º e 4.º do ETAF; o artigo 37.º/1/e) do CPTA e, consequentemente, o disposto nos artigos 2.º/2/a), 4.º, 5.º, 280.º e 450.º do CCP.
39. Motivo pelo qual, a Recorrida considera que o douto Tribunal a quo decidiu justamente e sabiamente a questão sub judice, tendo realizado uma correta leitura e interpretação do direito.
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II. DO OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, n.º 4, 637º, n.º 2 e 639º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil), não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil).

No seguimento desta orientação, cumpre fixar o objeto do presente recurso.

Neste âmbito, a única questão decidenda traduz-se na seguinte:

Ø Saber se a decisão recorrida incorreu em erro de direito ao decidir pela incompetência absoluta, em razão da matéria, do tribunal comum onde o processo foi distribuído (Juízo Local Cível de Braga).
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Factos Provados

Os acima consignados no Relatório.

Com interesse para o conhecimento da exceção dilatória em causa, o tribunal a quo deu igualmente como assente que:
A requerida é uma entidade gestora do sistema municipal de abastecimento de água e saneamento do Norte de Portugal, constituída pelo D.L. n.º 93/2015, de 29.05, a qual sucedeu nos direitos e obrigações das sociedades já extintas “Águas do …, S.A.”, “Y, S.A.”, “Águas X, S.A.” e “Águas de …, S.A.
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IV) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Da competência em razão da matéria do tribunal

Como é consabido, a questão da competência material tem a ver com a pretensão submetida a Juízo.
Antunes Varela (1) define-a como a distribuição da competência “por diferentes espécies ou categorias de tribunais que se situam no mesmo plano horizontal, sem nenhuma relação de hierarquia (de subordinação ou dependência) entre elas.
Na base desta competência está o princípio da especialização, com o reconhecimento da vantagem de reservar para órgãos judiciários diferenciados o conhecimento de certos sectores do Direito, pela vastidão e pela especificidade das normas que os integram.
A competência dos tribunais em geral é a medida da sua jurisdição, o modo como entre eles se fraciona e reparte o poder jurisdicional, que tomado em bloco, pertence ao conjunto dos tribunais. (2)
Segundo Miguel Teixeira de Sousa (3) “A competência material dos tribunais civis é aferida por critérios de atribuição positiva e de competência residual.
Segundo o critério de atribuição positiva, pertencem à competência do tribunal civil todas as causas cujo objecto seja uma situação jurídica regulada pelo direito privado, nomeadamente civil ou comercial. (...).
(...) Segundo o critério de competência residual, incluem-se na competência dos tribunais civis todas as causas que, apesar de não terem por objecto uma situação jurídica fundamentada no direito privado, não são legalmente atribuídas a nenhum outro tribunal. Isto é: os tribunais judiciais são os tribunais com competência material residual (art. 211º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa; art. 18º, n.º 1, da LOFTJ (4)) e no âmbito dos tribunais judiciais, são os tribunais civis aqueles que possuem a competência residual (cfr. arts. 34º e 57º da LOFTJ (5)).

Constituem, pois, os tribunais judiciais a regra dentro da organização judiciária e, por isso, gozam de competência não discriminada (competência genérica), enquanto os restantes tribunais, constituindo exceção, têm a sua competência limitada às matérias que lhes são especialmente atribuídas.
Será, portanto, através da consulta das disposições determinativas da competência dos tribunais administrativos – e da verificação do enquadramento ou não da situação em apreço no âmbito dessa competência – que se há-de concluir pela afirmação positiva da competência dos tribunais administrativos ou pela negativa competência residual dos tribunais comuns.
Dito de outro modo, a incompetência de um tribunal para conhecer de determinada ação é uma situação de nexo negativo que decorre da circunstância de os critérios determinativos da competência lhe não atribuírem a medida de jurisdição suficiente para o efeito.
Assim, a incompetência será a “insusceptibilidade de um tribunal apreciar determinada causa que decorre da circunstância de os critérios determinativos da competência não lhe concederem a medida da jurisdição suficiente para essa apreciação. Infere-se da lei a existência de três tipos de incompetência jurisdicional: a incompetência absoluta, a incompetência relativa e a preterição do tribunal arbitral.” (6)
Entre a incompetência absoluta figura a incompetência em razão da matéria, que, deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa e constitui exceção dilatória, cuja consequência é a absolvição da instância ou a remessa ao tribunal em que a ação deveria ter sido proposta – arts. 96º, al. a), 97º, n.º 1, 576º, nºs 1 e 2, e 577º, al. a), todos do C. P. Civil.

