Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
677/14.0GAVNF.G1
Relator: ISABEL CERQUEIRA
Descritores: INJÚRIA
EXPRESSÕES OFENSIVAS DA HONRA E CONSIDERAÇÃO
CONTEXTO SITUACIONAL DE PAIS DIVORCIADOS
CONDENAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Sumário: Comete o crime de injúria do artº 181 do CP, a arguida que em contexto situacional de pai recém-divorciado que entrega após uma visita fixada, as filhas à mãe e recorrente, e em que esta perante as próprias filhas chama ao pai "animal" e "ordinário", expressões proferidas no decorrer da referida visita, por serem claramente ofensivas da honra e consideração devidas àquele, por carregarem uma carga ofensiva da sua função de pai, que necessariamente o achincalhou perante as menores, uma delas já uma jovem adolescente.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal deste Tribunal:

Relatório
Na Inst. Local de Vila Nova de Famalicão – Secção Criminal – J3, da comarca de Braga, em processo comum com intervenção do tribunal singular, foi proferida sentença, em 2/05/2016 (fls. 279 a 294), que condenou os arguidos Manuel F e Maria D., pela prática, pelo primeiro, em concurso real, de um crime de ofensa à integridade física simples e de um crime de injúria, respectivamente previstos e punidos pelos n.ºs 1 dos art.ºs 143º e 181º, ambos do Código Penal (a partir de agora sempre indicado apenas como CP), e a segunda por um crime de injúria, nas penas respectivas de 130 e 40 dias de multa, à taxa diária de 7,00 euros, e em cúmulo jurídico na pena única de 150 dias de multa àquela taxa, e relativamente à arguida Maria D. na pena 35 dias de multa, à taxa diária de 6,00 euros.
Mais foram os arguidos condenados a pagarem respectiva e reciprocamente as quantias de 750,00 e 300,00 euros a título de indemnização civil, pelos danos não patrimoniais, quantias acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a decisão e até integral pagamento.
Desta sentença interpôs a arguida Maria D. o presente recurso (fls. 306 a 316), no qual, e nas suas conclusões (pelas quais se afere o âmbito do recurso), alega, em síntese, dever ter sido absolvida do crime que lhe era imputado, por as expressões alegadamente proferidas relativamente ao co-arguido e ex-marido, que não se provaram ter proferido (nomeadamente por as constantes da decisão recorrida não serem aquelas pelas quais fora apresentada queixa e deduzida acusação particular, o que pode até integrar a renúncia do direito de queixa previsto no n.º 1 do art.º 116º do CP9), podendo ser descorteses ou inconvenientes, não serem ofensivas da sua honra e consideração.
A Magistrada do M.P. junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso interposto, a fls. 323 a 339, pugnando pela sua total improcedência.
O Ex.mº Sr. Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal emitiu o douto parecer de fls. 347 e seguinte, pronunciando-se no mesmo sentido.
Foi cumprido o disposto no n.º 2 do art.º 417º do CPP, foram colhidos os vistos legais, e procedeu-se à conferência, cumprindo decidir.
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Foram as seguintes a fundamentação de facto e a motivação da sentença recorrida (que se transcrevem integralmente):
II. – Fundamentação de facto:

a.) - Factos Provados;

1.º - O arguido casou com a ofendida Maria D. a 02 de Outubro de 1999, sendo que o casal divorciou-se a 18 de Setembro de 2014;

2.º - Da relação nasceram P…, a 03 de Março de … e A…, a 01 de Outubro de …;

3.º - Ficou convencionado que o exercício das responsabilidades parentais cabe ao pai e à mãe, conjuntamente, sendo que as menores residem com a progenitora. Ao pai cabe ainda o direito visitas às menores, uma tarde por semana, e a cada quinze dias, um fim-de-semana;

4.º - No dia 21 de Setembro de 2014, pelas 21h00, o arguido dirigiu-se à residência da assistente, sua ex-mulher, sita na Rua C…, Vila Nova de Famalicão, para entregar as filhas do casal, após o exercício do seu direito de visitas;

5.º - À porta do prédio encontrava-se já a arguida Maria D. que, vendo o assistente chegar em conjunto com as filhas de ambos, abeirou-se do veículo automóvel, e perguntou-lhe o motivo pelo qual uma das filhas do casal não parava de lhe ligar, sábado à noite, dizendo-lhe que se encontrava sozinha, isto enquanto o apelidava de “seu animal, seu ordinário”;

