Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1752/12.0TJVNF.G1
Relator: MARIA DOS ANJOS NOGUEIRA
Descritores: QUESTÕES PROCESSUAIS
TRÂNSITO EM JULGADO
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DE DELIBERAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - Quando o tribunal se limita a uma mera enunciação de pressupostos processuais não conhece de qualquer questão concreta e determinada, pelo que, portanto, não podem considerar-se resolvidas e arrumadas tais questões, sendo, assim passíveis de serem conhecidas posteriormente.
II - O novo princípio da adequação formal tendo vindo romper com o apertado regime da legalidade das formas, veio conferir ao juiz a possibilidade de adaptar a sequência processual às especificidades da causa, determinando a prática de acto não previsto.
III - O contitular de uma quota social que não seja representante comum nem cabeça de casal não goza de legitimidade activa para instaurar acção de impugnação de deliberações sociais.
Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
I-Relatório
I veio intentar a presente acção de anulação de deliberações sociais contra F, pedindo que, pela procedência da mesma, sejam as deliberações sociais aprovadas na sessão ordinária da Assembleia Geral da R. de 19/4/2012 declaradas nulas ou, se assim não se entender, anuladas.
Para o efeito, alegou ser contitular de uma quota no valor nominal de € 425.000,00 e outra no valor nominal de € 75.000,00 no capital social da R., as quais lhe advieram por legado feito pelo seu falecido pai, M, titulado por testamento outorgado no dia 4/8/2010, em que legou as mencionadas quotas em comum e partes iguais e por conta da sua quota disponível, à A. e a seu irmão J.
Contestou a R., invocando, desde logo e entre outros, excepção de ilegitimidade activa da A, determinante da absolvição da R. da instância.
*
Replicou a A., pedindo a improcedência da excepção de ilegitimidade activa arguida, mantendo a posição por si assumida nos autos, mas deduzindo à cautela a intervenção principal provocada do outro co-titular das quotas indivisas e peticionando a condenação da Ré como litigante de má fé.
*
A Ré deduziu oposição ao incidente deduzido e veio responder ao pedido de condenação em litigante de má fé, pedindo a improcedência de ambos.
*
Admitido o incidente, foi o chamado J. citado, declarando nos autos fazer seus os articulados da Ré, a que se seguiu a apresentação de articulado de resposta da A. e requerimento de pronúncia da Ré, bem como do chamado a pedir o desentranhamento do requerimento de resposta da A.
*
Foi, então, designada uma tentativa de conciliação que, por frustrada, deu lugar ao despacho de cumprimento do disposto no art. 5.º, n.º 4, da Lei 41/2013, de 26.6, observado pelas partes.
*
Posteriormente foi proferido despacho a designar dia para audiência prévia, tendo-se considerado as partes legítimas ‘ad causum’, por se ter entendido que a excepção invocada, de ilegitimidade activa, assenta em matéria controvertida, dado correr termos um processo intentado pela cabeça de casal em que se impugna o testamento através do qual a A. terá ficado na posse das participações sociais em causa nestes autos, relegando-se, por isso, o seu conhecimento para final, a que se seguiu a enunciação do objecto do litígio e a selecção dos temas de prova*
*
Sobre a decisão proferida insurgiu-se a Ré, reclamando do decidido quanto à excepção deduzida, pedindo a sua revogação, com a subsequente decisão de ilegitimidade da A., à semelhança do decidido no outro processo pendente, o que não foi atendido, por se manter o decidido.
*
Admitido o depoimento de parte dos gerentes da Ré foi interposto recurso pela Ré, bem como pelo chamado quanto ao segmento do despacho referente à prova requerida pela A. e pela A. quanto ao deferimento do pedido a requerer o seu depoimento de parte.
*
Após, foi proferido despacho que suspendeu a instância, face à pendência do processo a correr termos no 1.º Juízo, com o n.º 2979/12.0TJVNF, através do qual se impugna o testamento quanto à titularidade e posse das participações sociais, objecto igualmente de recurso.
*
Apreciados os recursos interpostos, foram todos eles julgados improcedentes, à excepção do recurso interposto pela A. quanto ao despacho proferido a fls. 346, assim se determinando o normal prosseguimento dos autos até final.
*
Após baixa dos autos, foi proferido despacho em que se consignou, pelo novo titular dos autos, ser outra a sua posição sobre a excepção de ilegitimidade arguida, pelo que, considerando reunidos nos autos todos os elementos necessários para conhecer e decidir sobre tal excepção, de imediato, e por se encontrar requerida prova pericial, para além da audiência de julgamento, com custos acrescidos, lançando-se mão do princípio da adequação formal previsto no art. 547.º, do Cód. Proc. Civil, foi convocada uma audiência, com o fim de ser proferida decisão sobre a referida excepção.
*
Perante tal despacho, a A. veio arguir a sua nulidade, apreciada e decidida na audiência designada, no sentido do seu indeferimento, após o que foi julgada verificada a excepção de ilegitimidade activa da A., absolvendo a Ré da instância.
*
II-Objecto do recurso
Não se conformando com a decisão proferida veio a A. interpor recurso, juntando, para o efeito, as suas alegações, e apresentando, a final, as seguintes conclusões:
1 - O douto despacho que agendou nova audiência prévia e que revogou o que o Tribunal já tinha decidido em matéria excepcional violou caso julgado.
2 - Só estão previstas no actual processo civil dois tipos de audiência: a audiência prévia (art. 591 CPC) e a audiência final (art. 599 e sgs CPC).
3 - Não estão previstas quaisquer outras audiências, sendo a audiência de partes exclusiva do processo laboral (art. 55 CPT).
4 - Nos presentes autos, realizou-se a correspondente audiência prévia em 5/12/2013, tendo o tribunal decidido que «as partes têm legitimidade ad causam», mesmo depois das reclamações apresentadas pelas contrapartes.
