Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
157/17.1JAPRT.G1
Relator: FÁTIMA FURTADO
Descritores: NULIDADES ARGUIDAS EM INSTRUÇÃO
REAPRECIAÇÃO EM JULGAMENTO
PROVA PROIBIDA
ARTº 310º
Nº 1
DO CPP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/25/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) A irrecorribilidade da decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação pública, nos termos do artigo 310.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, implica que a apreciação pelo JIC de nulidades e questões prévias ou incidentais não faça caso julgado formal no processo. Havendo sempre a possibilidade de o tribunal de julgamento vir a reapreciar tais questões, com sindicância pelo tribunal superior, por via do recurso da respetiva decisão.

II) A circunstância de através do seu depoimento uma testemunha se responsabilizar criminalmente não faz desse depoimento prova proibida.
A lei processual não estatui a obrigatoriedade de advertência da testemunha de que a resposta a determinada pergunta a pode incriminar penalmente, constituindo tal apenas um direito a invocar pela testemunha.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães.
(Secção penal)

Relatora: Fátima Furtado; adjunta: Maria José Matos.

I. RELATÓRIO

No processo comum coletivo nº 157/17.1JAPRT.G1 do Juízo Central Criminal de Vila Real, Juiz 3, da comarca de Vila Real, em que são arguidos C. O. e R. S., com os demais sinais dos autos, arguiu a primeira, em sede de contestação, que a inquirição no decurso do inquérito de M. P. na qualidade de testemunha, quando se impunha que tivesse sido constituída arguida, porquanto a sua conduta se subsume à prática de ilícitos criminais, gerou a nulidade por insuficiência de inquérito, prevista no artigo 120.º, n.º 2, al. d) do Código de Processo Penal.

A arguição dessa nulidade foi indeferida por despacho datado de 12 de abril de 2018, com o seguinte teor:

«Da nulidade arguida por violação dos artigos 58º e 59º do Código de Processo Penal pela arguida C. O. em sede de contestação.

Muito em síntese, alega a arguida que M. P. foi ao longo de todo o inquérito na qualidade de testemunha quando se impunha que tivesse sido constituída como arguida, porquanto a sua conduta se subsume à prática de ilícitos criminais. Assim, a não constituição da dita testemunha como arguida gerou nulidade por insuficiência de inquérito (artigo 120º, n.º 2 al. d) do Código de Processo Penal).

Tal nulidade foi já arguida em sede de instrução e foi indeferida. Porém, a arguida não se conforma com tal decisão e sujeita a questão a nova a apreciação nesta fase, o que lhe é permitido de harmonia com o estatuído no artigo 310º, n.º 2 do Código de Processo Penal, quando entendida no prisma da exclusão de provas proibidas.

Sem prejuízo de ser evidente que a questão se mantém em aberto – porque passível e dependente de produção de prova e consequente valoração – no que respeita à invocada violação do artigo 126º do Código de Processo Penal, impõe-se apreciar desde já o que não esteja sujeito a produção de prova, mormente a nulidade por violação dos artigos 58º e 59º do Código de Processo Penal.

Vejamos, então.

Primeiro: o inquérito nunca correu contra M. P., que sempre teve a qualidade de testemunha e assim foi inquirida. Logo, situamo-nos no âmbito do artigo 59º do Código de Processo Penal, que reza no seu n.º 1 que se, durante qualquer inquirição feita a pessoa que não é arguido, surgir fundada suspeita de crime por ela cometido, a entidade que procede ao acto suspende-o imediatamente e procede à comunicação e à indicação referidas no n.º 2 do artigo anterior. E, o seu n.º 2 estatui que a pessoa sobre quem recair suspeita de ter cometido um crime tem direito a ser constituída, a seu pedido, como arguido sempre que estiverem a ser efectuadas diligências, destinadas a comprovar a imputação, que pessoalmente a afectem.
Segundo. A referida testemunha nunca pediu para ser constituída como arguida.

Terceiro. Não foi constituída como arguida pelo Ministério Público em inquérito, que entendeu – a avaliar pela acusação deduzida e prova indicada – não existirem fundadas suspeitas de crime.

Ora, a existência de indícios e a sua apreciação ao nível do Inquérito é da soberania do Ministério Público (artigos 53º, 262º, 267º e 127º, do Código de Processo Penal), devendo obedecer a critérios d e estrita objectividade, o que é sindicável por via da intervenção hierárquica ou de instrução.

No caso, não cumpre neste momento apreciar a questão de saber se existem fundadas suspeitas de crime por parte da testemunha M. P., desde logo, porque as suas declarações em inquérito não podem ser consideradas. O inquérito foi encerrado com a dedução da acusação e a instrução pronunciou os arguidos nos seus precisos termos, indeferiu todas as nulidades arguidas e manteve a prova indicada na acusação na íntegra, para ela remetendo.

Noutro prisma dir-se-á que o actual Código de Processo Penal limita-se, no artigo 57.º, a indicar que “assume a qualidade de arguido todo aquele contra quem for deduzida acusação ou requerida instrução num processo penal”. Para além daqueles actos processuais que, por si mesmos, conferem a qualidade de arguido às pessoas contra os quais são praticados, o código vigente prevê ainda outras situações em que impõe a constituição de arguido. Entre elas as previstas nos artigos 58.º e 59.º do Código de Processo Penal. Por fim, os artigos 60.º e 61.º do Código de Processo Penal ocupam-se com a definição da posição processual e do estatuto do arguido.

Ora, subjacente às situações de obrigatoriedade de constituição como arguido está a ideia fundamental de conferir possibilidade de defesa à pessoa colocada em situação de suspeita, quer pelas suas próprias declarações, quer por outras diligências destinadas a confirmar as suspeitas existentes.

E, por isso mesmo, trata-se de nulidade sanável e dependente de arguição conforme estatui o artigo 120º nº 2, al. d), do Código de Processo Penal.

Para concluir que a nulidade resultante da falta de constituição de arguido apenas por ele pode ser arguida e, no caso, não foi. Foi arguida pela ora arguida, que carece de legitimidade para tanto.
Assim, inexiste a arguida nulidade por falta de constituição obrigatória no arguido no inquérito da testemunha M. P..»
*
Inconformada, a arguida C. O. interpôs recurso interlocutório deste despacho, apresentando a competente motivação que remata com as seguintes conclusões:

«1-Todas as provas existentes nos autos a partir do momento em que a testemunha M. P. iniciou o seu depoimento, em 4 de Abril de 29017, são nulas.
2-São nulas porque tal testemunha teria que ser imediatamente constituída arguida, nos termos do artº 58º e 59º do CPP.
3-A testemunha M. P. confessa claramente a prática dos factos em investigação (comparticipação ou, pelo menos, cumplicidade num crime de homicídio).
4-É verdade que não corria inquérito contra a testemunha, pois era contra incertos,
5-É verdade que a testemunha não pediu para ser constituída arguida,
6-Não é menos verdade que, a “testemunha” nunca foi advertida (v.g. o auto) da possibilidade de se constituir como arguida, pois as suas declarações eram manifestamente incriminatórias.
7-Mas, a verdade é que o Ministério Público, que se deveria reger por critérios de pura objectividade, entendeu delinear uma estratégia que passava pela protecção da “testemunha” M. P. de forma a poder validar provas claramente ilegais.
8-A não constituição como arguida da “suspeita” (como é designada aquando da promoção e autorização de escutas telefónicas) não pode passar como “gato sobre brasas”…
9-A ora recorrente reclamou, ainda na fase de instrução, a nulidade das provas obtidas na sequência da ilegalidade cometida, ao não se constituir arguida a testemunha M. P..
10-As nulidades invocadas nunca podem estar sanadas.
11-Ao não se permitir que a requerente – em obediência ao rigor e objectividade – reclame a constituição como arguida da testemunha M. P., está, seguramente, a violar- se, de forma grave, os mais elementares direitos de defesa consagrados constitucionalmente.
12-A interpretação do artº 58º e 59º do C.P.C., segundo a qual só a pedido do próprio arguido ou o Ministério Público poderia uma testemunha ser constituída arguida é inconstitucional, por violação manifesta do normativo consagrado no nº 1 do artº 32º da C.P.R., o que ora se invoca.
13-A violação do direito de defesa da recorrente, ao ver validadas provas que são nulas (pois obtidas na sequência de grosseira ilegalidade), leva à declaração da nulidade da acusação e pronúncia.
14-A decisão que declara válidas as provas obtidas após a ilegalidade da não constituição como arguida da testemunha M. P. é violadora dos artºs 58º e 59º do CPP.
15-A decisão que interpreta o artº 58º e 59º do CPP no sentido de impedir que um dos arguidos requeira a constituição de arguida de terceiro (protegido pelo Ministério Público) está ferida de inconstitucionalidade. Pois,
16-Viola o direito a todas as garantias de defesa, consagrado no nº 1 do artº 32º da Constituição da República Portuguesa, interpretação do artº 58º e 59º do CPP no sentido de que não é possível que um co-arguido requeira a constituição como arguido de testemunha (que confessa a prática do crime e que só não é constituída arguida porque o Ministério Público entende, ao arrepio do principio da objectividade, protegê-la para assim ver validade prova claramente ilegal)
17-O tribunal de julgamento não pode alterar os sujeitos processuais, nem o objecto do processo (solvo raras excepções), mas pode declarar nulas as provas obtidas através do cometimento de ilegalidades, sejam elas praticadas pelo Ministério Público, sejam praticadas pelo Juiz de Instrução Criminal.
18-Neste processo já não se verá a “testemunha” M. P. como arguida (certamente que, no fim deste processo, o Ministério Público instaurará novo processo para que a dita testemunha possa então responder pelos factos que cometeu, sem afectar a prova destes autos), mas pode e deve ver-se declarada a nulidade da prova conseguida a partir do momento em que a testemunha deveria ter sido constituída arguida e não foi, isto é, o início das suas declarações a 04-04-2017. (fls. 122).
19-A justiça não se faz com estratégias de investigação que protejam uns em detrimento de outros!!!»
O recurso interlocutório foi admitido por despacho de 2 de maio de 2018, com subida diferida, nos próprios autos, conjuntamente com o recurso que vier a ser interposto da decisão que puser termo à causa e sem efeito suspensivo.

Respondeu o Ministério Público junto da primeira instância, concluindo dever ser negado provimento ao recurso interlocutório.
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Realizada a audiência de julgamento, foi proferido acórdão em 8 de novembro de 2018 e depositado no mesmo dia, com o seguinte dispositivo:

«Pelo exposto e em conformidade acordam os juízes que constituem este tribunal colectivo, em julgar procedente a pronúncia, por provada e, em consequência:

I. Condenar a arguida C. O. como autora de um crime de homicídio qualificado na forma consumada, previsto e punível pelos artigos 131º, n.º 1 e 132º, n.ºs 1 e n.º 2, al. b), al. e), al. j) do Código Penal, na pena de 25 (vinte e cinco) anos de prisão;
II. Condenar o arguido R. S. como autor material de um crime de homicídio qualificado na forma consumada, previsto e punível pelos artigos 131º, n.º 1 e 132º, n.ºs 1 e n.º 2, al. al. e), al. j) do Código Penal, na pena de 25 (vinte e cinco) anos de prisão;
III. Condenar o arguido R. S. como autor de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 86º, n.º 1, al. c) da Lei nº 5/2006, de 23/2, alterada pela Lei nº 17/2009, de 6/5 e Lei nº 12/2011, de 27/4, na pena de 2 (dois) anos de prisão;
IV. Operando o cúmulo jurídico, na pena única de na pena de 25 (vinte e cinco) anos de prisão;
V. Condenar, ainda, os arguidos no pagamento dos encargos do processo, fixando-se em 6 (seis) UC´s a taxa de justiça devida (artigos 513º, nºs. 1 e 2, 514º, nº. 1, ambos do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº. 9 e Tabela III do R.C.P.).
VI. Condenar os demandados, C. O. e R. S., solidariamente, a pagar a L. M. e H. J. a quantia total de 5475,00€, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a notificação até integral pagamento, absolvendo no demais peticionado.
VII. Custas do pedido civil a cargo dos demandantes e demandados, na proporção dos respectivos decaimentos.
VIII. Declaro perdidos a favor do Estado 1 (uma) arma de fogo da marca “F.T.F”, modelo “GT28”, originariamente de calibre 8mm, posteriormente transformada para disparar munições com projéctil de calibre 6,35mm Browning, sem número de série visível, com o respetivo carregador introduzido e municiado com 7 (sete) munições calibre 6.35mm; 1 (uma) munição de “salva” calibre 7,62mm; 1 (uma) munição calibre .22; 1 (uma) munição de calibre 7,65mm; 1 (uma) faca de abertura automática da marca “Power Star”, a arma de caça de calibre 12, de canos sobrepostos, determinando-se a oportuna remessa das armas, munições e explosivos ao Comando-Geral da Polícia de Segurança Pública (nos termos e para os efeitos do artigo 78º do Regime Jurídico das Armas e Munições);
IX. Determino a restituição dos telemóveis e respectivos cartões e pen-drive apreendidas ao arguido R. S. e descritos a fls. 204-205, notificando-se o mesmo nos termos do artigo 186º, n.º 3 do Código de Processo Penal.
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Fls. 1328: pague-se em conformidade, a adiantar pelos cofre e a entrar em regra de custas.
Após trânsito em julgado do presente acórdão:
- Remeta Boletins à DSIC.
Comunique-se ao TEP e aos EPs onde os arguidps se encontram presos, para os competentes efeitos.
- Caso se mantenha a aplicação ao arguido de prisão igual ou superior a 3 anos, deverá proceder-se à recolha de ADN, nos termos do disposto na Lei nº. 5/2008, de 12 de Fevereiro (diploma que aprova a criação de uma base de dados de perfis de ADN para fins de identificação civil e criminal).»
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Inconformados, os arguidos interpuseram recursos do acórdão, apresentando cada um deles a competente motivação que remata com as seguintes conclusões:

A. Conclusões do recurso do acórdão da arguida C. O..

«1-A recorrente não aceita a sua condenação:
-Primeiro, não mandou matar o seu marido,
-Segundo, porque entende que a prova recolhida ao longo do inquérito é nula;
-Terceiro, porque mesmo que não existisse a nulidade da prova, entende que não existem provas que permitissem a sua condenação.
2-A recorrente pretende ver apreciado o recurso já interposto onde questiona a validade da prova e suscita, além do mais, uma inconstitucionalidade.
3-A arguida lutará com todas as suas forças para que a prova recolhida ao longo do inquérito seja declara nula, pois não pode pactuar com uma estratégia do MºPº a que o Tribunal a quo deu guarida.
4-O Tribunal a quo não pode “fazer de conta” que está tudo bem, quando o MºPº pratica tamanhas ilegalidades, como seja o manter como testemunha alguém que denuncia o crime e, simultaneamente, confessa a sua participação, auxiliando e favorecendo outro agente.
5-A arguida não se pode conformar com a matéria dada como provada, nomeadamente a constante dos pontos 2., 3., 20., 21., 28., 37., 40., 41. e 44, dos “factos provados”, que devem passar para “não provados”.
6-A arguida entende, igualmente, que o tribunal a quo, andou mal, ao considerar por não provado o constante em d) a l) dos “factos não provados”, que deverão passar a constar como factos provados.
7-O tribunal fundamenta a decisão de condenação da arguida essencialmente no depoimento indirecto da “testemunha” M. P. (se sempre entenderemos ser nulo) e nas declarações do co-arguido R. S.. Tudo o resto são meros “fait divers”
9-Sobre o depoimento da “testemunha” M. P.:

9.1-Tal depoimento de M. P. – constitui prova nula- porque obtida em virtude de meios de prova enganosos- e por isso, proibidos;
9.2-A “testemunha” M. P. não conhece C. O., não sabe sequer, se os co-arguidos se conhecem, nunca tendo presenciado qualquer encontro entre os co-arguidos que lhe permitisse afirmar que a arguida C. O. tivesse encomendado o que quer que fosse ao co-arguido R. S.,
9.3-Decorre do “depoimento” da M. P. (supra transcrito) que (i)foi ela quem levou R. S. até ao local onde o crime foi praticado, que (ii)assistiu a toda a sua execução, bem como, que foi ela quem (iii)guardou a alegada arma do crime na sua garagem.
9.4-Não resultam dúvidas de tal depoimento que a “testemunha”, através do seu comportamento, contribuiu ou facilitou o facto principal.
9.5-Não resultam dúvidas de tal depoimento que a “testemunha” prestou auxílio material ao arguido R. S..
9.6-Não resultam dúvidas de tal depoimento que a “testemunha” actuou em favorecimento do agente do facto, e que, por isso,
9.7-A “testemunha” M. P. actuou, pelo menos, como CÚMPLICE. (Artigo 27º, 28º e 29º do Código Penal, entre outros Acórdão STJ de 31-03-2004, disponível em www.dgsi.pt)
9.8-Foi a partir do primeiro depoimento da M. P. perante o MºPº que os órgãos de polícia criminal chegaram à arma do crime e às escutas que, alegadamente, poderiam implicar a recorrente.
9.9-Nesse depoimento, a M. P. CONFESSA toda a sua intervenção nos factos.
9.10-A audição de suspeito na qualidade de “testemunha”, com sujeição a uma obrigação de depor, e com verdade, sob pena de incursão em responsabilidade criminal, mais não é do que, a utilização de “meios enganosos” de obtenção de prova. (Vide art.º 126.º, n.º 2, al. a) do CPP.)
9.11-Sempre a investigação iludiu a “testemunha” M. P., com a promessa de não ser constituída arguida…
9.12-Ofendendo, pois, a integridade moral da sua pessoa.
9.13-Enganando-a, conseguiu a investigação a sua colaboração até para a instigação de conversas que a própria “testemunha” sabia estarem alvo de escuta telefónica e terem um "sentido único"...
9.14-A falta de constituição atempada de arguido gera, não só a eficácia das eventuais declarações auto-incriminatórias (art.º 58.º, n.º 5), mas também a impossibilidade de aproveitamento de toda a declaração, mesmo contra co-arguidos…
9.15-Tendo M. P. confessado a sua comparticipação nos factos ab initio, e não tendo sido desde o inquérito constituída como arguida, sempre tal atuação terá por consequência a ineficácia – não só a contra o declarante – das eventuais declarações autoincriminatórias (art. 58º, nº5 do Código de Processo Penal), mas também a impossibilidade de aproveitamento de toda a declaração, com perda de tudo o que não pudesse ser obtido na falta da prova nula (via art. 126º, nºs 1 e 2-a) do Código de Processo Penal). (a este propósito veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, Processo: 199/11.0 GDFAR.E1, Relator: ANA BARATA BRITO, Data do Acórdão: 09-10-2012)

10-Sobre as declarações do Co-arguido:

10.1-As declarações do arguido R. S. são absolutamente incoerentes e inconsistentes e não podem ter credibilidade.
10.2-Não basta o co-arguido dizer que foi a recorrente quem lhe encomendou a morte do marido para a condenar. Assim, seria tudo muito fácil implicar quem quer que fosse.
10.3-O Tribunal só acreditou no arguido R. S. quando ele disse que foi a arguida quem lhe encomendou a morte do marido.
10.4-O Tribunal não acredita no arguido R. S. quando este diz que a recorrente lhe entregara já, no Castelo, € 40.000,00 e que ainda lhe ia entregar € 110.000,00.
10.5-O Tribunal não acredita no arguido R. S. quando este diz que foi a “testemunha” M. P. quem engendrou todo o plano para receber dinheiro para pagar dívidas, que foi esta quem disparou a arma (porque quem guardou a arma do crime já estava confessado).
10.6- O Tribunal também não acredita na descrição dos encontros entre o arguido R. S. e a recorrente, pois ele refere ter-se encontrado duas vezes com ela: na ciclovia e no castelo e o tribunal deu (parece) credibilidade à testemunha M. M. que diz que os via todos os dias juntos e até no dia anterior aos factos.
11-Porque será que o tribunal a quo, depois de em quase nada ter acreditado na versão do arguido R. S., aceita que esta disse a verdade ao afirmar que foi a arguida quem lhe encomendou a morte do marido???
12-Sobre as escutas telefónicas:
12.1-Sem prescindir da nulidade já invocada, não vemos como pode a escuta transcrita na acusação servir de prova total para implicar a arguida no crime.
12.2-Apesar de nunca ser referido o nome da arguida em qualquer escuta, perguntamos se não seria o mais fácil para o arguido ter encontrado um alibi na viúva !!!
12.3-E se o R. S. dissesse que era outra pessoa qualquer??
12.4-E se o R. S. está a encobrir outra pessoa?? … nunca saberemos!
13-Sobre o móbil do crime:
13.1-É evidente que a arguida C. O. não tinha dinheiro, daí o tribunal não ter dado como provado que a arguida tivesse entregado (como aquele refere) ao R. S. a quantia de 40.000,00;
13.2-É evidente que a arguida nada entregou ao arguido e que nada iria entregar!
13.3-O Tribunal “acha” que a arguida iria pagar ao arguido R. S. com os prémios de seguro.
13.4-O Tribunal, além do mais, faz mal as contas aos prémios dos seguros.
13.5-O Tribunal aqui esquece-se, convenientemente para sua “tese”, que qualquer prémio a receber pertenceria também à filha do falecido, o que reduz substancialmente os valores considerados a receber.
13.6-É verdade que estão juntas ao processo diversas apólices de seguros, mas não é, sequer, certo que a arguida soubesse da sua existência.
13.7-Pelas nossas contas a arguida poderia receber cerca de 30.000,00 (metade do referido pelo tribunal), pois a outra metade seria da filha (e estaria sujeita ao controle e fiscalização do MºPº)
13.8-Também não é verdade que a arguida ficasse com a casa paga, pois essa sempre ficaria a pertencer à filha (que sempre careceria de autorização do MºPº para a alienar se fosse esse o propósito)
13.9-Não é verdade, nem isso resulta do processo, que a arguida se encontrasse em fase de divórcio, nem qual o interesse de a morte ocorrer antes do divórcio.
13.10-Se a morte ocorresse depois do divórcio, a casa sempre ficaria paga e a pertencer a ela e à filha.
13.11-Não vemos que interesse/móbil poderia ter a arguida para mandar matar o marido: o divórcio é fácil de conseguir e o dinheiro a receber dos prémios de seguro estaria longe de chegar (na tese da acusação e o arguido R. S.) para pagar ao assassino.
13.12-Nenhum interesse teria a arguida na morte do marido. É verdade que há muitos anos que não era o “casal perfeito”, mas era assim que iam vivendo, com aceitação mútua.

14-Outros depoimentos de testemunhas:

14.1-O tribunal a quo sustenta-se ainda noutros depoimentos, fazendo, quanto a nós uma incorrecta interpretação dos mesmos, ora porque credibiliza o que nenhuma credibilidade tem, ora desvalorizando depoimentos isentos e prestados sem qualquer interesse.
14.2-O tribunal a quo credibiliza os depoimentos das testemunhas “arregimentadas” pelos assistentes e descredibiliza os depoimentos das testemunhas apresentadas pela defesa, sem fazer a necessária análise crítica e justificar porque aceita uns e não outros.
14.3-Os depoimentos das testemunhas trazidas pelos assistentes/MºPº traduziram-se no julgamento moral da arguida e juízos de valor de quem já há muito havia “condenado” a viúva.
14.4-Todos os depoimentos se mostraram pouco isentos e eivados de inimizade para com a arguida.
14.5-Aliás, surpreende-nos a valoração dos depoimentos das testemunhas quando todos eles foram expressar convicções pessoais e nada sabiam sobre os factos em análise e que constituíam objecto do processo.
14.6-O próprio tribunal (depois de o ter anunciado logo no início do julgamento) considerou irrelevantes e sem interesse factual para a decisão da causa os factos vertidos nos pontos 30 a 81 da decisão instrutória…
14.7-Mas acabou por lhes dar relevância, contradizendo-se a si próprio.
14.8-Já com as testemunhas indicadas pela defesa, o tribunal teve uma análise parcial, não lhes dando o relevo que devia ter dado.
14.9-O tribunal a quo desvalorizou os depoimentos das testemunhas de defesa, sem justificar, minimamente, porque o fez.
14.10-Aliás, quando lhe interessou aproveitar algo que, alegadamente, servisse à acusação, aí sim, as testemunhas já mereceram crédito.
14.11-A análise dos depoimentos das testemunhas, e a nossa opinião sobre a sua falta de credibilidade e impossibilidade de aproveitamento para criticar/condenar a recorrente, encontra-se exposta anteriormente.
14.12-O tribunal não se mostrou isento, nem coerente, na análise crítica que fez aos depoimentos das testemunhas, aproveitou – descontextualizando – só o que interessava à tese da acusação.
14.13-O tribunal não deveria ter considerado os depoimentos das testemunhas M. J., M. A., A. N., L. N., O. C., F. N. e M. O., por serem depoimentos não isentos.
14.14-Por outro lado, o tribunal a quo deveria ter considerado o depoimento das testemunhas F. M., M. B., M. N., S. R., C. R., A. C. e F. C., com vista a dar como provado que a arguida sofreu muito com a morte do marido.

15-O “caso” especial da testemunha M. M.:

15.1-O tribunal a quo credibilizou o depoimento que esta testemunha fez em sede de inquérito perante o Ministério Público, tendo afirmado que esta testemunha se mostrou desconfortável em audiência e pouco disse.
15.2-Esta testemunha é um caso paradigmático de que o julgamento não serviu para produzir qualquer prova, mas sim, e apenas, para confirmar a condenação pública da arguida.
15.3-O tribunal não podia ser mais parcial do que foi na análise do depoimento desta testemunha.
15.4-Esta testemunha foi levada “em bandeja” ao MºPº e foi a única que prestou depoimento perante Procurador Adjunto… porque seria ???
15.5-A testemunha-se disse-o em julgamento (mas o tribunal não quis ouvir), afirmando claramente (para quem quis ouvir) que o depoimento prestado em sede de inquérito era falso e prestou-o apenas a pedido dos tios (os assistentes).
15.6-Em sede de inquérito a testemunha afirmou que via os arguidos quase todos os dias a caminhar, e que os viu no café no dia anterior ao homicídio.
15.7-Em sede de julgamento a testemunha afirmou nunca ter visto a C. O. com o arguido, pessoa que nem conhecia.
15.8-O colectivo de juízes tudo ouviu e o Senhor Procurador Adjunto também.
15.9-Alguém fez alguma coisa ??? o MºPº importou-se com as falsas declarações ???
15.10-O Colectivo de juízes achou por bem valorizar um depoimento falso (confessadamente), feito a pedido dos assistentes (ou polícia judiciária) e que nenhuma correspondência tem com a verdade dos factos.
15.11-Só porque podia dar jeito à tese da acusação este depoimento falso foi credibilizado.
15.12-Muito mal anda a justiça a pactuar com as ilegalidades praticadas pelo MºPº e ao validar depoimentos falsos (confessadamente) só porque dão jeito à acusação.

16-A listagem de SMS:

16.1-O tribunal a quo sustenta também o seu “feeling” (ou “cheiro”, em português) nas listagens de sms trocados entre o telemóvel da arguida e o telemóvel do namorado da filha e ainda nos sms entre este e o arguido R. S..
16.2-Mais uma vez estamos perante conclusões a que o tribunal não podia ter chegado.
16.3-Da listagem de sms nada se extrai relativamente ao conteúdo ou extensão de tais mensagens.
16.4-Só porque o tribunal entendeu que nem a arguida, nem o namorado da filha, conseguiram explicar cabalmente tais mensagens (leia-se, dizer algo que pudesse ajudar à acusação), concluiu que tais mensagens se destinavam à preparação do homicídio.
16.5-De uma simples listagem de sms o tribunal não podia concluir a que se destinavam.
16.6-Mais. O tribunal, mais uma vez, tira conclusões apressadas e parciais, considerando que atentas as sms do dia anterior ao homicídio seriam para preparar o homicídio.
16.7-O tribunal, porque parece que lhe interessava, não cuidou de saber se esses sms já eram frequentes ou não em data anterior ao homicídio.
16.8-Na verdade, o que o tribunal não diz é que as sms já eram frequentes noutros dias (v.g. a título de exemplo, os dias 4, 8, 9, 10, 13 ou 26 de Janeiro, dias em que foram trocadas dezenas de sms entre o telemóvel da arguida e o do namorado da filha.
16.9-Para que seriam as sms? a arguida e o namorado da filha deram uma explicação. O tribunal não acreditou em tal explicação, mas isso não lhe permitia saber que foram para isto ou para aquilo e se foram, na verdade, trocados em a filha da arguida e o namorado.
17-Que temos então para condenar a arguida??? NADA.
18-O depoimento indirecto da “testemunha” M. P. nunca poderia levar à condenação da arguida.
19-As declarações do arguido R. S., se analisadas com rigor, nenhuma credibilidade merecem.
20-Do teor das escutas telefónicas entre R. S. e M. P., também nada de sólido pode resultar (atenta até a falta de credibilidade sempre manifestada pelo R. S.) contra a recorrente.
21-As testemunhas arroladas pela acusação nada sabem sobre os factos que constituem o objecto do processo.
22-A listagem de sms (cujo teor e extensão) trocados entre o telemóvel da arguida (que refere não ter sido ela a enviar) e o telemóvel do namorado da filha (que são muitos mais do que os do dia anterior aos factos) nada se pode extrair a não ser “talvez… provavelmente… podia ser…” … especulações!
23-A prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, salvo quando a lei dispuser diferentemente (artigo 127º, Código Processo Penal.
24-O princípio da livre apreciação da prova não significa livre arbítrio e o tribunal deve fundamentar coerentemente porque considera determinada matéria provada ou não.
25-A análise das declarações do co-arguido deve, mais do que todas as outras, ser feita com rigor redobrado. A sua credibilidade tem que ser validada por um vasto conjunto de circunstâncias.
26-O tribunal a quo não pode utilizar as declarações que dão jeito à tese da acusação e não utilizar as que não dão.
27-As declarações do co- arguido ou têm credibilidade ou não têm!
28-As “regas da experiência comum” não podem servir só para o que interessa à acusação.
29-O tribunal não pode socorrer-se quase exclusivamente das regras de experiência comum para condenar a arguida.
30-Será que o tribunal também entende que está de acordo com as regras da experiência comum, um assassino a soldo (como chama ao R. S.) matar alguém sem ter previamente recebido o seu pagamento???
31-Será que algum assassino, que mata por dinheiro, faz o “serviço” sem ter previamente assegurado o pagamento? … só alguém muito ingénuo acreditaria em tal.
32-O tribunal a quo acreditou que o arguido matou o J. O., por dinheiro, mas não se sabe por quanto, nem quando, nem como receberia...
33-Um “assassino profissional” tão amador!!! que mata sem receber nada, mas que iria receber de quem não tem, nem (alguma vez) teria dinheiro…
34-É inquestionável que a arguida não tinha dinheiro e que nunca teria, para si, qualquer quantia parecida com a que o arguido referiu.
35-No máximo, a arguida receberia dos seguros (cuja existência desconhecia) quantia aproximada a 30.000,00.