À semelhança do que acontece quanto aos demais pressupostos, tem entendido a doutrina e a jurisprudência, que a competência do tribunal se afere, por regra, pelos termos em que a ação foi proposta e pelo pedido do autor (7); ou que a competência material depende do thema decidendum concatenado com a causa de pedir. (8)
Deste modo, podemos dizer que a competência do tribunal determina-se pela pretensão jurisdicional pretendida ou pedido formulado pelo autor e pelos fundamentos que invoca (causa de pedir). (9)

O que está em causa nesta ação traduz-se numa ação de honorários instaurada por uma sociedade de advogados contra uma empresa pública, aqui ré, Águas ..., S.A., em que esta suscita a incompetência em razão da matéria do Juízo Local Cível de Braga, onde o requerimento de injunção foi distribuído, atribuindo antes essa mesma competência aos Tribunais Administrativos.
No despacho recorrido, o tribunal a quo, no essencial, socorrendo-se do disposto no art. 4º, n.º 1, al. e) do ETAF, em conjugação com o regime emergente dos arts. 2º, n.º 2, al. a), 4º, 5º, 16º, 280º e 450º, do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo D.L. n.º 18/2008, de 29.01, concluiu que a questão suscitada nos autos, por se referir a um contrato de natureza pública, respeita à competência material da jurisdição administrativa e, como tal, julgou procedente a invoca exceção dilatória de incompetência absoluta, em razão da matéria, absolvendo a ré da instância.

Nos termos dos artigos 211º, da CRP, 64º e 65º do C. P. Civil, e 40.º, n.ºs 1 e 2, da Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), os Tribunais Judiciais têm uma competência residual, porquanto são competentes para conhecer as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, sendo que a Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (LOSJ), determina a competência, em razão da matéria, entre os juízos dos Tribunais de Comarca, estabelecendo as causas que competem aos juízos de competência especializada e aos Tribunais de competência territorial alargada.
Por sua vez, estipula o artigo 80.º, n.º 1, da LOSJ que “compete aos tribunais de comarca preparar e julgar os processos relativos a causas não abrangidas pela competência de outros tribunais”, sendo que os Tribunais de Comarca são de competência genérica e de competência especializada (art. 80º, n.º 2, da LOSJ), desdobrando-se em juízos que podem ser de competência especializada, de competência genérica e de proximidade (art. 81º, nºs 1 e 2, da LOSJ).
Constitucionalmente a competência dos tribunais administrativos e fiscais encontra-se prevista para o “julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais” (art. 212º, n.º 3, da CRP); sendo os tribunais judiciais definidos como “os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais” (art. 211º, n.º 1, da CRP).
De acordo com o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19.02 (10), estipula no seu art. 1º, n.º 1, da ETAF, que “Os Tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo nos litígios compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste Estatuto.”

Por seu turno, o art. 200.º do Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo D.L. n.º 4/2015, de 07.01, dispõe que:

1 - Os órgãos da Administração Pública podem celebrar contratos administrativos, sujeitos a um regime substantivo de direito administrativo, ou contratos submetidos a um regime de direito privado. 2 - São contratos administrativos os que como tal são classificados no Código dos Contratos Públicos ou em legislação especial. (…)

De igual modo, a competência em razão da matéria afere-se de acordo com a lei em vigor à data da propositura da ação (Maio de 2019), o que quer dizer, em termos de Direito Processual Administrativo aplicável, mormente à luz do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), na redação dada pelo D.L. n.º 214-G/2015, de 02.10, em conjugação com a data da celebração do contrato em apreço (Outubro de 2013), mormente no que se refere ao Código dos Contratos Públicos (CCP), na versão do D.L. n.º 149/2012, de 12.07.

Na redação anterior ao D.L. n.º 214-G/2015, de 02.10, as als. e) e f) do n.º 1 do art. 4º do ETAF, eram do seguinte teor:

1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objeto: (…)
e) Questões relativas à validade de actos pré-contratuais e à interpretação, validade e execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público;
f) Questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público.