5 - Após a prolacção do douto acórdão desta Veneranda Relação que, em 19/3/2015, determinou «o normal prosseguimento dos autos até final», impunha-se que a Primeira Instância cumprisse essa decisão e determinasse o início da prova pericial que foi doutamente deferida na audiência prévia de 5/12/2013.
6 - A Primeira Instância decidiu não observar o que tinha sido decidido por esta Veneranda Relação, não determinou o normal prosseguimento dos autos e convocou uma «audiência», para a qual a recorrente não encontra base legal, nem decisão judicial que a suporte e permita não dar cumprimento ao doutamente ordenado por esta Veneranda Relação, sendo manifesto que o douto despacho recorrido viola caso julgado.
7 - Na mencionada «audiência», a Primeira Instância revogou a decisão que a própria (Primeira Instância) já tinha proferido e, sem qualquer iniciativa ou acto processual das partes nesse sentido ou a esse propósito, considerar a recorrente parte ilegítima, fazendo tábua-rasa do processado e ultrapassando o que o mesmo tribunal já tinha decidido.
8 - Independentemente de quem seja o titular do processo (e que pode voltar a sofrer alteração até à audiência final), o entendimento do tribunal já tinha sido adoptado e declarado.
9 - Não há sustentação legal, quer para que, num processo judicial, tenha lugar uma nova audiência ad hoc (para mais com a denominação de audiência de partes ­conforme consta do douto despacho recorrido - mas que, na prática, corresponde a nova audiência prévia), quer para decidir uma excepção que já tinha sido decidida na (verdadeira e única) audiência prévia de 5/12/2013.
10 - Não pode, no mesmo processo, haver duas audiências prévias ou, se se preferir, uma audiência algures entre a audiência prévia e audiência final,
11 - A Primeira Instância não pode, sem decisão superior nesse sentido (e ao invés, com uma decisão superior que ordena que os autos prossigam até final), revogar o que o mesmo Tribunal já decidiu,
12 - Esta Veneranda Relação determinou «o normal prosseguimento dos autos até final»(vd. parte decisória do Acórdão de 19/3/2015), o que não pode deixar de vincular, como, de facto, vincula todos os sujeitos processuais e a Primeira Instância.
13 - A quota social de que a recorrente, aquando da interposição da acção, era contitular foi objecto de um legado (vd. nOs 1 a 4 da p.i.), tendo sido registada a favor da recorrente e do outro contitular no correspondente registo comercial.
14 - Afastam-se, ab initio, todas aquelas situações em que a representação de uma quota social integrante de uma herança cabe ao cabeça-de-casal, face à circunstância de a administração do cabeça-de-casal não abranger legados.
15 - O que está em causa é saber se a recorrente, como contitular de quota social e também para defesa de direitos e interesses individuais, pode suscitar judicialmente a declaração de nulidade de uma deliberação social que viola disposições imperativas.
16 - A douta e vasta jurisprudência supra-citada afirma a legitimidade activa inquestionável de um contitular de uma quota social para impugnar uma deliberação social e para requerer a sua declaração de nulidade.
17 - As deliberações ora impugnadas são, além do mais, nulas, sendo a nulidade invocável a todo o tempo e por qualquer interessado, conforme se pode comprovar (a propósito da invocada nulidade) no Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7/1/1993, Processo 79-811, in www.colectaneadejurisprudencia.com. que afirma a nulidade de uma deliberação social e a qualifica como abuso de direito (do conhecimento oficioso do tribunal) a (deliberação) que aprova a não distribuição de lucros, como é o caso dos autos.
18 - A recorrente invoca, nos autos, a nulidade da deliberação impugnada, nulidade que, mesmo considerando as normas dos artigos 56.° a 62.° do Código das Sociedades Comerciais, "é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal"(art.286° do Código Civil) - neste sentido vd. Pinto Furtado, Deliberações, Almedina, 2005, página 758.
19 - O que está em causa nos autos é saber se pode ser aprovada uma deliberação social, que viola lei expressa e imperativa o art. 217 CSC) - existente até para defesa das minorias(que, de outra forma, estariam sempre à mercê do arbítrio e do abuso de poder das maiorias) e cuja nulidade, a seguir o entendimento da douta sentença recorrida, não pode ser suscitada por quem tem um claro e manifesto interesse também de natureza individual (in casu, a recorrente, que é contitular de participações sociais correspondentes, na sua totalidade a metade do capital social) e por quem é inequivocamente afectada por tal deliberação (pois vê vedado o acesso aos lucros do exercício que ficam, assim, nas mãos dos gerentes que são os demais titulares de participações sociais na R.).
20 - A violação do art. 217.º CSC pela deliberação (nula) impugnada nos autos consubstancia incumprimento de uma obrigação que impende sobre qualquer sociedade comercial e que é a distribuição de, pelo menos, metade dos lucros do exercício.
21 - A regra geral plasmada no art. 294.º, n.º1, CSC e que consagra o direito dos sócios à partilha anual de metade dos lucros distribuíveis só pode ser afastado por deliberação da assembleia geral aprovada por maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital social, conforme Douta Jurisprudência unânime na matéria,
22 - Face ao enquadramento apresentado, não pode ser aceite outro entendimento que não o que permita a um contitular de quota social que lhe foi legada impugnar uma deliberação social que viola lei expressa.
23 - Choca, pois, com a mais elementar ideia de Justiça que, pela mera circunstância de inexistência de representante comum, um co-titular de quotas indivisas fosse privado de poder exercer os direitos respectivos, para mais em situações como a dos autos com implicações financeiras e patrimoniais evidentes (designadamente na própria esfera jurídica e patrimonial da própria recorrente, o que é merecedor de tutela própria), que frustram totalmente o fim para que uma sociedade comercial é constituída, sendo totalmente desprezados os direitos minoritários.