36-Assim, CONSIDERANDO:

-A Nulidade do depoimento da Testemunha M. P. que, além do mais, é quanto à Arguida C. O. um depoimento indireto;
-A falta de credibilidade das declarações do co-arguido R. S. - quando conjugadas com a demais prova documental e testemunhal constante dos autos (conforme supra analisamos);
-A nulidade das interceções telefónicas, alegadamente entre o co-arguido R. S. e a “testemunha” M. P. e sempre, a sua insuficiência;
-A análise das apólices de seguros – (fls. 101 a 110, 137 A 179, 181 A 229 do Apenso II-A), mormente, no que respeita ao valor que beneficiaria a arguida C. O. com a morte do marido J. O.- não superior a €29.289,87;
-A falta de credibilidade dos depoimentos dos familiares e amigos dos assistentes (pelos motivos supra expostos);
-A consideração do relatado pelas testemunhas F. M., M. B., M. N., S. R., C. R. e A. C. – sobre o estado da arguida C. O. após a morte do marido- que ficou “destroçada”, “abalada”, “triste” que “chorava”;
- A prova decorrente do Apenso VII- No que respeita ao número de contactos ocorridos entre a arguida C. O. e a testemunha D. S. em data anterior e posterior à dos factos- que não foram considerados e desmentem a conclusão a que o Tribunal a quo chegou;
-O depoimento da Testemunha M. M. prestado em sede de audiência que desmente, em absoluto, o prestado na fase de inquérito (a pedido dos assistentes);
Nunca poderia o Tribunal Recorrido ter considerado, como considerou, como factualidade provada o contante em 2., 3., 20., 21., 37., 40., 41., e 44. – matéria que sempre terá de ser considerada não provada!
37-Por outro lado, considerando os depoimentos das testemunhas arroladas pela defesa, deveria o tribunal ter dado como provados os factos dados como não provados e vertidos nas alíneas d) a l), que devem passar a constar dos “factos provados”.
38-Já atrás referimos que os meios de prova que sustentam a nossa pretensão da alteração da matéria de facto são todos os constantes dos autos, devidamente analisados e criticamente avaliados e cujas concretas passagens supra realçamos. Mas,
39-O que, especialmente, deverá levar à absolvição da arguida é a falta de prova.
40-Sobre o pedido de Indemnização civil:

40.1-É verdade que a absolvição da arguida terá que levar à improcedência do pedido civil, contra si, mas não só por isso.
40.2-Na verdade, os danos reclamados pelos demandantes nunca seriam da responsabilidade da demandada, ainda que fosse ela condenada pelo crime (o que não se admite).
40.3- A recorrente foi condenada a pagar as despesas de sepultura e funeral (1500€ com o funeral, 3.600,00€ com o jazigo do filho e 150,00€ com o terreno adquirido à Junta de Freguesia) e ainda 225€ com a missa.
40.4- Nunca podia a demandada, ser condenada no pagamento na quantia total de €5.475,00 por sempre se ter por excluída de tal quantia indemnizatória o correspondente à parcela de terreno adquirida no cemitério e respetivo jazigo- num total de € 3.750,00.
40.5-Na verdade, o jazigo e a parcela de terreno são bens dos demandantes e servirão de sepultura a toda a família.
40.6-Nunca poderia ser a recorrente a pagar uma “coisa” que passou a ser um direito dos demandantes.
40.7-Relativamente às demais despesas efectuadas (funeral e missas), na sequência do falecimento do filho, não têm os demandantes o direito de as reclamar.
40.8-Não podem os demandantes proceder ao seu pagamento voluntário das despesas do funeral (como fizeram) e, virem agora, reclamar tais valores à demandada.
40.9-A demandada só não pagou tais quantias porque os assistentes (ou filhos), sabendo das dificuldades da recorrente, se dispuseram a pagá-las voluntariamente, não permitindo que ela o fizesse.
40.10- Assim não podia a demandada ser condenada no que quer que fosse, pelo que sempre teria que ser absolvida do pedido civil.
41-Sem prescindir de tudo quanto se afirmou anteriormente e unicamente por dever de ofício, diremos que:
41.1- A pena aplicada à arguida é exageradamente elevada.
41.2-Na verdade, ponderando todos os critérios legais para a fixação da medida da pena (artº 71º C.P.) e considerando os factores atenuantes de que a arguida beneficia, sempre a pena aplicada deveria ser substancialmente reduzida.
42-O direito criminal exige um elevado grau de certeza quanto à prática dos factos pelo arguido, não se podendo condenar com base em mera convicções pessoais ou suspeitas, sem suporte fáctico muito concreto.
43-Nós não temos dúvidas da inocência da arguida, mas se o tribunal a quo tinha dúvidas (e, sem querermos meter foice em seara alheia, sempre deveria tê-las quanto à autoria material do crime) sobre quem foi o mandante do crime (se é que existe!), sempre deveria ter absolvido a arguida.
44-O princípio do “in dubio pro reo”, como sendo uma das vertentes da presunção de inocência do arguido (artº 32º nº 2 da C.R.P.) impõe que o tribunal, em caso de dúvidas, decida “pro reo”, isto é, considerando os factos não provados.
45- A recorrente entende que o Tribunal a quo violou, entre outros, os artigos 58º e 59º, 124º, 125º, 126º, 127º, 128º e 129º do CPP, 32º da C.R.P. (este no entendimento de não considerar nula a prova produzida pela falta de constituição atempada de arguida e da não aplicação do princípio da presunção de inocência)»
*
B. Conclusões do recurso do acórdão do arguido R. S..

«1 – O presente recurso recai sobre o douto acórdão proferido nestes autos, que decide condenar o arguido R. S., como autor material de um crime de homicídio qualificado, na pena de 25 (vinte e cinco) anos de prisão e como autor material de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 2 (dois) anos de prisão, em cúmulo jurídico, condena o arguido na pena única de 25 (vinte e cinco) anos de prisão.
2 - Vem o arguido/recorrente interpor Recurso para este Venerando Tribunal, pois entende, como só pode entender, que a sua punição na pena de 25 anos de prisão pela prática do crime de homicídio qualificado, é manifestamente exagerada, face à factualidade que deve considerar-se provada e não provada e a respectiva subsunção ao direito, bem como, a pena de 2 (dois) anos de prisão, pela prática do crime de detenção de arma proibida.
3 – O arguido recorre de facto e de direito, da douta decisão proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, Juízo Central Criminal de Vila Real – Juiz 3, a que se reportam os autos supra.

Da nulidade da prova Testemunhal

4 – O Tribunal a quo fundou a sua decisão, essencialmente, no depoimento da testemunha M. P., todavia, não podia tê-lo valorado, por constituir prova nula.
5 – Na sequência da arguição da nulidade da prova testemunhal, por banda da co-arguida C. O., o Tribunal a quo decidiu pela inexistência da nulidade, por despacho que proferiu em 12/04/2018 e renovou no douto acórdão recorrido, invocando, em suma, que “Para concluir que a nulidade resultante da falta de constituição de arguido apenas por ele pode ser arguida e, no caso, não foi. Foi arguida pela ora arguida, que carece de legitimidade para tanto.

Assim, inexiste a arguida nulidade por falta de constituição obrigatória de arguido no inquérito da testemunha M. P..”.
6 – Ao decidir nos termos em que decidiu, violou o Tribunal a quo os artigos 58º e 59º, do Código de Processo Penal e os artigos 13º e 32º, ambos da Constituição da República Portuguesa. Vejamos,
7 – Tal como na fase de Inquérito, também na fase de julgamento, a testemunha M. P. prestou depoimento (gravado em sistema digital, com recurso ao programa informático em uso no Tribunal, com a referência identificadora da gravação – 20180412155448 -, das 15:54:50 horas até às 17:41:48 horas, do dia 12/04/2018), onde confessou a sua participação directa nos factos, referiu que se deslocou ao local do crime, em carro que lhe foi emprestado, assistiu à execução do crime e guardou a arma do crime numa garagem sua ou à qual tinha acesso e onde, de resto, a arma veio a ser apreendida.
8 – E toda a prova produzida no processo em causa é despoletada a partir do primeiro depoimento prestado pela testemunha, em 04 de Abril de 2017, perante o Inspector da Polícia Judiciária e Procuradora-Adjunta (veja-se auto de inquirição, de fls. 122 a 124 dos autos).
9 – É notório que as declarações prestadas por M. P. reclamam natureza criminal.
10 – O que, naturalmente, logo foi constatado pelos senhores inspectores da Polícia Judiciária, que tomaram declarações à testemunha M. P., em fase de inquérito e, na sequência, produziram documento com o seguinte teor: “Os factos relatados por M. P. quando cruzados com a informação que já consta do processo, permite à equipa de investigação admitir que a mesma participou conjuntamente com R. S. no homicídio de J. O.. (o destaque é nosso).
Devemos ainda referir que a M. P. procedeu à entrega voluntária da espingarda caçadeira…”. (Cfr. Fls. 130 a 133 dos autos, 1º volume)
11 – Nesse mesmo documento, a fls. 132 dos autos, verifica-se que a Polícia Judiciária se refere à testemunha como “suspeita M. P.…”. (o destaque é nosso).
12 – Destarte, alguém que relata, como M. P., a sua participação num crime, não pode assumir a qualidade de testemunha.
13 – Antes, a confissão de um crime obriga à constituição de arguido, nos termos previstos nos artigos 58º e 59º, ambos do Código de Processo Penal.
14 – Apesar do teor das suas declarações, M. P., mantém-se hoje no processo, com a qualidade de testemunha.
15 – De facto, o Ministério Público, órgão a quem compete exercer a acção penal e defender a legalidade democrática, não promoveu o processo de constituição de arguida, em clara violação do disposto nos artigos 48º, 58º e 59º do Código de Processo Penal e artigo 219º da Constituição da República Portuguesa.
16 – A inércia do Ministério Público, a quem compete exercer a acção penal e, bem assim, a douta decisão recorrida, violam o Princípio da Igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, que é um princípio estruturante do Estado de direito democrático e postula que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente.
17 – Na verdade, M. P. não foi constituída arguida, como deveria ter sido, diferentemente do que sucedeu com o arguido R. S. que, pela participação no mesmo crime, foi constituído arguido e foi já julgado.
18 – M. P. beneficiou de tratamento privilegiado, em relação ao arguido R. S. e também a co-arguida C. O., tudo em flagrante violação da igualdade de todos perante a Lei.
19 – Como bem refere o Tribunal a quo a testemunha M. P. não pediu a sua constituição como arguida.
20 – Mas, se a pessoa sobre quem recai clara suspeita de cometimento ou envolvimento no crime, não pede a sua constituição como arguido, nos termos do artigo 59º, n.º 2, do C.P.P., não se pode impedir o co-arguido de requerer a constituição de arguida, sob pena de violação do direito de defesa, constitucionalmente consagrado no artigo 32º, da Constituição da República Portuguesa.
21 – O artigo 59º, n.º 2, do C.P.P., quando interpretado com o sentido que lhe foi dado pelo Tribunal a quo, ou seja, no sentido de vedar aos co-arguidos a possibilidade de arguirem a constituição de arguido de pessoa suspeita, é inconstitucional, à luz do artigo 32º, da C.R.P., na medida em que impede o exercício de um efectivo direito de defesa aos co-arguidos, como se invoca.
22 – Portanto, com o devido respeito, mal andou o Tribunal a quo ao ter valorado o depoimento da testemunha, que é prova nula, por proibido o método de obtenção dessa prova, nos termos estatuídos no artigo 126º, n.º 2, al. d), do Código de Processo Penal. Trata-se de nulidade insanável (artigo 122º, do CPP).
23 – Pelo exposto, deve ser declarada nula a prova obtida por meio das declarações prestadas por M. P., bem como, todos os actos subsequentes e conexos, determinando-se, por conseguinte, a repetição do julgamento, para que a matéria de facto seja decidida sem recurso ao aludido meio de prova, como se requer.

Da nulidade da Conversa entre Presentes

24 – Para fundamentar a sua decisão, o Tribunal a quo valorou a gravação efectuada de “conversa entre presentes”, entre o arguido R. S. e M. P., das 09:25horas e as 09:40horas, do dia 09/05/2017, quando não o podia ter feito, por constituir prova proibida, por proibido o método de obtenção dessa prova, nos termos estatuídos no artigo 126º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Penal.
25 – Nesse dia 09/05/2017, a polícia judiciária, principia pela realização de buscas à residência do arguido (sita em ...), pelas 07:15horas e termo pelas 08:55horas (conforme auto de busca e apreensão, constante a fls. 203 dos autos) e acaba por deter o arguido, em Vila Real, apenas pelas 11horas (como decorre do mandado de detenção constante a fls. 207 dos autos).
26 - É sabido que a PJ já está na posse do mandado de detenção quando está em casa do arguido R. S. a efectuar as buscas (como é admitido pelo senhor inspector M. C., em audiência de Julgamento prestadas em 12/04/2018) e que o percurso – entre ... e Vila Real – demora cerca 30 (trinta) minutos a percorrer.
27 – Os senhores inspectores mantêm o arguido sob sua condição, durante 2 (duas) horas, aproveitando a oportunidade para, dentro do carro da polícia judiciária e com recurso a gravador, o colocarem a falar com M. P., de onde resultou a conversa entre presentes e, ainda, para o pôr lado-a-lado, com a co-arguida C. O., sentados no mesmo banco, esperando que os mesmos falassem um com o outro, para daí obter escutas, o que não sucedeu neste último caso.
28 – E nem se diga que tais encontros despropositados ocorreram a pedido do arguido R. S., porque tal não corresponde à verdade, como decorre da prova produzida em audiência de julgamento.
29 – O senhor inspector da polícia judiciária, M. C., ousou justificar em Julgamento que a conversa que havia de dar origem à gravação da “conversa entre presentes” ocorreu por iniciativa do próprio arguido, que solicitou a presença de M. P., mas sem sucesso, já que é desmentido pela própria testemunha M. P. e pelo arguido R. S..
30 – Assim, M. P. referiu nas suas declarações (gravadas em sistema digital em uso no Tribunal - com a referência identificadora da gravação 20180412155448 - prestadas em audiência de julgamento, realizada em 12/04/2018, das 15:54:50 às 17:41:48), o seguinte:
M. P.: [ao 35.18 min] … a PJ foi ter comigo ao trabalho e disse-me já detivemos o R. S. e daqui a um bocado nós viemos cá buscar-te para tu o convenceres a ele a dizer porque ele não quer dizer que foi ele. O senhor da PJ teve essa conversa comigo, o senhor M. C..
O R. S. não pediu para falar comigo…
M. P.: [ao 01.18.50 min] Dentro do carro o R. S. estava algemado….
31 – Por seu turno, o arguido R. S. referiu, no seu depoimento que não pediu para falar com M. P. (declarações da audiência de julgamento, realizada em 10/07/2018, gravadas através do sistema integrado de gravação digital, em uso no Tribunal, com a referência identificadora da gravação - 20180710104617 -, das 10:46:18 horas às 11:06:49 horas e das 11:10:54 horas às 11:25:12 horas, do dia 10/07/2018).
32 – Além disso, durante estes encontros, que ocorrem dentro do carro da polícia judiciária, o arguido R. S. está algemado, portanto, privado da sua liberdade, é o que decorre das declarações da testemunha M. P..
33 – Pelo que, a actuação dos senhores inspectores é absolutamente ofensiva dos direitos, liberdades e garantias do arguido R. S..
34 – A prova obtida - “conversa entre presentes” - por tal método desumano e ofensivo da integridade moral e da liberdade pessoal, é nula, à luz do artigo 126º, n.º 1, e n.º 2, a), do Código de Processo Penal e do artigo 32º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa. Trata-se de nulidade insanável (art.º 122º, do CPP).
35 – Pelo exposto, deve ser declarada nula a “conversa entre presentes”, efectuada em 09/05/2017, das 09:25 horas até às 09:40 horas, entre o arguido R. S. e M. P., cuja transcrição consta do Apenso V dos autos e ser mandada destruir, revogando-se o acórdão recorrido que deve ser substituído por outro que não atenda a tal meio de prova.

Da nulidade da Zaragatoa bucal

36 - Padece de ilegalidade a recolha da zaragatoa bucal a D. A. P., irmã do arguido R. S., que sofre de “debilidade mental de base em comorbilidade com surto psicótico”, como comprova o relatório médico junto aos autos e constante a fls. 1039.
37 – A zaragatoa bucal foi-lhe colhida sem que lhe tivesse sido explicada a finalidade da mesma. Nem ela entenderia isso.
38 – Naturalmente, que os senhores inspectores da polícia judiciária se aperceberam da deficiência de A. P., no momento em que colheram a “declaração de consentimento” para a recolha da zaragatoa bucal, contrariamente ao que referiram, porquanto ela é de imediato perceptível aos olhos de qualquer pessoa que prive consigo.
39 – Exemplo bem ilustrativo de sua notória deficiência é o facto de a D. A. P. ter sido inquirida nestes autos, e no seu depoimento (prestado em 30/01/2018, gravado em sistema digital em uso no Tribunal, com referência identificadora da gravação 20180130145830, do 00:01min ao 01:21min) não foi capaz de responder a qualquer questão que lhe foi feita, além do seu próprio nome. Não consegue dizer a sua idade, nem onde mora, tendo sido logo dispensado o seu depoimento.
40 – Portanto, nunca poderia a D. A. P., em audiência de julgamento, ter explicado “o circunstancialismo de tal recolha”, como sugere o Tribunal a quo, no douto acórdão recorrido (fls. 43 do acórdão), simplesmente por não ter capacidade de o fazer, o que ficou bem explícito naqueloutra diligência que decorreu perante o Tribunal e que, de resto, sempre dispensaria prova científica para o comprovar.
41 – Assim, a prova é ilegal, porquanto, A. P. nunca deu o seu consentimento consciente para a recolha de seus vestígios biológicos (zaragatoa bucal), devendo ser declarada a sua nulidade, nos termos do artigo 126º, n.º 3, do Código de Processo Penal, como se impõe.
42 – Nos termos do disposto no artigo 154º, n.º 2, do Código de Processo Penal, só o Juiz pode ordenar a realização de perícia, de pessoa que não haja prestado consentimento, o que no caso não sucedeu.
43 – Ao decidir pela inexistência de ilegalidade nesta recolha, violou o Tribunal a quo os artigos 126º, n.º 3 e artigo 154º, nº 2 do Código de Processo Penal (v.d. fls. 43 do acórdão). Trata-se de nulidade insanável (art.º 122º, do CPP).
44 – Assim, devem ser declarados nulos e de nenhum efeito a declaração de “consentimento” de fls. 663 dos autos, relatórios periciais de fls. 661 e 662 e 691 a 693, e todos os actos conexos.

Do erro de Julgamento

SEM PRESCINDIR, ainda que se considerem improcedentes as arguidas nulidades, o que à cautela se admite, sempre se invoca o seguinte,
45 – Considera o arguido que não ficaram provados os factos nºs 5, 7, 8, 9, 12, 13, 14, 17, 18, 19 e 39 dos “Factos Provados” constantes do douto acórdão.
46 – Com efeito, ao dar como provados os referidos pontos, incorreram os Senhores Juízes a quo em erro de julgamento, o que redundou num errado juízo de condenação e na aplicação de pena manifestamente exagerada.
47 – Salvo melhor opinião, não foi produzida prova que permitisse dar como provado, como o fez incorrectamente o Tribunal a quo, que o arguido, aqui recorrente, disparou a arma caçadeira sobre a vítima J. O. e que teve na sua posse e era proprietário da arma caçadeira, utilizada no crime de homicídio.

Fundamentos,

48 – No acórdão recorrido, na parte respeitante à motivação da decisão de facto (fls. 26 do acórdão), pode ler-se a seguinte fundamentação expendida pelo Tribunal a quo: “A convicção do Tribunal fundou-se, em grande medida, no depoimento da testemunha M. P., crucial na decisão da matéria de facto por ter sido testemunha presencial dos factos [conjugada com o teor das intercepções telefónicas e com o depoimento de D. N., como veremos infra].”
49 – Seguidamente, reproduz as declarações da testemunha M. P., nos seguintes termos:

“Esta testemunha transportou o arguido R. S., a pedido deste, ao local onde residia J. O., pelas 6.15 horas da manhã. Disse que era habitual transportar o R. S., que não tinha carta de condução e, no dia anterior ao dos factos pediu-lhe «para o levar a um sítio», ao que acedeu. No dia em causa, foi buscá-lo a sua casa, como tinham combinado (ele deu-lhe «um toque para o telemóvel»), foi-lhe dando indicações para onde queria ir e ela levou-o. Chegaram ao local pelas 6.20 horas. Ele quando entrou no carro trazia «uma coisa embrulhada num pano», mas não percebeu o que era. Disse-lhe para estacionar em frente a uma garagem, o que fez. Ficaram à espera até cerca das 7.15 horas e ele começou a desembrulhar o que trazia – era uma arma – e a montar uma caçadeira. Perguntou-lhe o que ia fazer e ele respondeu «cala- te, não tens nada a ver com isso!». Viu-se uma luz no prédio e ele disse «tenho que fazer um serviço» e saiu do carro. Viu o senhor a sair da garagem e viu-o apontar a arma e ouviu um tiro, altura em que baixou a cabeça. Quando o viu apontar a arma baixou a cabeça. Quando ele entrou no carro disse-lhe «O que fizestes?» e ele respondeu que «foi um serviço que me mandaram fazer por dinheiro. Vão-me pagar bem» e «agora vais direitinha à tua garagem e não vais dizer nada a ninguém» (…) Depois do disparo saíram do local e dirigiram-se à sua garagem onde o arguido guardou a arma.” (vd. Fls. 26 do acórdão).
50 – Também o arguido R. S. prestou declarações, o que fez logo em 1º interrogatório judicial de arguido detido (declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital, em uso no Tribunal, com a referência identificadora da gravação - 20170510163308 -, das 16 horas e 33 minutos às 16 horas e 35 minutos, do dia 10/05/2017), no seu depoimento referiu:

“Não fui eu que fiz o crime nenhum, não matei ninguém. Foi alguém que o fez, não fui eu”. [do 01:13 ao 01:32 min]
À pergunta: Mas sabe quem foi?
Arguido responde: Sei.
À pergunta: E quem foi? O arguido nada responde, não querendo dizer mais nada.
51 – O arguido R. S., volta a prestar declarações, em audiência de julgamento (gravadas através do sistema integrado de gravação digital, em uso no Tribunal, com a referência identificadora da gravação - 20180621145950 -, das 14:59:51 horas às 16:04:22 horas, do dia 21/06/2018), no seu depoimento referiu:
Juíza: O que quer contar?
Arguido: [00.20 min] Queria dizer o que realmente se passou.
Arguido: [00.55 min] Foi a D. C. O. que me contratou para fazer esse crime.
Juíza: E qual foi o negócio que fizeram, em concreto?
Arguido: [01.10 min]. Foi através do senhor D. S..
Arguido: [01.16 min] Que é o genro da D. C. O..
Juíza: E então como é que isso se passou?
Arguido: [01.22 min] Isso passou-se…foi que ela queria que o senhor J. O. morto… Juíza: Mas falou com ela directamente ou foi por intermédio do senhor D. S.? Arguido: [02.27 min] Foi intermédio do senhor D. S. que chego à D. C. O..
Juíza: E então, o que é que lhe disse o D. S., diga o teor das conversas.
Arguido: [02.39 min] O D. S. disse que a D. C. O. queria que o senhor J. O. fosse morto, porque, pelos vistos, estavam em divórcio e que o senhor J. O. não lhe dava o divórcio e que ela queria ficar com a casa, a D. C. O.. E o senhor D. S. disse se eu queria ganhar algum dinheiro e então foi daí que o senhor D. S. falou com a D. C. O.. 03.10.
Juíza: E o senhor disse o quê?
Arguido: [03.14 min] Eu disse que não sabia, que estava em dúvidas. E então o senhor D. S. falou com a D. C. O. e a D. C. O. insistiu com o senhor D. S.. Eu falei com a D. M. P.…
Juíza: Falou-lhe, falaram-lhe em algum valor, algum dinheiro que o senhor iria receber? Arguido: [03.42 min] Sim.
Juíza: E então, quanto é que…
Arguido: [03.45 min] …Cento e dez mil euros. Juíza: E onde é que ela ia buscar esse dinheiro? Arguido: [03.51 min] Não sei. Isso eu não sei. Juíza: Sim, e então…
Arguido: [04.04 min] E eu falo com a D. M. P. e a D. M. P. disse para nós fazermos, como tínhamos uma filha em comum e eu disse-lhe que estava em dúvidas e ela tanto insistiu e eu aceitei. Falei com o D. S. e o D. S. falou com a D. C. O., marcou para estarmos os quatro presentes. 04.41.
Juíza: Quem eram os quatro?
Arguido: [04.43 min] Eu, a D. C. O., o D. S. e a P. O.. Marcou…estivemos presentes os quatro. A D. C. O. falou directamente comigo, estávamos nós os quatro, falou directamente comigo…
Juíza: E onde foi essa conversa, recorda-se?
Arguido: [05.02 min] Essa conversa foi na ciclovia, nas …, em .... Na ciclovia. Falou comigo directamente, estávamos os quatro e disse-me que queria que o senhor J. O. fosse morto, por motivos de se separarem e ele não aceitava isso. Queria que a casa ficasse paga para ela e, pelos vistos, acho que também queria dinheiro do seguro. E eu falei-lhe: fazemos. E foi então quando disse-lhe: quanto é que paga? E ela disse: cento e dez mil euros. Sim, senhor. E eu aceitei.
Juíza: O senhor fala sempre no plural, quando diz: fazemos…combinamos. Era quem?
Arguido: [05.56 min] Era eu e a D. M. P..
Juíza: E então.
Arguido: [06.02 min] E então a D. C. O. disse: neste momento, eu tenho quarenta mil euros comigo. E eu disse: assim seja. Deu-me os quarenta mil euros.
Juíza: E ela deu-lhe os quarenta mil euros? Arguido: [06.13 min] Deu-me, sim senhora. Juíza: E como é que lhe deu esse dinheiro? Arguido: [06.15 min] Dinheiro vivo.
Juíza: Encontraram-se os dois, deu-lhe os quarenta mil euros.
Arguido: [06.28 min] Sim, deu-me quarenta mil euros. Dei-lhe trinta mil euros à D. M. P.. Fiquei com dez para mim.
Juíza: E porque é que deu esse dinheiro todo à D. M. P.?
Arguido: [06.40 min] Porque a D. M. P. estava assim um bocado…meia…de dívidas.
Juíza: Estava com dívidas. E os senhores, na altura, o senhor e a D. M. P. andavam juntos? Arguido: [06.51 min] Sim. Andávamos, meio-meio.
Juíza: E a filha que ela tem, é sua? Arguido: [06.58 min] Sim.
Juíza: E então e depois?
Arguido: [07.08 min] Dei-lhe os trinta mil euros à D. M. P. e fiquei com dez para mim.
Juíza: E isso quando é que foi?
Arguido: [07.17 min] Isso foi na altura do Natal, se não estou em erro, do Natal. Os outros setenta mil euros pagava quando fosse feito… Eu combinei com a D. M. P., disse-lhe: como é que é? Diz ela: fazemos, não te preocupes com nada, eu arranjo tudo. Assim seja. No dia, eu telefono à D. M. P., que ela já me tinha dito no dia anterior que estava tudo preparado…eu telefono à D. M. P.…ela vai-me buscar a casa…
Juíza: Isto eram que horas, recorda-se?
Arguido: [08.02 min] Eram por aí sete menos dez, por aí, mais ou menos…
Juíza: Ela foi buscá-lo a sua casa?
Arguido: [08.10 min] Sim, sim, sim. Ela foi-me buscar…eu saio da minha casa…ela sai do carro, vai para o assento ao lado e eu vou para o condutor. Mal entro no carro, vejo lá uma caçadeira ao lado…
Juíza: A caçadeira estava no carro?
Arguido: [08.32 min] Sim. Seguimos…eu segui…
Juíza: Mas o senhor, ainda agora foi dito por esta senhora que acabou de sair, que o senhor não conduz, nem sabe conduzir…
Arguido: [08.43 min] Sei conduzir, mas não tenho carro.
Juíza: Portanto, naquele dia, era o senhor a conduzir?
Arguido: [08.47 min] Sim, senhora. Fomos lá…fomos onde morava o senhor J. O.. Chegamos lá, deixei sempre o carro a trabalhar, quando a luz da garagem do senhor J. O. acendeu a D. M. P. saiu do carro, meteu-se num pilar ao lado, atrás, foi então quando abriu fogo. A D. M. P. veio a correr, entrou para o carro e eu tive que fugir.
Juíza: Então foi ela que deu os tiros? É isso que o senhor está a dizer?
Arguido: [09.26 min] Foi. Sim, sim.
Juíza: Tem ideia de quantos tiros deu?
Arguido: [09.36 min] Eu só ouvi um estouro. O tiro que saiu é um só. Juíza: E o senhor viu o que aconteceu…
Arguido: [09.43 min] Sim, vi. Estava lá, sim, vi. Depois, ela fez aquilo…eu fugi, claro, depois eu disse-lhe: M. P.…
Juíza: E ela voltou para o carro?
Arguido: [10.04 min] Sim, sim, sim. Ela veio para o carro, entrou para o carro e eu fugi. E eu disse-lhe: M. P., está feito, está feito. E eu fui para minha casa, estacionei o carro, ela saiu do lado, eu saí, ela foi para o lado do condutor, eu fui para casa e ela foi embora. Passado meses disso tudo, então foi quando ela começou a me ameaçar, a dizer que me ia meter na cadeia. E então eu disse-lhe: eu posso ir preso por uma coisa que eu participei, mas não fui eu que…
Juíza: …Que deu o tiro…
Arguido: [11.01 min] Sim. E ela disse: vou te meter na cadeia. E eu disse: olha faz como quiseres… Por ciúmes.
Juíza: Por ciúmes, porquê?
Arguido: [11.13 min] Porque eu, na altura, estava com a M. e então ela, ela, pelos vistos, fez isso por ciúmes, para me…
Juíza: Para o prejudicar, é isso? Arguido: [11.26 min] Sim.
Juíza: Então, mas vamos…houve aqui um aspecto que eu não percebi…foi, o senhor disse que quando entrou no carro, que a arma já lá estava… Arguido: [11.35 min] Estava assim ao lado, sim.
Juíza: A arma era de quem?
Arguido: [11.39 min] Minha, não era.
Juíza: A arma estava embrulhada em alguma coisa, estava…como é que estava a arma?
Arguido: [11.48 min]. Naquele momento, estava só a arma. Juíza: E que arma era?
Arguido: [11.57 min] Quando olhei para o lado parecia-me uma caçadeira, sim. Juíza: Já estava montada?
Arguido: [12.09 min] Sim.
Juíza: E portanto, o senhor a seguir foi para sua casa e ela seguiu…
Arguido: [12.16 min] E ela seguiu…
Juíza: E levou a arma?
Arguido: [12.18 min] Levou, sim. Juíza: Quer dizer mais alguma coisa?
Arguido: [12.26 min] Queria dizer que fiz mais, não é, claro, por dinheiro, fiz.
Juíza: Mas o senhor tinha assim tantas necessidades, isto é uma coisa assim hedionda de se fazer, como quer que seja, foi por dinheiro. Foi por dinheiro, o senhor estava assim tão necessitado?
Arguido: [12.45 min] Também foi por…o dinheiro também foi pela M. P., que ela estava…tinha muitas dívidas…e ela… e foi ela que me deu mais coiso para eu aceitar.
Juíza: Então mas o senhor andava, nessa altura, com a senhora M. P. ou com a tal M.? Arguido: [13.03 min] Eu estava com a M.. Mas por fora tinha a M. P..
Juíza: Sim, senhor. É o que o senhor quer dizer acerca disso. Portanto, no fundo, o senhor participou nisto, mas não foi o senhor que deu o tiro, é isso?
Arguido: [14.43 min] Participei, como disse, participei, sim senhora, era isso que eu queria dizer, pronto…pedir perdão à família, que é uma coisa que não se faz, participei, sim senhora, foi isso que eu fiz. Mas não fui eu que dei o tiro.
Procurador: Porque é que é só o R. S. a dizer cuidado não fales, até posso ir preso… e não é ela a dizer…
Arguido: Porque eu sempre tentei protegê-la, mesmo dentro do carro quando fui detido eu disse- lhe a ela eu vou-te proteger…
Juíza: Porque sentia tanta necessidade de proteger a D. M. P.?
Arguido: [39.30 min] Como disse, tenho uma filha com ela e, na altura que eu fui detido, ela tinha 3 anos…
Juíza: E alguma vez falaram, o senhor e a D. M. P., falaram em qualquer coisa parecida com ser o senhor a assumir isto e ela criava a rapariga, assim qualquer coisa parecida com isto?
Arguido: [39.57 min] Sim.
Juíza: E então explique melhor isso. O que é que conversaram sobre isso?
Arguido: [40.05 min] Ela queria que eu assumisse tudo, tanto é que, desde que começou até hoje, eu não falei, era para assumir tudo, eu ia ficar como, não é, o mau da fita e ela ficava fora.
Juíza: E foi por causa da miúda que combinaram isso?
Arguido: [40.27 min] Sim.
Juíza: E então porque decidiu agora, o senhor a qualquer momento, como disse, pode falar ou até nem responder a esta pergunta.
Arguido: [40.34 min] Sim, sim.
Juíza: Porque decidiu agora mudar de ideias e contar a verdade, segundo o senhor está a dizer…
Arguido: [40.43 min] Porque a minha mãe…custa muito…porque a minha mãe tem problemas de coração, já não é nova, a mim custa-me…e ela numa visita disse-me: filho se tens que assumir alguma coisa ou se tens culpa, ou nisto ou naquilo, fala a verdade. E uma mãe dizer isso custa.
52 – O arguido R. S. continuou a prestar declarações, em audiência de julgamento, realizada em 10/07/2018 (gravadas através do sistema integrado de gravação digital, em uso no Tribunal, com a referência identificadora da gravação - 20180710104617 -, das 10:46:18 horas às 11:06:49 horas e das 11:10:54 horas às 11:25:12 horas, do referido dia 10/07/2018), no seu depoimento referiu:
Arguido: [05.50 min] Não. Eu já disse que fiz pelo dinheiro, pela minha família, mas pela D. M. P. também, que me fez mais fazer isso, claro que estou arrependido, obviamente se fosse hoje não o fazia, não, que é muito duro, é, queria pedir desculpa à família, sei que as desculpas não se pedem, evitam-se, mas queria pedir desculpa, estou arrependido, estou, jamais faria isto, não.
Juiz: Então porque é que aqui no processo, na acusação, diz que o senhor, inicialmente, pediu ao marido da D. M. P., para o levar lá àquele sítio?
Arguido: [10.41 min] Isso não, isso é mentira.
Procurador: Sabe, nessa combinação que fez com a D. M. P., se ela tinha habilidade, ou tinha capacidade para depois para fazer o disparo, o senhor é que levava o carro, ela fez o disparo, mas confiava nela para ela fazer o disparo?
Arguido: [18.52 min] Sim.
Procurador: Porquê?
Arguido: [18.55 min] Porque ela, como já disse, ela é mulher para tudo, é mulher para tudo.
53 – Acareado com a testemunha M. P., em audiência de julgamento, realizada em 20/09/2018, o arguido manteve, coerentemente, a versão dos factos.
54 – Assim, o arguido R. S. assumiu que participou no plano que envolvia o homicídio de J. O., que, tal como M. P., aceitou a proposta da co-arguida C. O. e no dia dos factos, deslocou-se ao local, juntamente com M. P. e, ali chegados, quem disparou foi M. P., portanto, negou perentoriamente que tivesse sido o autor do disparo que provocou a morte directa da vítima e, por conseguinte, não utilizou a arma do crime, nem a guardou ou mandou guardar na garagem de M. P., nem tão pouco era proprietário da arma.
55 – Pela prática destes factos, demonstrou sincero arrependimento e pediu desculpa à família, perante o Tribunal.
56 – Afirmou que não tem carta de condução, mas sabe conduzir, o que, de resto, é perfeitamente possível.
57 – Referiu, também, com credibilidade, que nunca pediu boleia ao C. H., companheiro de M. P., para o levar a um sítio às 6horas da manhã.