Realce-se que, já à luz destes mesmos preceitos legais, se vinha firmando na jurisprudência – tal como o defendido entre outros pelo Ac. do Tribunal de Conflitos de 11.02.2010 (11) (igualmente referente a contratos de prestação de serviços), que havia sido “intenção clara do legislador alargar o âmbito da competência da jurisdição administrativa, procedendo a uma delimitação pontual do conceito de “relação jurídica administrativa” (art. 212° n.º 3 da Constituição [CRP]) através de um critério mais abrangente do que o usado pelo direito ordinário anterior.
Abandonou, assim, a distinção tradicional entre “actos de gestão pública” e “actos de gestão privada”, categorias que deixaram, para o efeito, de oferecer interesse operatório, orientando-se antes pela referida qualificação constitucional da relação jurídica que entreviu em situações que, anteriormente, não cabiam, pelo menos de forma expressa, nos limites da jurisdição.” (12)

Na doutrina, várias eram as vozes que defendiam que a reforma do contencioso administrativo procedera a um alargamento do âmbito da jurisdição da Administração em matéria contratual, passando os tribunais administrativos a ter competência para apreciar os litígios emergentes de todos os contratos públicos, ultrapassando a tradicional dicotomia entre contrato administrativo e contrato de direito privado da Administração Pública; para, deste modo, concluir que toda a atividade contratual da Administração está sujeita às vinculações da prossecução do interesse público (art. 266º, n.º 1, da CRP) e aos princípios gerais da atividade administrativa (art. 266º, n.º 2, da CRP), pelo que deixou de fazer sentido a aludida dicotomia no contexto da relevância para definir o âmbito da jurisdição, na decorrência do que advogam que todos os contratos da Administração passaram a estar sujeitos aos tribunais administrativos. (13)

Atualmente, através da redação do D.L. n.º 214-G/2015, de 02.10, a al. e) do n.º 1 do art. 4º do ETAF, passou a dispor:
1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a: (…)
e) Validade de atos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes.
Nesta medida, com esta nova redação (que passou a fazer expressa referência aos “contratos administrativos”), substituiu-se as anteriores als. e) e f). (14)

Por sua vez, de acordo com o disposto no art. 1º, n.º 6, do CCP (15), “reveste a natureza de contrato administrativo o acordo de vontades, independentemente da sua forma ou designação, celebrado entre contraentes públicos e co-contratantes ou somente contraentes públicos, que se integre em qualquer uma das seguintes categorias:

a) Contratos que, por força do presente Código, da lei ou da vontade das partes, sejam qualificados como contratos administrativos ou submetidos a um regime substantivo de direito público; (…)
d) Contratos que a lei submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento de formação regulado por normas de direito público e em que a prestação do co-contratante possa condicionar ou substituir, de forma relevante, a realização das atribuições do contraente público.

Mais estabelece o disposto no art. 6º, do CCP, que:

1- À formação de contratos a celebrar entre quaisquer entidades adjudicantes referidas no n.º 1 do art. 2º, a parte II do presente Código só é aplicável quando o objeto de tais contratos abranja prestações típicas dos seguintes contratos:
(…)
e) Aquisição de serviços.

De harmonia com o disposto no artigo 16º, n.º 1, do CCP, resulta que: “Para a formação de contratos cujo objeto abranja prestações que estão ou sejam suscetíveis de estar submetidas à concorrência de mercado, as entidades adjudicantes devem adotar um dos seguintes tipos de procedimentos:
a) Ajuste direto; (…).

E de acordo com o n.º 2 desse mesmo artigo, temos que: “Para os efeitos do disposto no número anterior, consideram-se submetidas à concorrência de mercado, designadamente, as prestações típicas abrangidas pelo objeto dos seguintes contratos, independentemente da sua designação ou natureza:
(…)
e) Aquisição de serviços; (…)”.
Por sua vez, nos termos do disposto no art. 27º, n.º 1, al. b), do CCP, no caso de contratos de aquisição de serviços, pode adotar-se o ajuste direto quando: “A natureza das respetivas prestações, nomeadamente as inerentes a serviços de natureza intelectual (…) não permita a elaboração de especificações contratuais suficientemente precisas para que sejam qualitativamente definidos atributos das propostas necessários à fixação de um critério de adjudicação nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 74.º, e desde que a definição quantitativa, no âmbito de um procedimento de concurso, de outros atributos das propostas seja desadequada a essa fixação tendo em conta os objetivos da aquisição pretendida.