24 - Aliás, face a recente entrada e vigor do NCPC, a opção do legislador é claramente que se atinja a Justiça material e que não deixem de ser tutelados e protegidos direitos apenas por meras questões formais.
25 - Também no caso dos autos, a questão formal (para além de, no entendimento da recorrente, não ter sido decidida de forma respeitadora do Direito, nem da Lei) está a obstar a que o Tribunal faça Justiça e obrigue a R. a distribuir metade dos lucros do exercício.
26 - Cumpre destacar que, conforme resulta dos autos, a recorrente é a única (con)titular de participações social que não exerce funções de gerente na sociedade R., pelo que é bom de ver em que mãos fica o dinheiro que deveria ter sido entregue à recorrente...
27 - É ainda de destacar que sempre a R. convocou ambos os contitulares das quotas sociais para as várias sessões de assembleia geral que se realizaram e sempre permitiu que qualquer dos contitulares apresentasse propostas e fizesse declarações em acta, só tendo deixado de o permitir quando a recorrente começou a denunciar as situações que são abordadas na p.i. dos autos...
28 - O que está em discussão nos presentes autos e no presente recurso é a opção pela vertente exclusivamente formal (sem aferir do que foi violado) ou pela vertente da Justiça material e da obrigação de cumprimento dos deveres consagrados na Lei (in casu, o art. 217.º CSC).
29 - Efectivamente, nos presentes autos, o que está em jogo é a discussão entre se tudo é permitido, a coberto de eventuais formalismos ou jogos de palavras, ou se a Lei existe para alguma coisa (nomeadamente para evitar abusos).
30 - Parece manifestamente que a protecção das minorias perante deliberações nulas e claramente violadoras de lei expressa não pode deixar de prevalecer e de subjugar o interesse daqueles que, à sombra de eventuais formalismos, tentam fazer de conta que a Lei não existe e que as obrigações não são para serem cumpridas.
31 - Aliás, o entendimento subjacente à douta sentença recorrida leva a que, no limite, um sócio que detenha um por cento possa fazer aprovar o que entender contra uma participação social de noventa e nove por cento detida por vários contitulares que ainda não nomearam representante comum, ficando vedado a qualquer contitular dessa participação social de noventa e nove por cento obter a declaração de nulidade de qualquer deliberação aprovada pelo sócio de um por cento, por muito abusiva, nula ou ilegal que seja, o que diz bem do resultado perverso a que o entendimento da douta sentença recorrida leva e da denegação da Justiça que a mesma pode implicar.
32 - A vasta e douta jurisprudência supra-citada sustenta a posição da recorrente e consagra um mecanismo de defesa a quem, a não ser assim, fica totalmente despojado de tutela dos respectivos direitos.
33 - Nos presentes autos, discute-se o interesse e os direitos individuais da recorrente, mas também princípios de ordem pública e de boa-fé, retractados na obrigatoriedade de distribuição de metade dos lucros do exercício social.
34 - A legitimidade ad causam não pode deixar de ser reconhecida, especialmente a partir do momento em que o outro contitular está no processo, mercê do incidente de intervenção principal provocada suscitado nos autos.
35 - A douta sentença recorrida viola o disposto nomeadamente nos arts. 217 CSC, 591, 599 e 621 crc.
Nestes termos e no Mais que for Doutamente suprida por V.Exas,
Deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser a douta sentença recorrida substituída por Douto Acórdão que reitere o prosseguimento normal dos autos até final e que reitere o reconhecimento da legitimidade activa à recorrente para os presentes autos e para a questão controvertida,
*
A Ré veio invocar o facto do apoio judiciário concedido à A. ter sido cancelado e que a A. não indicou o tribunal ad quem de recurso, para além de existir erro na indicação do efeito do recurso, que entende ser devolutivo e não suspensivo como indicado, mais requerendo a junção aos autos de um documento atinente a um acórdão proferido sobre uma conflito de interesses semelhante entre as partes, que manteve a decisão que julgou a A. parte ilegítima.
*
Foram apresentadas contra-alegações pela Ré pugnando pela improcedência do recurso, apresentando, para o efeito, as seguintes conclusões:
1. O apoio judiciário foi cancelado, e não foi paga taxa de justiça, devendo o recurso ser rejeitado.
2. Tendo-se limitado, sob epígrafe de conclusões, a reproduzir toda a alegação do recurso por si interposto, a recorrente não cumpriu com o formalismo de formular conclusões;
3. Neste caso não se trata de conclusões extensas ou prolixas, mas sim da total omissão do ónus de formular conclusões;
4. Tal facto determina desde logo que deva ser liminarmente rejeitada a admissibilidade do recurso;
5. A recorrente reage contra o que apelida ser uma nova audiência prévia, nada resultando deste requerimento que a recorrente se opunha ao agendamento de uma audiência mas apenas ao que apelidou de nova audiência prévia;
6. Insurgindo-se contra o agendamento de uma audiência prévia, a recorrente não se insurgiu contra o agendamento de uma audiência; como tal introduz agora uma questão nova nunca antes suscitada e, consequentemente, não pode agora invocar o agendamento de uma audiência contra a qual não reagiu, como fundamento de recurso até por inexistência de decisão recorrível;
7. Assistia ao Tribunal recorrido a faculdade de convocar tal audiência para se fazer cumprir o contraditório e a evitar a prolação de uma decisão surpresa, aproveitando também o facto de ter sido agendada uma audiência prévia para apreciação de idêntico conflito de interesses com os mesmos intervenientes processuais para a mesma hora, no âmbito do processo 13961l4.2TJVNF que também tramita nesta unidade orgânica (arts. 3.°, n.° 3, 6.° e 547.° todos do NCPC)
8. Tendo sido decidido previamente à decisão recorrida e em 1.ª instância que a recorrente tinha legitimidade ad causam, mas não já que esta tinha legitimidade ad substantiam, legitimidade esta, cujo conhecimento foi relegado para final, conhecendo agora o Tribunal desta última legitimidade, não há violação da decisão que conheceu da legitimidade ad causam. Não foi por isso revogada aquela primeira decisão.
