Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2032/14.2TBGMR.G1
Relator: HELENA MELO
Descritores: PER
ADMINISTRADOR JUDICIAL PROVISÓRIO
REMUNERAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: . O disposto na Portaria 51/2005 é inaplicável aos processos de revitalização.
. Não tendo sido até ao momento publicada a portaria a que se referem os nºs 1 a 3 da Lei 22/2013 a fixação da remuneração variável do administrador judicial provisório deverá ser feita com recurso à equidade.
Decisão Texto Integral: Processo 2032/14.2TBGMR.G1
Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães:
I - Relatório
B…. veio instaurar processo especial de revitalização, alegando encontrar-se em situação económica e difícil e ter obtido o necessário acordo de um dos seus credores.
Por despacho de fls 219 foi nomeada administradora judicial provisória a Sra. Dra. ….
Cumpridos os trâmites legais, foi apresentado plano de revitalização, tendo o mesmo sido homologado a fls 1303-1304.
A Sra. Administradora Judicial Provisória requereu a fls 1381-1384 a fixação dos seus honorários, e computou a sua remuneração variável em 64.413,26.
A devedora pronunciou-se a fls 1488-1491, pugnando pela inaplicabilidade do disposto na Portaria 51/2005, de 20.01.
Por decisão de fls 1493 foi fixado à Sra. AJP a remuneração variável de €39.411,73 (trinta e nove mil, quatrocentos e onze euros e setenta e três cêntimos).
É deste despacho que a requerente do processo de revitalização interpõe o presente recurso, concluindo do seguinte modo:

1. O Administrador Judicial Provisório nomeado e que venha a exercer as suas funções em processo de revitalização terá direito a uma remuneração fixa, a que alude o nº1 do artigo 23º, à qual, no caso de vir a ser aprovado um plano de recuperação, deverá acrescer uma remuneração variável, em função do resultado da liquidação da massa insolvente.
2. Sendo a remuneração variável, prevista no artº 23º quanto ao AJP, fixável em função do resultado da recuperação, os critérios previstos na Portaria nº 51/2005, de 20 de janeiro, pensados para o processo de insolvência e consistindo num coeficiente a incidir sobre o valor da liquidação da massa insolvente”, mostram-se inadequados para servir de base ao cálculo da remuneração da atividade do AJP.
3. Enquanto não for publicada a portaria em falta, tal remuneração variável deverá ser fixada em função do resultado da recuperação, com recurso à equidade, e tendo em consideração as funções desempenhadas pelo AJP, atendendo, para tal, ao número e natureza dos créditos reclamados, montante dos créditos a satisfazer, prazo durante o qual exerceu as funções.
4. Violou a sentença recorrida o artº 23º nº 3 do EAJ.

Não foram apresentadas contra-alegações.
II – Objecto do recurso
Considerando que:
. o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,
. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,
a questão a decidir é a seguinte:
. se são aplicáveis ao processo de revitalização os critérios previstos na Portaria nº 51/2005, de 20 de janeiro para o cálculo da remuneração variável a atribuir ao administrador judicial provisório.

III – Fundamentação
A situação factual é a supra descrita.
Dispõe o artº. 32.º, nº 3, do CIRE, aplicável ex vi art. 17.º-C, nº 3, al. a) do CIRE, que o administrador judicial provisório em processo especial de revitalização tem direito a ser remunerado pelo desempenho das suas funções.
E estatui o artigo 23º da Lei nº 22/2013, de 26 de fevereiro, que estabelece o Estatuto do Administrador Judicial, sob a epígrafe: “Remuneração do administrador judicial provisório ou do administrador da insolvência nomeado por iniciativa do juiz”:

1. O administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou administrador de insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos atos praticados, de acordo com o montante estabelecido em portaria dos membros de Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da justiça e da economia.
2. O administrador judicial provisório ou o administrador de insolvência nomeado por iniciativa do juiz aufere ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é o fixado nas tabelas constantes da portaria referida no número anterior.

3. Para efeito do disposto no número anterior, em processo especial de revitalização ou em processo de insolvência que envolva a apresentação de um plano de recuperação que venha a ser aprovado, considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano, conforme tabela específica constante da portaria referida no n.º 1.
4. Para efeitos do n.º 2, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência.