Prevê-se ainda no art. 280º do CCP, que:

1- Na falta de lei especial, as disposições do presente título são aplicáveis às relações contratuais jurídicas administrativas.
2- As disposições do presente título são subsidiariamente aplicáveis às relações contratuais jurídicas administrativas reguladas em especial no presente Código ou em outra lei, sempre que os tipos dos contratos não afastem as razões justificativas da disciplina em causa.
3- Em tudo quanto não estiver regulado no presente Código ou em lei especial e não for suficientemente disciplinado por aplicação dos princípios gerais de direito administrativo, são subsidiariamente aplicáveis às relações contratuais jurídicas administrativas, com as necessárias adaptações, as normas de direito administrativo e, na falta destas, o direito civil.

Pois bem, no caso em apreço, mostra-se incontrovertido que a requerida trata-se de um “contraente público” (16), demonstrado como ficou que a mesma, criada pelo D.L. n.º 93/2015, de 29.05, trata-se de uma sociedade gestora do sistema municipal de abastecimento de água e saneamento do Norte de Portugal, sucedendo, nos seus direitos e obrigações, entre outras, a sociedade “Águas X, S.A.”, que havia contratado a requerente para a prestação de serviços de mandato forense ou judicial.

De igual modo, o art. 450º, do CCP, (integrado no Título II, referente aos “contratos administrativos em especial”) refere a “aquisição de serviços”, como o “contrato pelo qual um contraente público adquire a prestação de um ou vários tipos de serviços mediante o pagamento de um preço.
Por outro lado, como é consabido, o contrato de mandato, de acordo com as normas de direito civil, trata-se de uma das modalidades do “contrato de prestação de serviço” (arts 1154º e 1155º, do C. Civil).
Do que fica dito, torna-se pois ingente concluir que o contrato de mandato em causa, celebrado em 2013, entre requerente e requerida, trata-se de um contrato administrativo de “aquisição de serviços”.
Ou seja, estando em causa um mandato forense outorgado entre a requerente e requerida, sempre estaríamos perante uma relação jurídica administrativa, quer devido à natureza publicista da recorrida, quer devido à natureza iminentemente administrativa do contrato de prestação de serviços (mandato forense), porque outorgado por uma entidade sujeita ao regime jurídico do CCP.
Não vislumbramos, pois, em que medida é que o disposto no art. 280º, do CCP (supra transcrito na redação aplicável) possa ser violado, por via da conclusão a que chegamos no que se refere ao regime aplicável a um contrato administrativo específico (art. 450º, do CCP).

Por conseguinte, de acordo com o disposto no art. 1º, n.º 6, al. a), do CCP, e atento ao disposto no art. 4º do mesmo diploma (que não exclui expressamente tal contrato do âmbito do diploma, antes o admite nos termos do art. 450º, do CCP) deve o referido contrato de mandato forense celebrado entre as partes ser qualificado como um “contrato administrativo”.

Outrossim, o contrato de mandato em causa poderá ainda ser considerado como um “contrato administrativo” nos termos da al. d) do n.º 6 do art. 1º do CCP, a tal não obstando igualmente o art. 5º do CCP, designadamente quando estipula no seu n.º 1, que: “A parte II do presente Código não é aplicável à formação de contratos a celebrar por entidades adjudicantes cujo objeto abranja prestações que não estão nem sejam suscetíveis de estar submetidas à concorrência de mercado, designadamente em razão da sua natureza ou das suas características, bem como da posição relativa das partes no contrato ou do contexto da sua própria formação.

Enfatize-se que os advogados cobram um preço pelos seus serviços, que é, obviamente, levado em conta na altura da contratação. Aliás, é a própria sociedade requerente que disso dá conta no seu requerimento de injunção, designadamente quando afirma que: “Em outubro de 2011 foi aprovada por requerente e requerida (por deliberação do seu Conselho de Administração) uma fórmula de cálculo de honorários que aqui a requerente sempre seguiu à risca. Por outro lado, nos termos de um contrato de assessoria jurídica que vigorava entre as partes, os honorários a debitar corresponderiam a 50% dos honorários que fossem devidos nos termos de tal fórmula de cálculo, se não existisse a avença, condição que também foi cumprida pela requerente na fixação dos honorários em causa.
Não se pode, pois, afirmar que o contrato de mandato forense não está, de todo, sujeito à concorrência de mercado.

