Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
99/17.0T8AMR.G1
Relator: ESPINHEIRA BALTAR
Descritores: RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
VIOLÊNCIA CONTRA AS COISAS
CITAÇÃO DO REQUERIDO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. Na restituição provisória de posse a violência pode ser dirigida contra as pessoas ou coisas.

2. Quando direcionada às coisas é relevante desde que a coisa seja obstáculo do esbulho e impeça o exercício do direito do esbulhado ou potencie a intimidação ou constrangimento, de forma direta ou reflexa, do esbulhado.

3. A citação do requerido ou réu para a causa ou recurso nos termos do artigo 641 n.º 7 do CPC só se verifica quando esteja em causa um indeferimento liminar e não decisão de mérito, como ocorreu nos caso dos autos.
Decisão Texto Integral:
Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães

Requerente: F. P., residente na Rua …, Rendufe, Amares.
Requerida: R. P., residente na Rua …, Rendufe, Amares.

Providência cautelar requerida:
- Ordenar a restituição provisória ao Requerente do prédio urbano, composto por casa de rés-do-chão, sito na Rua …, Amares.

Causa de pedir:
1.- O requerente é casado com a requerida no regime de comunhão de adquiridos.
2.- O requerente e a requerida são comproprietários do prédio urbano, composto por casa de rés-do-chão, sito na Rua …, Amares.
3.- Este prédio constitui a casa de morada de família do requerente, da requerida e dos dois filhos desde 2009.
4.- Esta habitação foi construída pelo requerente e pela requerida.
5.- Há mais de 20 anos que o requerente e a requerida usufruem do dito imóvel, de modo ininterrupto, sem a oposição de ninguém e na convicção de que são os seus legítimos proprietários.
6.- Em Fevereiro de 2017, a requerida, através da sua advogada, avisou o requerente, na pessoa do subscritor, que, por razões de segurança, mudou as fechaduras da habitação.
7.- Informando ainda que, quanto o requerente viesse a Portugal, bastava informá-la e ela abria-lhe a porta.
8.- No dia 28 de Abril, o subscritor informou a advogada da requerida que o requerente chegava a Portugal no passado Domingo, da parte da tarde, solicitando, por isso, que alguém lhe abrisse as portas da habitação.
9.- No dia 29 de Abril, a advogada da requerida informou o subscritor que esta não iria estar em casa, mas que o pai ficaria com as chaves para o requerente entrar na moradia.
10.- No dia 30 de Abril, o subscritor informou a advogada da requerida que o requerente só chegaria à 1 da manhã, solicitando que avisasse o pai da requerida.
11.- Nesse mesmo dia, a advogada da requerida solicitou que o requerente contactasse o pai da requerida, através do telemóvel, assim que chegasse, o que aconteceu.
12.- Após, o pai da requerida informou o requerente que não dispunha das chaves da moradia.
13.- O requerente chegou por volta da 1 da manhã e não tinha as chaves da moradia conforme acordado.
14.- O requerente ficou assim impossibilitado de pernoitar na sua casa.
15.- O requerente não tem acesso à sua casa.

Ouviram-se as testemunhas arroladas pelos requerentes.

Foi proferida decisão que julgou improcedente o procedimento cautelar e não ordenou a restituição provisória do imóvel nos termos peticionados pelo requerente.

Inconformado com o decidido o requerente interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
- Dos depoimentos das testemunhas A. A. e Alzira, conjugados com os doc.ºs n.ºs 2, 3 e 4 juntos à petição inicial, resulta, pelo menos indiciariamente, que a requerida mudou as fechaduras das portas de casa de habitação, não entregando ao recorrente, contrariamente ao combinado, as respetivas chaves, pelo que devem considerar-se "como provados" os seguintes factos:
- "a requerida mudou as fechaduras da moradia" (por referência ao ponto 11.º da petição inicial)
- "o requerente não tem acesso à sua moradia" (por referência ao ponto 23.º da petição inicial)
- cfr. depoimento gravado da testemunha A. A., com início às 09h:38m:18s e termo às 09h:55m:41s ( vd. passagens aos 02m:25, 02m:33s, 02m:35 e 15m:14) e depoimento gravado da testemunha Alzira, com início às 09h:55m:44s e termo às 1 h:08m:59s (cfr. passagens aos 02m:00, 03m:35, 06m:59, 07m:20 e 10m:59)
- vd. n.º 1 art.º 662,° e art.º 640.° CPC