Mas ainda que se entendesse pela positiva, o que se aceita por dever de cautela, se o arguido não disse para que sítio pretendia a boleia, como está provado, não é possível concluir, como incorrectamente fez o Tribunal a quo, que tivesse pedido boleia para se deslocar à garagem da vítima J. O., onde ocorreram os factos.
58 – Referiu, ainda, que M. P. agiu a troco de dinheiro, pois tinha várias dívidas por saldar. Dívidas que a própria M. P. assumiu ter, em declarações que prestou em audiência de julgamento, realizada em 20/09/2018.
59 – Por seu turno, nas suas declarações, a testemunha M. P. assevera que no dia dos factos, o arguido R. S. lhe pediu boleia e que só tomou conhecimento do destino dessa boleia e daquilo que o R. S. trazia embrulhado em pano, quando chegaram ao local do crime.
60 - Portanto, na sua versão, não sabia nada!!!
Levantou-se, pelo menos, às 06horas da manhã, em dia de Inverno, para dar boleia ao seu namorado, em horário que não era costume pedir-lhe boleia e…NÃO SABIA PARA ONDE IA, NEM O QUE IA FAZER E SÓ SOUBE QUANDO CHEGOU AO DESTINO.
61 – Dizem-nos as regras da experiência que M. P., que mantinha relacionamento amoroso com o arguido R. S., o questionou e este sempre lhe teria confidenciado, quanto mais não fosse, sempre lhe teria dito durante o percurso que fizeram de carro até ao local do crime, contrariamente ao que foi afirmado pela testemunha.
62 – Percebemos que o facto de M. P. ter tomado a dianteira e ter denunciado (melhor dito, confessado) o crime lhe possa ter dado pontos.
63 – Mas isso não se revela suficiente, tanto mais se tivermos em conta que o arguido R. S. nunca tomaria a iniciativa de a denunciar, pois assim lhe havia prometido, como M. P. bem sabia, e, por isso, nesse prisma, nunca iria ganhar pontos sobre M. P., o que não pode significar que a sua versão não é verdadeira.
64 – A título de exemplo transcrevemos parcialmente as conversações telefónicas interceptadas, onde o arguido R. S. refere que não denunciará M. P. (veja-se Apenso IV, págs. 18 e ss, gravação de 01/05/2017, com início às 20:47:03h às 21:00:11h):
M. P.: Oh, tá bem, olha, tu esqueces-te que se tu fores eu também vou, esqueces-te disso? Ou não?
R. S.: Mas eu não te vou acusar de nada.
M. P.: Ah, então prontos.
R. S.: Eu vou sozinho, não te preocupes que eu não te vou meter a ti em nada.
M. P.: Foda-se.
R. S.: Não te preocupes que eu não te vou meter em nada.
M. P.: Tá bem.
R. S.: Eu se for, se for vou eu sozinho.
M. P.: Tá bem.
R. S.: E não te preocupes que eu não te vou estragar a vida não, pelo contrário.
65 – Questionada sobre o que a levou a denunciar os factos, quatro meses após a sua ocorrência, M. P., num primeiro momento não soube responder, acabando por responder, só após sugestão do Meritíssimo Juiz, que o fez por medo do arguido R. S. que, nas suas palavras, a andava a ameaçar e que isso a impediu de denunciar imediatamente os factos.
66 – Ora, com o devido respeito, tal justificação é inverosímil, especialmente se tivermos em conta as conversações telefónicas interceptadas, entre o arguido e M. P. (transcritas nos Apensos III, IV e V dos autos), de onde não ressalta qualquer sentimento de medo da parte de M. P., nem se retira a verbalização de qualquer ameaça por parte do arguido R. S., bem pelo contrário, é sempre a M. P. que atiça, confronta e estimula discussões com o arguido, em várias situações de suas vidas privadas.
67 – O que resulta do conjunto das intercepções telefónicas é que M. P., pessoa casada, mantinha relação amorosa com o arguido R. S., de quem tem uma filha (o que foi admitido por ambos em declarações que prestaram em Julgamento, embora M. P. diga desconhecer ao certo se é filha do arguido R. S.) e sentia ciúmes por este manter relação de namoro com uma mulher, de nome M., que a terá motivado a denunciar o crime, como o arguido R. S. referiu em audiência de julgamento, conforme se deixou supra transcrita.
68 – M. P. recusa-se a admitir que sentia ciúmes da M., tentando até transparecer o contrário, dizendo que “o R. S. podia ter as mulheres que quisesse, que isso não a incomodava”, o que é categoricamente desmentido pelo conteúdo das suas conversações telefónicas interceptadas.
69 – No entanto, essa “ciumite” e o seu desejo de vingança, resulta do conteúdo das comunicações e conversações telefónicas interceptadas (veja-se Apenso IV, pág. 14 e ss, do dia 01/05/2017), entre M. P. e R. S., que se transcreve:

M. P. envia sms ao R. S.: “Queres guerra vamos ter guerra vou contar a toda a agente que foste tu que mataste o homem”. (às 13:50horas)
M. P. liga ao R. S., pelas 20:47:03horas até às 21:00:11horas:
M. P.: Sim. Ai não gostavas que eu te disse que ia falar com a M., lembras-te quando me ameaças que ias falar com o C. H. (companheiro de M. P.).
M. P.: Tu, tu, agora estás muito ofendido por eu falar pelo telefone, não é? Porque é assim, agora estavas a falar na M., porque tu a mim, estavas-me sempre a ameaçar que ias contar ao C. H., e agora, eu vou-te ameaçar que conto à M., gostas? Não gostas pois não? Não gostas pois não?
(…)
M. P.: Digo-te, foi a última gota…
R. S.: Porquê?
M. P.: Chorei muito, tenho aqui os meus olhos… (…)
M. P.: Foi aqui, foi hoje e foi no dia que me deixastes grávida da minha filha para ires para a Suíça. (…)
M. P.: Eu juro-te, juro-te. Ouve bem o dia que é hoje. (…)
M. P.: se queres mandar mensagem, se queres ligar, se queres estar comigo, se eu puder e se eu quiser, na boa, senão não. (…)
M. P.: Porque, o que tu me fizestes hoje, foi a gota de água. (…)
M. P.: Logo logo terás notícias. (…)
M. P.: …eu não estou a ver o pai da minha filha, a dar mais carinhos aos outros do que a ela.
R. S.: Mas e, mas quantas vezes, olha, eu já te pedi, M. P., posso ir, posso ir buscar a miúda e isso? Ah não, não sei quê, não vais, prontos.
M. P.: Com a M. não vais, nem com a M. nem com ninguém. (…)
M. P.: Agora com outras pessoas, que para a minha filha, para a minha filha, eu não gosto, não deixo.
R. S.: Não vai, não vai, prontos acabou.
M. P.: Que é assim tu queres ir buscá-la com a M.?
R. S.: Sim.
M. P.: Não, então não vai. (…)
M. P.: …estás a perder os melhores momentos da vida dela.
R. S.: Tu é que estás a fazer que eu perca porque eu digo-te assim: - Posso ir buscá- la? Não, não sei quê, não. (…)
M. P.: Diz-me então, porque é que tens que ir buscá-la com pessoas que eu não gosto?
M. P.: Não estás com intenções de deixar a M. pois não?
R. S.: Porquê? (…)
M. P.: Porque é assim, se não tás é uma coisa, se estás é outra. (…)
M. P.: É assim, tu se não estiveres com intenções de a deixar, nunca mais te ligo, nunca mais quero saber de ti, agora se me disseres, ah não é já mas tenho que a deixar aos poucos, na boa. (…)
R. S.: Beijos amo-te.
M. P.: Vá beijo amo-te.
70 – Portanto, é axiomático, que M. P. tinha ciúmes de M. e que se sentia desapontada com a relação que o arguido R. S. mantinha com ela e prometia uma certa “vingança” (refere “queres guerra, vamos ter guerra”, “digo-te foi a última gota”, “ouve bem que dia é hoje”, “logo, logo terás notícias”).
71 – Se é certo que nesta data M. P. já havia feito a denúncia (o que o arguido R. S. desconhecia), não é menos certo que ainda poderia “continuar a sua vingança” mantendo as declarações que já havia prestado, como manteve.
72 – Note-se ainda que M. P. faz a denúncia e de seguida vai para o estádio, serenamente, assistir a um jogo de futebol, assim, o afirmou, em audiência de julgamento (declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital, em uso no Tribunal, com a referência identificadora da gravação - 20180920144729 -, em audiência de julgamento, realizada em 20/09/2018, das 14:47:30 horas às 15:17:17 horas), no seu depoimento referiu:
M. P.: [18.43 min] Sim. Mas é assim, eu já fiz a questão da outra vez e torna a pôr. Eu fiz a denúncia antes do futebol começar, antes, não foi depois, foi antes. E não aconteceu nada no futebol.
Defensora: [18.56 min] A senhora faz parte da claque do Desportivo de ...?
M. P.: [19.00 min] Sim.
Defensora: [19.09 min] Nesse dia, não estiveram mais cedo no estádio, a M. P., antes do jogo…
M. P.: [19.14 min] Não, eu já pus a questão e torno a dizer, eu fui já o jogo tinha começado, porque estava na polícia a fazer a denúncia.
Defensora: [19.25 min] E fez a denúncia e depois foi ver o jogo de futebol?
M. P.: [19.27 min] ... Fui, ao futebol.
73 – Este comportamento impulsivo e desviante da testemunha M. P. é bem demonstrativo de que a mesma agiu impelida por causas passionais, segundo referiu o arguido R. S. muito persuasivamente, movida por sentimentos de ciúmes.
74 – E que a oportunidade que encontrou para fazer a denúncia são, no mínimo, reveladoras de uma absoluta frieza perante os factos que denuncia (crime de homicídio!) e nos quais teve intervenção.
75 – Aqui chegados, cabe-nos questionar directamente: será prudente e seguro sustentar a motivação da decisão de facto em declarações prestadas por pessoa que está directamente envolvida no crime? Cremos que não.
76 – Desde logo, porque, claramente, embora intervenha como testemunha, tal apenas se verifica, formalmente, pois, em substância, depõe de forma interessada no desfecho do processo, como se de um verdadeiro co-arguido se tratasse.
77 – No caso, é patente que o Tribunal a quo valorou o depoimento de M. P., como se de uma verdadeira testemunha se tratasse, ao invés de o valorar como se de uma verdadeira arguida se tratasse, como ditariam as regras da experiência comum e da cautela, atribuindo-lhe, por isso, total credibilidade e baseando a sua convicção em depoimento assim obtido.
78 – Pois bem, M. P. e o ora impetrante, R. S., são as únicas pessoas que presenciaram os factos e as versões que apresentam para os mesmos factos são, em muitos pontos, antagónicas.
79 – Perante esta contradição, porquê atribuir maior credibilidade ao depoimento de M. P., em detrimento do depoimento do arguido R. S., como o fez a Instância a quo?
80 – Refere-se no douto acórdão recorrido (fls. 27) que do depoimento de M. P. “…que foi claro, coerente e por isso, credível – retirou-se, com clareza, que o arguido no dia em causa foi a casa de J. O., por volta das 7 da manhã e que foi ele quem disparou os tiros que viriam a causar-lhe a morte.”.
81 – Mas isso não é o que resulta da prova produzida no processo, nomeadamente das escutas telefónicas que corroboram a versão do arguido e fragilizam M. P..
82 – Assim, vejamos as conversações entre M. P. e o seu companheiro, C. H., das quais resulta que foi M. P. quem disparou a arma caçadeira sobre a vítima J. O., provocando-lhe a morte (veja-se Apenso IV, pág. 29, conversações entre C. H. e M. P., em 09/05/2017 - data da detenção do arguido – das 09:36:39horas às 09:43:18horas):
C. H.: Não sabes, então quem é que sabe? Com que cara vão olhar para ti na … se souberem a verdade, foste tu.
M. P.: Quem é que vai saber que fui eu.
C. H.: Quem sabe? Basta ele abrir a boca só.
M. P.: Achas que ele vai abrir?
C. H.: Não sei. Conforme tu abriste ele também pode abrir e não o condeno. Não é a verdade?
M. P.: Tá bem.
(O destaque é nosso)
83 – Esta escuta, em particular, é bem esclarecedora quanto à autoria dos factos. C. H. refere que foi M. P. quem matou ou, pelo menos, participou activa e conscientemente nos factos e o Tribunal a quo não a teve em devida consideração no momento de sustentar a condenação.
84 – Diz-se no douto acórdão (fls. 30) que é compreensível que o arguido tivesse tentado fugir à autoria dos factos, no sentido de ter sido ele o autor do disparo.
85 – Todavia, igual raciocínio é passível de ser feito, relativamente a M. P..
87 – O depoimento da testemunha D. N., que serviu de base à fundamentação da decisão recorrida, referiu que, no dia dos factos, ouviu um “estrondo”, veio à janela e viu um homem magro, de altura média e pele morena a entrar para um carro que arrancou a alta velocidade do local.
88 – Ora, atendendo a que no dia dos factos era Inverno e seriam por volta das 7horas da manhã, portanto, ainda seria escuro, parece-nos que o seu depoimento se pode revelar falível, na medida em que, é bem provável que a testemunha pudesse não ter condições de visualizar, na perfeição, quem vira a fugir, se era efectivamente um homem ou uma mulher, tarefa que se pode tornar ainda mais dificultada consoante a indumentária que a pessoa que viu a fugir trajasse naquele dia.
89 – Por outro lado, a testemunha não conseguiu identificar as pessoas visadas, podendo bem tratar-se de outras pessoas, que não o arguido R. S. ou M. P..
90 – Convém ressaltar que M. P. tem compleição física bastante semelhante à do arguido R. S. – que são primos -, têm ambos pele morena, eram ambos magros (embora no dia em que M. P. foi prestar declarações, em julgamento, estivesse mais forte) e têm praticamente a mesma altura.
91 – Portanto, este depoimento é demasiado vago, impreciso e insuficiente para merecer peso determinante na fundamentação da decisão recorrida.
92 – No que concerne à arma do crime, M. P. refere que a mesma foi guardada na garagem de seu familiar, logo após a execução do crime, porque trazia sempre as ... consigo e o arguido R. S. lhe pediu que assim fosse. - (veja-se declarações da testemunha M. P., gravadas em sistema digital em uso no Tribunal, com a referência identificadora da gravação 20180412155448, prestadas em julgamento, em 12/04/2018, das 15:54:50 às 17:41:48, ao min 14.00 refere – “Eu trazia sempre as ... comigo”).
93 – Ora, nas conversações telefónicas, entre M. P. e seu companheiro C. H., fls. 25 a 29 – apenso IV dos autos, relativas ao dia 09/05/2017, data da apreensão da arma na garagem, diz o senhor C. H., referindo-se à garagem e ao acesso à mesma, por parte de M. P., no dia da apreensão da arma:
C. H. – “E então? Coitado? E agora eu digo-te, o que te mandou a ti fazer o que fizestes? Eu não te queria dar a chave mas tu quisestes a chave para ir buscar…para ires meter uma peça na máquina da minha mãe não é? Era a peça não era? Como me enganaste nisso, enganas-me em muitas coisas que eu não sei.” - (vd. fls. 28, apenso IV).
94 – Resulta desta intercepção telefónica que, contrariamente ao que M. P. referiu no seu depoimento, não era habitual ter as ... da garagem consigo, porquanto, no dia da apreensão da arma, com vista a ter acesso ao seu interior, teve de pedir ao seu companheiro para lhe entregar a dita chave.
95 – Assim, como se explica que no dia dos factos M. P. tinha as ... da garagem consigo? Certamente porque contava deslocar-se àquela garagem no dia dos factos, ou então, foi pura coincidência, naquele dia, por acaso, contrariamente ao que é habitual, trazia as ... consigo, o que acabou por dar muito jeito, porque aproveitou esse facto para, acto contínuo, após o crime, guardar a arma na garagem.
96 – Tal como consta do ponto 38 dos factos provados do douto acórdão, na residência do arguido foi apreendida uma arma de fogo da marca “F.T.F.”, modelo “GT28”, que o arguido referiu ter na sua posse, por questões de segurança e defesa, dada a ocorrência de criminalidade, assaltos, na sua área de residência e sendo ele o “homem da casa”, tendo seu pai falecido, vivia apenas com sua mãe e irmã, sentia necessidade de ter uma arma, para sua protecção e da sua família.
97 – Ora, se o arguido guardava em sua casa, uma arma de fogo, também lá podia ter guardado a arma do crime. Não faria sentido envolver M. P. a tal ponto de lhe pedir para guardar a arma do crime na sua garagem e, muito menos, se não estivesse minimamente envolvida neste crime.
98 – A propósito, diz-se na fundamentação do douto acórdão (fls. 31) que: “…foi o arguido quem desferiu o tiro mortal, não sendo a sua versão (engenhosa, mas cujo objectivo – de mitigação da sua culpa - se apreende com facilidade) verosímil. De resto, veja-se que era o arguido quem tinha armas e munições em casa – o que significa que as sabe manejar, diversamente da testemunha M. P., a quem apenas foi apreendida esta arma (a do crime).”. (sublinhado nosso)
99 – Salvo o evido respeito que é muito, esta fundamentação é algo imprudente.
100 – Em primeiro lugar, entendemos que o facto de alguém ter uma arma em sua casa, não significa que a saiba manejar ou que alguma vez fez uso dela.
101 – Mas o exercício lógico do Tribunal a quo, que se não pode acolher, é o seguinte:

- se o arguido tinha uma arma em sua casa (diga-se, de características bem diferentes da arma caçadeira utilizada no crime) então significa que a sabe manejar.
- Mas, M. P., a quem foi apreendida “apenas” e, tão só(!), a arma do crime, não significa que a saiba manejar
102 – A nós, parece-nos que se deve fazer exercício exactamente contrário àquele que foi adoptado pelo Tribunal a quo.
103 – Como se diz no douto acórdão, de facto, não foi apreendida qualquer outra arma a M. P. (além da própria arma do crime), mas o certo é que também a sua residência não foi alvo de qualquer busca, e mesmo que venha, mais tarde, a ser realizada, nessa altura, já se terá acautelado previamente para esse fim.
104 – Certo é que, não podemos acompanhar o raciocínio que o Tribunal a quo faz e acabado de expor, para sustentar que foi o arguido R. S. quem desferiu o tiro, por o mesmo encerrar em si mesmo uma dualidade de critérios.
105 – Padecendo o douto acórdão de vício de fundamentação, por contradição entre a motivação e a decisão e erro notório na apreciação da prova, nos termos previstos no artigo 410º, nº 2, al. b) e c), do Código de Processo Penal.
106 – Por fim, ainda a propósito da arma do crime, refere-se na motivação do douto acórdão, o seguinte: “A este respeito, impõe-se sublinhar um outro pormenor, mas relevante, que também infirma a narrativa do arguido: é que a arma apreendida estava embrulhada num pano (recorde-se que a testemunha M. P. disse isso mesmo) e, nesse pano, foram encontrados vestígios de ADN da irmã do arguido, que mora com este. O arguido, a respeito de tal pano, diz nada saber (que devia ser um lenço que a irmã costumava usar quando iam à piscina com a M. P.). Ora, os factos ocorreram no inverno, pelo que é muito pouco verosímil que a M. P. tivesse tal túnica, que a tivesse guardado em sua casa e ainda que a tivesse usado, precisamente, para embrulhar a arma. Já é muitíssimo provável que o arguido tivesse levado tal peça de vestuário de sua casa (sublinha-se que o arguido vive com a irmã) para embrulhar a arma (precisamente como disse a testemunha M. P., a arma vinha embrulhada num pano quando o arguido saiu de casa e entrou no carro).”. – (v.g. fls. 31 do acórdão).
107 – Previamente, cumpre-nos referir que o Tribunal a quo não levou à matéria dada como provada, por considerar supérfluos, os seguintes factos, sobre os quais acaba por se pronunciar na motivação da decisão de facto:
“25. Na peça de roupa (túnica) que embrulhava a arma, foi encontrado ADN cujo perfil é idêntico ao perfil de A. P., irmã do arguido R. S..
26. Utilizou, assim, o arguido uma peça de roupa (túnica), para esconder a arma, peça essa que era utilizada e propriedade da sua irmã.” (Cfr. fls. 15 e 16 do acórdão).
108 – Considerando tais factos “sem interesse factual para a decisão da causa” e não constando os mesmos dos “factos provados”, não poderiam os mesmos vir a constituir base para a fundamentação da decisão, como erradamente sucedeu no acórdão recorrido, que assim fez incorrer o douto acórdão recorrido do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada, nos termos previstos no artigo 410º, nº2, al. a) do Código de Processo Penal.
109 – Ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que a presença de ADN de A. P. na túnica que embrulhava a arma do crime, não pode significar que a túnica foi embrulhada na arma pelo arguido R. S., ou que a arma foi utilizada pelo arguido e, muito menos, que foi o arguido quem disparou a arma, como é pretendido pelo Tribunal a quo.
110 – A D. A. P. priva com várias pessoas, entre as quais o seu irmão, mas também, por exemplo, a testemunha M. P..
111 – Assim, questionado sobre o facto de a túnica que embrulhava a arma conter vestígios biológicos de sua irmã, o arguido respondeu, de modo credível, que a sua irmã privava consigo e, em várias ocasiões, com M. P. (de salientar que A. P. e M. P. são primas) como em idas à piscina e às compras. Mas nunca referiu que foram à piscina no Inverno, como transparece do que foi vertido no acórdão.
112 – Com vista a demonstrar a credibilidade da testemunha M. P., na sua motivação, refere o Tribunal a quo o seguinte: “…é que a arma apreendida estava embrulhada num pano (recorde-se que a testemunha M. P. disse isso mesmo) …” – (vd. fls. 31 do acórdão).
113 – Ora, mal seria se a testemunha M. P., que tem a arma guardada na sua garagem durante quatro meses, como resulta provado, não sabia que ela estava embrulhada num pano e não fosse capaz de dizer isso mesmo.
114 – Mas mais ainda, seguindo as declarações do arguido R. S., foi M. P. quem disparou a arma e a guardou na sua garagem. Então, por que motivo, não haveria de saber que a embrulhou no pano? Claro que sabia, sempre soube.
115 – Portanto, fica demonstrado, contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, que o depoimento de M. P. não infirma a narrativa do arguido R. S., bem pelo contrário.
116 – Em suma, o que decorre da prova produzida é que o arguido R. S. participou no plano que envolvia a prática do homicídio, previamente acordado com a testemunha M. P. e a co-arguida C. O. e que passava pela aceitação da proposta feita pela co-arguida C. O. e concretização do homicídio.
117 – E na execução desse plano o arguido R. S. transporta a M. P. ao local do crime e ali chegados, quem dispara é a testemunha M. P. que, em seguida esconde a arma que utilizou na prática do homicídio e o arguido R. S. limita-se a auxiliar ao cometimento do facto, sendo que, a sua conduta não é essencial à consumação do facto.
118 – Donde resulta que o arguido R. S., de facto, tomou parte directa no plano previamente acordaram, porém, não tomou parte directa nos actos directamente causadores da morte da vítima.
119 - O crime de homicídio é um crime de resultado, que se concretiza com a morte da vítima, para que o arguido possa ser responsabilizado como autor, tem que tomar parte directa na morte da vítima, o que não sucedeu, nem a sua conduta se revela indispensável à concretização do resultado.
120 - Portanto, a comparticipação do arguido, será sempre na forma de cumplicidade e não de autoria ou co-autoria, pela ausência no domínio do facto, devendo a sua pena ser especialmente atenuada (cfr. art.º 27º, do Código Penal).
121 – Por tudo o exposto, não ficaram provados os pontos 5, 7, 8, 9, 12, 13, 14, 17, 18, 19 e 39 dos “Factos Provados”, no douto acórdão.
122 – Na verdade, como ficou demonstrado, o Tribunal não reuniu provas suficientes que lhe permitisse dar como provado que foi o arguido R. S. quem disparou a arma de fogo sobre a vítima J. O. e que teve na sua posse ou era proprietário dessa arma.
123 – O Tribunal a quo não atendeu devidamente às declarações prestadas, em audiência de julgamento, pelo arguido R. S. (o Tribunal a quo apenas atribui parcial credibilidade às declarações do arguido), como o deveria ter feito, por se mostrarem coerentes e consentâneas com a demais prova.
124 – Face à prova que foi efectivamente produzida, seria impossível ou, pelo menos, difícil a demonstração de que foi o arguido o autor material do disparo e que utilizou ou teve na sua posse a arma do crime, o que equivaleria, em caso de dúvida, à conclusão de que o arguido não disparou a arma e não teve na sua posse ou era proprietário da arma caçadeira, por força da aplicação do princípio in dubio pro reo.
125 – O Princípio in dubio pro reo funda-se constitucionalmente no princípio da presunção da inocência até ao trânsito em julgado da sentença condenatória – artigo 32.º, n.º 2, da C.R.P. - impondo que qualquer non liquet na questão da prova seja valorado a favor do arguido.
126 – O que sempre imporia a atenuação da pena parcelar aplicada pela prática do crime de homicídio qualificado e a sua absolvição quanto à detenção de arma proibida, no que respeita à arma do crime.
127 – Pelo que, no caso, o Tribunal a quo sempre deveria ter decidido pro reo, como não fez, em clara violação da citada disposição constitucional.
128 – Ao decidir, como decidiu, julgar provados os pontos 5, 7, 8, 9, 12, 13, 14, 17, 18, 19 e 39 dos “Factos Provados”, o Tribunal a quo violou, pois, o artigo 32º, n.º 2, da CRP e o artigo 127º, do Código de Processo Penal, tendo incorrido em erro de julgamento.