A ser assim, tal como vem sendo defendido maioritariamente pela jurisprudência (17), a apreciação dos efeitos decorrentes da celebração e execução do mesmo contrato administrativo (de aquisição de serviços), celebrado entre as partes, designadamente no que se refere ao seu incumprimento contratual, é da competência da jurisdição administrativa, nos termos do disposto no art. 4º, n.º 1, al. e), do ETAF.

A recorrente argumenta, porém, em sentido contrário, que o mandato judicial reúne caraterísticas próprias, como sejam a liberdade com que o mandato forense é exercido, a confiança, bem como a independência e autonomia funcional e técnica do advogado (chamando à colação o disposto nos arts. 67º e 81º, do Estatuto da Ordem dos Advogados), que não permite tal conclusão.
Porém, como é bom de ver, a natureza pública do mandato judicial em nada interfere com a liberdade, independência e autonomia funcional e técnica do advogado ou a relação de confiança entre as partes.

Neste conspecto, salienta-se no citado Ac. RG de 30.01.2020 (18) que “o recurso a um procedimento de contratação pública para formação de um contrato de mandato forense não melindra, em nada, a independência do mandatário naquela que é a sua praxis jurídica, uma vez que aquele contrato não deixa de ser um contrato típico de prestação de serviços, com as especificidades que a sua natureza forense determina.” (19)

De igual modo, a liberdade com que o mandato é exercido, a confiança pessoal entre as partes ou a independência e autonomia técnica do advogado não impedem que a sua celebração esteja dependente do procedimento de formação atinente ao contrato administrativo.
Na realidade, não o impede o disposto nos arts. 6º, n.º 1, al. a) e 16º do CCP, podendo a respetiva contratação ser realizada por “ajuste direto” (art. 27º, n.º 1, al. b), do CCP).

Nas suas alegações de recurso, chama ainda a recorrente à colação o disposto no art. 10º, al. d), i), da Diretiva 2014/24/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26.02.2014 (20), o qual dispõe que:

A presente diretiva não se aplica aos contratos públicos de serviços destinados:
(…)
d) A qualquer dos seguintes serviços jurídicos:
i) representação de um cliente por um advogado, na aceção do artigo 1º da Diretiva n.º 77/249/CEE, do Conselho (21)
- numa arbitragem ou conciliação realizada num Estado-Membro ou num país terceiro ou perante uma instância internacional de arbitragem ou conciliação, ou
- em processos judiciais perante tribunais ou autoridades públicas de um Estado-Membro ou de um país terceiro ou perante tribunais ou instituições internacionais.
ii) Aconselhamento jurídico prestado em preparação de qualquer dos processos referidos na subalínea i) da presente alínea (…).

Na sequência, conclui a recorrente que o contrato de mandato em análise se encontra excluído pelo direito europeu das normas da contratação pública, sendo que, se é certo que o Estado Português resolveu omitir, na transposição para o direito interno, a inaplicabilidade do CCP à formação dos contratos de aquisição de serviços jurídicos, máxime no caso de mandato judicial, não o fez, porém, relativamente à execução ou ao regime jurídico do mesmo contrato.

Não é, todavia, esta a nossa posição. Antes, vamos de encontro com a posição delineada pela recorrida, neste particular, designadamente que esta mesma Diretiva 2014/24/UE, relativa aos contratos públicos, não exclui do seu âmbito de aplicação todos os contratos de mandato forenses, mas apenas os contratos destinados a serviços jurídicos em processos judiciais perante os tribunais de um outro Estado-Membro.

Isto porque não se encontram excluídos do âmbito de aplicação da respetiva diretiva todos os contratos de mandato forense, mas antes aqueles que se inserem no âmbito da diretiva 77/249/CEE, que tem como finalidade facilitar o exercício efetivo da livre prestação de serviços pelos advogados, ou seja, tem como objetivo regular a prestação de serviços de advogados noutros Estados-Membros que não o Estado-Membro de origem.

Pelo exposto, reafirma-se que os tribunais administrativos são os materialmente competentes para apreciar o litígio dos autos, mormente ao abrigo do disposto no art. 4º, n.º 1, al. e) do ETAF (na redação introduzida pelo D.L. n.º 214-G/2015, de 02.10), pelo que, na improcedência de todas as conclusões de recurso da recorrente, é de manter o despacho recorrido.
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V. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso de apelação em presença e, em consequência, decide-se manter a decisão recorrida.