2.ª - Tendo em conta os factos alegados pelo requerente na petição inicial, o tribunal "a quo" não podia considerar provado que "o casal encontra-se em processo de divórcio", devendo, por isso, eliminar-se a factualidade provada no ponto 4. dos factos provados
- vd. art.º 5.°, n.ºs 1 e 2 art.º 412.° e 662.° CPC

3.ª - Ao mudar as fechaduras das portas da casa de habitação sem entregar ao recorrente as chaves respetivas, a requerida privou-o da posse que livremente exercia sobre essa casa e impede-o de a continuar a ter, o que configura esbulho violento
- vd. arts.º 1261.° e 255.° CC
- vd. Ac. TRL, proc. n.º 00117461, Relator Azadinho Loureiro e Ac. TRP proc, n.º 83/11.8TBVLe.P1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt

4.ª - Encontram-se preenchidos todos os pressupostos de que depende a aplicação da providência de restituição provisória de posse, justificando-se portanto a pretensão do recorrente
- vd. art.ºs 377.° e 378.° CPC
DE HARMONIA COM AS RAZÕES EXPOSTAS DEVE CONCEDER-SE PROVIMENTO AO RECURSO E, POR TAL EFEITO:
- revogar-se a sentença proferida, ordenando-se a restituição provisória ao requerente da posse da casa de habitação identificada no ponto 3.° da petição inicial
ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA

O tribunal, por despacho de fls. 48 datado de 22/05/2017, admitiu o recurso interposto e ao abrigo do disposto no artigo 641 n.º 7 do CPC. ordenou a citação da requerida para o recurso e procedimento cautelar.

Inconformado com este despacho no que concerne à citação da requerida para os termos do recurso e da providência cautelar o requerente e apelante interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

1.ª - Em 15.05.2017, o recorrente interpôs recurso, onde requereu, entre o mais, a aplicação da providência de restituição provisória da posse, sem a citação e / ou audiência da recorrida
- vd. 377.° e 378.° CPC
2.ª - Em 22.05.2017, o tribunal proferiu despacho no sentido de admitir o recurso, mas com a citação da recorrida para os termos do recurso e da causa
- vd. 1.a parte, n.º 7, art.º 641.° CPC
3.ª - No entanto, sendo aplicável ao caso a providência cautelar de restituição provisória da posse, o juiz deve, por imposição legal, ordenar essa restituição sem a citação nem audiência do esbulhador
- vd. art.°s 641.°, n.º 7, parte final e 378.° CPC
4.ª - Entendimento diverso retiraria qualquer efeito útil ao recurso interposto pelo recorrente da sentença proferida
DE HARMONIA COM AS RAZÕES EXPOSTAS DEVE CONCEDER-SE PROVIMENTO À APELAÇÃO E, POR TAL EFEITO:
- revogar-se o douto despacho proferido em 22 de maio, 2.ª parte, não se admitindo a intervenção da requerida até à prolação da decisão final deste procedimento cautelar
ASSIM DELIBERANDO ESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO FARÁ JUSTIÇA.

A requerida apelada apresentou oposição ao procedimento cautelar e contra-alegações ao recurso, pugnando pela sua improcedência.

Das conclusões dos recursos ressaltam as seguintes questões:

A. primeiro recurso

1. Aditar à matéria de facto provada:
a. A requerida mudou as fechaduras da moradia (parte do artigo 11 da petição inicial).
b. O requerente não tem acesso à sua moradia (parte do artigo 23 da petição inicial).
2. Eliminar o ponto n.º 4 dos factos provados (o casal encontra-se em processo de divórcio).
3. Se há violência no esbulho.

B. Segundo recurso

1. Se é de aplicar a exceção do artigo 641 n.º 7 do CPC, por se estar perante uma situação de restituição provisória de posse.