6.º - Gerou-se, então, uma discussão entre ambos, na presença das suas filhas menores;

7.º - O arguido enervou-se e logo lhe respondeu “Não tens nada a ver com isso, és uma puta, uma vaca, tu não és quem manda, andas com amantes”;

8.º - Seguidamente, o arguido agarrou os cabelos da assistente, puxando-os, até que esta caiu ao chão. Com a ofendida no chão, o arguido desferiu-lhe um número não concretamente apurado de pontapés por todo o corpo;

9.º - A dada altura a ofendida conseguiu levantar-se mas, ainda assim, o arguido desferiu-lhe um número não concretamente apurado de sapatadas no rosto;

10.º - A conduta do arguido causou dores na ofendida e ainda equimose de 7cm X 3cm e edema, no hallux do membro inferior direito;

11.º - Tais lesões demandaram 08 dias para cura, sem afectação da capacidade de trabalho;

12.º - O arguido quis agir da forma que se descreveu, afectando dessa forma o seu corpo e honra da assistente, o que conseguiu;

13.º - A arguida Maria D. agiu de modo livre a consciente, com revelado propósito de ofender a honra e consideração do assistente, o que conseguiu;

14.º - Ambos sabiam que as respectivas condutas eram proibidas e punidas por lei;

15.º - A conduta perpetrada pela arguida Maria D. e descrita no ponto 5.º), para além de ter ofendido, como ofendeu, a honra do assistente, foi causa directa e adequada dos sentimentos de desgosto e humilhação pessoal sentidos pelo assistente Manuel F;

16.º - Todas as condutas perpetradas por ambos os arguidos foram levadas a cabo na presença das filhas do ex-casal;

17.º - Em consequência das lesões resultantes das agressões perpetradas pelo arguido Manuel F, a ofendida Maria D. sofreu, para além das lesões físicas descritas, dores nas zonas afectadas, incómodos, bem como, desgaste psíquico e humilhação por tudo o ocorrido na via pública;

- Mais se provou relativamente às condições socio-económicas que:

18.º - O arguido no exercício da sua actividade profissional, aufere rendimentos mensais de cerca de € 1.000,00;

19.º - Presentemente encontra-se casado, suportando uma pensão de alimentos no valor de €350,00 para as suas duas filhas menores e ainda uma prestação referente à habitação no valor de € 100,00 mensais;

20.º - Possui o 9º ano de escolaridade;

21.º - No exercício da sua actividade profissional, a arguida aufere rendimentos equivalentes ao salário mínimo nacional;

22.º - Vive com as filhas, suportando as despesas do respectivo agregado familiar e ainda o valor de € 135,00 referente a parte do valor com as explicações da menor;

23.º - Possui o 8º ano de escolaridade.

- Quanto aos antecedentes criminais provou-se que:

24.º - Os arguidos não possuem antecedentes criminais;


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b.) Factos não provados:

Com pertinência e interesse para a decisão do mérito da causa, resultaram como não provados os seguintes factos:

1 – Que a actuação descrita no ponto 5.º) da matéria assente tenha sido do conhecimento dos vizinhos do ex-casal, bem como, dos amigos que passaram a comentar publicamente tais ofensas;

2 – Que desde a referida actuação descrita no ponto 5.º), o ofendido sinta grande medo e receio de que a situação se volte a repetir, tendo constantes distúrbios do sono;

3 – Que desde então tenha ficado deprimido em virtude do sucedido;

4 – Que nas circunstâncias espácio-temporais referidas no ponto 5.º) da matéria assente, a arguida Maria D., tenha apelidado o ofendido de “seu boi”, “corno” e ainda desferido pontapés e socos no veículo automóvel daquele e dito “eu mato-te, vou mandar matar-te”;

5 – Que nas circunstâncias espácio-temporais referidas no ponto 5.º) da matéria assente, a arguida Maria D., tenha agarrado com as suas mãos, o assistente pelo polo que vestia, rasgando-o, tendo no mesmo momento cravado as suas unhas e dedos no peito do assistente, ferindo-o e causando-lhe traumatismo na face anterior do tórax;

6 - Que nas circunstâncias espácio-temporais referidas no ponto 8.º) da matéria assente, o arguido Manuel F tenha ainda dado com a cabeça da ofendida no pavimento e outras calcadelas no corpo;


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c.) Motivação:

O Tribunal formou a sua convicção na análise crítica da prova produzida e examinada em audiência de julgamento, de acordo com a sua livre convicção e as regras da experiência comum como impõe o art. 127º do CPP. Não olvidando que foram objecto de atenta análise e ponderação, com respeito pelo princípio da livre apreciação da prova e sem postergar o princípio “in dubio pro reo”, os seguintes elementos que contribuíram para formar, para além de qualquer dúvida razoável, a convicção positiva deste Tribunal.

Primeiramente, cabe salientar que da prova produzida resultaram duas versões parcialmente contraditórias sobre a ocorrência em análise. Uma incidente sobre o relato do arguido Manuel F e dos seus familiares directos, e a outra resultante da descrição efectuada pela arguida Maria D. e pelas testemunhas José S. e Patrícia S..

Contudo, se uma dessas mesmas versões se afigurou coerente, verossímil e conducente com as regras da experiência comum e com as lesões sofridas pelos intervenientes, já a outra se revelou inconsistente e nitidamente comprometida originando um juízo de descredibilização sobre os relatos apresentados. Importando ainda realçar que a convicção positiva do Tribunal foi sobretudo formada com base no depoimento directo e desinteressado da citada testemunha José S..

Contextualizando os ditos relatos, apresentou-se o arguido Manuel F que, prestando declarações, começou por situar no tempo e no lugar a situação ocorrida, na qual refere ter sido unicamente vítima, pois nega peremptoriamente que tivesse de algum modo agredido ou insultado a ofendida. Nesse sentido, referiu que aquele era precisamente o primeiro fim-de-semana seguinte ao divórcio em que iria ficar com as suas filhas. E, no sábado anterior, já a ofendida lhe havia ligado, acusando-o de deixar as menores sozinhas e fechadas no quarto durante a noite. No dia seguinte, refere que ao entregar as menores em casa da progenitora, já aquela se encontrava no exterior do prédio, tendo-se abeirado do veículo e desferido diversos murros no vidro, apelidando-o ainda de “boi e de corno”. Aí, afirma ter-se iniciado uma discussão, em que após ter saído do veículo, a ofendida agarrou-o pela camisola, tendo este se limitado a puxá-la de modo a afastá-la. Com isto, reafirma não a ter agredido, nem insultado do modo descrito. No mais, evidenciou as lesões por si sofridas e os sentimentos de revolta e humilhação pelo sucedido e pelas expressões que foram dirigidas.

Em contraponto, apresentaram-se as declarações da arguida Maria D. que, mais uma vez, confirmou o tempo e o lugar dos acontecimentos e circunscreveu o conflito ocorrido no âmbito de um desentendimento com o arguido pelo modo como este alegadamente não cuidou das menores no primeiro fim-de-semana a que tinha direito, no âmbito das estabelecidas responsabilidades parentais. Refere, então, que no sábado anterior a menor ligou-lhe por diversas vezes a chorar dizendo-lhe que o pai as havia deixado sozinhas e fechadas no quarto. Perante esta circunstância, refere ter ficado bastante preocupada, facto que motivou a confrontação do arguido no dia seguinte. Aí, confessa ter-se dirigido ao arguido, apelidando-o de “seu animal, seu ordinário”, ao mesmo tempo que iniciava uma troca de palavras com aquele. Logo ali o arguido saiu do seu veículo, insultando-a de “puta e vaca”, dizendo-lhe também que “tinha amantes”, Seguidamente, agarrou-a pelos cabelos e atirou-a ao chão, tendo-lhe ainda desferido diversos pontapés no corpo e bofetadas na cara quando esta se tentou levantar. Tendo esta ocorrência terminado somente aquando da intervenção da testemunha José S. que ocorreu ao local.

Ademais, realçou as dores sentidas e os sentimentos de humilhação e vexame pelo sucedido, tanto mais que os factos ocorreram na via pública e perante as filhas menores do ex-casal.

Por seu turno, as testemunhas Manuel F e Marco P., respectivamente pai e irmão do arguido Manuel F, apresentaram uma versão dos factos nitidamente comprometida com aquela que foi apresentada pelo citado arguido. Sendo a mesma descredibilizada não só pelo confronto com o teor dos demais depoimentos mas, sobretudo, pelas contradições, em pontos essenciais, que foram notórias em julgamento. Relevando-se a estranha motivação para ambos terem ido “atrás” do arguido no dia em causa, aquando da entrega das menores em casa da mãe. De igual modo inverosímil se patenteia a circunstância de alegadamente terem assistido ao sucedido, no interior do carro, a cerca de 100 metros do local, apercebendo-se de toda a ocorrência, inclusivamente das alegadas expressões injuriosas proferidas pela arguida. Não olvidando ainda a diferente descrição do modo como as menores eram transportadas no interior do veículo e, bem assim, do momento em que as mesmas saíram para o exterior. Salientando-se, neste ponto em concreto, a diferente versão apresentada pela testemunha Marco P..

Em suma, pese embora tais depoimentos tenham confirmado a versão apresentada pelo arguido o certo é que os mesmos se nos afiguram interessados, porque comprometidos, e desacreditados pelos relatos que infra analisaremos. Cabendo ainda evidenciar a forma aparentemente calculada do teor destes depoimentos, que originaram sérias dúvidas sobre se os mesmos estariam ou não no local no dia em causa.

Ora, aqui chegados, conforme se salientou, relevante para a formação na convicção do Tribunal de um juízo de prognose positivo sobre a concreta ocorrência dos factos, revelaram-se os depoimentos seguros, coerentes e descomprometidos das testemunhas José S. e P…. Na verdade, a primeira das citadas testemunhas não tem qualquer relação familiar ou de amizade com os arguidos e unicamente ia a passar junto ao local no dia em apreço. Nesse sentido, afirmou que ao circular com o seu veículo junto ao local, deparou-se com a ofendida no chão e o arguido a desferir-lhe diversos pontapés. Então, decidiu parar o seu veículo e dirigiu-se ao local com o intuito de acalmar os ânimos, sendo que ao chegar perto dos intervenientes deparou-se com o arguido Manuel F a agarrar a ofendida enquanto lhe desferia sapatadas no rosto. Nesse instante, refere que a ofendida chorava e pedia ao arguido para parar. Confirmou ainda a presença da testemunha P.., filha do ex-casal, no exterior do veículo, em pânico face ao sucedido. Ademais, afirmou que após ter separado os intervenientes acompanhou a ofendida ao hospital uma vez que aquela apresentava fortes dores num pé. Por último, assegurou ainda de um modo consistente e credível os insultos preferidos pelo arguido em direcção à assistente e, não menos importante, contraditou o relato apresentado por aquele e pelas testemunhas Manuel F e Marco P., referente às alegadas agressões por parte da arguida e, bem assim, ao alegado rasgar do polo que aquele trazia.

Por sua vez, a testemunha ..., filha do ex-casal, prestou também ela um depoimento aparentemente seguro e credível, na medida em que, sem qualquer demonstração de mágoa para com o seu progenitor, relatou o modo como aquele agrediu a sua mãe no dia em causa. Descomprometido dizemos nós, porquanto a menor evidenciou igualmente o modo menos educado como a sua mãe abordou o seu progenitor quando chegaram a casa. Por último, denotou os sentimentos de tristeza e mágoa que a sua mãe patenteou nos dias seguintes à ocorrência.

Valorou-se ainda o depoimento das testemunhas Maria A. e E… que, não tendo conhecimentos directos sobre a ocorrência em apreço, revelaram apenas a correta personalidade da ofendida e os sentimentos de tristeza que aquela lhes manifestou nos dias seguintes ao evento.

Caberá ainda salientar o depoimento da testemunha arrolada pelo arguido A…, somente para reforçar a sua desacreditação face ao modo aparentemente mecânico e reproduzido como efectuou o seu depoimento, que originou mesmo a extracção de certidão para eventual instauração de procedimento criminal e a imediata acareação com a testemunha José S.. Na verdade, circunscrevendo a sua presença no local, referiu ter visualizado a arguida a desferir diversos pontapés e murros no carro do arguido e este a colocar-lhe as mãos no peito. Sendo que, neste momento, as duas menores alegadamente já se encontrariam no exterior do veículo e cerca de meia dúzia de pessoas presentes no local a tentar acalmar os ânimos dos intervenientes. De outro modo referiu também ter ouvido a arguida a chamar “boi” e “filho da puta” ao arguido Manuel F.

Ora, conforme salientado afigurou-se-nos que este depoimento se encontrava manifestamente estudado, porquanto não obstante as diversas tentativas para que a citada testemunha pudesse desenvolver o relato apresentado, a mesma voltava ao idêntico ponto de discurso inicial, sem que fosse capaz de esclarecer os questionados pormenores de modo a credibilizar o seu depoimento. Não olvidando ainda que a sua versão se apresentou descontextualizada com os demais depoimentos e com o próprio relato do arguido, não só quanto à forma da sua intervenção mas, sobretudo, quanto ao número de intervenientes presentes no local.

Isto posto, foi sobretudo no evidenciar dos pormenores dos relatos apresentados, na coerência dos citados depoimentos, com a necessária conjugação com as regras da experiencia comum, que o Tribunal obteve a verdade processual supra descrita, a qual proveio da reforçada convicção no relato da ofendida Maria D. e da sua corroboração através dos depoimentos das testemunhas José S. e ….

Para determinação das lesões sofridas pela ofendida e do respectivo nexo de causalidade com as condutas descritas valorou-se o teor dos relatórios clínicos de fls. 89 e 90 e o teor do exame de perícia médico-legal de fls. 18 a 20 do apenso. De outro modo, os relatórios clínicos referentes ao arguido Manuel F não evidenciaram causa directa com qualquer actuação perpetrada pela ofendida Maria D..

Mais se valorou o teor do auto de denúncia de fls. 2 a 4 do apenso, certidão de nascimento de fls. 95 a 97 e fotografias de fls. 152 e 153.

Por seu lado, os elementos considerados e provados e relativos aos elementos intelectual e volitivo do dolo concernente à conduta dos arguidos foram considerados assentes a partir do conjunto de circunstâncias de facto dadas como provadas supra, já que o dolo é uma realidade que não é apreensível directamente, decorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum.

As condições socio-económicas dos arguidos resultaram do teor das declarações dos mesmos que, nesta parte, se revelaram credíveis.

A inexistência de antecedentes criminais proveio do teor dos certificados juntos a fls. 254 e 255 dos autos.

Socorreu-se, também, o Tribunal, das regras da experiência comum, válidas ao nível da convicção, conforme supra se referiu.

Os factos não provados resultaram da insuficiência de prova a seu respeito ou de prova de circunstancialismo diverso, nos termos constantes da fundamentação que antecede.