Custas pela apelante (art. 527º, n.º 1, do C. P. Civil).
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Guimarães, 10.09.2020

Este acórdão contém a assinatura digital eletrónica dos Desembargadores:
Relator: António Barroca Penha.
1º Adjunto: José Manuel Flores.
2º Adjunto: Sandra Melo.


1. Conjuntamente com Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Almedina, 2ª Edição, pág. 207.
2. Neste sentido, vide Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 88-89.
3. in A Nova Competência dos Tribunais Civis, Lex, 1999, págs. 31-32.
4. Atualmente art. 40º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26.08, denominada Lei da Organização do Sistema Judiciário.
5. Atualmente arts. 54º e 74º da LOSJ.
6. Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 128.
7. Por todos, cfr. Ac. STJ de 04.03.1997, CJ/STJ, 1997, I, pág. 125.
8. Cfr. por todos, Ac. RP de 07.11.2000, CJ, 2000, Tomo V, pág. 184.
9. Neste sentido, cfr. Manuel de Andrade, in ob. citada, pág. 91.
10. Na versão do D.L. n.º 214-G/2015, de 02.10, aplicável à data da instauração da presente ação.
11. Proc. n.º 028/09, relator Azevedo Moreira, acessível em www.dgsi.pt.
12. No mesmo sentido, cfr. Ac. STJ de 08.01.2009, proc. n.º 08B3352, relator Lázaro Faria; e Ac. RL de 07.05.2015, proc. n.º 48898-14.7YIPRT-L1-6, relator António Martins; Ac. RG de 08.10.2015, proc. n.º 77842/14.0YIPRT.G1, relator Miguel Baldaia Morais, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
13. Por todos, cfr. Maria João Estorninho, A Reforma de 2002 e o Âmbito da Jurisdição Administrativa, Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 35, 2002; e Pereira da Silva, Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise – Ensaio sobre as Acções no Novo Processo Administrativo, Almedina, 2009, pág. 492.
14. Neste sentido, cfr. Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2ª edição, 2016, pág. 161.
15. Doravante, sempre na versão do D.L. n.º 149/2012, de 12.07, aplicável à data da celebração do contrato em presença.
16. Cfr. arts. 2º, n.º 2, al. a) e 3º, n.º 1, al. b), do CCP (na versão do D.L. n.º 149/2012, de 12.07).
17. Por todos cfr. Ac. Tribunal de Conflitos de 11.01.2017, proc. n.º 020/16, relator São Pedro; Ac. Tribunal de Conflitos de 31.01.2017, proc. n.º 023/16, relator Fernandes do Vale; Ac. RG de 27.06.2019, proc. n.º 46229/18.6YIPRT.G1, relatora Margarida Almeida Fernandes; e Ac. RG de 30.01.2020, proc. n.º 43621/19.2YIPRT, relatora Maria dos Anjos Nogueira, todos disponíveis em www.dgsi.pt. Vide ainda Ac. STJ de 02.06.2020, proc. n.º 45639/18.3YIPRT.G1.S1, junto pela recorrida de fls. 158 a 169, ainda não publicado, que analisa uma situação praticamente igual à presente.
18. Cfr. nota anterior.
19. No mesmo sentido, cfr. Ac. Tribunal de Contas n.º 1/2015, 3ª secção-PL, proc. n.º 03JFR/2014, acessível em https://www.tcontas.pt/pt-pt/ProdutosTC/Sentencas/3s/Documents/2015/st001-2015-3s.pdf, no qual se poderá ler no seu sumário que: “Não existe óbice legal à contratação pública de serviços jurídicos com convite apenas um prestador em quem se deposite confiança técnica e profissional, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 27.º do CCP, relativamente a processos ou procedimentos pendentes, bem como a processos ou a procedimentos a instaurar em que esteja em causa a tutela urgente do interesse público, e não seja possível, em prazo útil, proceder à avaliação técnica do seu prestador através de parâmetros objetivos.”
20. Acessível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32014L0024&from=LV.
21. Diretiva de 22 de Março de 1977, tendente a facilitar o exercício efetivo da livre prestação de serviços pelos advogados, JO L 78 de 26.03.1977, pág. 17.