5. O valor alcançado por aplicação das tabelas referidas nos ns. 2 e 3 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, pela aplicação dos fatores constantes da portaria referida no n.º 1.
6. Se, por aplicação do disposto nos números anteriores, a remuneração exceder o montante de (euro) 50 000 por processo, o juiz pode determinar que a remuneração devida para além desse montante seja inferior à resultante da aplicação dos critérios legais, tendo em conta, designadamente, os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligência empregue no exercício das funções.

A Lei 22/2013 entrou em vigor a 23 de março de 2013, mas até hoje não foi publicada a portaria para a qual remetem os nºs 1 a 3 e 5 do referido artº 23º.
Duas posições têm sido defendidas quanto ao modo de cálculo da remuneração variável que é o que está aqui em questão:
. para uns, a remuneração deverá ser fixada por recurso às tabelas constantes da Portaria 51/2005, de 20 de Janeiro, como se entendeu na sentença recorrida. Nesse sentido, o Ac. do TRG de 24.11.2004 – proc. 1539/13.
. para outros, a Portaria nº 51/2005 não é aplicável no âmbito do processo de revitalização, devendo a remuneração variável ser calculada nos termos previstos no artigo 23º, da Lei nº22/2013, sem recurso a quaisquer tabelas, por não terem sido ainda aprovadas, devendo o montante a atribuir ser fixado mediante o recurso à equidade. Nesse sentido Acs. do TRP de 16.05.2016, proc. nº 631/15, do TRC de 16.02.2016, proc. nº 5543/14 e Ac. do TRE de 28.05.2015, proc. mº 1111/14 (todos acessíveis em www.dgsi.pt), sendo este o entendimento defendido pela apelante.
Não suscita dúvidas que o administrador judicial provisório tem direito a uma remuneração composta por uma parte fixa e parte variável, no caso de vir a ser aprovado um processo de recuperação, em função do resultado da recuperação do devedor (nº 2 do artº 23º do Lei 22/2013). E nos termos do nº 3 do artº 23 da Lei 22/2013 para efeito do disposto no número anterior, em processo especial de revitalização ou em processo de insolvência que envolva a apresentação de um plano de recuperação que venha a ser aprovado, considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano.
Ora, não obstante os argumentos aduzidos por aqueles que defendem a aplicabilidade da Portaria 51/2005, de 20/01, não vemos, com o devido respeito, que esta possa ser aplicável ao cálculo da remuneração variável.
A mencionada portaria estabelece a componente fixa da remuneração em 2.000,00 (artº 1º) e preceitua que a parte variável é calculada “em função da liquidação da massa insolvente”, ou seja, tendo em conta o valor apurado na realização do ativo da massa insolvente.
Só que, no caso do PER, diferentemente do que ocorre no processo de insolvência, não existe a fase de apreensão e liquidação de bens.
As funções do administrador judicial provisório no âmbito do PER limitam-se ao recebimento das reclamações de créditos, elaboração da lista provisória de credores, condução, orientação e participação nas negociações entre os credores e o devedor, fiscalização dos trabalhos, recolha dos votos e remessa para o tribunal da documentação que comprova a aprovação do plano, sendo a sua intervenção no processo em regra por um período de tempo muito inferior ao da intervenção do administrador da insolvência, em sede de processos de insolvência. Não existindo a fase da liquidação, não se vê como aplicar o critério da Portaria 51/2005. Como se defende no Ac. do TRC já citado, proferido no proc. 5543/14 que temos vindo a seguir de perto “as tabelas previstas na Portaria como base de cálculo para a remuneração variável, consistindo num coeficiente a incidir sobre o valor que se vem a apurar da liquidação da massa insolvente, mostram-se inadequadas para servir de base ao cálculo da remuneração da atividade do AJP, num tipo de processo em que não há liquidação de bens e em que o “sucesso” das suas diligências passa essencialmente ou é atingido com a aprovação e homologação de um plano de recuperação.”
