Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1066/19.5T8VRL.G2
Relator: JOSÉ CRAVO
Descritores: VEÍCULO DE CIRCULAÇÃO TERRESTRE
MÁQUINA INDUSTRIAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Uma máquina industrial pode ser qualificada como veículo de circulação terrestre, quando lhe é possível realizar tal circulação.
II – Para ser caracterizado como acidente de viação, deve atender-se à atividade que a máquina estava a realizar ou para a qual estava a ser utilizada no preciso momento do acidente.
III – Para estarmos perante um acidente de viação, não é suficiente que a máquina se tenha movido.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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1 RELATÓRIO

A. P., casado, e sua esposa, M. C., casada, residentes no Lugar …, …, Freguesia de …, Concelho do Peso da Régua, instauraram a presente ação declarativa de condenação (1), sob a forma de processo comum, contra Companhia de Seguros X Portugal, S.A., com sede na Rua … Lisboa, formulando a seguinte pretensão: ser a R. condenada a pagar aos AA., acrescidas dos juros legais desde a citação até integral e efetivo pagamento, as seguintes quantias indemnizatórias ou compensatórias, a saber:

a) Pelos danos morais sofridos pelo R. M. antes do seu estado de coma e do seu falecimento, a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros);
b) Pelo dano da morte do filho R. M., a quantia de € 200.000,00 (duzentos mil euros);
c) Ao autor pai A. P. pelos danos morais por si sofridos, a quantia de € 100.000,00 (cem mil euros);
d) À autora mãe D. M. C., pelos danos morais por si sofridos, a quantia de € 100.000,00 (cem mil euros);
e) Aos autores, por todas as despesas tidas com as deslocações que tiveram de fazer aos hospitais e às instituições onde o filho R. M. esteve e ficou acamado e em estado de coma, ao longo de quase 11 anos, a quantia de € 18.547,00 (dezoito mil quinhentos e quarenta e sete euros).
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Alegaram para o efeito, em síntese, o seguinte:
- que no dia, hora e lugar que referem, ocorreu um acidente, quando o seu filho R. M. se encontrava a trabalhar para a respetiva entidade patronal, no interior de uma quinta;
- que na realização do trabalho que estava a ser efetuado, e que consistia na colocação de uma pedra padieira em granito, em cima das ombreiras laterais da porta do armazém da quinta, foi usada uma máquina retroescavadora propriedade da entidade patronal;
- que sem que nada o fizesse prever, quando já tinha colocado a pedra, a retroescavadora fez um recuo, tocou na pedra em granito e provocou a sua queda, que acabou por atingir o R. M.;
- que na sequência da factualidade descrita, o R. M. sofreu lesões que, após vários anos em coma, levaram à sua morte.
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Regularmente citada, a ré Companhia de Seguros X, S.A. apresentou contestação, excepcionando a sua ilegitimidade e a prescrição, e alegando que o acidente em causa configurou um acidente de trabalho, e não de viação, pelo que conclui pela improcedência da acção.
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Ocorreram prolongadas diligências de instrução, justificadas pela dificuldade em localizar documentos relativos a factos ocorridos há 14 anos, devidamente contraditadas, tendo sido admitido o A. a prestar declarações de parte e admitido o aditamento ao rol requerido pelo A.
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Tendo-se dispensado a realização de audiência prévia, no despacho saneador, depois de se conhecer da ilegitimidade e prescrição, excepções julgadas improcedentes, entendendo-se que o processo fornecia já todos os elementos para ser proferida decisão de mérito, passou-se de imediato a proferir sentença, que julgou a acção improcedente e absolveu a R. dos pedidos.
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Inconformados com essa decisão, apresentaram os AA. recurso de apelação contra a mesma, que, por acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 28 de Outubro de 2021, a julgou procedente e, em consequência, anulou o saneador-sentença e todo o processado posterior ao mesmo, a fim de, no tribunal a quo, ser designada a realização da audiência prévia.
Tendo os autos regressado à 1ª instância.
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Realizada a audiência prévia, foi determinada a abertura de conclusão a fim de ser proferido despacho final, por escrito.
Nessa conclusão, após reprodução do despacho saneador, que conheceu da ilegitimidade e prescrição, excepções julgadas improcedentes, entendendo-se que o processo fornecia já todos os elementos para ser proferida decisão de mérito, passou-se de imediato a proferir sentença, que julgou a acção improcedente e absolveu a R. dos pedidos.
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Inconformados com essa decisão, apresentaram os AA. recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizaram com a apresentação das seguintes conclusões:

A situação descrita nos autos pelos autores, com o devido respeito pelo julgador “a quo”, é inequivocamente um acidente de viação, e como tal deve ser considerado por V.ªs Ex.ªs, revogando a sentença de que se recorre, e prosseguindo os autos, o que se requer, para apuramento das responsabilidades assumidas pela ré ao abrigo do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel que celebrou da máquina retroescavadora causadora do acidente.
O que os autores ora recorrentes alegam, é dois momentos ou funções da máquina restroescavadora, na sua função de apenas locomoção-circulação, e na sua função de locomoção transporte, nomeadamente, nos seus artigos 52º a 72º da petição inicial supra transcritos, e não na função que lhe é inerente de escavar, de escavadora,
Por isso, a máquina retroescavadora, além de não estar parada mas sim em movimento, na sua função de locomoção-circulação, também não tinha anteriormente na sua função de locomoção-transporte da pedra e sua fixação nas ombreiras da porta, executado uma tarefa inerente à sua atividade funcional (que é de escavar), como erradamente refere a sentença.
E é só depois de a máquina ter concluído a tarefa de transporte e fixação da pedra padieira nas ombreiras da porta da quinta, quando a máquina, para a sua retirada do local, começa por recuar ou fazer marcha atrás, reiniciando a sua função de circulação, retomando a sua marcha, de saída do local onde se encontrava, para regressar à sede da empresa em … - de onde tinha saído nesse dia, e como um qualquer outro veículo automóvel, em circulação, tendo circulado pelas estradas nacionais até ao caminho/estrada de acesso à quinta onde se deu o acidente -, que o acidente se dá (cf. 67º a 72º da p,i,),
O que provocou o acidente, foi a máquina retroescavadora na sua função de deslocação, quando reiniciou ou retomou a sua função de locomoção/circulação (cf. artigos 64º a 72º da petição inicial), para fazer o sentido inverso do seu percurso inicial, reiniciando a sua circulação, como começou por fazer, em recuo ou marcha atrás, e não fosse o embate na pedra e o acidente, teria prosseguido a sua marcha de regresso ao estaleiro/sede da empresa, tendo o condutor da máquina com a sua condução inadvertida e descuidada sido imprudente, violando o dever de cuidado que impendia sobre ele na condução da máquina retroescavadora.
Dos factos alegados pelos autores ora recorrentes na sua petição inicial, quanto à forma como ocorreu o acidente, porque impugnados pela ré, ficaram ainda por provar, os alegados nos artigos 46º, 47º, 49º-A, 49º-B, 50º, 51º, 52º, 53º, 54º, 55º, 56º, 60º, 64º, 65º, 66º, 67º, 68º, 69º-A e 72º da petição inicial, a necessitarem de prova, e que só em sede de audiência de julgamento através das testemunhas, podem ser melhor esclarecidos sobre a forma como ocorreu o acidente.
O tribunal “a quo” fez errónea interpretação dos factos alegados pelos autores na sua petição inicial e da sua subsunção ao direito, ao não considerar a situação descrita nos autos pelos autores ora recorrentes como um acidente de viação, violando, entre outros, que V.ªs Ex.ªs mui superiormente sempre podem suprir, o disposto nos artigos 591º, nº1, alínea d) e 595º, nº1, alínea b), ambos do CPC, dado que o estado do processo, na audiência prévia, ainda não permitia ou permite proferir despacho saneador que conheça do mérito da causa.
E violou ainda a sentença de que se recorre, o dever de cuidado que impendia sobre o condutor da máquina retroescavadora, e, nomeadamente, o disposto nos artigos 3º, nº 2, 12º, nº1 e 35º, nº 1 do Código da Estrada, bem como o disposto no artigo 3º, nº1, da Diretiva 72/166/CEE do Conselho Europeu, de 24 de Abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros, e o disposto nos artigos 483º, 487º, 496º, 503º e 562º e seguintes do Código Civil.
Foi violado pelo tribunal “a quo” toda a legislação e normativos referidos na motivação e conclusões do presente recurso.
10º Para o caso de V.ªs Ex.ªs manterem o entendimento, que não estamos perante um caso que possa ser caraterizado como acidente de viação e confirmem a sentença de que se recorre, e caso a decisão proferida por V.ªs Ex.ªs já não seja suscetível de recurso judicial, requer-se a V.ªs Ex.ªs, ao abrigo do artigo 267º (ex-artigo 234º TCE) do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, que submetam esta questão ao Tribunal de Justiça da União Europeia.