Da medida da pena

129 – A pena aplicada ao arguido R. S. é manifestamente exagerada.
130 – Vem o arguido R. S. condenado, como autor material, pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma consumada, na pena de 25 (vinte e cinco) anos de prisão e um crime de detenção de arma proibida, na pena de 2 (dois) anos de prisão, em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 25 (vinte e cinco) anos.
131 – Ao crime de homicídio qualificado por que vem condenado o arguido, p.p. pelo artigo 132º, do Código Penal, cabe a penalidade de 12 a 25 anos.
Ao crime de detenção de arma proibida, p.p. pelo artigo 86º, n.º 1, al. c) da Lei nº 5/2006, de 23/2, alterada pela Lei nº 17/2009, de 6/5 e Lei nº 12/2011, de 27/4, cabe a penalidade de 1 a 5 anos ou pena de multa até 600 dias;
132 - Nos termos do artigo 71º, do Código Penal, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e deve atender às circunstâncias concretas, sendo que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, nos termos do artigo 40º, nº 2, do Código Penal.
133 – É inegável o elevado grau de ilicitude do facto, quando estamos em presença do bem jurídico tutelado – vida humana -, mas não é menos verdade que o arguido R. S. não participou nos actos directamente causadores da morte, nem tão pouco, utilizou ou era proprietário da arma do crime, não podendo ser responsabilizado por isso.
134 - Assim, atendendo a que devem considerar-se não provados os pontos 5, 7, 8, 9, 12, 13, 14, 17, 18, 19 e 39 dos “Factos Provados” no douto acórdão, como se pugna neste recurso, sempre se dirá que, nunca poderia o arguido ter sido condenado pelo crime de detenção de arma proibida, no que respeita à arma do crime, como incorrectamente foi. Impondo-se a sua absolvição.
135 – Restando apenas a condenação pela prática do crime de detenção de arma proibida, quanto à arma de fogo da marca “F.T.F”, modelo “GT28”, melhor identificada no ponto 38 dos factos provados no douto acórdão, apreendida na sua residência.
136 – O arguido justificou a posse da arma, por questões de segurança e defesa, pois ocorriam vários assaltos na sua área de residência e sendo ele o “homem da casa”, por falecimento de seu pai, vivia apenas com sua mãe e irmã, sentia necessidade de ter uma arma, para sua protecção e da sua família, sendo certo que não resulta dos autos qualquer indício ou prova de que alguma vez fez uso dela.
137 – Parecendo-nos adequada e justa a pena parcelar de multa ou, em alternativa, a pena de 1 (um) ano de prisão, pela prática do crime de detenção de arma proibida.
138 – No que respeita ao crime de homicídio qualificado, dando-se como não provados aqueles pontos 5, 7, 8, 9, 12, 13, 14, 17, 18, 19 e 39 dos factos provados, como se pugna, sempre se dirá que o grau de ilicitude mostra-se atenuado, tendo em conta que não foi o arguido R. S. quem disparou a arma e provocou a morte directa da vítima.
139 – Mas, ainda que se considerem tais factos como provados, o que à cautela se admite, ainda assim, a aplicação da pena máxima de prisão, mostra-se manifestamente exagerada, face a todas as circunstâncias concretas, expostas neste recurso e que de seguida se evocam sumariamente.
140 – O arguido assumiu a autoria dos factos, na medida da sua participação neles, demonstrou sincero arrependimento, pediu desculpa à família, perante o Tribunal e todos os presentes, interiorizou a sua culpa e demonstrou ter consciência da gravidade dos seus actos.
141 – As necessidades de prevenção especial avaliam-se em função da necessidade de prevenção de reincidência e, neste particular, merece especial destaque o facto de o arguido não ter antecedentes criminais.
142 - Além disto, há ainda que ter em atenção as condições pessoais do arguido, que resultaram provadas:

- o arguido é natural de …, nasceu em ../../…, contando assim com … anos de idade;
- é oriundo de um agregado familiar de média condição, caracterizado por uma dinâmica relacional estruturada;
- concluiu o 9º ano de escolaridade;
- é tido como pessoa trabalhadora, educada, cortês, mantendo boas relações de vizinhança;
- ao longo do período de reclusão, tem vindo a adoptar um comportamento adequado, sem castigos nem punições;
- dispõe de todo o apoio possível de seus familiares, nomeadamente a mãe e irmã.
143 – Circunstâncias estas acabadas de expor a que o Tribunal a quo não atendeu devidamente, violando os artigos 71º e 40º do Código Penal e o princípio da presunção de inocência.
144 - Ponderando, pois, tudo quanto se deixou dito – designadamente a culpa do arguido, as exigências de prevenção especial e geral, a atenuada ilicitude dos factos, sobretudo por falta de execução do crime que previamente acordou, a intensidade do dolo, a respectiva moldura penal abstracta, a personalidade do arguido, as suas condições pessoais e económicas e a falta de antecedentes criminais – considera-se adequada e justa a aplicação da pena parcelar de 12 anos de prisão, relativa ao crime de homicídio qualificado ou, caso se considerem provados os pontos 5, 7, 8, 9, 12, 13, 14, 17, 18, 19 e 39 dos factos provados, que à cautela se admite, a pena de 15 anos de prisão.
*
Os recursos interpostos do acórdão foram admitidos para este Tribunal da Relação de Guimarães, com o regime e efeito próprios, por despacho datado de 17 de dezembro de 2018.

O Ministério Público junto do Tribunal a quo e os assistentes L. M. e H. J. responderam, pugnando todos pela improcedência dos recursos.

Nesta Relação, o Exmo. Senhor Procurador-Geral adjunto emitiu douto parecer, no sentido do não provimento de todos os recursos (interlocutório e recursos do acórdão).

Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, sem respostas.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO

Conforme é jurisprudência assente, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respetiva motivação, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer(1).
*
1. Questões a decidir

Face às conclusões extraídas pelos recorrentes das motivações apresentadas, as questões a decidir são as seguintes:

- Recurso interlocutório interposto pela arguida C. O. do despacho datado de 12 de abril de 2018 -
. nulidade de todas as provas produzidas a partir do momento em que a testemunha M. P. iniciou o seu depoimento, em 4 de abril de 2017, por falta da sua constituição como arguida.

. Recurso do acórdão interposto pela arguida C. O. -
. impugnação da matéria de facto por errada apreciação e valoração da prova; violação do princípio in dubio pro reo;
. medida concreta da pena;
. condenação cível.

- Recurso do acórdão interposto pelo arguido R. S. –
. nulidade insanável da prova obtida por meio das declarações prestadas por M. P., bem como de todos os atos subsequentes e com ela conexos;
. impossibilidade de valoração da «conversa entre presentes» do arguido R. S. e M. P., entre as 09:25horas e as 09:40horas, do dia 09/05/2017, por constituir prova proibida;
. nulidade insanável da prova obtida através zaragatoa bucal recolhida a A. P.;
. impugnação da matéria de facto por errada apreciação e valoração da prova; violação do princípio in dubio pro reo;
. medida concreta das penas.
*
2. Factos Provados

Segue-se a enumeração dos factos provados, não provados e respetiva motivação, constantes do acórdão recorrido.

«Os Factos provados:

Discutida a causa e produzida a prova, resultam assentes os seguintes factos, com interesse para a decisão:

1. A arguida C. O. contraiu casamento, em .. de .. de 1998, com J. O..
2. Em dia não concretamente apurado, mas antes do dia .. de … de …, a arguida C. O., decidiu pôr fim à vida do seu marido, J. O. e, para isso, solicitou ao arguido, R. S., que o fizesse, pagando-lhe em troca uma determinada quantia em dinheiro.
3. Em data não concretamente apurada, mas perto do Natal de 2016, a arguida C. O., encontrou-se com o arguido R. S. e propôs-lhe que matasse o seu marido J. O. dando-lhe como pagamento quantia não concretamente apurada, tendo o arguido concordado com a proposta.
4. Assim, no dia .. de .. de .., pelas 6h30, o arguido R. S. dirigiu-se à residência da vítima, J. O., sita na Rua …, em ... e aguardou que este saísse da residência, para se deslocar para o seu trabalho.
5. Assim, porque o arguido R. S. não tem carta de condução solicitou à testemunha M. P. que lhe desse boleia para aquela hora e dia e o transportasse até ao “Bairro …”, em ....
6. No dia .. de … de 2017, o arguido R. S. ligou do seu telemóvel (...) para o telemóvel da M. P. (…), às 5.51:34 e 06:05:41, (Apenso VII, pág. 5) para o ir buscar a casa.
7. Entrou no veículo conduzido pela M. P., trazendo consigo um embrulho em pano, uma túnica de senhora, e no seu interior uma arma de caça desmontada, escondida.
8. M. P. conduzia um veículo de marca Opel, modelo Corsa, de cor cinzenta.
9. Quando chegaram junto à residência da vítima disse-lhe para ali aguardar.
10. Por volta das 6h55/7h00, J. O. saiu de casa, pela porta da garagem colectiva e dirigiu-se para o exterior a fim de se deslocar para o seu local de trabalho, na empresa “...”.
11. Acendeu a luz da garagem, que indicava que alguém ia sair, o arguido R. S., tinha conhecimento que a vítima saía aquela hora e por aquela porta.
12. Nesse momento o arguido, montou a arma de caça que trazia consigo, saiu do veículo em que foi transportado e levando consigo a arma foi na direcção de J. O..
13. Quando se encontrava por trás e muito próximo da vítima, o arguido R. S., disparou a arma que o atingiu na zona do pescoço.
14. A arma utilizada pelo arguido era uma arma de fogo longa, calibre 12, de canos sobrepostos.
15. Em consequência do disparo resultou para o J. O., a morte directa, necessária e imediata, devido às lesões no pescoço, sendo estas compatíveis com uma etiologia traumática, tal como a que pode ter sido devida a ferimentos por projéctil de arma de fogo de caça.
16. Sofreu, assim, as lesões descritas no relatório da autópsia médico-legal, de fls.353 e ss, cujo teor se dá aqui por reproduzido, designadamente; na cabeça – de orifício aparente saída de projéctil na região mandibular esquerda cerca de 7 X 3 cm de maiores dimensões, formato grosseiramente triangular de extremidade superior imediatamente abaixo do lábio inferior a cerca de 1 cm da comissura labial esquerda e inferior sobre o bordo do ramo esquerdo da mandíbula de limite anterior na linha da comissura labial esquerda e posterior na linha da comissura palpebral lateral; no pescoço – orifício compatível com a entrada de projéctil de arma de caça com orla de contusão de cerca de 4 mm de orla de contusão, ovalado com cerca de 4,5 X 2,5 cm de maiores dimensões na raiz vertente direita do pescoço de limite anterior na linha do limite posterior da inserção do pavilhão auricular direito e superior cerca de 5 cm abaixo do lóbulo do pavilhão auricular; no membro inferior direito – escoriação arredondada de cerca de 1,5 X 0,5 cm de maiores diâmetros na face anterior do joelho; no membro inferior esquerdo – nevo melânico de coloração castanho- claro ligeiramente saliente e de cerca de 2 cm de diâmetro na face antero-medial do 1/3 distal da coxa esquerda.
17. M. P., adivinhando o que se ia passar, quando viu o arguido R. S. a sair com a arma na mão e na direcção da vítima, baixou a cabeça, para não ver o que ia acontecer.
18. De seguida o arguido R. S., dirigiu-se novamente para o veículo conduzido pela M. P., disse-lhe “são trabalhos”, desmontou a arma de caça, por si utilizada e, voltou a embrulhá-la na túnica de senhora, dizendo-lhe para saírem dali.
19. Dirigiram-se a uma garagem sita na Rua …, em ..., utilizada pela M. P. e ali o arguido R. S. pediu-lhe para guardar a arma caçadeira, que posteriormente veio a ser apreendida nos presentes autos.
20. A quantia acordada entre os dois arguidos ainda não foi entregue, pois a arguida C. O. aguardava que lhe fosse liquidado os prémios dos seguros, tendo prometido que pagaria assim que os recebesse, o que só aconteceria, passado algum tempo e que segundo a mesma teria de aguardar 6 meses, para serem concluídas a investigação.
21. Com a morte da vítima J. O., a arguida C. O., pretendia que o seguro de vida afecto à residência do casal, liquidasse o valor desta ainda em dívida, ficando com o imóvel pago, pois encontravam-se em fase de divórcio e a morte da vítima tinha de ocorrer antes do mesmo, além disso receberia mais algum dinheiro de pelo menos outros dois seguros, para pagar o valor acordado com o arguido R. S. e algum para si.
22. À data do homicídio do J. O., existiam seguros de vida titulados pela vítima e pela arguida C. O., nomeadamente: Certificado ../… – Seguro Vida Crédito Habitação – Pessoas Seguras: J. O. e C. O. (ver fls. 111 a 135 do Apenso II-A).
23. A fls. 113 do Apenso II-A, encontra-se o certificado individual que indica que esta apólice, com o nº ...00001, tem efeito desde o dia 24-10-2007, estando coberto 100% do valor inicial do empréstimo seguro, de 80.436,77 €, por Morte ou Invalidez total e permanente por doença ou acidente, e que tem como beneficiários: 1 - O Banco ..., pelo capital em dívida do empréstimo à data da ocorrência; 2 - Os herdeiros legais, em conjunto na proporção do respectivo título sucessório, pelo capital remanescente ao capital em dívida à data da ocorrência. Certificado 15/306532 – Seguro Vida Crédito Habitação – Pessoas Seguras: J. O. e C. O. (ver fls. 101 a 110 do Apenso II-A).
24. A fls. 103 do Apenso II-A, encontra-se o certificado individual que indica que esta apólice, com o nº 15.00001, tem efeito desde o dia 24-10-2007, estando coberto 100% do valor inicial do empréstimo seguro, de 15.000,00 €, por Morte ou Invalidez total e permanente por doença ou acidente, e que tem como beneficiários: 1 - O Banco ..., pelo capital em dívida do empréstimo à data da ocorrência; 2 - Os herdeiros legais, em conjunto na proporção do respectivo título sucessório, pelo capital remanescente ao capital em dívida à data da ocorrência. – Apólice 18/189802 – Plano Protecção - Pessoa Segura: J. O. (ver fls. 137 a 179 do Apenso II-A);
25. A fls. 139 do Apenso II-A, encontra-se a apólice individual relativa a este seguro de vida que indica que esta apólice tem efeito desde o dia 12-01-2012, tem a duração de um ano e seguintes, tendo como prazo máximo o ano em que a 1ª pessoa segura complete 75 anos de idade, tendo como tomador e pessoa segura J. O., com um capital seguro de 50.000,00 €, por Morte ou Invalidez total e permanente, e que tem como beneficiários: 1 - Os herdeiros legais, em conjunto na proporção do respectivo título sucessório. - Apólice 50/12736 – Protecção Ordenado - Pessoa Segura: J. O. (ver fls. 181 a 229 do Apenso II-A);
26. A fls. 183 do Apenso II-A, encontram-se as condições particulares relativas a este seguro de vida e desemprego “plano Protecção ordenado”, que indica que esta apólice tem efeito desde o dia 29-05-2009, com a duração inicial de 5 anos, finda a qual renova-se por períodos sucessivos de um ano, tem como tomador /pessoa segura J. O., com um capital seguro por Morte do sêxtuplo do salário líquido domiciliado no Banco ..., conforme estipulado no ponto 5 das Condições Especiais – Cobertura de Morte, e que encontra-se associado ao empréstimo nº ..., tem como beneficiários, em caso de morte, os seguintes: -1 O Banco ..., na parte em que o mesmo coincida com o capital em dívida do empréstimo acima identificado na data do sinistro, atribuído à pessoa segura; 2 -Os herdeiros legais, em conjunto na proporção do respectivo título sucessório, para a eventual diferença positiva entre o capital seguro e o capital em dívida no empréstimo acima identificado;
27. A fls. 219 do Apenso II-A, encontra-se um print informático da proposta de crédito ao consumo, emitida em 26-05-2009, na qual é mencionado que J. O. tem rendimentos líquidos de 1.126,00 €, que multiplicado por 6, obtêm-se o montante de 6.756,00 €, que corresponderá assim ao valor do capital seguro em caso de morte.
28. Assim, a partir de 17/01/2017, data da morte de J. O., poderiam ser activados quatro contratos de seguros do Banco ... Seguros, podendo ser solicitados a liquidação dos seguintes valores e contratos: 1 - Liquidação dos valores do capital em dívida associados aos dois seguros vida crédito habitação, Certificados 15/306499 e 15/306532, e entrega aos herdeiros legais do capital remanescente ao capital em dívida à data da ocorrência. Certificado 15/306532 – Seguro Vida Crédito Habitação – Pessoas Seguras: J. O. e C. O. (ver fls. 101 a 110 do Apenso II- A)
29. A fls. 103 do Apenso II-A, encontra-se o certificado individual que indica que esta apólice, com o nº ...00001, tem efeito desde o dia 24-10-2007, estando coberto 100% do valor inicial do empréstimo seguro, de 15.000,00 €, por Morte ou Invalidez total e permanente por doença ou acidente, e que tem como beneficiários: 1 - O Banco ..., pelo capital em dívida do empréstimo à data da ocorrência; 2 - Os herdeiros legais, em conjunto na proporção do respectivo título sucessório, pelo capital remanescente ao capital em dívida à data da ocorrência. – Apólice 18/189802 – Plano Protecção - Pessoa Segura: J. O. (ver fls. 137 a 179 do Apenso II-A)
30. A fls. 139 do Apenso II-A, encontra-se a apólice individual relativa a este seguro de vida que indica que esta apólice tem efeito desde o dia 12-01-2012, tem a duração de um ano e seguintes, tendo como prazo máximo o ano em que a 1ª pessoa segura complete 75 anos de idade, tendo como tomador e pessoa segura J. O., com um capital seguro de 50.000,00 €, por Morte ou Invalidez total e permanente, e que tem como beneficiários: 1 - Os herdeiros legais, em conjunto na proporção do respectivo título sucessório.
31. Apólice 50/12736 – Protecção Ordenado - Pessoa Segura: J. O. (ver fls. 181 a 229 do Apenso II-A).
32. A fls. 183 do Apenso II-A, encontram-se as condições particulares relativas a este seguro de vida e desemprego “plano Protecção ordenado”, que indica que esta apólice tem efeito desde o dia 29-05-2009, com a duração inicial de 5 anos, finda a qual renova-se por períodos sucessivos de um ano, tem como tomador /pessoa segura J. O., com um capital seguro por Morte do sêxtuplo do salário líquido domiciliado no Banco ..., conforme estipulado no ponto 5 das Condições Especiais – Cobertura de Morte, e que encontra-se associado ao empréstimo nº ..., tem como beneficiários, em caso de morte, os seguintes: -1 O Banco ..., na parte em que o mesmo coincida com o capital em dívida do empréstimo acima identificado na data do sinistro, atribuído à pessoa segura; 2 -Os herdeiros legais, em conjunto na proporção do respectivo título sucessório, para a eventual diferença positiva entre o capital seguro e o capital em dívida no empréstimo acima identificado;
33. A fls. 219 do Apenso II-A, encontra-se um print informático da proposta de crédito ao consumo, emitida em 26-05-2009, na qual é mencionado que J. O. tem rendimentos líquidos de 1.126,00 €, que multiplicado por 6, obtêm-se o montante de 6.756,00 €, que corresponderá assim ao valor do capital seguro em caso de morte.
34. Assim, a partir de 17/01/2017, data da morte de J. O., poderiam ser activados quatro contractos de seguros do Banco ... Seguros, podendo ser solicitados a liquidação dos seguintes valores e contractos: 1 - Liquidação dos valores do capital em dívida associados aos dois seguros vida crédito habitação, Certificados 15/306499 e 15/306532, e entrega aos herdeiros legais do capital remanescente ao capital em dívida à data da ocorrência.
35. O capital inicial seguro conjunto era de 95.436,77 € (80.436,77 € + 15.000,00€) e o valor do capital em dívida estimado dos dois empréstimos de 80.772,29 €, verificando-se uma diferença entre ambos de cerca de 15.000,00 €, que seria para entregar aos herdeiros legais em conjunto na proporção do respectivo título sucessório; 2 - Liquidação do valor do capital seguro relativo à apólice 18/189802 – Plano Protecção, no montante de 50.000,00 € aos herdeiros legais em conjunto na proporção do respectivo título sucessório; 3 - Liquidação do valor do capital seguro relativo à apólice 50/12736 – Protecção Ordenado, no montante estimado de 6.756,00 € aos herdeiros legais em conjunto na proporção do respectivo título sucessório.
36. Nenhum destes seguros protege, de forma directa, o capital em dívida associado ao empréstimo nº ... – Crédito Certo Diversas, efectuado em 14-06-2016, pelo valor de 14.054,66 €, que à data de 31-01-2017 apresentaria (face ao apurado na primeira parte da presente informação) um capital em dívida estimado de 13.176,26 €.
37. Assim, pelo menos, a arguida C. O. poderia receber no mínimo 56.756,00 €, dos seguros pela morte do seu marido J. O., podendo ainda receber mais alguma quantia referente aos dois seguros vida crédito habitação, Certificados 15/306499 e 15/306532, caso na sua totalidade excedessem a quantia em divida quanto ao crédito á habitação.
38. No dia 9 de Maio de 2017, pelas 7h15, na residência do arguido R. S., entre outros objectos foram-lhe apreendidos: 1 (uma) arma de fogo da marca “F.T.F”, modelo “GT28”, originariamente de calibre 8mm, posteriormente transformada para disparar munições com projéctil de calibre 6,35mm Browning, sem número de série visível, com o respetivo carregador introduzido e municiado com 7 (sete) munições calibre 6.35mm; 1 (uma) munição de “salva” calibre 7,62mm; 1 (uma) munição calibre .22; 1 (uma) munição de calibre 7,65mm; 1 (uma) faca de abertura automática da marca “Power Star”, com cabo em metal e madeira que encerra a lâmina, cuja disponibilidade pode ser obtida instantaneamente por acção de mola; - cfr. exame pericial de fls. 220 e 491 e ss;
39. Teve igualmente na sua posse e era o proprietário da arma de caça utilizada para matar o J. O., calibre 12, de canos sobrepostos- cfr. exame pericial de fls. 413;
40. Os arguidos agiram com o firme propósito de tirar a vida ao J. O., contratando a arguida C. O. o arguido R. S. para o fazer, visando atingi-lo de forma violenta com projéctil de arma de fogo, na zona do pescoço (cabeça, que sabiam conter órgãos e funções vitais), representando e prevendo que das suas condutas resultaria necessariamente a morte de J. O., o que quiseram.
41. A arguida C. O., para ficar com o imóvel, que habita, pago e receber o valor dos seguros de vida e o arguido R. S., para receber uma quantia não concretamente apurada para pagamento desse “serviço”.
42. O arguido R. S. conhece a natureza e características das armas e munições que tinha na sua posse sabendo que era necessário ter licença para as deter, no entanto não tinha qualquer licença de uso porte ou detenção de arma, nem as armas se encontravam registadas nem manifestadas em nome do arguido, não sendo até possível registar a arma transformada.
43. Sabia igualmente que era proibida a detenção da faca de abertura automática que tinha na sua posse.
44. Actuaram os arguidos, deliberada, livre e conscientemente sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
45. Do certificado de registo criminal dos arguidos nada consta.
46. Da situação socioeconómica dos arguidos
47. C. O., filha única, nasceu em …, país para o qual os seus pais tinham anteriormente emigrado, vindo para Portugal com aqueles quando tinha 8 anos.
48. O seu processo de desenvolvimento decorreu no seio do agregado familiar de origem, residindo, em Portugal, em meio sociocomunitário de características rurais. Os seus progenitores desenvolviam actividade na agricultura e posterior venda em mercados da região.
49. C. O., ao nível escolar, completou apenas o 7º ano de escolaridade.
50. Aos 18 anos de idade a arguida emigrou de novo para …, onde trabalhou como empregada doméstica interna.
51. A arguida permaneceu naquele país até aos 21 anos de idade, altura em que regressa a Portugal, contraindo matrimónio em 1998. A arguida e o cônjuge regressaram a …., trabalhando, respectivamente, em limpezas e na construção civil. Em 1999 o casal regressou de forma definitiva a Portugal, residindo com a mãe da arguida durante alguns anos, em ..., até o marido se incompatibilizar com a sogra.
52. Após o regresso a Portugal, C. O. trabalhou alguns anos como auxiliar no Centro Social de …, tendo após o encerramento deste trabalhado na área das limpezas.
53. Em … de … nasceu a única filha do casal.
54. Á data dos factos, a arguida e a vítima residiam com a filha num apartamento próprio, adquirido com recurso a crédito bancário, de tipologia 3, sito na Urbanização …, ....
55. Após a reclusão da arguida, a filha ficou a viver com a avó materna, assumindo esta a condução do seu processo educativo.
56. C. O. realizava trabalhos de limpeza em casas particulares, sendo o marido funcionário de uma vidraria em ..., auferindo cerca de 1000 € mensais, beneficiando ainda o casal de apoio alimentar prestado pela mãe da arguida.
57. A arguida tem adoptado uma conduta em conformidade às regras prisionais, exercendo actividade laboral na faxina.
58. C. O. beneficia do apoio da sua mãe, que a visita no estabelecimento prisional, com a filha da arguida, manifestando aquela total disponibilidade para a apoiar
59. R. S. é natural de …, sendo oriundo de um agregado familiar de média condição socioeconómica, caracterizado por uma dinâmica relacional referenciada como estruturada, sendo o mais novo de uma fratria de 4 elementos.
60. O seu processo de socialização decorreu sem incidentes significativos até por volta dos 13 anos de idade, concluindo o 6º ano de escolaridade naquele país, altura em que veio viver para Portugal com a progenitora e irmãos, tendo o progenitor continuado em …, onde desenvolvia a actividade de mecânico numa empresa de extração de minério.
61. Em Portugal o arguido deu continuidade aos estudos, tendo concluído, apenas, o 9º ano de escolaridade por volta dos 19 anos de idade, após três retenções, devido à desmotivação pelos conteúdos programáticos e elevado absentismo, segundo refere.
62. Profissionalmente, R. S. efectua trabalhos ocasionais na área da construção civil, dependentes da oferta.
63. À data dos factos descritos na acusação, R. S. coabitava com a progenitora e uma irmã de 42 anos de idade, residindo numa habitação própria, tipo moradia, que lhes proporciona adequadas condições de habitabilidade e conforto, inserida em contexto periférico urbano, isento de problemáticas específicas, mantendo com os vizinhos relações de cordialidade.
64. Economicamente o agregado vive da reforma da progenitora do arguido, cerca de 300 euros mensais, da reforma de invalidez da irmã, cerca de 220 euros mensais e dos trabalhos que o arguido efectua na área da construção civil, dependentes da oferta, valores globalmente considerados deficitários mas que vão sendo capazes de assegurar a subsistência da família.
65. Em contexto residencial, R. S. goza de aceitação social, sendo referenciado como educado
66. Ao longo do período de reclusão, R. S. tem vindo a adoptar um comportamento adequado, sem castigos nem punições.
67. O seu agregado de origem mantém apoio a R. S., visitando-o com regularidade no estabelecimento prisional e estando disponível para o apoiar.
68. Do pedido civil formulado por L. M. e H. J.
69. J. O. nasceu no dia … e era filho de L. M. e H. J..
70. O corpo de J. O. foi sepultado no Cemitério de ….
71. Com as despesas de sepultura e funeral, os demandantes gastaram 1500€, com o jazigo do filho gastaram a quantia de 3600€ e para o sepultar os pais adquiriam o terreno à Junta de Freguesia, pela quantia de 150€.
72. Com a realização da missa e cerimónias fúnebres pagaram 75€ a cada um dos três padres, num total de 225€.
*
Preliminarmente:

Muitos dos factos constantes da decisão instrutória, com o devido respeito por entendimento diverso, são irrespondíveis por serem irrelevantes [de acordo com o preceituado no artigo 124° n° 1 do Código de Processo Penal constituem objecto de prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis. Destarte, factos relevantes, no contexto do citado normativo serão todos aqueles que tenham a ver com o litígio e se mostrem determinantes para a decisão final], supérfluos, que consubstanciam meios de prova, factos conclusivos, transcrições de depoimento de testemunhas e considerações sem interesse factual para a decisão da causa:

Assim, os seguintes trechos da decisão instrutória:

3. D. S., namorado de filha da arguida, P. O., é vizinho do arguido R. S. e foi ele que apresentou este à arguida C. O..
4. O D. S., encontrava-se a dormir na residência da arguida C. O., pelo menos no dia …, quando foi efectuada a busca à residência da mesma.
7. O arguido R. S. uma semana antes do homicídio, solicitou ao C. H., companheiro da testemunha M. P., que o levasse “a um sítio às 6h00 da manhã”.
8. Recebeu um “não” em virtude da testemunha por motivos laborais, não o poder fazer.
9. Como era normal o arguido R. S. lhe pedir por vezes boleia, não achou estranho, apesar de nunca lhe ter pedido uma boleia para aquela hora da manhã.
(conforme conversa entre presentes que se encontra transcrita no Apenso V – fls. 4 a 8)
25. Na peça de roupa (túnica) que embrulhava a arma, foi encontrado ADN cujo perfil é idêntico ao perfil de A. P., irmã do arguido R. S..
26. Utilizou, assim, o arguido usou uma peça de roupa (túnica), para esconder a arma, peça essa que era utilizada e propriedade da sua irmã.
27. M. P. manteve cerca de quatro anos uma relação amorosa, com o arguido R. S., conforme resulta das conversas telefónicas e “conversa entre presentes”, cuja transcrição se encontram juntas aos autos nos apensos III (fls.9 a 11, 22 a 25) , IV e V.
29. No dia …, pelas 11h10, o arguido R. S. do seu telemóvel com o número …, liga para a M. P. e teve com ela a seguinte conversa, cujo excerto se transcreve e que se encontra na sessão 2115, Apenso III:
(…)
M. P.: “O D. S. já vive lá com a namorada é”
M. P.: “(…), ela anda como se nada fosse (…) já tem outro, não é” R. S.: “Acho que sim”
M. P.: “Já está com ela, a viver com ela” R. S.: “Não”
(…)
M. P.: “Já o tinha antes … não era”. R. S.: “Era”
M. P.: “Por isso, porque eu esta semana já a vi para aí umas três ou quatro vezes aí na …, noutro dia tive de ir dar a volta porque ela estava aí parada a falar com a ... (…)”
(…)
M. P.: “Agora é que ela está bem” R. S.: “Está, está”
M. P.: “Então não está?” R. S.: “Não sei”
M. P.: “Sem marido, ficou com tudo pago, o que é que ela quer mais” R. S.: “Mas tem de trabalhar (…)
M. P.: “Trabalhar porque ela quer, para não dar nas vistas, certo” R. S.: “Não, trabalhar mesmo trabalhar”
M. P.: “Então ela não ficou com a casa paga” R. S.: “A casa só e o resto, vai comer de quê” M. P.: “Ele não tinha muito dinheiro”
R. S.: “Tá bem mas não pode mexer” M. P.: “Não pode mexer porquê”
R. S.: “Durante seis meses que é o tempo da investigação que leva para decidir se tem provas se não tem, são seis meses”
M. P.: “Então não tem dinheiro”
R. S.: “Não, são seis meses que não pode mexer em nada, contas bancárias nem nada, depois da policia não ter nada (…)”
M. P.: “Ela pensava que era mal ele coisasse que mexia logo em tudo, era a coisa dela” R. S.: “Era, é, é (…) que remédio tem de gramar”
M. P.: “E tu vais esperar este tempo todo para te pagar” R. S.: “Que remédio”
M. P.: “(…) e se ela não ficar a receber nada, como é que vais fazer, não te paga nada a ti”
R. S.: “Não, ela vai receber, ela vai receber daqui a seis meses se não houver nada, pode mexer já pode fazer tudo”
M. P. “(…) se não houver nada e se houver, se a policia desconfiar dela”
R. S. “Ó pá, isso desconfiar é uma coisa, terem provas é outra, durante seis meses se não tiverem nenhuma prova em concreto não a podem acusar de nada”. – Apenso III, na sessão 2115.
30. Os arguidos C. O. e R. S., acompanhados pela filha da arguida, P. O. e D. S. (namorado da P. O.) por várias vezes foram vistos juntos.
31. A testemunha M. M. viu, pelo menos desde Junho de 2016, quase todos os dias os arguidos C. O., R. S., P. O. e D. S., por volta das 19h30/20h30, a caminharem juntos, quer junto ao rio …, quer na direcção da ….
32. A testemunha, na noite anterior ao homicídio, …, viu os arguidos C. O. e R. S., a P. O. e o D. S., no interior do café “…”, em ..., a conversar
33. A testemunha M. P., uns tempos depois da morte do J. O., mas em data não concretamente apurada, viu os arguidos C. O. e R. S., a P. O. e o D. S., juntos no café “...”, junto ao Pingo Doce, no centro da cidade de ....
34. Na presença desta testemunha, M. P., o arguido R. S. chegou a fazer um telefonema para a arguida C. O., para se encontrarem, no entanto não sabe se esse encontro ocorreu.
35. No dia em que J. O. foi morto, a arguida C. O., em declarações que prestou aos Inspectores da P.J., referiu que a única situação que podia relacionar com a morte do seu marido era uma relação extraconjugal deste, que manteve entre 2007 e 2016, com J. F..
36. Tais declarações visaram despistar os investigadores da recolha de elementos que pudessem levar aos verdadeiros autores dos factos, a arguida C. O. e o arguido R. S..
37. Dias antes, do homicídio, a arguida C. O. tinha comentado com F. M., com quem à data tinha uma relação extraconjugal, que já tinha o acordo feito para o divórcio, que se iam divorciar, mas que tinha de dar ao marido (J. O.) 40.000,00 euros.
38. A relação extraconjugal entre a arguida C. O. e F. M., iniciou-se, pelo menos, em Dezembro de 2016 e logo no início da relação ela lhe comentou que a relação do casal, não era muito boa e que estavam em fase de divórcio.
39. A arguida C. O. propôs-lhe que ele registasse num pacote da operadora “Nos” o número …, em nome dela, para ser usado por ele e ser mais económico o contacto telefónico entre eles, o que a testemunha fez e manteve até ela ser detida.
40. Chegou a conduzir o veículo da arguida C. O., um Fiat Punto, porque o seu veículo tinha avariado.
41. Comunicavam bastante por telemóvel, muitas vezes através de SMS – cfr. Apenso VII, fls 20 e ss.
42. Depois da morte do marido a relação da arguida com o F. M. estreitou-se, chegando uma filha deste a passar uns dias em casa da arguida.
43. O comportamento da arguida C. O., após a morte do marido, levantou algumas suspeitas das pessoas mais próximas.
44. No dia do funeral, quem estava na cerimónia fúnebre, estranhou o facto de a arguida C. O., ter ido ao cabeleireiro pentear-se e arranjar as unhas.
45. Nesse dia, a testemunha M. A., perguntou-lhe se o casamento andava bem, tendo a arguida respondido que não.
46. A arguida “estava como se nada fosse”, “não deitava uma lagrima e falava sem qualquer emoção”.
47. Passou um casal pelas duas e a arguida fez o seguinte comentário “olha, estes não me falam, estão ricos, agora sou pobre mas ainda vou ser rica”.
48. Quando o caixão foi fechado para se proceder ao enterro, a arguida acompanhada da filha menor, permaneceram sempre no exterior da capela “como se nada fosse”, o que intrigou a testemunha M. A..
49. O funeral de J. O. foi no dia … e a arguida C. O. fez anos no dia a seguir, 20 de Janeiro e foi festejar o seu aniversário com a sua filha P. O., o namorado desta, D. S. e o F. M., com quem a arguida mantinha uma relação amorosa, já antes do marido ser morto.
50. Foram jantar a Vidago, a um restaurante, cujo nome não foi possível apurar, mas que fica situado em frente à “…”, tendo ela pago a conta do jantar.
51. O. A., duas a três semanas, após a morte de J. O., questionou à arguida, C. O., sobre se sabia alguma coisa da morte do marido, tendo a arguida respondido convictamente “que mataram há 12 anos um primo e que nunca descobriram nada, vai-se descobrir agora, nem pensar, não se descobre, não se vai saber nada”, “que nada se iria saber sobre a morte”.
52. No dia em ocorreu o homicídio do marido, a arguida C. O., foi visitar a sua mãe ao hospital.
53. Quando ia a entrar no hospital cruzou-se com a testemunha, M. J., tia da vítima, que quando abordou a arguida, esta não lhe pareceu nada abalada com a morte do marido, estranhou mesmo uma palavras que a filha P. O. lhe dirigia “que falamos, o que falamos”, ficando a testemunha intrigada com a observação que a P. O. fazia à arguida.
54. Sempre que a testemunha, O. J., questionou a arguida sobre a morte de J. O., esta sempre lhe respondeu “provas nenhumas, pistas zero e que não seria fácil de descobrir”.
55. A assistente L. S., mãe da vítima, na passagem de ano (2016/2017) ouviu a arguida C. O. dizer que “aquele seria o último ano que o J. O. passaria em casa da mãe e também a derradeira vez que lançaria os foguetes da meia-noite”.
56. Após a morte do seu filho, a arguida disse-lhe que “junto de sua casa apesar de viver muita gente, ninguém ouviu nada nem sabe de nada e se souberem, nada vão dizer com receio de que lhe façam o mesmo, isto nunca se vai descobrir e até é melhor não se saber quem foi”.
57. “(…)Vai acontecer como sucedeu com o meu primo que desapareceu há 12 anos, nunca ninguém soube dele e este também não se vai descobrir, ao fim de seis meses o caso vai ser encerrado”
58. Uns dias depois do homicídio a arguida C. O., a mãe desta e a filha P. O., estiveram na casa da testemunha A. N..
59. Esta comentou que a P.J. iria descobrir quem matou a vítima, tendo a arguida respondido que a Judiciária não ia descobrir nada, pois não havia pistas nem provas, tal como não tinham descoberto o paradeiro de um primo que havia desaparecido há cerca de 12 anos que “provas não havia nenhumas e pistas zero”.
60. Relativamente ao modo como teve conhecimento da morte do marido, a arguida nunca foi coerente nas suas respostas que deu à testemunha, sempre que foi questionada sobre isso, uma vez que foi a P.J. que lhe deu conhecimento que o marido estava morto, outras vezes que foi da vidraria onde o J. O. trabalhava que a informaram.
61. No dia …, a arguida C. O. foi visitar ao hospital O. C., muito bem arranjada.
62. A testemunha O. C. agarrou-se a ela a chorar mas a arguida “parecia um pau gelado, nem uma lágrima deitou”.
63. Questionou-a se tinha ouvido algum ruído aquando do homicídio, tendo a arguida se limitado a comentar que lhe pareceu o ruido de um pneu a rebentar. Questionou-a, ainda, se não tinha ido ver o que se passava, a arguida nada respondeu.
64. A testemunha ainda lhe disse que a P.J. iria descobrir e mais uma vez a arguida respondeu que a P.J. nada ia descobrir quem tinha morto o J. O., porque não havia provas nenhumas e por isso não se ia descobrir nada.
65. No dia …, a arguida C. O., deslocou-se ao estabelecimento de café, propriedade da testemunha M. P., situado a escassos metros do apartamento onde reside a arguida e esta comentou com a testemunha “já há dois anos que quase não fazia vida com o J. O.”.
66. Passados uns dias, em dia que não foi possível precisar, entraram no estabelecimento comercial de café a filha da arguida, P. O., o namorado D. S. e o arguido R. S..
67. Dois ou três dias antes da missa do “mês” por falecimento do J. O., voltaram ao estabelecimento da testemunha a P. O., o D. S. e o arguido R. S., tendo chegado posteriormente a arguida C. O. que se juntou aos outros três e ali permaneceram algum tempo.
68. A arguida C. O., no Natal de 2015, revelou à testemunha A. M., que desejava o divórcio mas que o J. O. não lho dava, que estava farta, que se estivessem em casa da sua mãe ele já tinha saído há muito tempo”.
69. A testemunha Maria, em data que não conseguiu precisar, mas depois da detenção dos arguidos, encontrou o D. S., namorado da filha da arguida.
70. Perguntou-lhe se já sabia alguma coisa, tendo o D. S. respondido que “não sabia mais nada, apenas que por vezes encontraram-se no café “…”, ele a C. O. e a P. O. com o R. S., sendo que era a C. O. que falava com o R. S.”.
88. A pretensão da arguida C. O. de querer que o marido fosse morto e pagar para que tal se concretizasse e o acto do arguido R. S., de receber dinheiro para disparar a arma e matar, são reveladores de uma total insensibilidade e desprezo pela vida de um semelhante, os quais se ficaram a dever a motivos fúteis, foram premeditados e reveladores de uma grande frieza de ânimo, tendo a arma sido utilizada de forma traiçoeira e desleal, sem possibilidade de defesa por parte da vitima J. O., traduzindo a utilização de meio insidioso.

Do mesmo modo, o tribunal não se pronuncia acerca da matéria de facto alegada no pedido de indemnização civil nos pontos 9 a 41, por serem factos irrelevantes, tendo-se em consideração o que é decidido infra a respeito dos danos não patrimoniais [em síntese, que os demandantes são parte ilegítima para peticionar danos desta natureza].

Na mesma linha, não se pronunciará sobre os demais factos irrelevantes vertidos na contestação da arguida C. O., que, naturalmente, em face do teor da decisão instrutória respondeu no mesmo diapasão alegando factos supérfluos, que são todos os que não são expressamente respondidos.
*
Os factos não provados:

Não resultaram provados os factos que não se compaginam com os que foram dados por provados, nomeadamente, e com interesse para a decisão da causa:

Da acusação:

Não se provou que:

a. Que a quantia dada como pagamento pela arguida C. O. ao arguido R. S. fosse aproximada de 10.000,00 euros
b. Que tal quantia tenha sido parcialmente entregue ao arguido;
c. Que a arguida C. O. pretendesse receber dinheiro do seguro para pagar ao arguido R. S. a parte que ainda não tinha entregue;

Da contestação da arguida C. O.

d. Que a arguida nunca conversou com o R. S., que conhece apenas de vista, por ser vizinho de D. S., namorado da filha P. O.;
e. Que a arguida nunca manteve com o co-arguido qualquer tipo de contacto;
f. Que se a arguida quisesse o divórcio do marido tê-lo-ia pedido há muito, mas nunca o quis, nem tal esteve alguma vez na “ordem do dia”;
g. Que a arguida sofreu muito com a morte do marido;
h. As despesas do funeral foram suportadas pelos irmãos do falecido, por ser essa as suas expressas vontades;
i. Os demandantes não tinham dinheiro para pagar as despesas do funeral e jazigo reclamadas, que foram suportadas (por vontade própria) pelos seus filhos;
j. A demandada só não pagou tais despesas porque os seus cunhados fizeram questão de ser eles a pagar;
k. Tendo, na data do sucedido, dito à sua nora que queriam que o filho ficasse enterrado na freguesia onde os assistentes vivem;
l. Para que tivessem um jazigo de família, pedido que a arguida assentiu.
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Motivação da decisão de facto

A convicção do Tribunal no tocante à prova dos factos que deu por assentes formou-se com base no conjunto da prova produzida e respectiva apreciação crítica, à luz das regras da experiência e da normalidade da vida.

Concretizando:

Em sede de prova pré-constituída fundou-se o tribunal na análise dos seguintes elementos de prova: prova documental: certificado de óbito de fls. 9, auto de apreensão de fls. 41, auto de apreensão de fls. 121, auto de busca e apreensão, de fls. 203 a 205, fotografias de fls. 208 a 219, auto de exame de fls. 220, auto de busca e apreensão de fls. 223 a 225, informação do Banco de Portugal de fls. 567 a 573, ofício do Banco ..., de fls. 700, certidão de casamento de fls. 752, informação do IMT de fls. 756 e 757. Ainda, apenso I-A – documentos bancários; apenso II-A – documentos bancários e seguros.

Em sede de prova pericial: relatório de exame pericial de fls. 57 a 103, relatório de exame pericial de fls. 118 a 119, relatório de exame pericial d fls. 152 a 158, relatório de exame pericial de fls. 165 a 168, relatório da autópsia médico-legal de fls. 353 a 357, relatório de exame pericial de fls. 413 a 415, relatório de exame pericial de fls. 478 a 484, relatório de exame pericial de fls. 491 a 496, relatório de exame pericial de fls. 505 a 507, relatório de exame pericial de fls. 631 a 632, relatório do exame pericial de fls. 657 a 659, relatório do exame pericial de fls. 661 a 663, relatório pericial de fls. 763 e ss,

Todas as transcrições das intercepções telefónicas e ordenadas e efectuadas e constantes dos anexos próprios, nomeadamente: Sessões 116, 144, 159, 224 e 2115 - Alvo 90688040 – Apenso III; Sessões 3979, 4192, 4193, 9587, 9591-Alvo 91063040 – Apenso IV; “Conversa entre presentes” – Apenso V; Apenso VI – listagem de chamadas; Apenso VII - expediente remetido pela “Nos”.

A prova da factualidade constante do ponto 1 dos factos provados alicerçou-se no teor do documento – certidão do assento de casamento – que faz fls. 752 dos autos.

Os arguidos optaram por não prestar declarações desde o início da audiência. Fizeram-no, apenas, depois de toda a prova indicada na acusação estar produzida.

A convicção do Tribunal fundou-se, em grande medida, no depoimento da testemunha M. P., crucial na decisão da matéria de facto por ter sido testemunha presencial dos factos [conjugada com o teor das intercepções telefónicas e com o depoimento de D. N., como veremos infra]. Esta testemunha transportou o arguido R. S., a pedido deste, ao local onde residia J. O., pelas 6.15 horas da manhã. Disse que era habitual transportar o R. S., que não tinha carta de condução e, no dia anterior ao dos factos pediu-lhe “para o levar a um sítio”, ao que acedeu. No dia em causa, foi buscá-lo a sua casa, como tinham combinado (ele deu-lhe “um toque para o telemóvel”), foi-lhe dando indicações para onde queria ir e ela levou-o. Chegaram ao local pelas 6.20 horas. Ele quando entrou no carro trazia “uma coisa embrulhada num pano”, mas não percebeu o que era. Disse-lhe para estacionar em frente a uma garagem, o que fez. Ficaram à espera até cerca das 7.15 horas e ele começou a desembrulhar o que trazia – era uma arma - e a montar uma caçadeira. Perguntou-lhe o que ia fazer e ele respondeu “cala-te, não tens nada a ver com isso!”. Viu-se uma luz no prédio e ele disse “tenho que fazer um serviço” e saiu do carro. Viu o senhor sair da garagem e viu-o apontar a arma e ouviu um tiro, altura em que baixou a cabeça. Quando o viu apontar a arma baixou a cabeça. Quando ele entrou no carro disse-lhe “O que fizeste?” e ele respondeu que “foi um serviço que me mandaram fazer por dinheiro. Vão-me pagar bem” e “agora vais direitinha à tua garagem e não vais dizer nada a ninguém”. Nessa ocasião não lhe falou em quaisquer valores. Mais lhe disse o arguido que tinha sido a mulher do senhor quem mandou fazer tal serviço porque queria ficar com o apartamento pago para ele e a filha e que ela ia receber o dinheiro do seguro e vai pagar bem caro. Depois do disparo saíram do local e dirigiram-se à sua garagem onde o arguido guardou a armas. A testemunha referiu, ainda, que decidiu ir contar à polícia porque andava com medo já que o R. S. lhe dizia que havia de lhe fazer o mesmo, tendo chegado a apontar uma arma pequena nessas ameaças, que fez por várias vezes. A testemunha dizia-lhe para contarem tudo e ele dizia “cala-te, senão faço-te o mesmo”, o que ocorreu por diversas vezes entre o dia dos factos e o dia em que decidiu relatar os factos à polícia. Referiu que foi por medo que acabou por denunciá-lo, pois não tiveram nenhuma zanga em especial. Em conversas mantidas entre ambos, o arguido disse-lhe, ainda, que tinha que passar um certo tempo (seis meses) para o banco pagar à mulher, e consequentemente, receber o pagamento do “serviço”.
Na sequência das declarações do arguido (que, como se disse, falou em fase adiantada do julgamento) esta testemunha foi acareada com o arguido e manteve a mesma versão ora relatada.
Ora, deste depoimento – que foi claro, coerente e por isso, credível – retirou-se, com clareza, que o arguido no dia em causa foi a casa de J. O., por volta das 7 da manhã e que foi ele quem disparou os tiros que viriam a causar-lhe a morte. E mais, que tal actuação foi encomendada pela arguida C. O., a troco de uma quantia monetária.
Importa, a este passo, fazer um breve parêntesis e analisar a questão da prova proibida, alegada em sede de contestação da arguida C. O.. Como já se sublinhou no despacho a respeito da nulidade arguida por violação dos artigos 58º e 59º do Código de Processo Penal M. P. tem e sempre teve a qualidade de testemunha. Qualidade que, sublinha-se, mantém. Em audiência, a testemunha foi expressamente advertida, nos termos do disposto no artigo 132º, n.º 2 do Código de Processo Penal, faculdade que lhe foi explicada. Malgrado, disse o que disse, sem se recusar a responder ao que quer fosse. Não se conformando com essa qualidade de testemunha, a arguida alega que as intercepções telefónicas levadas a cabo nos autos são nulas, porque fundadas num depoimento que não podia ter sido tomado a M. P. na qualidade de testemunha. Quanto a esta qualidade, já nos pronunciámos, estando a questão ultrapassada (sem prejuízo, naturalmente, do recurso interposto pela arguida). O certo é que tais intercepções foram devidamente autorizadas e validadas, inexistindo qualquer problema a este nível (nem a arguida o invoca). Portanto, nada obsta a que tais intercepções tivessem sido realizadas, não assistindo razão à arguida. Mas a arguida diz mais: que em relação a esta testemunha houve uma espécie de favorecimento por banda da investigação. E que foram utilizados meios enganosos de obtenção da prova, e portanto proibidos, de harmonia com o artigo 126º do Código de Processo Penal. Ora, prescreve este normativo que são nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa à integridade física ou moral das pessoas. E considera-se que são ofensivas da integridade moral das pessoas as provas obtidas, mesmo com o consentimento delas, mediante perturbação da liberdade de vontade ou decisão através da utilização de meios cruéis ou enganosos (al. a) do n.º 2) ou com promessa de vantagem legalmente inadmissível (al. e). Sucede que não basta alegar, é preciso provar. E, não resultou demonstrado da audiência de julgamento a existência de quaisquer promessas de vantagens a esta testemunha, por quem quer que fosse, nem que tenha sido, por qualquer modo, ludibriada ou enganada com o objectivo de prestar depoimento. E, muito menos, que a testemunha tenha sido “instigada pela Polícia Judiciária e Ministério Público que levaram a que a “testemunha” actuasse iludida e manuseada pela investigação, no sentido da isenção da sua responsabilidade jurídico-penal”. Aliás, é perfeitamente sintomático que a testemunha, em julgamento, tenha mantido o seu depoimento [e, a avaliar pela transcrição do mesmo prestado em inquérito que consta da acusação com, exactamente, o mesmo conteúdo], pese embora solenemente advertida (considerando, precisamente, as já invocadas nulidades) de que poderia recusar-se a responder alegando que poderia resultar das suas declarações responsabilidade criminal, do que ainda não está livre e ficou ciente. Com a solenidade do julgamento, público e sem quaisquer restrições ou constrangimentos, a testemunha resolveu falar e falou. De resto, ninguém coloca em crise a autenticidade das escutas ou nega que tais conversas – sob escuta – tiveram lugar.

Portanto, não existe qualquer “prova contaminada” nem, consequentemente, prova proibida e nula.

Ainda a propósito da contestação da arguida C. O. dir-se-á, desde já que o ponto B. no que concerne aos chamados “alegados comportamentos da arguida, após a morte do marido” o alegado resulta prejudicado em face da desconsideração, precisamente, dos factos aí referidos. Entendemos que nesta parte, assiste razão à arguida, sendo tais excertos da pronúncia e que foram supra elencados dados como irrelevantes.

Por facilidade de exposição e raciocínio, vejamos, agora, as declarações do arguido [que merecem credibilidade apenas em parte, mais concretamente, nos trechos que resultam confirmados por outros elementos de prova. Nada impede que tais declarações se mostrem parcialmente credíveis, desde que justifique a razão pela qual podem ser consideradas numa parte e noutra não]. De resto, impõe-se dizer que as declarações do arguido em pouco contribuíram para a descoberta da verdade, estando muito antes de o arguido falar a convicção do tribunal perfeitamente formada, em face da demais prova produzida e já elencada. Muito em síntese, o arguido disse que, de facto, pediu a M. P. que o levasse a um certo sítio, pelas 7 da manhã. Mas o arguido disse que era ele quem conduzia o veículo da M. P. (o que para além de ter sido desmentido por esta, não faz sentido, já que era ela quem lhe dava boleia a seu pedido – como ambos disseram - o arguido não costumava conduzir e nem sequer tem carta de condução – além de resultar infirmado por uma testemunha presencial, como veremos, que no dia dos factos viu uma pessoa sair do lado do pendura, um homem, que deu os disparos). Que viu uma caçadeira no carro, já montada. Chegaram ao sítio e deixou o carro a trabalhar; viram luz numa garagem e a M. P. sai do carro e foi ela quem deu o tiro. Ouviu “um estouro”, ela regressou ao carro e saíram dali. Disse-lhe, “M. P., está feito, está feito”. Estacionou o carro, ela regressou ao local do condutor, deixou-o em casa. A arma não era sua, disse.

Ora, nesta parte, a versão do arguido não tem credibilidade, pois todos os demais elementos de prova a infirmam: o depoimento da testemunha M. P., o depoimento da testemunha D. N. [morador do prédio onde residia J. O. e que relatou, com credibilidade, pois nenhum interesse tem na decisão da causa, no dia dos factos ouviu um “estoiro” e veio à janela e, passado uns segundos vê uma pessoa entrar no carro, pelo lado do pendura e que o carro arrancou a grande velocidade do local.

Descreveu tal pessoa como sendo um homem novo, nem muito alto nem muito baixo (ou seja, uma descrição perfeita do arguido, que tinha à data 25 anos de idade, de altura média, de pele morena e magro), sendo certo que o arguido não tem qualquer parecença física com M. P., que para além de ser mulher, tem compleição física mais forte é loira e com cabelo comprido. Mais, esta testemunha afirmou que a tal pessoa que viu passou por trás do carro e o arguido disse que a M. P. depois de dar o tiro passou pela frente do mesmo, o que mais uma vez, infirma a versão do arguido e abala a sua credibilidade] bem como o teor das escutas constantes dos autos, infra analisados.

Cumpre assinalar que se mostra compreensível que o arguido, nesta parte, tenha tentado fugir à autoria dos factos – no sentido de ter sido ele o autor do disparo, assim tentando mitigar a sua responsabilidade. Mas, sem credibilidade, pelas razões apontadas.

Já a outra parte das suas declarações mereceu alguma credibilidade, porque confirmada por vários outros elementos de prova [muito em síntese, quando afirma que foi a arguida C. O. quem lhe encomendou o homicídio, a troco de dinheiro], sendo certo que quanto a esta parte não se vê qual o seu interesse em implicar a arguida C. O., sendo certo que o arguido não tinha qualquer relacionamento com a vítima, pessoa que nem conhecia.

Vejamos. O arguido disse que a arguida C. O. “o contratou para fazer este crime”. Que o negócio foi através do D. S., namorado da filha da C. O.. Que “ela queria o Sr J. O. morto porque estavam em divórcio, que o J. O. não queria, nem queria que ela, em caso de divórcio, ficasse com a casa. Primeiro disse ao D. S. que estava com dúvidas, o que o D. S. transmitiu à C. O. que insistiu no negócio. Disse que falou com a M. P. (a já referida testemunha) e ela disse “nós fazemos”. Estava com dúvidas, mas perante a insistência da M. P., acedeu. Mais disse que a C. O. lhe prometeu 110 000€ para matar o marido. O negócio foi finalizado num encontro, na ciclovia, onde estavam presentes a arguida C. O., o arguido R. S., o D. S. e a P. O., filha da arguida. Nesse encontro, a C. O. disse-lhe que “queria o marido morto por motivos de se separarem e ele não aceitar isso e queria a casa para ela e o dinheiro do seguro”. E ele disse que fazia. Noutro encontro com a arguida C. O., esta deu-lhe 40 000€, em dinheiro. Desses, deu 30 000€ à M. P. porque ela estava com dívidas. Ficou com 10 000€ para si. Tudo isto ocorreu por altura do Natal (de 2016). Que o acordado foi que lhe pagava os restantes 70 000€ quando fosse feito o serviço. Depois, relatou o que ocorreu no dia dos factos, nos termos acima descritos. Porém, disse que não tratou de nada, que foi a M. P. quem arranjou a arma e nem sequer sabia o horário (o que contradiz a circunstância de concomitantemente afirmar que lhe pediu boleia no dia anterior – se tivesse sido a testemunha M. P. a tratar de tudo, seria esta quem o teria contactado, e não o contrário). O que se mostra muito pouco convincente, em face do que, segundo a sua versão, tinham acordado entre ambos. Não faz sentido que o arguido se limitasse a aderir ao que a M. P. tivesse planeado (aliás, segundo a sua versão, bem vistas as coisas, o arguido não era preciso para nada: não tinha carro, apenas se limitou a acompanhar a M. P. e não deu o tiro. Portanto, não se percebe a sua presença no local, sequer).

Mas não foi assim: foi o arguido quem desferiu o tiro mortal, não sendo a sua versão (engenhosa, mas cujo objectivo – de mitigação da sua culpa - se apreende com facilidade) verosímil. De resto, veja-se que era o arguido quem tinha armas e munições em casa – o que significa que as sabe manejar, diversamente da testemunha M. P., a quem apenas foi apreendida esta arma (a do crime). A este respeito, impõe-se sublinhar um outro pormenor, mas relevante, que também infirma a narrativa do arguido: é que a arma apreendida estava embrulhada num pano (recorde-se que a testemunha M. P. disse isso mesmo) e, nesse pano, foram encontrados vestígios de ADN da irmã do arguido, que mora com este. O arguido, a respeito de tal pano, diz nada saber (que devia ser um lenço que a irmã costumava usar quando iam à piscina com a M. P.). Ora, os factos ocorreram no Inverno, pelo que é muito pouco verosímil que a M. P. tivesse tal túnica, que a tivesse guardado em sua casa e ainda que a tivesse usado, precisamente, para embrulhar a arma. Já é muitíssimo provável que o arguido tivesse levado tal peça de vestuário de sua casa (sublinha-se que o arguido vive com esta irmã) para embrulhar a arma (precisamente como disse a testemunha M. P., a arma vinha embrulhada num pano quando o arguido saiu de casa e entrou no carro).

Voltemos, agora, à participação da arguida C. O.. Como vimos, o arguido R. S. disse que o crime foi executado a mando da arguida C. O., que lhe prometeu dinheiro para que matasse o marido. A esta conclusão já havíamos chegado da leitura das intercepções telefónicas, mormente, da relevantíssima sessão 2115, a fls. 24 e seguintes do “apenso III (veja-se o excerto: “agora é que ela está bem (…) sem marido ficou com tudo pago … (de onde se extrai, no contexto que se referem à arguida C. O., pois tinha ficado viúva) … trabalhar porque ela quer, para não dar nas vistas (…) então ela não ficou com a casa paga (…) ele também não tinha muito dinheiro (….) tá bem mas não pode mexer (…) ela pensava que era mal ele coisasse que mexia logo em tudo, era coisa dela”. Por outro lado, nenhuma relação foi apurada entre o arguido R. S. e a vítima. E, a motivação do crime é relevantíssima. Esta motivação, no caso do arguido R. S. prendeu-se com a quantia em dinheiro que lhe foi prometida. E, neste aspecto reside outro ponto em que as declarações do arguido não mereceram credibilidade. Que lhe foi prometido dinheiro, resultou óbvio (novamente, a mesma sessão das intercepções telefónicas: “e tu vais ter de esperar este tempo todo para te pagar; que remédio” – responde o arguido). Mas que tal quantia tenha sido a que referiu – 110 000€ - duvidamos muito. Também aqui é evidente a razão pela qual o arguido disse o valor que disse (é que uma coisa é matar por uma quantia significativa de dinheiro, outra é matar por uma quantia insignificante ou por pouco dinheiro). Por um lado, não nos parece que a arguida tivesse tamanha quantia de dinheiro. De facto, da análise das suas contas bancárias resulta que a arguida não era propriamente abonada e é certo e seguro que (nas contas bancárias) não tinha valores que sequer se aproximassem dos montantes referidos pelo arguido. Nenhum movimento que se assemelhe ao referido pelo arguido como tendo sido o que lhe foi entregue (40 000€) e que, segundo disse repartiu com M. P., na proporção de 30 000€ para ele e 10 000€ para ele. Como vimos, esta negou ter recebido o que quer que fosse, negando frontalmente a versão apresentada pelo arguido R. S.. Por outro lado, considerando os valores segurados não faz muito sentido que a arguido tenha prometido pagar ao arguido R. S. a quase totalidade do que iria receber. Ficámos convencidos, por isso, que lhe foi prometido um valor (cujo montante exacto se não apurou), mas que tal valor seria pago apenas quando fosse recebido pela arguida C. O. (daí a recorrente menção – como melhor veremos infra - a ter de esperar seis meses para poder receber o seguro). E, face à falta de dinheiro da arguida C. O. isto é o que faz sentido. Realmente, não ficámos convencidos que tenha sido entregue qualquer valor, como foi referido pelo arguido. E, da análise do teor das intercepções telefónicas resulta isso mesmo [veja-se, a respeito, o teor da elucidativa intercepção com a sessão 2115, a fls. 24 e seguintes do “apenso III”: “ e se ela (referindo-se à arguida C. O.) não ficar a receber nada, como é que vais fazer, não te paga nada a ti; não ela vai receber daqui a seis meses se não houver nada, pode mexer, já pode fazer tudo”]. É de notar que este prazo dos “seis meses” é também mencionado por várias testemunhas que ouviram da boca da arguida C. O. – quando se referia à falta de provas como sendo o prazo que teria que se aguardar, o que é sintomático do seu envolvimento. Mais, o arguido diz, também, que a M. P. depois do crime se revelou muito insistente para que ele exigisse o resto do dinheiro à C. O.. Novamente, nada disto resulta das conversas mantidas entre ambos, bem ao contrário (a título exemplificativo, veja-se a chamada de 28.04.2017 (do arguido para a M. P., note-se) em que a M. P. diz “se ela – referindo-se obviamente à arguida C. O. - não te pagar nada a ti”. E, nestas diversas chamadas entre ambos em ocasião alguma o arguido refere que foi ela (M. P.) quem fez o que quer que fosse. Já a M. P. refere, por diversas vezes, que foi o arguido quem cometeu o crime [por exemplo, a sessão 3979 a fls. 14 do apenso IV: “queres guerra, vamos ter guerra vou contar a toda a gente que foste tu que mataste o homem”; De resto, é esta a insistir por diversas vezes no sentido de o arguido R. S. contar tudo (o que não diria, certamente, se isso significasse contar que foi ela a executar o crime, ou seja, incriminando-se). No mesmo sentido, a sua denúncia: muito dificilmente seria esta a denunciar o crime se fosse a sua autora, como se infere das regras da lógica e da experiência comum. Outro pormenor que, também, não é verosímil: o arguido disse que dos 110 000€ prometidos pela arguida C. O. deu logo 30 000€ à M. P. e ficou com 10 000€. E que, do resto, seriam mais 20 000€ para a M. P.. Ou seja, segundo a versão do arguido, a pessoa que executa o crime recebe menos do que quem não fez nada e se limitou a negociar o homicídio, o que não colhe, por ser ao arrepio da lógica. Por outro lado, ainda, não se compreende a razão pela qual M. P. iria matar uma pessoa que não conhece e a pedido de pessoa com quem não negociou e que também não conhece. O lógico é que quem se comprometeu a fazer “o serviço” o faça e não que o delegue em terceiros. Além disso, do teor das intercepções retira-se também que quem “iria preso”, segundo as conversas, era o arguido R. S. (vide sessão 4193, fls. 18 do apenso IV) e é sempre a testemunha M. P. a dizer “para contar tudo”; “é melhor falares, que já têm tudo” (referindo-se à apreensão da arma); “no que tu me meteste”, diz M. P. “Vais contar tudo? Conta porque aquela puta (…)” “para mim foi a gaja que falou”; “Têm tudo. Tens que a acusar a ela” (…) “Se fui apanhado com arma”, diz o arguido – fls. 6 do dito apenso. E é este quem está preocupado se o telefone está sob escuta (veja-se o teor da conversa entre presentes de 09.05.2017 – apenso V – “não fales nada (diz o arguido R. S., por três vezes); (…) Pode ter aqui escutas. Ou a sessão 4192 – apenso IV – “olha se calha de estar o meu telefone em coiso”; sessão 4193: “as mensagens não se veem” (diz M. P.) e responde o arguido “tu está calada, eles, olha se eles tiverem coiso, tudo o que tu faças eles sabem” (…) uma questão é nos termos as nossas conversas e outra coisa é tu falares pelo telefone, é diferente”. “Se calha de estarem a ouvir-nos (…) fodi-me, certo?”. Finalmente, diz o arguido R. S. “Não te preocupes, não te vou meter em nada” (…) E se for vou eu sozinho” (fls. 19, apenso IV), assim, assumindo, claramente a autoria dos factos. E, afigura-se evidente que não implicar M. P. tinha a ver com a intervenção que teve nos factos (ao levar o arguido ao local do crime, esconder a arma e encobrir o crime).
A factualidade dada como provada em 22, fundou-se na análise de fls. 111 a 135 do Apenso II- a provada em 23, no teor de fls. 113 e 101 a 110; o ponto 24, a fls. 103 e 137 a 179; o 25, no teor de fls. 139 e 181 a 229; o 26, no teor de fls. 183; o 27, em fls. 219; 28, a fls. 101 a 110; o 29 a fls. 103, 137-179; o 30 em fls. 139; o 31 a fls. 181-229; 32 a fls. 183; o 33 no teor de fls. 219; e de 34 a 37 na conjugação de todos estes documentos, numa síntese conclusiva.