Assim o montante da componente variável do administrador judicial provisório deverá ser fixado com recurso à equidade tendo em conta, o período de tempo durante o qual exerceu funções, o trabalho desenvolvido, o número e natureza dos créditos reclamados, montante dos créditos a satisfazer (o resultado da recuperação do devedor).
A Mma. Juíza a quo aplicando a portaria 51/2005, fixou a título de remuneração variável a importância de 39.411,73, a qual acresceu a remuneração fixa de 2.000,00.
Qual será a remuneração variável então a fixar à sra. AJP tendo em conta os factos referidos de acordo com a equidade? Vejamos o que tem sido decidido:
No Ac. do TRP de 16.05.2016- proc. 631/15, em que foi apreciado o recurso interposto pelo Sr. AJP reclamando a fixação de uma remuneração total de 37.289,05 por aplicação dos critérios da Portaria 51/2005, foi julgado improcedente o recurso, mantendo-se a decisão da 1ª instância que não aplicou os referidos critérios e fixou a remuneração total do sr. AJP em 5.000,00 sendo 2.000,00 a título de remuneração fixa e 3.000,00 variável.
Tratou-se de um caso em que foi aprovado um plano de recuperação, o valor dos créditos reclamados foi de 1.524,200,00, no plano previa-se o pagamento de 1.466.132,35 e o nº de credores era de 15.
No ac. do TRP de 23.02.2015 – proc. nº 3700/13, desceu-se a remuneração do sr. AJP fixada na 1ª instância em 2.000,00 para a quantia de 500,00 euros, num caso em que os autos tiveram início em 18 de setembro de 2013, com a apresentação da requerente ao PER; a sra. AJP foi nomeada por despacho de 2.10.2013 e o processo foi considerado encerrado em 31 de março de 2014, sem que tenha sido apresentado qualquer plano de recuperação e sem que a AJP haja concluído que a apresentante se encontrava em situação de insolvência.
No Ac. do TRC de 16.02.2016 – proc. nº 5543/14 alterou-se a decisão da 1ª instância e fixou-se a remuneração variável em 8.000,00 num caso em que o administrador judicial provisório foi nomeado por despacho proferido a 16.12.2014, no qual foi desde logo lhe foi fixada a remuneração de 1.000,00 €. A situação factual era a seguinte:
- o AJP veio apresentar a lista provisória de credores, da qual faziam parte oito credores, cujos créditos ascendiam ao montante global de 197.512,41 €;
- uma das credoras reclamantes veio deduzir impugnação quanto a dois dos créditos reconhecidos;
- a requerimento do AJP, o prazo para conclusão das negociações foi prorrogado por mais um mês;
- concluídas as negociações, por requerimento enviado a 30 de abril de 2015, foi junto aos autos o plano de revitalização e o resultado votação, plano que veio a ser homologado por sentença;
- o valor total dos créditos a satisfazer pelo plano ascendia e a 169.018,00 €, o que representava uma percentagem de 85,57%, relativamente aos créditos relacionados.
No acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 26.09.2013 – Processo n.º 3775/12.0TBGMR.G1 procedeu-se à revogação parcial de uma decisão da 1.ª instância que fixou a remuneração do AJP em 1.800 Euros, alterando-a para 4.000 Euros. No caso ali em apreço o administrador apresentou a lista provisória dos créditos reclamados, abrangendo 59 créditos; levou a efeito as pertinentes negociações e foi aprovado um plano de recuperação, oportunamente homologado. Considerou-se que o administrador “esteve adstrito às funções para que foi nomeado por quase cinco meses”, que o “seu desempenho foi zeloso e competente”, que “o volume de negócios da devedora será, a fazer fé no plano de recuperação e no montante das dívidas, apreciável” e que o administrador “teve necessidade de interagir com um número elevado de credores (59)”.
Esta decisão citada é clara em considerar globalmente o trabalho desenvolvido pelo AJP, uma vez que, sem partir de qualquer valor mínimo, pondera o concreto trabalho desenvolvido, atendendo ao número de credores, ao tempo de exercício e o resultado obtido, concretamente a aprovação de um plano de recuperação.
No Ac. do TRE de 28.05.2015 – proc. 1111/14 foi revogada a decisão da 1ª instância que fixou em 1.500,00 a remuneração do sra. AJP e alterada para 12.000,00, sendo 11.000,00 a título de remuneração variável e 1.000,00 de remuneração fixa, num caso em que entre a nomeação do sr. AJP e a sentença de homologação do plano decorreram perto de seis meses; sendo nove os credores e o valor total dos créditos ascendeu a € 373.425,24 (sendo € 50.427,32 de juros e encargos); apenas foi apresentada um impugnação e o plano foi votado com 67,45% de votos favoráveis, 21.83% de votos desfavoráveis e 10,72% de abstenções.
No caso em análise a sra. Administradora judicial foi nomeada por despacho de fls 219, em 12.08.2014.
O despacho homologatório do plano foi proferido em 22.04.2015, pelo que a Sra. Administradora Judicial exerceu funções durante cerca de seis meses.
No despacho recorrido exarou-se e não foi posto em causa que: “O total dos créditos reclamados e reconhecidos ascende a euros €5.700.873,06.
Analisado o plano de recuperação aprovado, constata-se que não sofrem alteração a nível do valor a pagar os créditos titulados pelo ISS, pela Fazenda Nacional, pelos trabalhadores da devedora, os garantidos e os créditos comuns titulados por entidades bancárias.
Contudo, os créditos titulados por fornecedores vêm os respectivos juros (vencidos e vincendos) bem como os encargos e comissões que lhe estejam associados perdoados; igualmente são perdoados, por força do plano aprovado, os créditos por juros (vencidos e vincendos) da remunerações da gerência em dívida; ainda no capítulo dos créditos subordinados, o plano aprovado não prevê o reembolso dos suprimentos reconhecidos (no valor de €337.420.76) mas sim a sua conversão em capital.
Ante tais alterações, a conclusão a que se chega é a de que dos €5.700.873,06 só serão pagos €5.349.734,01. “
A fls 261 foi junta a relação provisória de credores, remetida em 11.09.2014, onde constam 165 credores.
Impugnaram a lista provisória de créditos Filasa – Fiação Armando da Silva Antunes, S.A., Confecções Carmo & Ribeiro, lda., Tiv Europe B.V . e TIV TRANDING Limited, 68 ex-trabalhadores da devedora em coligação activa, também em coligação 12 trabalhadores da devedora e ainda em coligação mais 20 ex trabalhadores da requerente.
A requerente veio impugnar a lista provisória de créditos relativamente a duas suas ex trabalhadoras.
Notificada a sra AJP das impugnações apresentadas, a mesma veio pronunciar-se a fls 537 e ss.
Por requerimento junto a fls 568 a sra AJP veio acordar na prorrogação do prazo para conclusão das negociações em causa pelo período de 1 mês, a contar do termo do prazo inicial de dois meses.
As impugnações foram decididas por despacho de 16.12.2014 (fls 579-590).
A 23.12.3014 foi junto o plano de revitalização (fls 605-637).
Em 7 de Janeiro de 2015 a sra AIJ apresentou alteração ao plano de insolvência quanto ao credito do ISS, decorrente de nova orientação técnica do ISS.
Em 16 de Janeiro a sra AJP veio apresentar o resultado da votação, tendo o plano sido aprovado por uma percentagem de votos a favor de 78,83%. (contra 21,17%).
Posteriormente e na sequência de despacho judicial veio a Sra AJP juntar o voto favorável da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Dado o elevado número de credores e os valores dos créditos reclamados, afigura-se-nos que os presentes autos foram complexos e trabalhosos, demonstrando os autos que a sra. AJP exerceu as suas funções com diligência.
A recorrente não adianta qualquer valor para a remuneração da sra. AJP, insurgindo-se quanto ao seu montante, pois que interpõe recurso, mas não refere qual o valor que consideraria correcto de acordo com o trabalho desenvolvido e a equidade.
Tudo ponderado e considerando ainda os valores atribuídos em outros processos cuja complexidade era substancialmente inferior à dos presentes autos, entendemos ser de fixar a remuneração variável da sra. AJP em 18.000,00.

Sumário:
. O disposto na Portaria 51/2005 é inaplicável aos processos de revitalização.
. Não tendo sido até ao momento publicada a portaria a que se referem os nºs 1 a 3 da Lei 22/2013 a fixação da remuneração variável do administrador judicial provisório deverá ser feita com recurso à equidade.
IV – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, pelo que, revogam a decisão recorrida e atribuem à sra. AJP a título de remuneração variável, o montante de 18.000,00 €.
Sem custas.
Guimarães, 12 de Julho de 2016
Helena Gomes de Melo
Isabel Silva
Heitor Gonçalves