Nestes termos e nos melhores de direito que V.ª Ex.ª mui superiormente sempre podem suprir, deve o presente recurso ser por V.ªs Ex.ªs julgado procedente com as devidas consequências legais, determinando V.ªs Ex.ªs o prosseguimento dos autos, nomeadamente, para os efeitos do disposto nos artigos 591º, nº1, alíneas f) e g), 596º e 598º, nº1, todos do CPC, o que se requer, ou caso assim por V.ªs Ex.ºs não seja entendido e mantenham o anteriormente decidido, ao abrigo do artigo 267º (ex-artigo 234º TCE) do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, seja submetida esta questão ao Tribunal de Justiça da União Europeia,
como ato de inteira e sã justiça.
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Não consta dos autos que tenham sido apresentadas contra-alegações.
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A Exmª Juiz a quo proferiu despacho a admitir o interposto recurso, providenciando pela subida dos autos.
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Foram facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos.
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2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Consideradas as conclusões formuladas pelos apelantes, estes pretendem ser errada a interpretação dos factos e sua subsunção ao direito pelo Tribunal “a quo”, ao não considerar a situação descrita nos autos como um acidente de viação.
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3OS FACTOS

Porque foram alegados pelos autores e não foram impugnados pela ré, consideram-se provados os seguintes factos, com interesse para a decisão:

R. M. nasceu no dia - de fevereiro de 1985.
O R. M. é filho dos autores, A. P. e D. M. C..
No dia 27 de agosto de 2005, por volta das 15 horas e 30 minutos, ocorreu o fatídico acidente que vitimou o R. M..
Nessa data, o R. M. trabalhava como servente, na empresa de construção civil, denominada Y – Construção Civil Lda., com o nº de identificação fiscal: ………, e com sede no Edifício … Peso da Régua.
A empresa Y–Construção Civil Lda. tinha, nesse dia, para executar na Quinta …, um trabalho que consistia no transporte e fixação de uma pedra padieira em granito nas laterais ou ombreiras em pedra da porta do armazém dessa quinta.
Para fazer esse trabalho, foram mandados para o local, três (3) trabalhadores da empresa Y, a saber: A. C., J. C. e R. M..
E foi usada uma máquina retroescavadora, que pertencia à empresa.
O trabalho consistia no transporte pela máquina retroescavadora, de uma pedra padieira em granito (verga superior de porta ou viga que cobre o vão de uma porta), para ser fixada ou apoiada em cima das ombreiras ou laterais da porta do armazém que já se encontravam feitas em muro de pedra, da entrada para o armazém da Quinta do ….
A referida máquina retroescavadora faria o transporte da pedra de granito do solo até acima das ombreiras para depois apoiá-la ou fixá-la por cima destas ombreiras para aí ficar definitivamente.
10º Tendo a máquina sido conduzida pelo trabalhador A. C. em manobras de condução de avanço e recuo, até conseguir acertar com o melhor momento para apoiar ou fixar a pedra de granito nas ombreiras da porta da entrada do armazém.
11º Acabando a máquina por assentar a pedra padieira em granito em cima das laterais ou ombreiras da porta do armazém.
12º Eis que repentinamente, inadvertidamente e sem nada que o fizesse prever, a máquina retroescavadora conduzida pelo A. C., fez um recuo.
13º E tocou na pedra de granito, que tinha acabado de transportar para cima das ombreiras da porta de entrada do armazém com os “garfos” da frente da máquina, provocando a sua queda.
14º Que acabou por atingir com violência a cabeça e o corpo do R. M..