O tribunal recorrido deu como provada e não provada a seguinte matéria de facto:
2.-Factos indiciariamente provados com relevância para a decisão da causa:
1.- O requerente é casado com a requerida no regime de comunhão de adquiridos.
2.- O requerente e a requerida são comproprietários do prédio urbano, composto por casa de rés-do-chão, sito na Rua …, Amares.
3.- Este prédio constitui a casa de morada de família do requerente, da requerida e dos dois filhos desde 2009.
4.- O casal encontra-se em processo de divórcio.
5.- O requerente está emigrado em França, onde trabalha.
6.- A requerida habita no prédio identificado em 2, com os dois filhos do casal.
7.- O requerente regressa hoje a França.
8.- No dia 28 de Abril, o subscritor informou a advogada da requerida que o requerente chegava a Portugal no passado Domingo, da parte da tarde, solicitando, por isso, que alguém lhe abrisse as portas da habitação, conforme documento junto a fls. 7v, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
9.- No dia 29 de Abril, a advogada da requerida informou o subscritor que esta não iria estar em casa, mas que o pai ficaria com as chaves para o requerente entrar na moradia.
10.- No dia 30 de Abril, o subscritor informou a advogada da requerida que o requerente só chegaria à 1 da manhã, solicitando que avisasse o pai da requerida, conforme documento junto a fls. 8, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
11.- Nesse mesmo dia, a advogada da requerida solicitou que o requerente contactasse o pai da requerida, através do telemóvel, assim que chegasse, o que aconteceu.
12.- Após, o pai da requerida informou o requerente que não dispunha das chaves da moradia.
13.- O requerente chegou por volta da 1 da manhã e não tinha as chaves da moradia conforme acordado.
14.- O requerente ficou assim impossibilitado de pernoitar na sua casa.
****
3. - Factos não provados com relevância para a decisão da causa:
Não se provaram os restantes factos constantes da petição inicial que não tenham sido supra referidos nos factos provados, ou estejam em contradição com os mesmos, nomeadamente, os seguintes:
- Em Fevereiro de 2017, a requerida, através da sua advogada, avisou o requerente, na pessoa do subscritor, que, por razões de segurança, mudou as fechaduras da habitação.

Vamos começar pelo primeiro recurso.
A1. Aditar à matéria de facto provada:
a. A requerida mudou as fechaduras da moradia (parte do artigo 11 da petição inicial).
b. O requerente não tem acesso à sua moradia (parte do artigo 23 da petição inicial).

O requerente/apelante alicerça o aditamento desta matéria de facto aos factos provados em excertos dos depoimentos das testemunhas A. A. e Alzira, que transcreveu nas alegações, vizinhos da casa do requerente e da requerida, que revelaram conhecimento dos factos e ainda nos documentos juntos com a petição inicial com o n.º 2, 3 e 4.

A matéria da alínea a) está conexa com o alegado no artigo 11 da petição inicial, que o tribunal deu como não provado. O apelante pretende uma alteração restritiva ao ponto de facto não provado de molde a constar que ficou provado que “ a requerida mudou as fechaduras da moradia”. Na verdade, não se provou o teor do artigo 11 da petição inicial, que envolvia que a requerida comunicou ao requerente através da sua advogada, na pessoa do seu advogado, que tinha mudado as fechaduras da moradia, por razões de segurança. Mas provou-se que as chaves foram mudadas pela requerida, e que o requerente sabia da sua mudança, como resultou do depoimento conjunto das testemunhas ouvidas, A. A. e sua esposa Alzira, vizinhos da requerida e tios desta e do requerente, conhecedores dos conflitos existentes entre ambos, relatando o A. A. que a requerida já vivia com um “namorado” na casa e a esposa Alzira afirmou que já estava a correr o divórcio. O seu conhecimento adveio do que se ouvia no lugar, da mulher-a-dias e que a Alzira viu uma carrinha estranha na casa e do que o requerente contou aos tios na viagem entre o aeroporto e a casa. Por outro lado, é da experiência comum que quando um casal está desavindo, um deles está ausente, e está a correr processo de divórcio, é normal que o cônjuge que está na morada de família mude as fechaduras para não ser surpreendido com a entrada do outro. E julgamos que foi o que aconteceu no caso dos autos. Daí que deva ser aditada à matéria de facto provada o que consta da alínea a) com o aditamento de que o apelante teve conhecimento do facto “ A requerida mudou as fechaduras da moradia de que o requerente veio a ter conhecimento”.

Quanto ao teor da alínea b) “o requerente não tem acesso à sua moradia”, que o apelante pretende aditar e retira do alegado no artigo 23 da petição inicial, traduz-se numa conclusão que se consubstancia da conjugação dos pontos 13 e 14 da matéria de facto provada, pelo que não deve ser aditada.

A2. Eliminar o ponto n.º 4 dos factos provados (o casal encontra-se em processo de divórcio).

O apelante pretende a eliminação deste ponto de facto que integra matéria de facto que não foi alegada na petição inicial, não se revela como facto instrumental, nem é um facto notório.

Analisando a petição inicial, que abarca todos os documentos juntos que visam fazer prova do alegado, pode concluir-se, sem margem para dúvidas, que o apelante, nos documentos juntos a fls. 7v a 9, e subscritos pelo seu mandatário, destaca a pendência de processo de divórcio entre o requerente e requerida. Este facto, em si, é revelador de que existia, em juízo, um processo de divórcio e que o apelante não se coibiu de o indicar nesses documentos, sendo o divórcio o fundamento da troca de emails entre mandatários, para se conseguir um acordo no sentido da entrada do apelante na moradia após a chegada de França. Daí que estejamos perante um facto essencial que faz parte da petição inicial, pelo que o tribunal poderia sempre considerar como provado, como o fez. Daí que é de manter-se.

A3. Se há violência no esbulho.

O tribunal recorrido entendeu que a factualidade alegada, a provar-se, não integrava o conceito de violência no esbulho relevante para efeitos da providência cautelar de restituição provisória de posse, porque não gera constrangimento físico, na medida em que o requerente não esteve presente no ato da mudança da fechadura. E, além disso, como comproprietário da moradia, tem iguais poderes para dispor dela como a requerida (citando um acórdão do STJ. de 29/09/1993 que transcreveu em parte).

O apelante, nas suas alegações e conclusões, defende que o ato de mudança das fechaduras é suficiente para revelar-se como um ato violento contra as coisas, neste caso as portas da moradia, enquanto impeditivo de exercer o seu direito de posse sobre a mesma, citando, para o efeito, dois acórdãos, um da Relação do Porto proferido no processo 83.11.8TBVCL.P1 e outro da Relação de Lisboa no processo 00117461, sendo seu relator o Desembargador Azadinho Loureiro.

Esta questão tem sido muito discutida ao longo dos tempos na doutrina e jurisprudência, sendo hoje pacífico que a violência relevante para efeitos do esbulho tanto pode incidir contra a pessoa do possuidor como contra a coisa esbulhada. Neste último caso exige-se que a coisa esteja, de algum modo, ligada à pessoa do esbulhado ou quando dela resulte uma situação de constrangimento físico ou moral (Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV Vol. Almedina, pag. 43 a 45, com todas as citações doutrinárias e jurisprudenciais).

Quanto à violência sobre as coisas há a destacar duas posições um pouco divergentes, na medida em que uma apenas exige uma atuação sobre a coisa esbulhada, relacionada com o esbulhado, desde que impeça o exercício do direito por parte deste. A outra impõe ainda que a atuação sobre a coisa esbulhada seja potenciadora de constrangimento ou intimidação físico ou psíquico sobre o esbulhado.

O STJ, ultimamente, no acórdão datado de 19/10/2016, relatado pela Conselheira Fernanda Isabel Pereira, e publicado em www.dgsi.pt, defende a posição mais lata, expressando-se nas conclusões da seguinte forma:
“O conceito de violência encontra-se plasmado no art. 1261.º, n.º 1, do CC, que define como violenta a posse adquirida através de coacção física ou de coacção moral nos termos do art. 255.º do mesmo Código.
VI - A violência aqui retratada não implica necessariamente que a ofensa da posse ocorra na presença do possuidor. Basta que o possuidor dela seja privado contra a sua vontade em consequência de um comportamento que lhe é alheio e impede, contra a sua vontade, o exercício da posse como até então a exercia – pelo que se sufraga a acepção mais lata de esbulho violento.
VII - A interpretação mais restritiva seria redutora e deixaria sem tutela cautelar o possuidor privado da sua posse por outrem que, na sua ausência e sem o seu consentimento, actuou por forma a criar obstáculo ou obstáculos que o constrangem, nomeadamente, impedindo-lhe o acesso à coisa.
VIII - Não pode deixar de se considerar esbulho violento a vedação com estacas de madeira e rede com uma altura de 1,50m executada pelos requeridos como um obstáculo que constrange, de forma reiterada, a posse dos requerentes, impedindo-os de a exercitar como anteriormente faziam, merecendo, por conseguinte, tutela possessória cautelar no âmbito do procedimento de restituição provisória de posse”. E este acórdão segue a doutrina dos acórdãos deste Supremo Tribunal datados de 3/5/2000, relatado pelo Conselheiro Lopes Pinto no Agravo 294/00 da 1.ª secção, publicado nos Sumários do STJ., em que se destaca “ A total substituição das fechaduras de instalações onde estavam colocados bens que a requerente possuía constitui esbulho violento por contra a vontade desta, impedir, reiteradamente, a sua entrada nas referidas instalações ainda que tão-somente para retirar aqueles bens”, e no acórdão datado de 27/01/2001 “…que julgou violenta a vedação de prédio com arame e colocação de cadeado num portão”.