Vejamos, agora, sinteticamente, a demais prova produzida.

A Assistente L. S., mãe do falecido, relatou que achava que o casal se dava bem, só soube de relações extraconjugais depois do falecimento. Apesar de dizer que sempre teve boa relação com a C. O., relatou comportamentos da nora que reputou de estranhos: dizia sempre que nunca se iria saber quem foi, na passagem de ano, o filho estava a deitar uns foguetes e a C. O. disse que “aquele seria o último ano que o J. O. iria botar o fogo, mas para o ano já não iria botar” ao que lhe respondeu que esperava “que estivessem todos vivos”, tendo a nora respondido “estou que não”. Além disso, não lhe deu roupa para o corpo e nunca lhe ouviu uma palavra de conforto. Acrescentou, “mas então uma mulher que fica sem o marido, não quer saber quem foi, como ela? Os pais pagaram as despesas do funeral.

Por sua vez, o pai do falecido, a testemunha H. J. disse, também, que se davam bem com a nora, que sempre foi exemplar só tinha o defeito da vaidade. Porém, o comportamento dela depois da morte era indelicado, estava sempre a dizer que não se ia descobrir quem foi. Que, quando foram pedir-lhe roupa para o funeral (já que foram eles quem tratou disso, já que ela nunca tinha dinheiro para nada, era só cabeleireiros, unhas e telemóveis…) ela respondeu que “fatos já se fodeu!” e não lhe deu roupa, que tiveram de comprar para o defunto. Numa ocasião, ela disse mais uma vez “pistas zero, provas zero”, ao que respondeu que se a Judiciária não tinha provas tinham que contratar um detective privado, ao que ela reagiu muito mal e foi-se embora. Acrescentou que o filho nunca teve problemas com ninguém.

J. F., disse que conhecia o falecido J. O. há 16/17 anos, com quem teve um relacionamento entre 2001 e 2009. L. M., companheiro da testemunha J. F., disse ter sabido que aqueles tiveram um relacionamento. Destes depoimentos ficamos a saber que o falecido teve, a certo passo, relações extraconjugais.

S. R., disse conhecer o falecido e a mulher, descreveu a sua relação como sendo “má, faziam vidas separadas; na altura dos factos ele não tinha ninguém, mas ela andava com o F. M.”. Que o falecido lhe disse muitas vezes que queria o divórcio, mas a C. O. não aceitava; até chegou a dizer-lhe que teve com o falecido, a circunstância de eles não se divorciarem tinha a ver com a casa, pois ela também a queria. Explicou, ainda, que o falecido trabalhava numa empresa onde entrava pelas 7 horas da manhã. Por outro lado, disse que achou “curioso” ter visto que no dia do homicídio viu a C. O. e a filha no café, como se nada fosse, a rirem-se as duas e que no cemitério a C. O. lhe disse que “nunca iam descobrir, que um primo tinha desaparecido há 12 anos e nunca descobriram… Ora, deste depoimento, sem embargo de uma certa animosidade para com a arguida C. O. (que disse “conhecer, infelizmente”), retira-se, mais uma vez, o tipo de relacionamento existente entre o falecido e a arguida, que existia um divórcio latente – cujo problema não era propriamente a questão emocional [obviamente, os sentimentos inexistiam], mas o destino da casa de morada de família, e, ainda, que a arguida C. O. não denotava grande emoção com o falecimento do marido.

Por seu turno, a testemunha F. M. assumiu que tinha um relacionamento com a arguida C. O., que o D. S. (namorado da filha da arguida) trabalha para si e foi quem a apresentou à C. O. e filha. Tal relacionamento iniciou, segundo disse, antes do Natal (de 2016). O casamento deles não estava bem, quer a C. O. quer o D. S. falavam em divórcio, que chegou a dizer-lhe que tinha que dar 40 000€ para esse fim, que era um primo que lhe ia emprestar o dinheiro. Isso iria ser concretizado, disse, na semana em que morreu o marido. Depois do falecimento, continuaram a andar juntos e a relação terminou com a detenção da arguida. Tanto ele como o D. S., depois do falecimento – uma ou duas semanas depois - começaram a frequentar a casa da C. O., o que não ocorria antes. No dia … foram todos jantar fora, porque era o aniversário da C. O., que parecia abatida. No dia dos factos, ela tentou ligar-lhe pelas 6.56 horas e mais tarde telefonou a dizer “aconteceu uma tragédia, mataram o meu homem”. Ela costumava mandar sms de manhã, para “dar bom dia”, normalmente, pelas 7 horas, porque ele (o marido costumava sair muito cedo) e podia mandar mensagens à vontade porque ela dizia que estava divorciada. Disse que depois da morte ela andava “espectacular”, mas parecia abatida, que dizia “quem fez isto tem que pagar” e mas estranhou que na casa deles não houvesse uma única fotografia do falecido. Além disso, depois da morte começou a conduzir o carro da C. O.. Também deste depoimento se extrai, sem margem para dúvidas que o casamento do falecido com a arguida estava à beira da ruptura e que andavam em preparativos (pelo menos a arguida) no sentido de concretizar o divórcio. Outrossim resulta patente o estado de alheamento pela morte do marido por banda da arguida (como bem se extrai da circunstância de ir jantar fora poucos dias depois da morte, de deixar esta pessoa conduzir o seu carro e de a pessoa com quem mantinha relação extraconjugal e namorado da filha passarem a frequentar a casa do casal (o pai não permitia que este fosse lá a casa), sem respeitar sequer um período de nojo.

Na mesma linha os seguintes depoimentos, credíveis, sem qualquer interesse na decisão da causa: M. J.: estranhou a atitude da C. O. quando faleceu o marido, ela dizia “provas nenhumas, pistas zero”; no funeral não se despediu do marido. M. A. disse que no dia do funeral a arguida estava enervada e distante, a falar, esquisita, pois disse “são ricos que nem falam, sou pobre mas ainda posso ser rica!” e também estranhou o facto de ela ficar sempre do lado de fora da capela. A. N. relatou uma conversa mantida com a arguida em que esta dizia que “nunca se ia saber, provas nenhumas, pistas zero”, o que disse várias vezes; que foram buscar roupas para vestir o defunto e ela disse que não tinha. O mesmo relato por parte de L. N., acrescentando que depois do falecimento não viu qualquer modificação na C. O.; O. C. disse que quando soube que o J. O. faleceu, “o meu pensamento foi logo para ela, porque desde pequena que a C. O. não é boa da cabeça”; que no dia seguinte ao do funeral ela estava “toda bem arreada” e referiu, também, que ela disse que não havia pistas, que um primo que tinha nunca mais apareceu… que convivia com o casal e aquilo não batia certo. F. N., primo do falecido, disse, também, não ter achado a C. O. “afectada o suficiente pela morte do marido” (apesar de dizer que ela estava a chorar ao pé do caixão), que ela lhe disse que só ia fazer luto três ou quatro meses, que tinha que seguir a sua vida. P. M., conhece a arguida C. O. e trabalhou com ela, disse que esta lhe confidenciou que tinha pensado em divórcio, mas que não o faria por causa da filha. Por sua vez, M. O., cunhada da arguida C. O., relatou que “as coisas entre o casal não andavam bem”, quer um quer outro tinham relações extraconjugais. No dia da morte falou com a C. O. que lhe disse que não sabia de nada, que a Judiciária não tinha pistas. Que achava que o seu telefone estava sob escuta porque a Judiciária sabia de conversas. Esclareceu que foram os pais quem pagou o funeral, jazigo e missa.

Também as testemunhas indicadas pela arguida (M. B., M. N. e S. R.) que descreveram a arguida como pessoa prestável, amiga e disponível, relataram que o casamento dela andava mal, falaram, mais uma vez das traições de ambos e que o divórcio era assunto recorrente. A segunda das testemunhas referidas referiu, com interesse, que a arguida dizia que o marido não queria o divórcio, mas por volta do mês de Novembro (de 2016) disse que ele já tinha concordado com o divórcio, mas ele não saía de casa e ela também não. Ora, este aspecto da casa, referido recorrentemente pelas testemunhas, como vimos já, tem interesse porque num casamento moribundo era o óbice à ruptura definitiva do casal, já que ambos pretendiam ficar com a casa. E, com a morte do cônjuge marido, tal problema ficava definitivamente resolvido, a favor da arguida (dito de outro modo, a casa ficaria para si e filha, integralmente paga). E este aspecto, conjugado com a questão do dinheiro que iria receber do seguro, constitui o móbil do crime por parte da arguida C. O.. Ou seja, estas testemunhas que à partida, trariam uma versão mais simpática da arguida, disseram nestes aspectos – que são os relevantes - o mesmo que todas as outras, assim se reforçando a sua credibilidade.

Porém, estas testemunhas (como é natural) têm uma perspectiva diferente do estado em que a arguida C. O. ficou depois da morte do marido. Estas, ao contrário de todas as que já elencámos acima, disseram que a arguida ficou triste, abalada, chorava, sofrendo com a morte do marido. Neste mesmo sentido, ainda, as testemunhas C. R., N. C. e J. O.. Sem grande credibilidade, face à objectividade dos demais comportamentos da arguida.

A testemunha C. S., cabeleireira da arguida, disse que é cliente há vários anos e costumava ir arranjar as unhas e o cabelo uma vez por semana. Concretizou, ainda, que ela foi ao estabelecimento arranjar as unhas e o cabelo dois dias depois do funeral, mas não foi no dia do funeral.

F. C., mãe da arguida C. O., basicamente, disse que o casal gostava um do outro, apesar de relatar uma série de episódios de um casamento perfeitamente disfuncional, que nunca ouviu falar de divórcio. Como é natural, afirmou a inocência da filha, que chorou muito com a morte do marido, de quem gostavam muito. Disse, também, que eles não tinham dinheiro porque apesar de o genro ganhar bem, não tinha cabeça, ia para o Casino, jogava, ia a discotecas. Por isso acabavam por viver com dificuldades e muitas vezes pediam dinheiro emprestado. Chegou a pagar-lhes o empréstimo quando eles não tinham dinheiro (actualmente, é quem assegura as prestações, já que a filha está detida).

A testemunha C. I., amiga do arguido, disse conhecer o arguido R. S. há muito tempo. Que ele vive com a mãe e uma irmã. Referiu, com interesse, que ele nem tem carta de condução nem sabe conduzir (ao contrário do que disse o arguido).

I. S., tia do arguido, disse que a casa onde mora o arguido é da irmã S., que está na Suíça. Disse não saber se a irmã lhe queria dar a casa, teve intenção de a vender, mas não houve pagamento nenhum (como procuradora da irmã, fez o negócio).

Ora, sintomático é também que o arguido tenha comprado a casa que era da mãe (por escritura de … e já depois de ter sido detido (…) faz o distrate desse negócio, com o óbvio intuito de não ficar nenhum património em seu nome.

Aliás, não foi só o arguido R. S. quem cuidou de questões patrimoniais depois do decesso de J. O.: a arguida C. O. logo após a morte marido (…) tratou da habilitação de herdeiros (…), ainda antes de participar o óbito às finanças (…). Tratou de registar o veículo do marido em nome, assinando uma autorização da filha para o efeito. Porém, em … (já depois da sua detenção, portanto) trata de vender esse carro a sua mãe e, nesse dia, fez as partilhas, em que deveria receber tornas (que depois não recebeu). Em síntese, também a arguida tratou de não ficar com qualquer património em seu nome, com intuito óbvio, considerando o processo em curso.

Relatou, ainda, outro pormenor importante: que esteve na casa do arguido e não viu modificações ou obras na casa, “que está a cair abaixo”. Ora, a este passo, importa recordar que ao arguido disse que tinha gasto metade do valor que recebeu da arguida C. O. para ajudar em casa, em obras e mobiliário. Ora, como se vê, isso é falso. Esta testemunha não contava responder a esta questão, pelo que se revelou credível o que disse a respeito. Logo, se o arguido R. S. recebeu algum dinheiro (já vimos que achamos que não recebeu nada, mas iria receber) não o aplicou como disse.

C. H., companheiro da testemunha M. P., disse conhecer o arguido R. S. há muito tempo e em … ele fazia uns biscates, em obras. Ele pedia-lhe favores, para o levar a sítios, pois não tinha carro. Cerca de uma semana antes (da data dos factos) ele pediu-lhe para o ir levar a um sítio às seis da manhã, perto da cidade, mas não concretizou onde. Disse-lhe que não podia. Depois (quando ela foi à PSP) soube que pediu o mesmo a sua companheira, que na altura não lhe contou nada. Disse ter tido uma discussão com ela, ficou aborrecido por ela não ter ido logo à polícia, pois andava sem dormir, nervosa e com medo e não sabia porquê. Nesta parte, o seu depoimento não se mostra credível em face do teor de intercepções telefónicas, pois aí (em conversa com M. P.) diz precisamente o contrário: “tinhas alguma coisa que contar? Já te tinha avisado… isto depois ficava esquecido” [vide fls. 25 e seguintes do apenso IV]. Ou seja, esta testemunha sabia mais do que disse. De relevante, por outro lado, temos que o arguido R. S. já tinha pedido boleia ao companheiro da M. P. (o que, mais uma vez, não é consentâneo com a versão do arguido quer quando imputa a autoria do disparo à M. P. quer quando refere que foi esta quem preparou tudo – o certo é que já tinha pedido boleia a esta pessoa, o que significa que não foi como disse o arguido).

D. S., namorado da filha da arguida, disse que depois do falecimento de J. O. ficou a dormir em casa dele uma vez. Estiveram juntos com a C. O. no café da M. P. (tal como esta testemunha também referiu – estiveram no seu café a C. O., a filha P. O., o D. S. e o R. S., cerca de um mês depois da morte). Soube do falecimento por intermédio da P. O., que lhe ligou por volta das 8 horas a dizer que tinham matado o pai. Disse que às vezes telefonava à C. O. para ir às compras. Quando confrontado com o número de sms trocados com a C. O. e ao R. S. no dia anterior aos factos (30 de D. S. para C. O. e 23 desta para aquele, de forma intercalada – muito pouco compatíveis com idas às compras ou combinações de caminhadas, como disse…) não os conseguiu explicar – vide apenso VI, tal como não explicou o contacto com a C. O. pelas 7.27 horas do dia dos factos. E este contacto, no contexto do que disse o arguido R. S. torna-se apreensível (recorde-se que este disse que foi por intermédio do D. S. que o acordo para matar foi concretizado). Portanto, àquela hora, muito provavelmente, seria para saber o que se tinha passado e se o “serviço” estava feito. Esta testemunha, apesar de não o ter dito, evidentemente, sabia o que ia ocorrer, já que era o elo de ligação entre o arguido R. S. e a arguida C. O.. Curiosamente (ou talvez não) esta torrente de contactos entre ambos (tão necessários antes) cessaram depois do homicídio, o que significa que estes contactos eram relacionados com o homicídio planeado. Todos estes contactos entre ambos levam-nos a concluir que esta testemunha era o elo de ligação entre o arguido R. S. e a arguida C. O. (que, entre si, não contactavam telefonicamente por forma a não existir qualquer evidência de ligação entre ambos), ou seja, por forma a nunca virem a ser associados um com o outro. Sublinha-se, finalmente, que este depoimento teve lugar antes de o arguido R. S. prestar declarações.

Aliás, ao que parece também a filha da arguida sabia o que ia ocorrer, tal como a testemunha D. S., pois tal decorre do que disse o arguido R. S. conjugado com as inúmeras chamadas entre todos, como vimos já. Por sua vez, a arguida C. O. também não conseguiu explicar com credibilidade tais chamadas e mensagens trocadas com o D. S.. E a explicação que ensaiou não colhe minimamente (designadamente, que era para falar com a filha, que estava com o D. S., pois esta tinha o telemóvel desligado. O certo é que neste período de tempo em que existem inúmeras trocas de mensagens entre a arguida e D. S., designadamente, no dia anterior aos factos também houve contactos entre a arguida e a filha, o que significa que não é verdade que os contactos com o D. S. fossem para o fim relatado pela arguida).

De resto, a testemunha M. M. – através das suas declarações lidas em audiência, a fls. 717-718 (já que nas prestadas em audiência foi patente o seu desconforto, acabando por dizer muito pouco) diz que se lembra de ter visto a C. O., o R. S., a P. O. e o D. S., a caminhar junto ao rio, quase todos os dias, tal como disse que os viu no café, na noite de 16 de Janeiro de 2017. Donde se conclui que existiram contactos entre eles, prévios aos factos.

Relevantes sobre as rotinas de J. O. foram os depoimentos de L. A. ..., Luís ... e V. M.-, colegas de trabalho daquele e o descreveram como homem trabalhador e sempre disponível. O responsável da empresa onde trabalhava disse que o seu horário de trabalho era entre as 7.30-12.30 h e 14-19 horas, sendo que L. A. disse que começava normalmente às 7 horas. Estas rotinas são importantes no planeamento do crime e só, evidentemente, quem lidasse de perto com a vítima as conhecia (no caso, a arguida C. O. e, depois, o arguido R. S., por forma a ter-se dirigido ao local onde aquele morava precisamente à hora e local que sabia que deveria estar a sair de casa para trabalhar).

Outros depoimentos:

M. C., inspector da Polícia Judiciária, relatou as diligências que levou a cabo na investigação (buscas e inquirições). Acerca das buscas disse que foi a testemunha M. P. quem os levou à garagem e abriu a porta. Foi apreendida a arma do crime. Explicou que o pedido de conversas entre presentes surgiu do depoimento prestado pela testemunha M. P., em confronto com as escutas das conversas entre esta e o arguido. Procederam, também, à detenção do arguido, devidamente habilitados com mandados de busca e detenção. A propósito da recolha de vestígios para comparação de ADN e da recolha da respectiva autorização – vide fls. 663 e 1039, disse não ter sido ele a fazer a recolha das assinaturas (por um perito), mas afirmou não ser notória qualquer deficiência da A. P. (irmã do arguido), que a existir não era perceptível.

E. R. foi o agente da PSP que recebeu a denúncia da testemunha M. P.. Disse que se apresentava muito nervosa, que tinha medo de falar, com medo que também a matassem a ela (o que a própria também afirmou, como vimos).

As testemunhas R. M. e H. F., inspectores da Polícia Judiciária, relataram as diligências que levaram a cabo (basicamente, buscas e apreensões). A testemunha R. M., que procedeu à recolha de ADN disse que nenhuma dúvida lhe surgiu ou que se tivesse apercebido de qualquer problema com a pessoa a quem foi feita a recolha.

Sobre as questões suscitadas pelo arguido R. S. na sua contestação, dir-se-á o seguinte.

Aqui chegados, importa dizer que considerando estes depoimentos, não se vislumbra qualquer problema com a recolha de ADN efectuada à irmã do arguido, não resultando provados os factos alegados a respeito na contestação apresentada pelo arguido R. S.. Nem se provou a debilidade mental da irmã do arguido à data da diligência [nem do teor do documento de fls. 1038-1039 se pode concluir pela impossibilidade de prestar o seu consentimento nesse acto, sendo certo que não está declarada interdita, como flui do seu assento de nascimento], nem que a zaragatoa bucal tivesse sido recolhida sem explicação da sua finalidade. De resto, a testemunha presencial sobre estes factos (a mãe do arguido, presente na diligência) não quis prestar declarações. De resto, a própria A. P. poderia, em audiência, como se impunha, ter explicado o circunstancialismo de tal recolha, o que não ocorreu. Assim, não existiu qualquer ilegalidade nesta recolha.

Do mesmo modo, não se alcançou qualquer prova proibida em relação à gravação da conversa entre presentes do dia 9 de Maio de 2017, como invoca o arguido R. S. na sua contestação.

Tal gravação de conversas entre presentes foi previamente autorizada por despacho judicial de fls. 173 e ss, de 20.04.2017.

Para invocar tal nulidade, em boa verdade, o arguido não alega factos concretos: limita-se a colocar questões, perplexidades e levantar suspeições sobre a actuação da Policia Judiciária (que se limitou a executar tal despacho e a cumprir os mandados de busca e detenção entretanto emitidos). Se bem percebemos, o que o arguido pretende dizer com tais dilemas, sem suporte factual, é que a testemunha M. P. foi instrumentalizada por aquela polícia no sentido de ter a dita conversa com o arguido R. S.. Porém, da análise dos autos – a actuação da Polícia Judiciária está perfeitamente documentada nos autos - não resulta qualquer evidência de favor prestado pela dita testemunha nem isso resultou do julgamento.

Assim, tal gravação não constitui meio de prova proibido, nos termos do artigo 126º do Código de Processo Penal.

Finalmente, a arguida C. O., basicamente, negou a prática dos factos e tentou explicar algumas singularidades do seu comportamento antes e depois dos factos. Estranhamente, começa as suas declarações por minudências, à laia de julgamento anotado e comentado, ao invés de logo afirmar a sua inocência. Assim, diz que o marido não tinha fatos e por isso não os deu; que os familiares é que fizeram questão de pagar o funeral, como última vontade; não é autoritária nem vaidosa, mas sempre gostou de andar bem arranjada; não foi ao cabeleireiro no dia do funeral; é totalmente mentira que tenha pago a quantia em dinheiro referida pelo arguido, pois chega ao dia 5 ou 10 e já não tem dinheiro; o marido gastava o dinheiro no jogo e as discussões eram por causa disso; não teve qualquer encontro com o R. S.; não tinha qualquer motivo para matar o marido. Finalmente, lá diz que é mentira que tenha encomendado a morte do marido, não tem nada a ver com isto. Como a filha não tinha telemóvel, mandava sms ao D. S..

Ora, em face de tudo o que já se disse, esta versão não mereceu qualquer credibilidade para além de demonstrar a frieza e pobreza de sentimentos que já se antevia – pois nenhum arguido normal na posição da arguida começaria as suas declarações por factos sem grande importância face à gravíssima acusação de ter mandado matar o marido e só a final negar o que importaria começar por afirmar com veemência: que não cometeu o crime. De facto, para além de todos os meios de prova já acima elencados e escalpelizados, cumpre sublinhar todo o seu comportamento que flui com clareza de todos os depoimentos referidos. A arguida não só não se mostrava muito agastada com a morte do marido, como levou uma vida perfeitamente normal após o falecimento, socializava, ia a jantares, recebia pessoas em casa – incluindo a pessoa com quem mantinha uma relação extraconjugal, sempre afirmou que nunca se iria descobrir nada, o que dizia repetidas vezes e a todos os que com ela falavam sobre o assunto, o que não é normal. Parece-nos que a arguida estava genuinamente convencida que nada do que fez se ia saber (objectivamente, no seu prisma, nada havia que a ligasse ao executor do crime – já que nunca tinha trocado mensagens ou telefonemas com ele), o que ocorre muitas vezes com os autores morais dos crimes; acham que nunca vão chegar aos mandantes, que cometeram o crime perfeito, uma vez que não executaram o crime. A arguida não ensaiou um luto ou período de nojo, revelando-se desrespeitosa da memória do marido. Tudo independentemente de se saber que o casamento estava mal, que o relacionamento entre ambos era inexistente e que cada um fazia a sua vida. Objectivamente, tais comportamentos são fortemente reveladores da desconsideração da memória do marido (o que é natural para quem o havia mandado matar). Não se trata de qualquer julgamento moral, muito longe disso. Do que se trata é de avaliar a conduta posterior ao facto, que é reveladora do mesmo. Quem manda matar o marido naturalmente não nutre sentimentos (positivos) por ele o que ainda é mais grave quanto se mata por questões económicas, para ver um problema resolvido – já se sabe que queria o divórcio, mas não se entendiam por causa da casa e, por isso, “matava dois coelhos de uma cajadada só”, perdoe-se o plebeísmo: matava o marido, ficava com a casa paga onde continuaria a morar tranquilamente com a filha e ainda recebia algum dinheiro do seguro. Por isso, com um sentimento de total impunidade, não sentiu necessidade de mostrar qualquer decoro depois do falecimento, revelando-se pessoa fria e calculista. O que é bem revelado por tudo o que já se disse, sublinhando-se o facto de nem sequer ter tratado de arranjar um fato para enterrar o marido, pormenor que não deixa de ser bem revelador. Ainda tiveram que ser os pobres pais a comprar um fato para o filho assassinado e tratar do funeral.

Mais um pormenor que não pode deixar de assinalar: a arguida C. O. na sua contestação refere expressamente que quem tinha legitimidade para deduzir pedido civil contra a pessoa que matou o marido era ela própria e a filha, o que está correcto, como veremos a respeito do pedido civil formulado pelos pais do falecido. O certo é que a arguida não deduziu qualquer pedido civil contra o arguido R. S., nem por si nem em representação da sua filha menor, o que é bem sintomático.

Portanto, não nos restaram dúvidas sobre o facto de a arguida C. O. ter acordado com o arguido R. S. a morte do marido, a troco de dinheiro, o que fez com o intuito de ficar com a casa de morada de família e com o dinheiro do seguro, nos termos que constavam da acusação e foram dados como provados.

Os factos atinentes ao crime de detenção ilegal de arma, fundaram-se no auto de apreensão de fls. 203 e ss, conjugados com o exame pericial de fls. 220 e 491 e ss e de fl.s 413.

Para a prova dos factos que concernem ao desígnio dos arguidos - atendeu-se às regras da experiência comum e da normalidade da vida, em face da actuação demonstrada pelos arguidos, nos termos que resultaram apurados.

No que concerne à falta de antecedentes criminais, no certificado de registo criminal de fls. 245 e 247 e no que respeita às condições socioeconómicas dos arguidos nos relatórios sociais que constam dos autos (fls. 1323 e 1383).

Finalmente, os factos atinentes ao pedido de indemnização civil fundaram-se não só nos depoimentos dos demandantes (e das declarações da própria arguida, que confirmou que tinham sido os sogros a pagar as despesas de funeral) conjugados com os documentos juntos com o pedido civil (fls. 871 e ss dos autos). E, concomitantemente, os factos não provados a respeito, vertidos na contestação da arguida C. O., sendo que quanto à questão do jazigo (135 a 138 da contestação) nenhuma prova foi produzida.»
***
3. APRECIAÇÃO DOS RECURSOS

3.1. RECURSO INTERLOCUTÓRIO interposto pela arguida C. O. do despacho datado de 12 de abril de 2018.

Neste recurso a arguida insurge-se contra o indeferimento da nulidade por insuficiência de inquérito, prevista no artigo 120.º, n.º 2, al. d) do Código de Processo Penal, que invocou com fundamento na nulidade de todas as provas produzidas a partir do momento em que a testemunha M. P. iniciou o seu depoimento, em 4 de abril de 2017. Argumenta que a falta de constituição como arguida dessa testemunha determina que o seu depoimento seja prova proibida, por força do disposto no artigo 126.º, n.º 2, als. a) e e) do Código de Processo Penal, com a consequente perda de toda a prova subsequente que não pudesse ser obtida na falta dele.

Tal nulidade havia já anteriormente sido arguida pela recorrente, em sede de instrução, na sequência do que veio a ser conhecida pelo Mmo. Juiz de Instrução, que a indeferiu e considerou prova válida o depoimento da testemunha M. P..

Esta decisão que não faz, contudo, caso julgado formal no processo, face à atual redação do artigo 310.º, nº 1 do Código de Processo Penal, que determina a irrecorribilidade da decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação pública, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais.

Solução que encontra a sua razão de ser precisamente na garantia da possibilidade de reapreciação da questão pelo tribunal de julgamento, em decisão passível de recurso, em ordem a uma equilibrada conjugação entre a garantia de um processo penal célere e eficaz (no qual não é admissível o recurso da decisão de instrução) e a possibilidade de o tribunal de julgamento vir a reapreciar tais questões, nos termos conjugados dos artigos 310.º, n.º 2, e 311.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, com sindicância pelo tribunal superior, por via do recurso da respetiva decisão.

No mesmo sentido se pronunciou também já o Tribunal Constitucional, no seu acórdão nº 95/2009, onde salienta que «(…) O artigo 311º, nº 1, do Código de Processo Penal aponta, de facto, no sentido de a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público não constituir decisão final, também na parte em que aprecie nulidades e outras questões prévias ou incidentais.»