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Fundamentação de facto e de direito
A recorrente, nas suas conclusões pelas quais se afere o âmbito do seu recurso, como ela própria afirma apenas relativo a matéria de direito, alega não serem ofensivas da honra e consideração do ofendido, as expressões que se provou ter proferido em relação ao assistente (animal e ordinário), expressões que resultaram de comunicação de alteração não substancial de factos feita pelo tribunal recorrido, em sede de audiência de discussão e julgamento, por não serem essas as expressões referidas na queixa apresentada por aquele.
Põe, por isso, em causa e por se tratar de crime de natureza particular, se o tribunal a quo poderia te-la condenado pelo proferimento dessas expressões, através do mecanismo previsto no art.º 358º do CPP, por o ofendido não as ter indicado na queixa apresentada, o que revela que não lhes deu qualquer relevância, equivalendo, pois, a uma renúncia tácita ao direito de queixa, nos termos do n.º 1 do art.º 116º do CP.
Acrescenta não serem as expressões proferidas e dadas como provadas, atento o contexto em que o foram e à luz dos padrões médios de valoração social, ofensivas da honra e consideração do ofendido, pelo que, deveria ter sido absolvida.
Ora, e de facto não constando as expressões que foram dadas como provadas e proferidas pela recorrente da queixa apresentada pelo ofendido a fls. 3 a 5 dos autos ou da sua acusação particular de fls. 110 a 113, constando delas apenas o proferimento por aquela das expressões àquele dirigidas de “boi” e “corno”, isso não só não impede que as mesmas não tenham sido proferidas (mas apenas que não se provou terem-no sido), pelo que, e ao terem sido proferidas outras pela recorrente, relativamente às quais o tribunal comunicou a alteração substancial de factos, à qual a arguida/recorrente não se opôs, os autos sempre teriam que prosseguir pelos factos comunicados, por os art.ºs 358º e 359º nada terem a ver com a natureza do crime em causa, sendo aplicáveis mesmo nos crimes de natureza particular, e não equivalendo de qualquer forma, o facto de o queixoso apenas ter apresentado queixa pelo proferimento das expressões não provadas, a qualquer não atribuição de relevância às que foram dadas como provadas, ou a qualquer renúncia tácita ao direito de queixa quanto a estas.
Cumpre, pois, é verificar se as expressões proferidas pela recorrente e dirigidas ao ofendido “animal” e “ordinário”, são face ao contexto em que foram proferidas (factualidade constante de 1 a 6), meramente inconvenientes e mal-educadas, ou se são ofensivas da honra e consideração do recorrido.
O bem protegido pelo crime de injúria (tal como pelo de difamação) é “…a honra, numa dupla concepção fáctica-normativa, que inclui não apenas a reputação e o bom nome de que a pessoa goza na comunidade (a honra externa…), mas também a dignidade inerente a qualquer pessoa, independentemente do seu estatuto social (a honra interna…)…” – Paulo Pinto de Albuquerque, anotação ao art.º 180º do seu Comentário do Código Penal.
“O tipo objectivo inclui a imputação de um facto ofensivo da honra a outra pessoa, a formulação de um juízo ofensivo da honra e consideração de outra pessoa, ou a reprodução daquela imputação ou deste juízo” … sendo que, “A injúria é dirigida exclusivamente ao ofendido.”.
Por sua vez, o tipo subjectivo admite qualquer modalidade de dolo, e apenas esta forma de imputação do ilícito ao agente, sendo o juízo de valor desonroso lícito quando resulta da liberdade de expressão, da liberdade de imprensa e da liberdade de criação artística, ou de crítica exercida no âmbito da luta política, vindo cada vez mais a serem considerados lícitos a atribuição de factos ofensivos da honra de terceiros no âmbito destas liberdades e direito de crítica pelo TEDH, desde que não constitua um mero enxovalho do visado em si mesmo.
No caso da critica no âmbito da luta politica aquele Tribunal Europeu tem vindo a ser cada vez mais “liberal” quanto às expressões ou juízos de valor emitidos, considerando, designadamente, e quanto à liberdade de imprensa, como afirma Figueiredo Dias, que os meios de comunicação social só desempenham uma função com interesse público quando os factos ou juízos divulgados respeitem a uma “actividade relativa à formação democrática e pluralista da opinião pública em matéria social, politica, económica, cultural”, e que as liberdades de expressão e de criação artística são “maiores”, quando se vive numa sociedade democrática e tolerante, como acontece com a maioria dos países europeus e ocidentais.
Já o mesmo não se pode dizer, quer quanto à Jurisprudência Europeia quer quanto à Nacional, quando estamos perante expressões dirigidas a pessoas comuns, no âmbito da sua vida privada (conceito bem mais amplo que o de intimidade da vida privada), que assume o conceito normativo-pessoal de honra temperado com uma dimensão fáctica (ver neste sentido, Costa Andrade, anotação ao art.º 180º do CP no Comentário Conimbricense, Tomo I), que considera decisivo na delimitação do conceito de honra uma dimensão pessoal, que radica na inviolável dignidade da pessoa humana, mas vista dentro de um concreto “horizonte de contextualização”, porque como se diz no Acórdão do STJ de 18/01/2006 ali citado, no mundo da razão prática em que nos movemos, o significado das palavras tem um valor de uso, que se aprecia exactamente no contexto situacional (e isto independentemente de algumas palavras existentes que são sempre consideradas pela comunidade falante como ofensivas da honra e consideração).
No caso dos autos, é exactamente esse contexto situacional do pai recém-divorciado que entrega após uma visita fixada, as filhas à mãe e recorrente, e em que esta perante as próprias filhas chama ao pai “animal” e “ordinário”, expressões referidas ao decorrer da mesma visita, são claramente ofensivas da honra e consideração devidas àquele, por carregarem uma carga ofensiva da sua função de pai, que necessariamente o achincalhou perante as menores, uma delas já uma jovem adolescente.
Assim, e porque as expressões dirigidas pela recorrente ao recorrido, no contexto situacional em que o foram, são ofensivas da honra e consideração deste, tem, pois, que improceder o recurso interposto.
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Decisão
Pelo exposto, os juízes deste Tribunal acordam em julgar totalmente improcedente o recurso interposto pela recorrente Maria D..
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs.
Guimarães, 9 de Janeiro de 2017