9. Não há, pois, coincidência na decisão recorrida entre o que ficou decidido na audiência prévia e aquilo que veio agora a ser objecto da decisão recorrida;
10. Sobre a matéria que foi agora (na decisão recorrida) objecto de apreciação não incidiu anteriormente qualquer decisão definitiva nos presentes autos, sendo lícito ao julgador, no caso de este entender de modo diverso relativamente à suficiência de elementos para poder proferir decisão sobre determinada matéria, que o faça antes do julgamento, de conformidade com os arts. 130.°, 6.° e 547.° e ainda das disposições conjugadas dos art.°s 591.°, n.º 2, 545.° n.º 3, todas do NCPC.
11. À luz do citado preceito legal que proíbe em absoluto a prática de actos inúteis no processo, o prosseguimento dos autos consiste na prática do acto ou actos que se imponha praticar depois do último acto que o haja sido.
12. Ora tendo em conta as normas que estabelecem os princípios de gestão e adequação processual, o acto que seguidamente se impunha praticar, considerando o julgador estar já na posse de todos os elementos para poder decidir, era a apreciação da excepção de ilegitimidade activa da autora (ad substantiam), ora recorrente.
13. Nesta esteira era lícito ao Tribunal antecipar o momento do conhecimento da excepção cujo conhecimento havia sido relegado para a decisão final
14. É ao representante comum que cabe o exercício dos direitos inerentes às quotas indivisas, neles se incluindo o direito à informação, o direito aos lucros e o direito de impugnação.
15. No âmbito de idêntico conflito de interesses foi entretanto proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Guimarães - processo 1805/l3.8TJVNG.Gl - APELAÇÃO 1.ª - 2.a SECÇÃO CÍVEL (proveniente da 2.a Secção do Comércio de Vila Nova de Famalicão, 12, em que era Autora a aqui recorrente e era Ré a recorrida e cujo sumário é o seguinte, no sentido da manutenção da decisão recorrida:
I - O contitular de quota de sociedade não pode, por si, isoladamente, exercer os direitos inerentes à mesma, antes o deve fazer através de um representante comum.
II - Agindo em juízo individualmente em acção de impugnação de deliberações sociais, e porque o subjacente direito não é, por natureza um direito de exercício individual, tal conduz inevitavelmente À excepção dilatória da sua ilegitimidade e à consequente absolvição da instância da demandada pessoa colectiva.
16. No direito de impugnação inclui-se o direito de exigir quer a declaração de nulidade de deliberações sociais, quer o pedido de anulação de deliberações anuláveis.
17. A Autora, como contitular de quotas indivisas da sociedade Ré, à luz do disposto no art.° 222.° do Código das Sociedades Comerciais, não tem legitimidade para, por si só, instaurar ou prosseguir na presente acção.
18. O facto de o outro contitular das quotas indivisas que também pertencem á Autora (são contitulares em partes iguais) subscrever a proposta de aplicação de resultados contra a qual esta se manifesta, não deixa de constituir uma declaração de vontade de sentido contrário ao da Autora, facto que também impede que esta esteja dotada de legitimidade para prosseguir com a presente acção.
19. Os factos que a recorrente alega não são, sequer, passíveis de enquadramento na figura da nulidade, uma vez que não há preterição de convocatória, para deliberar sobre matérias cujo conteúdo está sujeito a deliberações dos sócios e das mesmas não se extrai ofensa aos bons costumes ou preterição de norma que não possa ser derrogada
20. A regra de que a nulidade é invocável por qualquer interessado a todo o tempo, no caso de quotas indivisas tem que ser interpretada de harmonia com o instituto do representante comum, deferindo-se a este a condição de interessado, por não se tratar de interesses de natureza exclusivamente pessoal do sócio e como forma de proteger a sociedade das divergências entre contitulares de quotas indivisas.
21. Do contrário, bastaria que o contitular invocasse uma qualquer nulidade e logo a protecção do interesse da sociedade numa unidade de actuação dos contitulares de quotas indivisas estaria posta em causa, pondo em causa a vida da sociedade.
22. Não estando sequer feita prova da existência de deliberação dos contitulares de quotas indivisas a respeito da instauração da acção, esta não pode prosseguir
23. As citações jurisprudenciais da recorrente não têm aplicação no caso sub judice.
24. A aprovação das deliberações em crise está conforme o disposto no art.° 217.0 do Código das Sociedades Comerciais, uma vez que as mesmas foram aprovadas pela unanimidade do capital social em assembleia para o efeito convocada.
25. Não há que censurar a decisão de não permitir a intervenção em assembleia dos contitulares de quotas que não designaram representante comum, pois tal decisão visa assegurar uma unidade de actuação dos contitulares de quotas indivisas, e evitar a perturbação do funcionamento dos processos deliberativos e por consequência, da vida da sociedade.
26. A aprovação das deliberações em causa não é fortemente penalizadora dos interesses da Autora, pois se fosse titular de 25% do capital social, estaria sujeita a ver aprovadas tais deliberações mesmo contra a sua vontade.
27. Não tem razão a recorrente em pretender ver soçobrar os formalismos legais em homenagem a um interesse singular, quando tem outros meios para proteger esses interesses próprios, designadamente por via da divisão de coisa comum.
28. A possibilidade de aprovação de propostas em assembleia geral por uma minoria, à vista de um conflito entre contitulares representativos de maioria expressiva, é solução que protege em regra os interesses da sociedade, dos seus recursos e de terceiros credores.