De tudo assim decorrendo que nada obsta a que se conheça agora, novamente, da nulidade invocada pela recorrente, em reapreciação da decisão que sobre ela foi tomada já na fase de julgamento, o que se passará a fazer de imediato.
*
A nulidade invocada assenta na qualificação como prova proibida do depoimento prestado em 4 de abril de 2017 por M. P., por falta da sua constituição como arguida, por dele resultar – no entendimento da recorrente – a responsabilização penal daquela M. P. pelo crime de homicídio que estava em investigação.

Compulsados os autos (cf. fls. 122 a 124), constata-se que M. P. foi efetivamente inquirida na referida data, ainda no decurso do inquérito, na qualidade de testemunha, nunca tendo sido constituída arguida (nem naquele momento nem posteriormente).

E, o certo, é que nunca o inquérito correu contra aquela M. P., que não foi acusada nem pronunciada, mantendo-se sempre como testemunha ao longo de todo o processo, qualidade em que prestou inclusive depoimento na audiência de julgamento.

Neste contexto, e não se verificando qualquer das situações a que aludem as alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 58.º do Código de Processo Penal não era obrigatória a sua constituição como arguida.

É certo que, como salienta a recorrente, o artigo 59.º, n.º 1 do Código de Processo Penal também estabelece que «se durante qualquer inquirição feita a pessoa que não é arguido, surgir fundada suspeita de crime por ela cometido, a entidade que procede ao ato suspende-o imediatamente e procede à comunicação e à indicação referidas no n.º 2 do artigo anterior», ou seja, suspende imediatamente a inquirição e procede à comunicação de que passa a assumir a qualidade de arguido e à indicação dos seus deveres e direitos que lhe assistem.

Contudo, para além de não ser qualquer suspeita que implica a constituição como arguido da pessoa inquirida, mas apenas a «fundada suspeita», que deve ser avaliada caso a caso (2), a obrigatoriedade da constituição como arguido da pessoa inquirida só se verifica se, simultaneamente, ocorrer qualquer das situações previstas nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 58.º.

Situações que no caso em apreço nunca se verificaram, posto que, como já vimos, a M. P. manteve sempre a qualidade de testemunha ao longo de todo o processo, nunca tendo sequer corrido inquérito contra ela.

Neste contexto, não se pode dizer que foi omitida a prática de ato legalmente obrigatório em fase de inquérito, como é o interrogatório do arguido nessa qualidade, não podendo a situação ser enquadrada na nulidade de insuficiência de inquérito prevista no artigo 120.º, n.º2 al. d) do Código de Processo Penal.

Por outro lado, não pode deixar de se salientar que nada há no regime legal da prova testemunhal que impeça a prestação de depoimento por testemunha que através dele se possa responsabilizar criminalmente, pois essa circunstância não é motivo de impedimento nem de recusa do depoimento, nos termos dos artigos 133.º e 134.º do Código de Processo Penal.

Nessas situações, o que a lei prevê é que o sujeito, não arguido, indicado como testemunha, que através do seu depoimento se possa responsabilizar criminalmente, possa: requerer a constituição de arguido, beneficiando desse modo do impedimento de depor como testemunha, previsto no artigo 133.º, 1, a), Código de Processo Penal; ou simplesmente recusar-se a responder a perguntas que o possam incriminar, invocando isso mesmo, conforme prevê o artigo 132.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

A circunstância de através do seu depoimento a testemunha se responsabilizar criminalmente não faz desse depoimento prova proibida, como sustenta a recorrente, nos termos do artigo 126.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do Código de Processo Penal, no segmento referente a provas obtidas através de «meios enganosos».

Note-se que a lei processual penal em lado algum estatui a obrigatoriedade de advertência da testemunha de que a resposta a determinada pergunta a pode incriminar penalmente – à semelhança do que acontece por exemplo no caso do artigo 134.º, n.º 2 do Código de Processo Penal – constituindo tal apenas um direito a invocar pela testemunha.

E, mesmo que a testemunha se recuse a responder a perguntas que a possam incriminar, invocando isso mesmo – o que nem sequer aconteceu nos autos – a lei processual penal não permite que ela se recuse a testemunhar na sua totalidade, mas apenas e só às perguntas de onde possa surgir o perigo da sua responsabilização penal (3).

Por outro lado e contrariamente ao insinuado no recurso, não há nos autos qualquer indício que permita sequer suspeitar que o depoimento da M. P. foi obtido através de alegadas promessas de uma eventual desresponsabilização penal.

De tudo assim decorrendo que o depoimento prestado por aquela testemunha não constitui meio proibido de prova nem integra qualquer tipo de nulidade, nos termos dos artigos 58.º, 59.º, n.º 2; 120.º, n.º2 al. d) e 126.º, n.ºs 1 e 2, al. a), todos do Código de Processo Penal e, por maioria de razão, nenhuma interpretação deles foi feita que ofenda as garantias de defesa neste processo da recorrente e/ou do coarguido R. S., consagradas no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

Improcedendo o recurso interlocutório.
***
3.2. RECURSO DO ACÓRDÃO interposto pela arguida C. O..

Nota prévia:

No recurso do acórdão, a propósito da impugnação da matéria de facto, a arguida/recorrente volta a esgrimir os fundamentos do recurso interlocutório interposto do despacho datado de 12 de abril de 2018, relativos à alegada nulidade de todas as provas produzidas a partir do início do depoimento que a testemunha M. P. prestou no decurso do inquérito, que entende constituir prova proibida.

Tendo tal questão sido já decidida supra, precisamente quando se conheceu daquele recurso interlocutório, julgado improcedente, não será agora abordada de novo, dando-se aqui por reproduzida a exposição que a propósito se elaborou.
*
. Impugnação da matéria de facto por errada apreciação e valoração da prova; violação do princípio in dubio pro reo.

No recurso que interpõe do acórdão, a recorrente C. O. começa por argumentar não se ter feito prova da factualidade descrita nos pontos 2, 3, 20, 21, 28, 37, 40, 41 e 44 dos Factos Provados, que foi por isso erradamente dada como provada. E que, por outro lado, a factualidade constante das alíneas d) a l) dos Factos Não Provados deveria ter sido considerada provada, por dela se ter feito prova em audiência.

Para tanto, indica as provas e/ou a ausência delas que, em seu entender, impõem decisão diversa.

Cumprindo suficientemente os requisitos de forma estabelecidos para a impugnação da matéria de facto pelo artigo 412.º, n.º 3, als. a), b) e c) e n.º 4 do Código de Processo Penal.

Requisitos que se fundam na necessidade da delimitação objetiva do recurso da matéria de facto, na medida em que o recurso deste tipo não se destina a um novo julgamento com reapreciação de toda a prova, como se o julgamento efetuado na primeira instância não tivesse existido, sendo antes o recurso da matéria de facto concebido pela lei como remédio jurídico (4).

Nestes casos, o Tribunal da Relação não faz um segundo julgamento, não vai à procura de uma nova convicção, antes se limitando a fazer o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento que tenham sido referidos no recurso e das provas que imponham, e não só que permitam, decisão diferente. Pois a decisão do recurso sobre a matéria de facto não pode ignorar, antes tendo de respeitar, o princípio da livre apreciação da prova do julgador, expresso no artigo 127.º do Código de Processo Penal, e a sua relação com a imediação e oralidade, sobretudo quando tem que se debruçar sobre a valoração efetuada na primeira instância da prova testemunhal, face à ausência de contacto direto com essa prova, o que integra uma das grandes limitações deste tipo de recursos.

Posto isto, e dentro dos limites que a lei estabelece para a apreciação do recurso da matéria de facto, vejamos se o Tribunal a quo errou na apreciação e valoração da prova produzida na audiência e se se impunha que o resultado do processo probatório fosse outro.

A divergência da recorrente relativamente à matéria de facto dada como apurada refere-se essencialmente à sua participação nos factos apurados, como autora do homicídio do seu marido J. O., que em seu entender não se provou.

Analisemos pois a prova produzida com relevância para esse ponto.

Temos desde logo o depoimento da testemunha M. P., que presenciou o momento em que o coarguido R. S., no dia …, por volta das 7 horas da manhã, disparou o tiro que viria a causar a morte de J. O.. Logo nesse momento, quando questionado pela testemunha sobre o que tinha feito, esta ouviu da boca do arguido R. S. a resposta de que tinha sido um serviço que lhe mandaram fazer por dinheiro, que lhe iam pagar bem e que tinha sido a mulher do senhor que acabara de matar quem lhe havia mandado executar essa morte, porque queria ficar com o apartamento pago para ela e a filha, que ela ia receber o dinheiro do seguro e ia pagar bem caro. Na sequência do que, posteriormente, em conversas mantidas entre ambos, o arguido explicou à mesma testemunha que ainda tinha que passar um certo tempo (seis meses) para o banco pagar à mulher, e consequentemente, receber o pagamento do «serviço».

O arguido R. S., por sua vez, nas declarações que prestou em audiência, não só confirmou ter sido a arguida C. O. quem o «o contratou para fazer este crime» a troco de dinheiro, como explicou como se processou essa negociação.

Constam também dos autos interceções telefónicas determinadas por despacho judicial, com observância de todos os formalismos legais, entre as quais se destaca a sessão 2115 – 28.04.2017 – 11.10 horas, entre a M. P. e o arguido R. S. (fls. 24 e seguintes do apenso III ).

Do teor dessa conversa – e contrariamente ao alegado no recurso – resulta inequivocamente que os interlocutores falam da arguida/recorrente C. O.. De facto, logo no início de tal conversação é feita uma referência expressa ao D. S. que já vive com a namorada, que se trata da filha da arguida, a P. O., que a testemunha F. M. (que assumiu que tinha um relacionamento com a arguida C. O.) referiu que depois da morte de J. O. passou a dormir na casa da arguida, o que não acontecia antes, sendo até que na ocasião da busca à residência desta aquele D. S. encontrava-se lá, tendo ali pernoitado.

Há ainda as referências a que a pessoa visada na conversa tinha ficado com a casa paga agora que estava sem marido, em clara alusão à morte de J. O. e à circunstância de a arguida C. O. ficar com a casa paga em resultado do seguro de vida que garantia o respetivo empréstimo.

Acresce o facto de o arguido dizer que a pessoa visada tinha de esperar seis meses pela investigação para poder «mexer» no dinheiro e que depois desses seis meses já não a podiam acusar de nada. Sendo que, segundo várias testemunhas ouvidas em audiência, sempre que alguém perguntava à arguida se já sabia alguma coisa sobre o que tinha acontecido e porque é que o marido tinha sido assassinado, ela não respondia que tinha que aguardar as investigações, como à partida pareceria mais curial, mas que tinha que aguardar seis meses.

Identificada pois que está a arguida C. O. como sendo a visada na conversação telefónica em causa, dela se salientam os seguintes excertos: «agora é que ela está bem (…) sem marido ficou com tudo pago (…) trabalhar porque ela quer, para não dar nas vistas (…) então ela não ficou com a casa paga? (…) a casa só e o resto vai comer de quê? Ele também não tinha muito dinheiro (….) Tá bem mas não pode mexer (…) durante seis meses que é o tempo da investigação que leva para decidir se tem provas se não tem são seis meses (…) Ela pensava que era mal ele coisasse que mexia logo em tudo, era a coisa dela (…) E tu vais esperar esse tempo todo para te pagar? (…) ela vai receber, ela vai receber daqui a seis meses se não houver nada, pode mexer, já pode fazer tudo. Se não houver nada e se houver se a polícia desconfiar dela? Ó pá, isso desconfiar é uma coisa, terem provas é outra se não tiverem nenhuma prova em concreto não a podem acusar de nada (…)»
O teor desta conversa corrobora o depoimento da testemunha M. P. bem como as declarações do arguido R. S. no que concerne à imputação que sempre fez de ter sido a arguida quem havia mandado executar o marido, a troco de dinheiro.

Consta também dos autos (Apenso VI) que na véspera da morte de J. O. há troca de um grande número de sms entre a arguida C. O. e a testemunha D. S., que segundo o arguido afirmou em audiência foi a pessoa que o apresentou àquela arguida e por intermédio de quem o acordo para matar foi concretizado. São um total de 53 sms, de forma intercalada, sugerindo uma conversa (30 sms de D. S. para C. O. e 23 desta para aquele). Contactos que a testemunha D. S., no depoimento que prestou em audiência, não conseguiu explicar, assim como não explicou o contacto com a arguida C. O. pelas 7.27 horas do dia dos factos, ou seja, pouco tempo depois da morte de J. O.. O mesmo sucedendo com a arguida C. O., que sobre tal apenas adiantou que como a filha não tinha telemóvel, mandava sms ao D. S., quando consta dos autos uma listagem de chamadas efetuadas e recebidas que prova de que durante o período de tempo em que aquelas sms foram trocadas e de permeio com elas também houve contactos telefónicos estabelecidos entre a arguida e a filha, o que significa que a explicação adiantada não faz sentido.

Todas as provas descritas corroboram as afirmações repetidas consistentemente pelo arguido R. S., logo após o crime, em conversas telefónicas posteriores e na própria audiência, de que foi a recorrente quem o contratou para matar o marido, a troco de dinheiro.

Por outro lado, da prova produzida – designadamente das declarações dos arguidos e depoimentos das testemunhas que conheciam o falecido J. O. – resulta também que não existia qualquer relação entre o arguido e a vítima, que nem sequer se conheciam.

Não se tendo igualmente apurado qualquer razão para que o arguido imputasse à arguida a «encomenda» do crime, caso não tivesse sido de facto ela a fazê-la.

Quanto à arguida, que optou por não prestar declarações no início da audiência, apenas o tendo feito depois de produzida toda a prova da acusação, conforme se comprova do respetivo registo áudio e se refere na motivação do acórdão, começou-as «por minudências, à laia de julgamento anotado e comentado, ao invés de logo afirmar a sua inocência. Assim, diz que o marido não tinha fatos e por isso não os deu; que os familiares é que fizeram questão de pagar o funeral, como última vontade; não é autoritária nem vaidosa, mas sempre gostou de andar bem arranjada; não foi ao cabeleireiro no dia do funeral; é totalmente mentira que tenha pago a quantia em dinheiro referida pelo arguido, pois chega ao dia 5 ou 10 e já não tem dinheiro; o marido gastava o dinheiro no jogo e as discussões eram por causa disso; não teve qualquer encontro com o R. S.; não tinha qualquer motivo para matar o marido. Finalmente, lá diz que é mentira que tenha encomendado a morte do marido, não tem nada a ver com isto. Como a filha não tinha telemóvel, mandava sms ao D. S..»

Declarações que, no processo de imediação em que foram prestadas, não mereceram credibilidade ao Tribunal a quo demonstrando antes, como se consigna justificadamente na motivação «a frieza e pobreza de sentimentos que já se antevia (…) [começando] as suas declarações por factos sem grande importância face à gravíssima acusação de ter mandado matar o marido e só a final negar o que importaria começar por afirmar com veemência: que não cometeu o crime. De facto, para além de todos os meios de prova já acima elencados e escalpelizados, cumpre sublinhar todo o seu comportamento que flui com clareza de todos os depoimentos referidos. A arguida não só não se mostrava muito agastada com a morte do marido, como levou uma vida perfeitamente normal após o falecimento, socializava, ia a jantares, recebia pessoas em casa – incluindo a pessoa com quem mantinha uma relação extraconjugal, sempre afirmou que nunca se iria descobrir nada, o que dizia repetidas vezes e a todos os que com ela falavam sobre o assunto, o que não é normal. Parece-nos que a arguida estava genuinamente convencida que nada do que fez se ia saber (objectivamente, no seu prisma, nada havia que a ligasse ao executor do crime – já que nunca tinha trocado mensagens ou telefonemas com ele), o que ocorre muitas vezes com os autores morais dos crimes; acham que nunca vão chegar aos mandantes, que cometeram o crime perfeito, uma vez que não executaram o crime. A arguida não ensaiou um luto ou período de nojo, revelando-se desrespeitosa da memória do marido. Tudo independentemente de se saber que o casamento estava mal, que o relacionamento entre ambos era inexistente e que cada um fazia a sua vida. Objectivamente, tais comportamentos são fortemente reveladores da desconsideração da memória do marido (o que é natural para quem o havia mandado matar). Não se trata de qualquer julgamento moral, muito longe disso. Do que se trata é de avaliar a conduta posterior ao facto, que é reveladora do mesmo. Quem manda matar o marido naturalmente não nutre sentimentos (positivos) por ele o que ainda é mais grave quanto se mata por questões económicas, para ver um problema resolvido – já se sabe que queria o divórcio, mas não se entendiam por causa da casa e, por isso, “matava dois coelhos de uma cajadada só”, perdoe-se o plebeísmo: matava o marido, ficava com a casa paga onde continuaria a morar tranquilamente com a filha e ainda recebia algum dinheiro do seguro. Por isso, com um sentimento de total impunidade, não sentiu necessidade de mostrar qualquer decoro depois do falecimento, revelando-se pessoa fria e calculista. O que é bem revelado por tudo o que já se disse, sublinhando-se o facto de nem sequer ter tratado de arranjar um fato para enterrar o marido, pormenor que não deixa de ser bem revelador. Ainda tiveram que ser os pobres pais a comprar um fato para o filho assassinado e tratar do funeral.»

Acresce que dos depoimentos das testemunhas S. R. – que conhecia o falecido e a arguida; M. B., M. N. e S. R. – que conheciam as três a arguida e com ela costumavam conviver, tendo sido indicadas pela sua defesa – decorre o tipo de relacionamento entre a arguida C. O. e o seu falecido marido, que era um casamento moribundo, em que o óbice à rutura definitiva, com o divórcio, era a casa de morada de família, com a qual ambos pretendiam ficar. O que, em conjugação com a demais prova já elencada dá substrato à conclusão a que chegou o Tribunal a quo, de que «com a morte do cônjuge marido, tal problema ficava definitivamente resolvido, a favor da arguida (dito de outro modo, a casa ficaria para si e filha, integralmente paga). E este aspecto, conjugado com a questão do dinheiro que iria receber do seguro, constitui o móbil do crime por parte da arguida C. O..»

E se é certo que, como se contrapõe no recurso, os prémios dos seguros beneficiariam não só a recorrente mas também a filha, também não é menos certo que face à menoridade desta sempre seria a recorrente que iria receber os montantes daqueles prémios e geri-los, caso os conseguisse obter, como pretendia.

Note-se ainda que, como bem salienta na 1ª instância o Ministério Público, relativamente ao veículo automóvel da vítima, seu falecido marido e pai da sua filha, a circunstância de ser um bem que fazia parte da herança aberta por morte deste não impediu a arguida de, cerca de dois meses depois, o registar em seu nome, assinando uma autorização da sua filha menor para esse efeito, sem qualquer pedido de autorização para tal fim. Após o que, já detida, vendeu esse mesmo automóvel à sua mãe.

Da análise conjunta das provas supra referidas e da sua conjugação com as regras da experiência comum e da lógica, temos pois de concluir que não havia probabilidades de tantos elementos fáticos ligarem a arguida C. O. ao papel de mandante da morte do marido, se não fosse efetivamente ela quem tivesse «encomendado» a sua execução ao arguido R. S., a troco de dinheiro.

Por sua vez, da atuação da recorrente objetivamente apurada e apreciada à luz de critérios de razoabilidade e bom senso e das regras de experiência comum, extrai-se a sua intenção, nos termos apurados. (5)

Como é sabido, nem só quando o arguido faz uma confissão integral e sem reservas dos factos, em situações de flagrante delito, quando há testemunhas presenciais ou outras fontes de prova direta pode haver condenações. São muitas as situações em que não há prova direta, porque o autor do crime o praticou sem ser notado ou de forma dissimulada, e nem por isso pode deixar de ser punido.

Por isso mesmo é que a denominada prova indireta ou por presunção também assume um papel fundamental e virtualidade incriminatória para afastar a presunção de inocência, uma vez que em processo penal são admissíveis todas as provas que não forem proibidas por lei. (6)

Ora, como já supra se demonstrou, foi com base em prova indireta, mas segura, que se chegou à conclusão de que a arguida C. O. foi autora do homicídio em causa nos autos, o que o Tribunal a quo também explicita na motivação, valorando as provas conjugadamente, estabelecendo correlações entre elas, confrontando-as e tendo sempre presentes as regras da lógica e as máximas da experiência, de forma a conseguir uma decisão responsável, demonstradora de inteligência e conhecimento das realidades da vida, como impõe a lei.

Aliás, nesta sede, o que não é legalmente permitido ao julgador é o que pretende a recorrente, ou seja, que apreciem as provas isoladamente, sem contextualização e sem recurso a critérios de lógica, pois tal é próprio de um julgador desprovido de cultura jurídica e sem conhecimento da realidade, ou seja, de um julgador que não cumpre o seu papel e profere decisões ao arrepio da sensibilidade e da sagacidade de qualquer cidadão médio, contribuindo para o descrédito da justiça.

A argumentação e prova indicadas pela recorrente não impõem assim decisão diversa da proferida relativamente a toda a impugnada matéria de facto provada e não provada.

E nem se diga, como a recorrente, ter havido violação do princípio da presunção de inocência, consagrado no artigo 32.º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa.

É que embora um dos postulados daquele princípio seja efetivamente o princípio do in dubio pro reo, este surge unicamente como resposta ao problema da incerteza em processo penal, impondo a absolvição apenas quando a prova não permite resolver a dúvida acerca da culpabilidade ou dos concretos contornos da atuação do acusado.

A violação do princípio do in dubio pro reo pressupõe assim, necessariamente, um estado de dúvida do julgador resolvido contra o arguido.

Ora, como flui já da exposição imediatamente antecedente, o Tribunal a quo considerou provados todos os factos relevantes para além de qualquer dúvida razoável sobre eles, ou seja, sem dúvidas em fixar a sua ocorrência tal como se encontram descritos.

Não decorrendo do acórdão a existência ou confronto do julgador com qualquer dúvida insanável sobre factos, motivo pelo qual não houve nem há dúvida para ser valorada a favor da arguida C. O..
Neste contexto, não tem aqui aplicação o princípio in dubio pro reo.

Improcedendo totalmente a impugnação da matéria de facto.
*
. Medida concreta da pena.

A arguida/recorrente sustenta, também, ser exagerada a pena que lhe foi aplicada, que em seu entender deve ser minorada.

Vejamos.

A arguida foi condenada como autora de um crime de homicídio qualificado na forma consumada, previsto e punível pelos artigos 131.º, n.º 1 e 132.º, n.ºs 1 e n.º 2, al. b), al. e), al. j) do Código Penal, a que corresponde a pena de prisão de doze a vinte e cinco anos.

A concretização da pena, dentro da respetiva moldura legal aplicável, deve ser feita em conformidade com os critérios para tal definidos nos artigos 40.º, n.º 1 e n.º 2 e 71.º do Código Penal.

Tendo presente que, nos termos do estatuído naquele artigo 40.º, n.º 1, a aplicação das penas «…visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade», ou seja, visa fundamentalmente atingir fins de prevenção geral e fins de prevenção especial. Não podendo em caso algum a pena ultrapassar a medida da culpa (7).

A quantificação da culpa e o grau de exigência das razões de prevenção, em função das quais se vão dimensionar as correspondentes molduras para o caso concreto, faz-se através da «ponderação das circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele», tal como decorre do artigo 71.º, n.º 2.

O limite máximo da pena fixar-se-á – atendendo à salvaguarda da dignidade humana do agente – em função da medida da culpa, que a delimitará por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir.

O seu limite mínimo é dado pelo quantum da pena que, em concreto, ainda realize, eficazmente, essa proteção dos bens jurídicos penalmente protegidos.

Dentro desses dois limites, encontrar-se-á o espaço possível de resposta às necessidades de reintegração social do agente.

A arguida foi condenada na pena de 25 anos de prisão, que corresponde precisamente ao máximo da respetiva moldura legal.
No caso, é incontestável que quer a ilicitude, quer a culpa são muito acentuadas.

Note-se que uma das três circunstâncias que determinaram a qualificação do homicídio, estamos a falar da alínea j) – agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas – excede notoriamente em intensidade o grau médio pressuposto pelo legislador para a qualificação, o que significa que, na parte em que o excede, pode ser considerado como agravante geral para efeito de fixação da medida da pena, sem violação do princípio da proibição da dupla valoração (8). A factualidade apurada dá conta de que os arguidos combinaram o homicídio por volta do Natal de 2016 como se de um mero negócio se tratasse, com fixação do preço a pagar pela arguida, ao que acresce uma persistência na intenção de matar por mais de 17 dias, já que só em … foi aquele crime consumado.

O crime foi planeado com utilização do conhecimento privilegiado que a arguida tinha sobre a rotina quotidiana de vida da vítima, com quem partilhava a residência.

Não se podendo esquecer que a vítima, para além de cônjuge, era também o pai da sua filha, por sinal ainda menor.

Os factos foram praticados com dolo direto, que constitui o grau mais elevado da culpa.

É de considerar também que o crime de homicídio é qualificado por três circunstâncias, o que acentua as exigências punitivas, já de si exacerbadas por ter sido atingido o valor supremo da vida, que sempre acarreta grande perturbação comunitária, aumentando as necessidades de prevenção geral.

Por outro lado, não se apuraram atenuantes de relevo.
A arguida não assumiu os factos.
A ausência de antecedentes criminais corresponde, no fundo, à normalidade das pessoas fieis ao direito.
Tem apoio familiar da mãe.
Adopta uma conduta conforme às regras no meio fechado e particular que é o estabelecimento criminal onde se encontra reclusa.
Não obstante, o certo é que no nosso sistema punitivo o máximo de pena de prisão é exatamente de 25 anos e, numa visão pela jurisprudência do STJ, verifica-se que em regra esse quantum máximo é reservado para os casos em que o agente é condenado por vários crimes de homicídio ou vários crimes sobre a mesma vítima sendo um deles o de homicídio.
Nos casos de homicídio qualificado entre cônjuges têm sido fixadas penas com uma oscilação média entre os 16 e os 20 anos de prisão.
Neste contexto legal e jurisprudencial e tendo em conta as concretas circunstâncias do caso, a pena aplicada à arguida revela-se excessiva entendendo-se mais adequado fixá-la em 20 anos de prisão, revogando-se em conformidade o acórdão recorrido.
*
. Condenação cível.

A recorrente insurge-se ainda com a condenação cível.
Argumenta, em primeira linha, que sua absolvição decorre diretamente da procedência da impugnação da matéria de facto, o que, por não se ter verificado, dispensa quaisquer considerações.
Sem prescindir, alega que os danos reclamados pelos demandantes nunca seriam da sua responsabilidade, ainda que fosse condenada pelo crime, argumentando que o jazigo e a parcela de terreno adquirida no cemitério são bens dos demandantes e servirão de sepultura a toda a família; quanto às despesas do funeral, a recorrente só não as pagou porque os demandantes (ou filhos), sabendo das suas dificuldades, se dispuseram a pagá-las voluntariamente.

Vejamos.

A recorrente/demandada foi condenada a pagar aos demandantes L. M. e H. J. a quantia total de 5.475,00 €, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a notificação até integral pagamento.
Naquele montante global foram incluídos 150,00 € da parcela de terreno adquirida no cemitério; 3.600,00 € do jazigo; 1.500,00 € de despesas de sepultura e funeral; e 225,00 € de despesas com a missa e cerimónias fúnebres.

Para o que aqui nos interessa, no acórdão recorrido foi considerado provado que:

«69. J. O. nasceu no dia … e era filho de L. M. e H. J..
70. O corpo de J. O. foi sepultado no Cemitério de ….
71. Com as despesas de sepultura e funeral, os demandantes gastaram 1500€, com o jazigo do filho gastaram a quantia de 3600€ e para o sepultar os pais adquiriam o terreno à Junta de Freguesia, pela quantia de 150€.
72. Com a realização da missa e cerimónias fúnebres pagaram 75€ a cada um dos três padres, num total de 225€.»
A propósito deste tipo de despesas, o artigo 495.º, n.º 1 do Código Civil preceitua que «no caso de lesão de que proveio a morte é o responsável obrigado a indemnizar as despesas feitas para salvar o lesado e todas as demais, sem excetuar as do funeral».
Abrangendo as despesas com o funeral todas as necessárias para uma digna inumação do defunto, o que naturalmente compreende o pagamento das cerimónias fúnebres culturalmente adequadas ao caso, de acordo com as possibilidades e condição social do falecido.

Nelas se incluindo, na tradição cristã, a missa de «corpo presente» e demais exéquias, que podem finalizar com o enterro do defunto em local digno de um cemitério, onde se lhe possa prestar homenagem.


Neste contexto, atenta a disposição legal já citada, devem os demandantes, pais do falecido, serem indemnizados das despesas que tiveram com o funeral, sepultura e cerimónias fúnebres do seu falecido filho, no montante total de 1.775,00 € (factualidade constante da 1ª parte do ponto 71 e do ponto 72). Despesas que são consequência direta da morte da vítima, ocorrida por ato ilícito e doloso imputável à recorrente (e ao demandado R. S.). E que era encargo que embora em primeira linha coubesse ao cônjuge do falecido, não tendo sido por este suportado, terá que ser ressarcido a quem em sua vez o suportou.

Não tendo aqui que ser apreciada a hipótese invocada no recurso de os demandantes não terem permitido que a demandada suportasse as despesas do funeral, por tal circunstancialismo não resultar da factualidade dada como provada.

Diferente já é a situação das despesas de 150,00 € e 3.600,00 € tidas com a aquisição da parcela de terreno no cemitério e com o jazigo, respetivamente.

É facto notório, do conhecimento geral, que uma única campa num cemitério permite a inumação de vários corpos, sendo até em regra o que costuma acontecer. Pelo que, comprando a dita parcela de terreno os demandantes adquiriram o direito de ali sepultarem quem muito bem entendam, direito que passou a fazer parte dos seus patrimónios e que podem inclusive alienar. O mesmo acontecendo com o jazigo que colocaram nessa mesma parcela de terreno, que também lhes pertence e poderá ser utilizado para identificação e homenagem a outras pessoas que ali venham a ser inumadas.

Precisamente neste sentido decidiu já o STJ, em acórdão de 24.01.2002, relatado por Pais de Sousa, proferido no proc. 01A3951 (9), em cujo sumário se pode ler: «I- O termo "funeral" constante do nº. 1 do art. 495º do Cód. Civil, abrange tudo o que é estritamente necessário para uma digna inumação do defunto. II- Este acto supõe a existência de um local minimamente digno num cemitério, pelo que os familiares do falecido não podem confinar-se a um enterro indigente. III- O termo funeral não engloba a despesa feita com a aquisição do terreno de sepultura, desde que não se alegue e prove que no coval só poderá ser inumado um corpo.»

Assim, no caso em apreço, tem de se concluir que as despesas com a aquisição da parcela de terreno no cemitério e jazigo lá colocado não acarretam um efetivo prejuízo para os demandados, pelo que, se a demandada os reembolsasse desse gasto, estariam a enriquecer à sua custa.
Procede pois parcialmente este ponto do recurso, em consequência do que se reduzirá a condenação cível para o montante global de 1.725,00 €.
***
3.3. RECURSO DO ACÓRDÃO interposto pelo arguido R. S..