[transcrição dos autos].
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Vejamos, então, a suscitada questão da interpretação dos factos e sua subsunção ao direito pelo Tribunal “a quo”, que não considerou a situação descrita nos autos como um acidente de viação.
Foi entendido pelo Tribunal a quo na decisão recorrida, que a procedência da acção dependia da caracterização do acidente como acidente de viação, com a consequente aplicação ao caso do Código da Estrada e do regime legal do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel. Tendo a R. invocado que o acidente em discussão não foi um acidente de viação, até porque lhe foi comunicado apenas como acidente de trabalho, pelo que não teria ocorrido a violação de qualquer preceito do Código da Estrada.
Concluindo o Tribunal a quo que a situação descrita nos autos, pelos próprios autores, não pode ser caracterizada como acidente de viação, pelo que não pode a ré seguradora ser responsabilizada pelas respetivas consequências, ao abrigo de um qualquer contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel.

Para tanto, fê-lo nos seguintes termos:
Tem sido regularmente assumido pela Jurisprudência que os acidentes relevantes para o efeito não são apenas os típicos acidentes de circulação rodoviária, mas todos os derivados da utilização de veículos automóveis como meios de transporte ou de locomoção autónomos.
Aliás, entende-se que a partir da Diretiva 2008/103/CE pode afirmar-se que a garantia do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel e, por inerência, a amplitude dos eventos suscetíveis de encontrar guarida em tal regime, é delimitada pelos casos em que algum veículo circula ou é usado na sua função de “locomoção-transporte”.
Não é o caso da situação em discussão nos autos, onde se verifica que a máquina retroescavadora interveniente no sinistro, não se encontrava a fazer qualquer deslocação ou locomoção, estando, antes, a executar uma tarefa inerente à sua atividade funcional.
Como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no Processo 535/14.8TBPTL.G1 , de 15-02-2018, ”1- É acidente de viação todo o acidente envolvendo veículos terrestres com capacidade de circulação autónoma, incluindo tratores agrícolas ou industriais, retroescavadoras, cilindros de compactação, etc., desde que não sejam utilizados em funções exclusivamente agrícolas ou industriais e, no momento do acidente, se encontrem a desempenhar a função de locomoção – transporte”.
E também no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no Processo 06A2617, de 07-11-2006, se decidiu: “I - Considerando que, no momento do sinistro, a retroescavadora, propriedade da 1.ª Ré, não se encontrava na sua função específica de escavação, antes transitava pela via pública, enquanto veículo circulante, com os riscos de circulação inerentes ao comum dos veículos terrestres a motor, deve ser caracterizado como acidente de viação o seu embate no muro de pedra do prédio dos Autores, ocasionado pela perda de controlo da máquina por parte do respetivo condutor. II - Isto não obstante a máquina circulasse de um local de trabalho para outro local de trabalho, de uma margem para a outra do rio a fim de prosseguir os trabalhos de limpeza que acabara de concluir numa delas e tivesse de passar pelo local do acidente para aceder à outra margem, pois tal situação não se distingue de outra em que se termina um trabalho e se circula, pela via pública, até ao local onde se vai dar início a um novo trabalho ou se vai estacionar a máquina”.
No mesmo sentido, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo 6229/16.2T8GMR.G1, de 10-07-2018, todos disponíveis no site da dgsi.
Assim, podemos dizer que se considera acidente de viação o acontecimento não intencionalmente provocado de carácter anormal e inesperado, gerador de consequências danosas, causado por veículo em trânsito, como sucede em caso de acidente que envolva uma pá escavadora que, não se encontrando na sua função específica de escavação, antes transita, como veículo circulante, pela via pública. Mas já não configura acidente de viação uma situação como a dos autos, em que a máquina retroescavadora não se encontra a circular ou a locomover-se, seja numa via pública ou privada, mas antes está a executar uma tarefa inerente à sua atividade funcional.
Ora, antecipando desde já a decisão, podemos dizer ser assertiva a decisão recorrida, que não merece qualquer reparo.
Com efeito, concorda-se que a máquina industrial em causa pode ser qualificada como veículo de circulação terrestre, pois é-lhe possível realizar tal circulação. Porém o seu fim último, o seu objecto, a sua actividade funcional é escavar e não a de circulação ou locomoção, tal como acontece com um veículo automóvel. Devendo atender-se à actividade que a máquina estava a realizar ou para a qual estava a ser utilizada no preciso momento do acidente dos autos. E o certo é que no momento do acidente a máquina estava a laborar, e não a circular. Ainda que a realizar não a sua actividade funcional, que é a de escavar, mas estava a laborar. Estava a ser utilizada a sua força e capacidade para realizar uma tarefa de construção civil e não para transportar o seu condutor de um local para o outro. Não sendo de aceitar, como fazem os apelantes, que pelo simples motivo de a máquina se ter movido estamos perante um acidente de viação. É que muitas máquinas se movem e não é por isso que estamos perante um acidente de viação… Efectivamente, alegar-se em sede de p.i. que o recuo da máquina foi repentino, inadvertido e sem que nada o fizesse prever, é completamente distinto de se dizer que o condutor da máquina, após colocação da pedra nas ombreiras, circulou em marcha atrás e não fosse o embate na pedra teria prosseguido a sua marcha de regresso ao estaleiro da empresa. Afirmando-se que essa locomoção foi impulsionada ou promovida pelo condutor da máquina. Não sendo isso, porém, que se retira da matéria de facto assente, tão pouco das declarações vertidas em sede de relatório de averiguação e às quais os apelantes fazem alusão. Se os recorrentes afirmaram que o recuo da máquina foi repentino, inadvertido e sem que nada o fizesse prever, a sua interpretação só pode ser aquela que um declaratário normal e médio faria, ou seja, tiveram a intenção de expressar que o recuo foi súbito e imprevisto, sem qualquer vontade nesse sentido. Coisa diferente, é afirmar-se que o condutor da máquina impulsionou a máquina a realizar tal recuo enquanto verdadeiro movimento de marcha atrás para se ausentar do local.

Nesta conformidade, sem necessidade de mais considerações, improcede o recurso.

Subsidiariamente, pretendem os apelantes que, no caso de se manter o entendimento que não se está perante um caso que possa ser caraterizado como acidente de viação e seja confirmada a sentença recorrida, para o caso da decisão proferida já não ser susceptível de recurso judicial, que ao abrigo do art. 267º (ex-art. 234º TCE) do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, seja esta questão submetida ao Tribunal de Justiça da União Europeia.
Ora, para além da aleatoriedade da questão, para que esta pretensão pudesse ser atendida, seria pressuposta a existência de um erro judiciário, por violação do direito comunitário – errada interpretação das diretivas comunitárias a suscitar a questão prejudicial junto do TJCE (reenvio). Verificando-se que os recorrentes não fundamentam convenientemente a sua pretensão, designadamente o eventual erro judiciário na violação do direito comunitário, que nem sequer mencionam, não é também de atender ao pedido subsidiário.

As custas são a pagar pelos recorrentes (art. 527º do CPC).
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5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC)

I – Uma máquina industrial pode ser qualificada como veículo de circulação terrestre, quando lhe é possível realizar tal circulação.
II – Para ser caracterizado como acidente de viação, deve atender-se à atividade que a máquina estava a realizar ou para a qual estava a ser utilizada no preciso momento do acidente.
III – Para estarmos perante um acidente de viação, não é suficiente que a máquina se tenha movido.
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6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar improcedente o recurso, assim se confirmando a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Notifique.
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Guimarães, 15-09-2022

(José Cravo)
(António Figueiredo de Almeida)
(Maria Cristina Cerdeira)


1 - Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, V.Real - JC Cível - Juiz 1