29. A invocação da prolação de despacho de deferimento de incidente de intervenção principal não só não releva para a apreciação do caso vertente, como também não resolveu o problema de legitimidade, quer porque persiste falta de representante comum, quer porque o chamado aderiu ao processado da Ré sociedade, sufragando as posiçoes desta (quanto a legitimidade e quanto à manutenção das deliberações que se pretende impugnar).
30. O disposto no art.° 217.0 do Código das Sociedades Comerciais tem natureza dispositiva - conforme decorre designadamente do acórdão do Tribunal da Relação do Porto cuja cópia se juntou com a contestação bem como os demais citados na decisão recorrida - pelo que, mesmo que se entendesse que as deliberações em crise tivessem sido tomadas em violação deste preceito, sempre as mesmas seriam meramente anuláveis, motivo pelo qual sempre a recorrente careceria de legitimidade para, só por si, instaurar a presente acção.
*
Após baixa dos autos para liquidação da taxa de justiça ou informação acerca do apoio judiciário, foram os mesmo novamente remetidos a esta 2.ª instância, com a indicação do ISS ter revogado o cancelamento após recurso de impugnação, e alvo de nova redistribuição em consequência da cota lavrada a fls. 628.
*
III- Factos tidos em conta, para além dos constantes no relatório que antecede:
1.A A. é contitular de uma quota no valor nominal de € 425.000,00 e outra no valor nominal de € 75.000,00 no capital social da R., as quais lhe advieram por legado feito pelo seu falecido pai, M, titulado por testamento outorgado no dia 4/8/2010, em que legou as mencionadas quotas em comum e partes iguais e por conta da sua quota disponível, à A e a seu irmão J.
2.Intenta a presente acção de anulação de deliberações sociais contra F, pedindo que, pela procedência da mesma, sejam as deliberações sociais aprovadas na sessão ordinária da Assembleia Geral da R de 19/4/2012 declaradas nulas ou, se assim não se entender, anuladas.
*

O recurso foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
*
Foram colhidos os vistos legais.
*
IV-O Direito
Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem das conclusões que definem, assim, o âmbito e objecto do recurso.
Deste modo, e tendo em consideração as conclusões acima transcritas desde logo se julgam já ultrapassadas as questões previamente suscitadas, quer quanto ao apoio judiciário perante a informação de revogação da decisão de cancelamento do benefício judiciário, quer quanto à omissão de indicação do tribunal ad quem e pela admissão do recurso com o efeito correcto.
Assim, constituem questões ainda pendentes de apreciação e decisão, as seguintes:
-admissibilidade do documento junto;
-omissão de formular conclusões;
-admissibilidade da audiência designada;
-violação do caso julgado;
-da legitimidade da A.

*
Quanto à 1.ª questão
Tendo em consideração a decisão proferida quanto à excepção arguida, o recurso interposto e o teor do acórdão proferido no âmbito do processo 1805/13.8TJVNF.G1 entre as mesmas partes, que confirmou a decisão da 1.ª Instância que julgou a aí A., aqui recorrente, parte ilegítima, veio a Ré requerer a junção de cópia de tal acórdão proferido a 9.7.2015, depois da decisão recorrida.
Ora, quanto a tal junção, preceitua-se no artigo 651.º, n.º 1, do CPC, que ‘as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância.
Dispõe, por sua vez, o artigo 425.º, do mesmo diploma, para o qual remete o texto da norma acabada de transcrever, que, ‘depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento’.
Contudo, para o efeito, importará ter sempre presente, o princípio geral que referencia, na dinâmica do processo, o momento da apresentação de prova por documentos, concretamente o artigo 423.º do CPC, que refere o seguinte:
“1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2 - Se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
Da articulação lógica destas normas decorre que a junção de documentos em sede de recurso (admissível apenas a título excepcional) depende da alegação e prova pelo interessado de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso, valendo aqui a remessa do artigo 651.º, n.º 1 para o artigo 425.º; (2) ter o julgamento da primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional, que até aí – até ao julgamento em primeira instância – se mostrava desfasada do objecto da acção ou inútil relativamente a este.
Acontece que, para tal, importa sempre, em primeira linha, que o documento se destine a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa.
Ora, a Ré/Recorrida nem sequer indicou os fundamentos, por si concretamente alegados nos seus articulados, que pretendia demonstrar com tal documento, sendo certo que, visando com o seu teor, contrapor às alegações da A. a tese por si defendida em sede de contestação onde arguiu a excepção de ilegitimidade da A. e que reitera nas suas contra-alegações, bastava-lhe a respectiva menção nesse seu articulado quanto ao seu teor, sem mais.
Assim, pelo exposto, deve, como tal, ser desentranhado o documento, dada a sua inadmissibilidade.
*
Quanto à 2.ª questão
Nos termos do n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil, o recorrente deve terminar as alegações com as respectivas conclusões, que são a indicação de forma sintética dos fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da decisão.
A formulação das conclusões do recurso tem como objectivo sintetizar os argumentos do recurso e precisar as questões a decidir e os motivos pelos quais as decisões devem ser no sentido pretendido.
O não cumprimento dessa exigência constitui uma violação da lei processual, daí que o artigo 641.º, n.º 2, do Código de Processo Civil comine a falta de conclusões com a sanção da rejeição do requerimento de interposição de recurso, funcionando essa sanção de forma automática, sem qualquer convite prévio ao aperfeiçoamento, como sucede quando as conclusões sejam deficientes, obscuras ou complexas (artigo 639.º, n.º 3).
Ora, no caso, verifica-se que a recorrente redigiu as suas alegações, dividindo-as em parágrafos agrupados, depois escreveu a expressão “conclusões” e a seguir repetiu na quase totalidade as alegações.
Do ponto de vista substancial, a recorrente não formulou conclusões do recurso como devia, limitou-se (no relevante) a repetir a alegação duas vezes seguidas, intitulando a “segunda alegação” como “conclusões”, o que manifestamente não constitui uma forma válida de cumprimento da exigência legal.