. Nulidade insanável da prova obtida por meio das declarações prestadas por M. P..

O recorrente começa por sustentar a nulidade da prova obtida por meio das declarações prestadas por M. P., bem como de todos os atos subsequentes e com ela conexos, com repetição da audiência de julgamento, para que a matéria de facto seja decidida sem recurso ao aludido meio de prova.

A argumentação é no essencial a mesma da utilizada pela coarguida C. O. no recurso interlocutório, reconduzindo-se à falta de constituição como arguida daquela testemunha.

Assim, tal como já referimos supra esse propósito, começamos por salientar que a decisão do Mmo. Juiz de Instrução que considerou prova válida o depoimento da testemunha M. P., por não ser recorrível (artigo 310.º, n.º 1 do Código de Processo Penal), não faz caso julgado formal no processo,

Nada pois obstando a que se conheça agora, novamente, da nulidade da prova invocada pelo recorrente, em reapreciação da decisão que sobre ela foi tomada na fase de julgamento.

O recorrente qualifica como prova proibida o depoimento prestado por M. P. na audiência de julgamento, por falta da sua constituição como arguida, já que dele resulta – no entendimento do recorrente – a responsabilização penal daquela pelo crime de homicídio que estava em investigação.

Compulsados os autos constata-se que M. P. foi efetivamente ouvida em sede de audiência de julgamento na qualidade de testemunha, não tendo sido constituída arguida, qualidade esta que aqui nunca teve.

Aliás, constata-se também que nunca o inquérito correu contra aquela M. P., que não foi acusada nem pronunciada, mantendo-se sempre como testemunha ao longo de todo o processo.

Neste contexto, e não se verificando qualquer das situações a que aludem as alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 58.º do Código de Processo Penal não era obrigatória a sua constituição como arguida.

É certo que, como salienta o recorrente, o artigo 59.º, n.º 1 do Código de Processo Penal também estabelece que «se durante qualquer inquirição feita a pessoa que não é arguido, surgir fundada suspeita de crime por ela cometido, a entidade que procede ao ato suspende-o imediatamente e procede à comunicação e à indicação referidas no n.º 2 do artigo anterior», ou seja, suspende imediatamente a inquirição e procede à comunicação de que passa a assumir a qualidade de arguido e à indicação dos seus deveres e direitos que lhe assistem.

Contudo, para além de não ser qualquer suspeita que implica a constituição como arguido da pessoa inquirida, mas apenas a «fundada suspeita», que deve ser avaliada caso a caso (10), a obrigatoriedade da constituição como arguido da pessoa inquirida só se verifica se, simultaneamente, ocorrer qualquer das situações previstas nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 58.º.

Situações que no caso em apreço nunca se verificaram, posto que, como já vimos, a M. P. manteve sempre a qualidade de testemunha ao longo de todo o processo, nunca tendo corrido inquérito contra ela.
Por outro lado, não pode deixar de se salientar que nada há no regime legal da prova testemunhal que impeça a prestação de depoimento por testemunha que através dele se possa responsabilizar criminalmente, pois essa circunstância não é motivo de impedimento nem de recusa do depoimento, nos termos dos artigos 133.º e 134.º do Código de Processo Penal.

Nessas situações, o que a lei prevê é que o sujeito, não arguido, indicado como testemunha, que através do seu depoimento se possa responsabilizar criminalmente, possa: requerer a constituição de arguido, beneficiando desse modo do impedimento de depor como testemunha, previsto no artigo 133.º, 1, a), Código de Processo Penal; ou simplesmente recusar-se a responder a perguntas que o possam incriminar, invocando isso mesmo, conforme prevê o artigo 132.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

A circunstância de através do seu depoimento a testemunha se responsabilizar criminalmente não faz desse depoimento prova proibida, como sustenta o recorrente, nos termos do artigo 126.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do Código de Processo Penal, no segmento referente a provas obtidas através de «meios enganosos».

Note-se que a lei processual penal em lado algum estatui a obrigatoriedade de advertência da testemunha de que a resposta a determinada pergunta a pode incriminar penalmente – à semelhança do que acontece por exemplo no caso do artigo 134.º, n.º 2 do Código de Processo Penal – constituindo tal apenas um direito a invocar pela testemunha.

E, mesmo que a testemunha se recuse a responder a perguntas que a possam incriminar, invocando isso mesmo – o que nem sequer aconteceu nos autos – a lei processual penal não permite que ela se recuse a testemunhar na sua totalidade, mas apenas e só às perguntas de onde possa surgir o perigo da sua responsabilização penal (11).

Por outro lado e contrariamente ao sugerido no recurso, não há nos autos qualquer indício que permita sequer suspeitar que o depoimento da M. P. foi obtido através de alegadas promessas de eventual desresponsabilização penal.

De tudo assim decorrendo que o depoimento prestado pela testemunha M. P. não constitui meio proibido de prova nem qualquer nulidade, nos termos dos artigos 48.º, 58.º, 59.º, n.º 2 e 126.º, n.ºs 1 e 2, al. a), todos do Código de Processo Penal e, por maioria de razão, nenhuma interpretação deles foi feita que ofenda o princípio da igualdade, as garantias de defesa neste processo do recorrente e/ou da coarguida C. O. ou as funções e estatuto do Ministério Público, consagrados nos artigos 13.º, 32.º, n.º 1 e 219.º da Constituição da República Portuguesa.

Naufragando pois este ponto do recurso.
*
. Impossibilidade de valoração da «conversa entre presentes» do arguido R. S. e da M. P., por constituir prova proibida.

O recorrente defende constituir prova proibida a «conversa entre presentes» que ocorreu entre si e M. P., das 09:25horas às 09:40horas, do dia … (cuja transcrição consta do Apenso V), por ser proibido o método de obtenção dessa prova, nos termos estatuídos no artigo 126.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Penal.

Compulsados os autos constata-se, contudo, que a gravação da aludida conversa entre presentes tem suporte legal na previsão do artigo 187.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Penal, que o artigo 189.º, n.ºs 1 e 2 do mesmo diploma estende à interceção de comunicações entre presentes, ou seja de pessoas que se encontram cara a cara (12), tendo sido previamente autorizada por despacho judicial datado de 20.04.2017 (que se encontra a fls. 173 a 175).

É pois indiferente para a validade de tal meio de prova que tenha sido o arguido, ou não, que pediu para falar com a M. P. ou que a interceção da conversa tenha ocorrido depois da sua detenção.

Por outro lado, o arguido nunca referiu que esteve contra a sua vontade e foi obrigado a falar na viatura onde ocorreu a conversa em causa, não havendo também qualquer queixa ou o mínimo indício de maus tratos, ofensas corporais, administração de substâncias de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos.

Note-se, aliás, que é o próprio arguido quem, nessa conversa, diz a dada altura à M. P. para ela não falar nada, prerrogativa que também poderia utilizar, assim evidenciando como ambos se encontravam livre para falar ou não falar.

De tudo decorrendo não haver qualquer razão para considerar meio proibido de prova a interceção da conversa entre presentes ocorrida entre o arguido e M. P., das 09:25horas às 09:40horas, do dia 09.05.2017, nos termos dos artigos 187.º, n.º 1, al. a) e 189.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal e, por maioria de razão, nenhuma interpretação deles foi feita que ofenda o consagrado no artigo 32.º, n.º 8 da Constituição da República Portuguesa.

Improcedendo também este ponto do recurso.
*
. Nulidade insanável da prova obtida através zaragatoa bucal recolhida a A. P..

O arguido defende a ilegalidade da prova obtida por meio da zaragatoa bucal feita a A. P., sua irmã, argumentando não lhe ter sido explicada a finalidade da mesma nem ela a entendendo, já que padece de «debilidade mental de base em comorbilidade com surto psicótico»

Resulta contudo dos autos, designadamente de fls. 656 e 663, que a realização da dita zaragatoa bucal foi consentida não só pela própria A. P. como também pela sua mãe – R. P. – que se encontrava presente e também declarou expressamente consentir na recolha de saliva àquela sua filha para eventuais comparações e exames a efetuar no âmbito destes autos.

Consentimento que foi prestado em 09.10.2017, imediatamente após aquela R. P. ter sido inquirida como testemunha, sabendo então quais os factos em investigação nos autos e conhecendo a qualidade de arguidos que neles tinham o ora recorrente R. S. bem como a C. O.. Tudo como demonstra o teor do seu auto de inquirição de fls. 655 e segs., em que declarou ser mãe do arguido R. S., tendo-lhe sido feita a advertência do nº 2 do artigo 134.º do Código de Processo Penal, e, tendo manifestado o desejo de prestar depoimento, começou-o precisamente por dizer que o seu filho «nunca lhe revelou qualquer pormenor sobre os factos ora investigados», o que demonstra o conhecimento de quais sejam esses factos. No mesmo ato lhe tendo sido exibida a peça de roupa (túnica/lenço) a que se reporta a foto de fls. 157, que foi usada para embrulhar a arma de fogo com a qual foi morta a vítima. Sendo precisamente os vestígios que haviam sido encontrados naquela peça de roupa que vieram depois a ser comparados com o perfil de ADN da A. P., conseguido através da realização da zaragatoa bucal em causa.

Neste contexto, e não beneficiando a A. P. do estatuto de maior acompanhada, que tem que ser declarado judicialmente, não se vislumbra qualquer irregularidade no processo de recolha de zaragatoa bucal efetuado.

Improcedendo mais este ponto do recurso.
*
. Impugnação da matéria de facto por errada apreciação e valoração da prova; violação do princípio in dubio pro reo.

O recorrente R. S. sustenta, ainda, não ter sido feita prova da factualidade descrita nos pontos 5, 7, 8, 9, 12, 13, 14, 17, 18, 19 e 39 dos Factos Provados, que foi assim erradamente dada como provada.

Para tanto, indica as provas e/ou a ausência delas que, em seu entender, impõem decisão diversa.

Cumprindo, de forma suficiente, os requisitos de forma estabelecidos para a impugnação da matéria de facto pelo artigo 412.º, n.º 3, als. a), b) e c) e n.º 4 do Código de Processo Penal.

Requisitos que se fundam na necessidade da delimitação objetiva do recurso da matéria de facto, na medida em que o recurso deste tipo não se destina a um novo julgamento com reapreciação de toda a prova, como se o julgamento efetuado na primeira instância não tivesse existido, sendo antes o recurso da matéria de facto concebido pela lei como remédio jurídico (13).

Nestes casos, o Tribunal da Relação não faz um segundo julgamento, não vai à procura de uma nova convicção, antes se limitando a fazer o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento que tenham sido referidos no recurso e das provas que imponham, e não só que permitam, decisão diferente. Pois a decisão do recurso sobre a matéria de facto não pode ignorar, antes tendo de respeitar, o princípio da livre apreciação da prova do julgador, expresso no artigo 127.º do Código de Processo Penal e a sua relação com a imediação e oralidade, sobretudo quando tem que se debruçar sobre a valoração efetuada na primeira instância da prova testemunhal, face à ausência de contacto direto com essa prova, o que integra uma das grandes limitações deste tipo de recursos.

Posto isto, e dentro dos limites que a lei estabelece para a apreciação do recurso da matéria de facto, vejamos se o Tribunal a quo errou na apreciação e valoração da prova produzida na audiência e se se impunha que o resultado do processo probatório fosse outro.

O recorrente assume que participou no plano que envolvia o homicídio de J. O., circunscrevendo-se a sua divergência relativamente à matéria de facto dada como apurada à imputação que lhe é feita da autoria do disparo da arma caçadeira que provocou a morte da vítima, bem como da propriedade e posse de tal arma, que em seu entender não se apuraram.

Analisemos pois a prova produzida com relevância para esses pontos.

Temos desde logo o depoimento da testemunha M. P., que conforme é mencionado na motivação e se comprova através do respetivo registo áudio, afirmou que no dia 17 de janeiro de 2017 transportou no seu veículo automóvel, por si conduzido, o arguido/recorrente, a pedido deste, ao local onde residia o J. O.. Presenciando o momento em que o recorrente disparou o tiro que viria a causar a morte daquele J. O., para o que utilizou uma arma que trazia consigo, embrulhada num pano, e que depois guardou na garagem da testemunha.

Tal depoimento, no que respeita à autoria do disparo fatal, encontra corroboração no depoimento da testemunha D. N., morador do prédio onde residia a vítima, que relatou como naquele dia, por ter ouvido um «estouro», veio à janela e viu um homem novo, nem muito alto nem muito baixo, de pele morena e magro a entrar no carro, pelo lado do pendura, após o que o veículo arrancou logo a grande velocidade, afastando-se do local. Ajustando-se a descrição efetuada às caraterísticas físicas do arguido, que tinha então 25 anos de idade e relativamente ao qual o Tribunal a quo dá conta na motivação ser de «altura média, de pele morena e magro».

Constam também dos autos interceções telefónicas determinadas por despacho judicial, realizadas com observância de todos os formalismos legais, que vão no mesmo sentido. Veja-se a sessão 2115, referente a uma chamada de 28.04.2017 (do arguido para a M. P.) em que a M. P. diz: «E tu vais esperar esse tempo todo para te pagar (…) se ela – [referindo-se à arguida C. O.] não receber, como é que vais fazer, não te paga nada a ti». Na sessão 3979 (fls. 14 do apenso IV), a M. P. diz ao arguido: «queres guerra, vamos ter guerra vou contar a toda a gente que foste tu que mataste o homem». De resto, é a M. P. quem insiste por diversas vezes no sentido de o arguido contar tudo, em momento algum dessas conversações telefónicas o arguido imputando à M. P. a autoria do disparo, nem tão pouco a posse ou propriedade da arma usada para esse efeito.

Acresce, ainda, que a arma do crime veio a ser apreendida embrulhada num pano onde foram encontrados vestígios de ADN da irmã do arguido, que mora com este.

Todas as provas descritas corroboram assim o teor do depoimento da testemunha M. P..

É certo que o arguido, embora optando por não prestar declarações no início da audiência, acabou por vir a fazê-lo depois de produzida toda a prova da acusação e, tal como mencionado na motivação e se comprova através do respetivo registo áudio, declarou – para além do mais – ter pedido à M. P. que o levasse a um certo sítio, pelas 7 da manhã, não obstante o que foi ele quem conduziu o veículo. Afirmou que no carro estava uma caçadeira, já montada, que não lhe pertencia. Quando chegaram ao local deixou o carro a trabalhar; viram luz numa garagem e a M. P. saiu do carro com a arma e com ela disparou um tiro. Ouviu «um estouro», ela regressou ao carro e saíram dali. Disse-lhe: «M. P., está feito, está feito». Estacionou o carro, ela regressou ao local do condutor e deixou-o em casa.

Tais declarações, que no processo de imediação em que foram prestadas, não mereceram credibilidade ao Tribunal a quo, são infirmadas pelos elementos probatórios já supra referidos, constituídos pelos depoimentos das testemunhas M. P. e D. N., teor das interceções telefónicas realizadas e vestígios de ADN da irmã do arguido no pano que envolvia a arma do crime.

Repare-se que não há hipótese de ser a M. P. a pessoa que a testemunha D. N. referiu ter visto e descreveu, posto que, como se esclarece na motivação, o Tribunal a quo pode constatar que as caraterísticas físicas dela e do arguido são muito diferentes, já que a primeira «para além de ser mulher, tem compleição física mais forte é loira e com cabelo comprido».

Acresce que a testemunha D. N. afirmou que que a tal pessoa que viu passou por trás do carro, o que também não corrobora a versão apresentada pelo arguido, que referiu ter a M. P., depois de disparar o tiro, passado pela frente do carro.

Note-se, ainda, que como se menciona na motivação e se pode comprovar no registo áudio das declarações do arguido, este «disse que não tratou de nada, que foi a M. P. quem arranjou a arma e nem sequer sabia o horário (o que contradiz a circunstância de concomitantemente afirmar que lhe pediu boleia no dia anterior – se tivesse sido a testemunha M. P. a tratar de tudo, seria esta quem o teria contactado, e não o contrário). O que se mostra muito pouco convincente, em face do que, segundo a sua versão, tinham acordado entre ambos. Não faz sentido que o arguido se limitasse a aderir ao que a M. P. tivesse planeado (aliás, segundo a sua versão, bem vistas as coisas, o arguido não era preciso para nada: não tinha carro, apenas se limitou a acompanhar a M. P. e não deu o tiro. Portanto, não se percebe a sua presença no local, sequer).»

Aliás, se como declara o arguido, ele apenas aceitou esse serviço para ajudar a M. P. e nele teve um papel secundário em relação àquela, também não se compreende que depois afirme ser ele quem ficava com a maior parte do dinheiro a pagar pela coarguida C. O. (mulher da vítima) «pelo serviço», referindo que do total de 110.000,00 € ele ficaria com 60.00,00 € e a M. P. com 50.000,00 €.

Por outro lado, embora o arguido também afirme que depois do crime a M. P. se revelou muito insistente para que ele exigisse o resto do dinheiro à C. O., nas interceções telefónicas realizadas verifica-se que a M. P. não reclama nenhum pagamento, nunca pergunta pela parte dela ou quando é que vai receber o dinheiro. Antes pelo contrário, nas sessões 2115 e 3979 – já supra mencionadas – a conversa entre a M. P. e o arguido é no sentido de que é só a este que a coarguida C. O. vai pagar, sendo só ele que fica prejudicado se esse pagamento não vier a ser efetuado.

A descredibilizar a versão do arguido, no que respeita ao envolvimento e motivação da M. P., temos também a circunstância de este ter dito que ela o denunciou por ciúmes, por o ter visto com a sua companheira M. num jogo do ... com o Guimarães, para a taça de Portugal. Sendo que conforme documentação junta em sede de audiência se constata que tal jogo teve lugar pelas 20:15 do dia 4 de abril de 2017, quando dos autos resulta que a M. P. foi à PSP durante o dia, ou seja muito antes de esse jogo começar.

Não faz igualmente sentido a justificação do arguido para que a arma do crime ter sido apreendida embrulhada num pano/túnica pertencente à sua irmã, em virtude da M. P. ter ido à praia com ela e ter ficado com essa peça de roupa, pois a morte de J. O. ocorreu em …, que é altura do ano em que as condições atmosféricas não permitem idas à praia, pelo menos envergando túnicas daquele tipo. E, tendo decorrido já vários meses entre o final do verão e aquela altura, também não é crível que qualquer eventual esquecimento da dita túnica em casa da M. P. não tivesse já sido resolvido, com a respetiva entrega à dona.

De tudo assim decorrendo que a conclusão a que o Tribunal a quo chegou quanto a ter sido o arguido o autor do disparo que provocou a morte do J. O., com uma arma que era sua – nos termos e circunstancialismo descrito nos impugnados pontos da matéria de facto provada – afigura-se perfeitamente consentâneo com as regras da experiência e suportado pelas provas invocadas na fundamentação.

E, aqui chegados, não podemos também deixar de considerar – como ensina Figueiredo Dias (14) – que a decisão sobre a matéria de facto, para além da atividade cognitiva e racional que envolve, tem sempre de conter uma convicção pessoal, para a qual necessariamente concorrem também elementos subjetivos – v.g., intuição do julgador – designadamente no que respeita à credibilidade dos depoimentos.

Aliás, o legislador, consciente das limitações que o recurso da matéria de facto necessariamente tem envolver, teve o cuidado de dizer que as provas a atender pelo Tribunal ad quem são aquelas que «impõem» e não as que «permitiriam» decisão diversa (15).

Sendo no caso em apreço indubitável que a argumentação e prova indicadas pelo recorrente não impõem decisão diversa da proferida, nos termos da al. b), do n.º 3 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, apenas sendo exemplificativa de outra interpretação da prova.

Não podendo obviamente a interpretação da prova feita por uma das partes com interesse direto no desfecho da causa sobrepor-se nestas circunstâncias à interpretação que justificadamente é feita pelo órgão jurisdicional com competência para administrar a justiça.

Sendo assim a decisão do Tribunal a quo inatacável neste ponto, porque proferida de acordo com a livre convicção da entidade competente, em absoluto respeito dos dispositivos legais aplicáveis, nos termos do artigo 127.º do Código de Processo Penal.

E nem se diga, como o recorrente, ter havido violação do princípio da presunção de inocência, consagrado no artigo 32.º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa.

É que embora um dos postulados daquele princípio seja efetivamente o princípio do in dubio pro reo, este surge unicamente como resposta ao problema da incerteza em processo penal, impondo a absolvição apenas quando a prova não permite resolver a dúvida acerca da culpabilidade ou dos concretos contornos da atuação do acusado.

A violação do princípio in dubio pro reo pressupõe assim, necessariamente, um estado de dúvida do julgador resolvido contra o arguido.

Ora, como flui da exposição imediatamente antecedente, o Tribunal a quo considerou provados todos os factos relevantes para além de qualquer dúvida razoável sobre eles, ou seja, sem dúvidas em fixar a sua ocorrência tal como se encontram descritos.

Não decorrendo do acórdão a existência ou confronto do julgador com qualquer dúvida insanável sobre factos, motivo pelo qual não houve nem há dúvida para ser valorada a favor do arguido.

Neste contexto, não tem aqui aplicação o princípio in dubio pro reo.
Improcedendo totalmente a impugnação da matéria de facto.
*
. Medida concreta das penas.

Por último, o arguido/recorrente sustenta serem exageradas as penas parcelares que lhe foram aplicadas, devendo ser minoradas.

No que respeita à pena aplicada pelo crime de detenção de arma proibida, a argumentação do recorrente para a sua redução circunscreve-se à consideração de que ele detinha uma única arma de fogo – a de marca «F.T.F», modelo «GT28», identificada no ponto 38 dos factos provados – e não que, para além dessa, teve também na sua posse e era proprietário da arma de caça utilizada para matar J. O., calibre 12, de canos sobrepostos, tal como consta do ponto 39 dos factos provados.

A argumentação usada para a redução da pena aplicada pelo crime de detenção de arma proibida está assim diretamente dependente da procedência prévia da impugnação do referido ponto 39 da matéria de facto apurada, também feita pelo arguido. Contudo, como resulta da exposição supra, a impugnação do dito ponto 39 não procedeu, o que só por si prejudica a apreciação da redução da pena do crime de detenção de arma proibida com o argumento apresentado.

Cumpre pois apreciar apenas o quantum da pena que foi aplicada ao recorrente pela prática do crime de homicídio qualificado na forma consumada, previsto e punível pelos artigos 131º, n.º 1 e 132º, n.ºs 1 e n.º 2, als. e) e j) do Código Penal, a que corresponde a moldura penal abstrata de doze a vinte e cinco anos.

A concretização da pena dentro da respetiva moldura legal aplicável deve ser feita em conformidade com os critérios para tal definidos nos artigos 40.º, n.º 1 e n.º 2 e 71.º do Código Penal.

Tendo presente que, nos termos do estatuído naquele artigo 40.º, n.º 1, a aplicação das penas «…visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade», ou seja, visa fundamentalmente atingir fins de prevenção geral e fins de prevenção especial. Não podendo em caso algum a pena ultrapassar a medida da culpa (16).

A quantificação da culpa e o grau de exigência das razões de prevenção, em função das quais se vão dimensionar as correspondentes molduras para o caso concreto, faz-se através da «ponderação das circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele», tal como decorre do artigo 71.º, n.º 2.

O limite máximo da pena fixar-se-á – atendendo à salvaguarda da dignidade humana do agente – em função da medida da culpa, que a delimitará por maiores que sejam as exigências de caráter preventivo que se façam sentir.

O seu limite mínimo é dado pelo quantum da pena que, em concreto, ainda realize, eficazmente, essa proteção dos bens jurídicos penalmente protegidos.

Dentro desses dois limites, encontrar-se-á o espaço possível de resposta às necessidades de reintegração social do agente.
O arguido foi condenado na pena de 25 anos de prisão, que corresponde precisamente ao máximo da respetiva moldura legal.
No caso é incontestável que quer a ilicitude quer a culpa são muito acentuadas.

Note-se que uma das duas circunstâncias que determinaram a qualificação do homicídio, estamos a falar da alínea j) – agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas – excede notoriamente em intensidade o grau médio pressuposto pelo legislador para a qualificação, o que significa que, na parte em que o excede, pode ser considerado como agravante geral para efeito de fixação da medida da pena, sem violação do princípio da proibição da dupla valoração (17). A factualidade apurada dá conta de que os arguidos combinaram o homicídio por volta do Natal de 2016 como se de um mero negócio se tratasse, com fixação do preço a receber pelo arguido, ao que acresce uma persistência na intenção de matar por mais de 17 dias, já que só em … foi aquele crime concretizado.

O crime foi executado com espera e dissimulação, com recurso a arma de fogo pertencente ao arguido, tendo sido ele quem disparou o tiro fatal.

Os factos foram praticados com dolo direto, que constitui o grau mais elevado da culpa.

É de considerar também que o crime de homicídio é qualificado por duas circunstâncias, o que acentua as exigências punitivas, já de si exacerbadas por ter sido atingido o valor supremo da vida, que sempre acarreta grande perturbação comunitária, aumentando as necessidades de prevenção geral.

Por outro lado, abona a favor do arguido a admissão, mas apenas parcial, dos factos; a ausência de antecedentes criminais (embora tal corresponda, no fundo, à normalidade das pessoas fieis ao direito); o apoio familiar de que beneficia (por parte da mãe e da irmã); a aceitação social de que gozava (mas que não o coibiu de praticar um crime de homicídio qualificado).

Adota também atualmente o arguido uma conduta conforme às regras, embora isso se passe no meio fechado e particular que é o estabelecimento criminal onde se encontra recluso.

As atenuantes não assumem assim um grande relevo.

Não obstante, o certo é que no nosso sistema punitivo o máximo de pena de prisão é exatamente de 25 anos e, numa visão pela jurisprudência do STJ, verifica-se que em regra esse quantum máximo é reservado para os casos em que o agente é condenado por vários crimes de homicídio ou vários crimes sobre a mesma vítima sendo um deles o de homicídio.

Neste contexto legal e jurisprudencial e tendo em conta as concretas circunstâncias do caso, a pena aplicada ao arguido revela-se excessiva entendendo-se mais adequado fixá-la em 18 anos de prisão, revogando-se em conformidade o acórdão recorrido.
*
. Medida da pena única

Resta agora refazer o cúmulo jurídico de penas, face à redução da pena parcelar do crime de homicídio qualificado, nele englobada.

A pena aplicável ao concurso de crimes, conforme resulta do artigo 77º, nºs 1 e 2, do Código Penal, tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar vinte e cinco anos de prisão e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

In casu, os limites abstratos da pena única variam entre o mínimo de dezoito anos de prisão (pena parcelar mais grave) e o máximo de vinte anos de prisão (soma das duas penas parcelares).

Na medida da pena única são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

A este propósito, como escreve Figueiredo Dias (18), na «avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou mesmo, como no caso, a uma “carreira”) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, só no primeiro caso sendo cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta».

No caso ora em apreço os dois crimes em concurso estão relacionados, sendo uma das armas incluídas no crime de detenção de arma proibida precisamente a arma utilizada para cometer o crime de homicídio.

A personalidade do arguido, projetada nos factos em concurso, revela já caraterísticas de desestruturação pessoal, com indiferença pelo valor jurídico supremo da vida, o que intensifica as necessidades de prevenção especial.

Abona a seu favor não se ter apurado a existência anterior de qualquer contacto com o sistema penal, bem como o apoio familiar.

Neste contexto, a proporcionalidade entre a intensidade das consequências pessoais da pena única e o interesse social na punição, revelam a adequação de uma pena de dezanove anos de prisão, situada no ponto médio da moldura legal abstrata do concurso.
Também neste ponto se revogando o acórdão recorrido.
***
III. DECISÃO

Pelo exposto, acordam as juízas desta secção do Tribunal da Relação de Guimarães, em:

- Negar provimento ao recurso interlocutório interposto pela arguida C. O. do despacho datado de 12 de abril de 2018.
Vai a recorrente condenada em custas, fixando-se em 3 (três) Ucs a taxa de justiça.
*
- Conceder provimento parcial ao recurso interposto do acórdão pela arguida C. O. e, em consequência,
. reduzir para 20 (vinte) anos de prisão a pena aplicada à arguida pela autoria de um crime de homicídio qualificado, na forma consumada, previsto e punível pelos artigos 131º, n.º 1 e 132º, n.º 1 e n.º 2, al. b), al. e) e al. j) do Código Penal;
. reduzir para 1.725,00 € (mil setecentos e vinte e cinco euros) a condenação cível da arguida/demandada.
*
- Conceder provimento parcial ao recurso interposto do acórdão pelo arguido R. S. e, em consequência,
. reduzir para 18 (dezoito) anos de prisão a pena parcelar aplicada ao arguido pela autoria de um crime de homicídio qualificado, na forma consumada, previsto e punível pelos artigos 131º, n.º 1 e 132º, n.º 1 e n.º 2, al. e) e al. j) do Código Penal;
. reduzir para 19 (dezanove) anos de prisão a pena única aplicada ao mesmo arguido.
*
Guimarães, 25 de fevereiro de 2019
(Elaborado e revisto pela relatora)


1. Cfr. artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Penal e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.
2. Note-se inclusive, a propósito, que como já decidiu o STJ, em acórdão de 22.04.2002, proc. 04P902, disponível em www.dgsi.pt, «A simples declaração do confitente como autor de um crime pode não ser o bastante para fundar devidamente essa suspeita.»
3. Cfr. neste sentido o acórdão do STJ, de 20.o6-12, CJ, STJ, 2012, 2, pág. 206.
4. cf.. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 7.ª edição, , 2008, pág. 105.
5. É que, sendo a “intenção” sempre um elemento da vida interior de cada um que, como tal, é insuscetível de direta apreensão, só é possível de captar através do preenchimento dos elementos objetivos da infração aliados a presunções de normalidade e regras da experiência.
6. Cf. artigo 125º do Código de Processo Penal.
7. Cfr. n.º 2 do citado artigo 40.º do Código Penal.
8. Neste sentido, cf. acórdão do STJ de 20.10.2011, proferido no proc. 1909/10.9JAPRT.S1, relatado por Maia Costa.
9. Disponível em www.dgsi.pt.
10. Note-se inclusive, a propósito, que como já decidiu o STJ, em acórdão de 22.04.2002, proc. 04P902, disponível em www.dgsi.pt, «A simples declaração do confitente como autor de um crime pode não ser o bastante para fundar devidamente essa suspeita.»
11. Cfr. neste sentido o acórdão do STJ, de 20.o6-12, CJ, STJ, 2012, 2, pág. 206.
12. Cf. Francisco Marcolino de Jesus, Os meios de obtenção de prova em processo penal, Almedina, 2ª edição, 2015, p. 319 a 328.
13. cf.. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 7.ª edição, , 2008, pág. 105.
14. Direito Processual Penal, 1ª Edição, 1974, Reimpressão, 2004, Coimbra Editora, pág. 205.
15. Cfr. artigo 412.º, n.º 3, al. b) do Código de Processo Penal.
16. Cfr. n.º 2 do citado artigo 40.º do Código Penal.
17. Neste sentido, cfr. ac. do STJ de 20.10.2011, proferido no proc. 1909/10.9JAPRT.S1, relatado por Maia Costa.
18. Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 291, § 421.