E já defendemos, no Ac. da Relação de Guimarães de 4/04/2017, relatado pelo Desembargador António Figueiredo, “que o esbulho será com violência sempre que resulte ele de uma ação violenta - física ou moral - dirigida contra a pessoa do possuidor ou contra a coisa que constitui obstáculo ao esbulho”, em que estava envolvida a mudança de fechaduras, que assentou, essencialmente, no Ac. da Relação de Guimarães de 7/5/2015, relatado pelo Desembargador António Santos, em que a questão decididenda era idêntica (esbulho violento porque houve mudança de fechaduras que impediam o esbulhado de aceder à coisa esbulhada) e estão disponíveis em www.dgsi.pt .

Perante isto aderimos à posição que defende que a violência é relevante para efeitos da restituição provisória de posse desde que o ato seja dirigido à coisa que é obstáculo do esbulho e impeça o exercício do direito do esbulhado sobre a coisa.

Analisando a matéria de facto provada, e tendo em conta que o que está em discussão é apenas a violência do esbulho, julgamos que a mudança das fechaduras da moradia levada a cabo pela requerida, na ausência do requerente, e sem sua autorização, e a violação do acordo para a entrega das chaves ao requerente no dia da sua chegada a Portugal, vindo de França, traduz-se num ato violento na medida em que impediu e impede ao requerente/apelante o acesso à moradia de que é comproprietário, deixando-o constrangido, pela forma como foi violada a confiança depositada na entrega da chave. O facto de estar ausente do país e estar a decorrer um processo de divórcio não lhe retira o direito de acesso à moradia, e não se exige que desencadeasse um processo de ação direta, que seria uma forma de potenciar conflitos diretos e agressivos, o que se pretende desincentivar com os instrumentos jurídico-adjetivos colocados à disposição dos cidadãos, para defenderem os seus direitos. Daí que seja adequado o instrumento jurídico processual utilizado para repor a legalidade.

Contudo, como estamos perante uma situação em que há dois possuidores, e para evitar que um deles fique sem acesso à moradia (a requerida), julgamos que a melhor solução será a de proporcionar à requerida chave ou chaves de acesso nos mesmos termos que seja conferida ou conferidas ao requerente, ficando no tribunal à sua disposição.

B. Segundo recurso
1. Se é de aplicar a exceção do artigo 641 n.º 7 do CPC, por se estar perante uma situação de restituição provisória de posse.

Coloca-se a questão de saber se o tribunal deveria citar a requerida para os termos do procedimento cautelar e do recurso, como o fez, ou se deveria abster-se de o fazer porque se está perante um procedimento cautelar em que o requerido não deveria ser ouvido antes do seu decretamento.

A citação só decorrerá se houver um indeferimento liminar e não uma decisão de fundo, como ocorreu no caso em apreço, em que o tribunal ouviu a prova, fixou a matéria de facto provada e não provada e decidiu de mérito, julgando improcedente o pedido, não ordenando a restituição provisória do imóvel nos termos peticionados pelo requerente. Daí que o tribunal tenha violado o disposto no artigo 641 n.º 7 do CPC, conjugado com o disposto no artigo 629 n.º 3 al. c) do mesmo diploma, pelo que é de julgar procedente a apelação e revogar o despacho que ordenou a citação da requerida nos termos do artigo 641 n.º 7 do CPC., datado de 22/05/2017, junto a fls. 48.

Concluindo: 1. Na restituição provisória de posse a violência pode ser dirigida contra as pessoas ou coisas.
2. Quando direcionada às coisas é relevante desde que a coisa seja obstáculo do esbulho e impeça o exercício do direito do esbulhado ou potencie a intimidação ou constrangimento, de forma direta ou reflexa, do esbulhado.
3. A citação do requerido ou réu para a causa ou recurso nos termos do artigo 641 n.º 7 do CPC só se verifica quando esteja em causa um indeferimento liminar e não decisão de mérito, como ocorreu nos caso dos autos.

Decisão

Pelo exposto acordam os juízes da Relação em julgar procedentes as apelações e, consequentemente, revogam as decisões recorridas e ordenam a restituição provisória do imóvel ao requerente/apelante, devendo ser colocada ou colocadas à disposição do tribunal, aquando da entrega, igual montante de chaves que forem disponibilizadas ao requerente/apelante, para entrega à requerida, aquando da sua notificação da restituição do imóvel.

Custas pelo requerente/apelante quanto ao procedimento cautelar e 1.º recurso e pela requerida quanto ao segundo recurso, ao abrigo do disposto no artigo 539 n.º 1 e 2 do CPC.
Guimarães,