Por conseguinte, atendendo apenas ao aspecto formal, poder-se-ia convidar a recorrente a aperfeiçoar/formular as “conclusões” com o necessário rigor. Considerando, no entanto, a simplicidade do recurso em apreciação decidimos prosseguir e apreciar as questões seguintes, por uma questão de economia processual.
*
Quanto à 3.ª questão
Como decorre dos autos, a fls. 197, foi proferido despacho a designar data para a realização de uma audiência prévia, nos termos e para os fins do disposto no art. 591.º, do Cód. Proc. Civil, que se realizou nos moldes definidos para tal.
Posteriormente, pelas razões, fundamentos e fim consignados no despacho de fls. 575, aludindo-se ao disposto no art. 547.º, do Cód. Proc. Civil, foram as partes convocadas para uma audiência, na qual foi indeferida a nulidade invocada quanto à designação dessa audiência e julgada procedente a excepção de ilegitimidade da A. pela Ré arguida.
Daqui decorre, desde logo, que não foi designada uma segunda audiência prévia, mas sim uma audiência, a fim de proferir decisão sobre a referida excepção, por se entender reunirem os autos todos os elementos para tal.
O princípio da adequação formal encontra-se actualmente previsto no artigo 547.º, do Código de Processo Civil, nestes termos: «O juiz deve adoptar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos actos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo.»
Como se referia no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 180/96 de 25 de Setembro, o princípio enunciado é expressão do carácter funcional e instrumental da tramitação relativamente à realização do fim essencial do processo, não visa a criação de uma espécie de processo alternativo, da livre discricionariedade dos litigantes, visando antes possibilitar a ultrapassagem de eventuais desconformidades com as previsões genéricas das normas de direito adjectivo.
Especificando a vocação e alcance do princípio em causa, refere Carlos Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, 2.ª edição, 2004, Almedina, pág. 261 a 264, que o mesmo se destina a introduzir alguma flexibilidade na tramitação ou marcha do processo, permitindo adequá-la integralmente a possíveis especificidades ou peculiaridades da relação controvertida ou à cumulação de vários objectos processuais a que correspondam formas procedimentais diversas, visando ultrapassar - através do estabelecimento de uma tramitação “sucedânea” - possíveis inadequações ou desadaptações das formas legal e abstractamente instituídas, no âmbito de qualquer tipo de processo.
No entanto, como acentua e enfatiza o autor citado, o princípio em causa visa a justa composição do litígio, que sempre terá que ser alcançada com “respeito integral pelos princípios essenciais estruturantes do processo civil”, nomeadamente os da igualdade das partes e do contraditório.
De acordo com o mesmo autor, in Ob. cit., página 263, na aplicação do princípio da adequação formal, deve o juiz, após audição das partes, fixar e especificar, no despacho que proferir, quais as alterações à tramitação-tipo que considera necessárias, estabelecendo, por uma única vez, todo o "plano” da tramitação sucedânea que estabelece para a causa, só assim ficando integralmente seguradas as garantias das partes, que devem, à partida, conhecer, sem quaisquer reservas ou limitações, todo o esquema de concreto processamento reservado para a acção.
Em suma, verificando o juiz que a tramitação legalmente prevista não se adequa às especificidades da causa, ouvidas as partes determina a prática dos actos que se ajustem a esse fim.
Por sua vez, da exposição dos motivos do Decreto-Lei n. 329-A/95, extraia-se já a seguinte passagem: “ter-se-á de perspectivar o processo civil como um modelo de simplicidade e de concisão, apto a funcionar como um instrumento, como meio de ser alcançada a verdade material pela aplicação do direito substantivo, e não como estereótipo autista que a si próprio se contempla e impede que seja perseguida a justiça, afinal, o que os cidadãos apenas pretendem quando vão a juízo”, assim se privilegiando claramente a decisão de fundo sobre a mera decisão de forma.
Com efeito, o novo princípio da adequação formal vem romper com o apertado regime da legalidade das formas, conferindo-se, então, os correspondentes poderes ao juiz para adaptar a sequência processual às especificidades da causa apresentada em juízo, reordenando os actos processuais a serem praticados no iter, inclusive com a determinação da prática de acto não previsto ou a dispensa de acto inútil previsto, ou ainda com a alteração da ordem dos actos abstractamente disciplinados em lei.
Tal adequação fica, assim, justificada se houver circunstâncias específicas, relacionadas ao direito material, a aconselhar a variação da forma do procedimento processual.
Ora, in casu, entendendo-se que os autos dispunham já de todos os elementos para apreciação e decisão da excepção deduzida, por forma a evitar-se maiores dispêndios de tempo e de custos, designou-se uma audiência para aquele fim devidamente enunciado.
Pois, com isso se evitaria a prática de actos inúteis, o que justifica o procedimento adoptado ao abrigo do citado preceito, observados que foram os princípios da igualdade e do contraditório.
No caso concreto a assim não se entender obrigar-se-ia a prosseguirem os autos para, na decisão final, após dispêndio de meios e tempo, se ver proferida uma decisão que podia ter sido antecipadamente dada.
Aliás, as decisões de adequação formal, proferidas nos termos do art. 547.º, do Cód. Proc. Civil, não admitem sequer recurso – cfr. art. 630.º, n.º 2, do mesmo diploma.
Nestes termos, considera-se, pois, carecer de razão a recorrente quanto a esta questão por si suscitada de impossibilidade de realização da audiência agendada.
*

Quanto à 4.ª questão
De acordo com o art.º 619.º n.º 1 do CPC, há caso julgado material quando a decisão tenha incidido sobre a relação material controvertida, tornando-se obrigatória dentro do processo e fora dele, impedindo uma nova e diversa apreciação da relação jurídica concreta sobre que versou, no mesmo ou em novo processo.
Já as sentenças e despachos que recaíam unicamente sobre a relação processual tem força obrigatória dentro do processo (art.º 620.º do CPC) e tão só dentro dele.
Na verdade “tem força e autoridade de caso julgado material a decisão que versa sobre o fundo ou mérito da causa e só força e autoridade de caso julgado formal a decisão que versa apenas sobre questões de natureza processual” - Cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra editora, 1976, pag. 138 e 304.
Este mesmo entendimento é também expresso por Rodrigues Bastos, in Notas ao Cód. Proc. Civil, 1972, III, pag. 60 e 61, quando afirma que “distingue-se a força de caso julgado da excepção de caso julgado. A primeira destas noções refere-se à qualidade ou valor jurídico especial que compete às decisões judiciais a que diz respeito, enquanto a segunda constitui um meio de defesa do réu baseado na força e autoridade do caso julgado (material). Enquanto que a autoridade do caso julgado tem por finalidade evitar que a relação jurídica material já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica, a excepção destina-se a impedir uma nova decisão inútil, com ofensa do princípio da economia processual”.
O caso julgado é uma exigência da boa administração da justiça, da funcionalidade dos tribunais e da salvaguarda da paz social, dado que obsta a que uma mesma acção seja instaurada várias vezes, evita que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias e garante a resolução definitiva dos litígios que os tribunais são chamados a resolver.
O caso julgado resolve-se, assim, na inadmissibilidade da substituição ou modificação de uma decisão por qualquer tribunal – e, portanto, mesmo por aquele que a proferiu – resultante da insusceptibilidade da sua impugnação, tanto por reclamação como por recurso ordinário.
Com o proferimento da decisão dá-se o imediato esgotamento – rectior, extinção – do poder jurisdicional do juiz (art.º 613.º, n.ºs 1 e 3 do CPC). Dessa extinção decorre esta consequência irrecusável: o juiz não pode, motu proprio, voltar a pronunciar-se sobre a matéria apreciada.
Da extinção do poder jurisdicional consequente ao proferimento da decisão decorrem, assim, dois efeitos: um positivo – traduzido na vinculação do tribunal à decisão que proferiu; um negativo – representado pela insusceptibilidade de o tribunal que proferiu a decisão tomar a iniciativa de a modificar ou revogar.
Todavia, a intangibilidade, para o juiz, da decisão que proferiu, é, naturalmente limitada pelo objecto dela: a extinção do poder jurisdicional só se verifica relativamente às questões sobre incidiu a decisão.
O desacatamento de qualquer dos referidos efeitos processuais do caso julgado dá origem à situação patológica da existência de casos julgados contraditórios – seja no mesmo processo, seja em processo distinto. Para remover o conflito, a lei disponibiliza um critério, assente num princípio de prioridade: havendo duas decisões contraditórias vale aquela que primeiramente tiver passado em julgado (art.º 625.º, n.º 1 do CPC).
Este princípio da prioridade do trânsito em julgado vale igualmente para as decisões que, num mesmo processo, versem sobre a mesma decisão concreta – cfr. Acs. do STJ de 27.07.92, BMJ n.º 419, pág. 626, e de 10.11.95, CJ, STJ, I, pág. 24.
No entanto, a contradição de caso julgados, seja material ou simplesmente formal, exige uma relação de identidade – ou ao menos de prejudicialidade – entre o objecto das decisões passadas em julgado, Dito doutro modo: é necessário – no tocante especificamente aos casos julgados formais – que as duas decisões, proferidas no mesmo processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual (artº 625 nº 2 do CPC).
Reportando-nos ao caso em apreço, não há dúvida de que a decisão proferida sobre a legitimidade da A. na audiência prévia, proferido aí que foi o despacho saneador, versa unicamente sobre a relação processual (cfr. art.º 620.º, do CPC) e por isso, a partir de agora iremos apreciar se existe ou não caso julgado formal.
Ora, para esse efeito, desde logo importa ter em conta que “o despacho saneador não constitui caso julgado formal quando se limita à declaração genérica sobre a inexistência de excepções ou nulidades, sem efectuar uma apreciação concreta destas” – cfr. Ac. do STJ de 11.5.99, in CJ/Acs. do STJ, Ano VII, tomo II, 199, pg 85.
A contrario, constituirá caso julgado formal, o despacho que, ao declarar as partes legítimas, o faz pronunciando-se sobre este determinado ponto concreto, aduzindo fundamentação relativa a tal – cfr. Ac. STJ de 6.7.2000, in CJ Acs STJ , Ano VIII, tomo II, 2000, pg. 143.
Assim, no que concerne à declaração tabelar ou genérica sobre os pressupostos processuais, tem sido entendimento pacífico que esta não faz caso julgado formal, de resto como decorre do artigo 595.º, n.º 3, primeira parte, do Código de Processo Civil: No caso previsto na alínea a) do n.º 1, o despacho constitui, logo que transite, caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas.
Na verdade, quando o tribunal se limita a uma mera enunciação de pressupostos processuais não conhece de qualquer questão concreta e determinada; portanto não podem considerar-se resolvidas e arrumadas as questões que tenham sido suscitadas nos autos; essas questões ficam em aberto. Como tal, não há caso julgado sobre elas – neste sentido José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, anotado, Vol. III, 3.ª ed., Coimbra, p. 200; cfr. também RLJ 82.º, pp. 112 e 347; no mesmo sentido, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1979. p. 185, e Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra, 1985, p. 393 e ss.
Já Lopes do Rego, in Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. I, Coimbra, 2004, p. 442, diz, a este respeito, o seguinte: “estabelece-se claramente que o despacho saneador (artigo 510.º, n.º 3) só adquire força de caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas – generalizando-se deste modo a solução que, em sede de competência, constava do artigo 104.º, n.º 2, do CPC, na redacção anterior à reforma; e caducando, consequentemente a solução afirmada no âmbito da legitimidade, pelo Assento do STJ de 1/2/63”.
De resto, não se conhece nenhuma nota dissonante na doutrina e mesmo na jurisprudência quanto a esta questão.
Posto isto, no caso sobre que ora nos ocupamos, a Mm.ª Juiz a quo no despacho saneador proferido em sede de audiência prévia, como facilmente se verifica, limitou-se a declarar que as partes tem legitimidade ‘ad causam’, relegando o seu conhecimento para final, por considerar não dispor de elementos para conhecer desde logo dessa excepção face à pendência do processo em que se impugna o testamento que instituiu a A. na titularidade das quotas sociais de que se arroga nos autos em apreço.
Assim, é óbvio que a declaração genérica em causa sobre a legitimidade da A. não vinculou o subsequente titular dos autos que pôde julgar a questão, apreciando-a, dado que a anterior juiz não o fez e depois se veio a entender ser possível fazê-lo a título definitivo e sem se aguardar pela sentença final, por forma a obstar-se a prática de mais actos inúteis.
Isto é, o seu labor judicante não ficou prejudicado pelo anterior despacho tabelar, formal e não material ad recursum.
Em boa verdade, o primeiro despacho não pôs termo ao processo nem integra decisão a que lei confira a nota da recorribilidade autónoma imediata (art.º 644.º, n.ºs 1 e 2 do CPC), pelo que não havia ainda sequer passado em julgado, e consequentemente, não havia ainda adquirido o valor de res judicata, ainda que meramente formal.
Portanto, da probabilidade de colisão de casos julgados é coisa de que, com propriedade, também se não pode falar.
Tal entendimento vale de igual forma para o facto de no acórdão anteriormente proferido quanto ao seu objecto de recurso, se ter determinado o prosseguimento dos autos, por se ter revogado o despacho da 1.ª Instância de suspensão da instância, na medida em que versou sobre as questões somente aí suscitadas, apreciadas e decididas, que se observou, sem que nada obstasse a que, posteriormente, por adequação formal fosse designada audiência e nela decidida a excepção nos moldes em que o foi, ou seja, nesse acórdão não se definiu a impossibilidade da prática de tais actos ou de outros subsequentes.
Como tal, tem também o recurso de improceder quanto a esta questão.
*
Quanto à 5.ª questão
Já quanto a esta questão, importa, por último, apurar se a A. pode instaurar, por si só, a acção de anulação de deliberações sociais contra a Ré, F, em que pede sejam as deliberações sociais aprovadas na sessão ordinária da Assembleia Geral da R de 19/4/2012 declaradas nulas ou, se assim não se entender, anuladas.
Resulta dos autos que a A. é contitular de uma quota no valor nominal de € 425.000,00 e outra no valor nominal de € 75.000,00 no capital social da R., as quais lhe advieram por legado feito pelo seu falecido pai, M, titulado por testamento outorgado no dia 4/8/2010, em que legou as mencionadas quotas em comum e partes iguais e por conta da sua quota disponível, à A e a seu irmão J.
Como decorre do Código Civil (CC), a sucessão é "o chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que a esta pertenciam" (artigo 2024.º, do Cód. Civil), quer como herdeiros, quer como legatários, sucedendo estes em bens ou valores determinados e os herdeiros na totalidade ou numa quota do património do falecido (artigo 2030.º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Civil).
A estes princípios do direito civil, há que acrescentar a disciplina o Código das Sociedades Comerciais (CSC) sobre a contitularidade das quotas sociais.
O Código das Sociedades Comerciais afastando a regra do litisconsórcio necessário, genericamente prevista no artigo 2091.º, n.º 1, do CC, esclarece que os contitulares da quota social devem exercer os direitos a ela inerentes através de representante comum (artigo 222.º, nº 1) e que esse representante comum "quando não for designado por lei ou disposição testamentária, é nomeado e pode ser destituído pelos contitulares, sendo a deliberação dos contitulares tomada por maioria, nos termos do artigo 1407.º, n.º 1, do Código Civil, salvo se outra regra se convencionar e for comunicada à sociedade" (artigo 223.º, n.º 1).
Decorre do exposto que o contitular da quota, não sendo representante comum nem sendo cabeça de casal, não pode exercer, por si só, os direitos inerentes à quota e não pode instaurar sozinho o qualquer acção de impugnação de deliberações sociais.
E a questão, salvo o devido respeito, não é resolúvel com apelo ao artigo 30.º do CPC, na medida em que há norma específica que disciplina a legitimidade.
A invocação da nulidade como fundamento da legitimidade igualmente não colhe, na medida em que, a ser assim, fácil seria contornar a citada regra que impera para qualquer situação.
Assim, em suma, entendemos, pois, que o direito que a A. pretendeu exercer (direito à declaração de nulidade/anulabilidade de determinadas deliberações) não pode ser exercido por cada um dos contitulares individualmente considerados, apenas podendo sê-lo por um representante comum ou pelo cabeça de casal.
No caso, não estamos perante uma ilegitimidade activa decorrente da falta de intervenção de outros sujeitos que devessem estar na lide, mas perante a circunstância de estar nela quem carece do direito de exercício, pois a outrem pertence esse mesmo direito.
Ocorre, pois, a ilegitimidade que obsta ao conhecimento do mérito da acção e determina a absolvição da Ré da instância, tal como declarado pelo tribunal a quo.
*

VI – DECISÃO
Pelo exposto, os juízes desta 2ª secção cível, do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas do recurso pela recorrente.
Notifique.
*
TRG, 27.4.2017
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária)




___________________________________
Maria dos Anjos S. Melo Nogueira



__________________________________
Desembargador José Carlos Dias Cravo



___________________________________
Desembargador António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida