Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3300/16.4T8VCT.G1
Relator: MARIA PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: DANO MORTE
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS REFLEXOS
DANO PATRIMONIAL FUTURO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
▪. Na fixação do quantum indemnizatório por danos não patrimoniais há que recorrer a juízos de equidade.
Assente este juízo de equidade na ponderação das circunstâncias apuradas e relevantes de cada caso concreto e não em razões estritamente normativas, é entendimento jurisprudencial reiterado que tal juízo apenas deverá ser alterado quando evidencie desrespeito pelas normas que justificam o recurso à equidade ou se mostre em flagrante divergência com os padrões jurisprudenciais sedimentados e aplicados em casos similares.

▪. Em geral é o titular do direito violado quem tem direito á indemnização, não se radicando esta, em princípio, em terceiros, mesmo que reflexamente prejudicados pela conduta do lesante.
Sempre sendo, porem, de entender que só excepcionalmente é que o falado direito de indemnização cabe a terceiros, assim sucedendo nos casos previstos nos artºs 495º (danos patrimoniais) e 496º (danos não patrimoniais).

▪. No previsão do n.º 3 do artigo 495.º encontramos danos patrimoniais, porque têm a ver com a subsistência económico-financeira dos familiares sobrevivos do falecido, dele dependentes, como o cônjuge, ou companheiro/a, e aqui, indiferentemente da existência de filhos, de uns ou outros, e necessariamente futuros, porque projectados para além da morte de quem os prestava, no âmbito de uma relação familiar, ou de união de facto, seja ao cônjuge, ou ao (à) companheiro/a, sendo que, tal como no casamento, também na união de facto, podem ser gerados filhos.
Em causa está apenas a fixação do montante indemnizatório pelo dano patrimonial futuro, na perspectiva de perda de alimentos, e não de lucros cessantes.

▪. Do cotejo dos artigos 661 nº2; 565º e 566º todos do C. Civil resulta que só é possível deixar para liquidação em execução de sentença a indemnização respeitante a danos relativamente aos quais, embora se prove a sua existência, não existam os elementos indispensáveis para fixar o seu quantitativo, nem sequer recorrendo à equidade.
O que é essencial é que esteja provada a existência dos danos, ficando dispensada apenas a prova do respectivo valor-
Decisão Texto Integral:
- Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães –

I. RELATÓRIO

A presente acção condenatória declarativa comum foi intentada por C. M. instaurou contra COMPANHIA DE SEGUROS “X SEGUROS, S.A.”, COMPANHIA DE SEGUROS “Y, CIA SEGUROS Y , S.A.”, com sede en Calle …, ESPANHA e COMPANHIA DE SEGUROS “Y PORTUGAL COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.”, com sede na Rua … LISBOA; pedindo que, na procedência da acção, sejam as Rés condenadas solidariamente a pagar-lhe a indemnização global de 458.066,01 €, acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação, até efectivo pagamento.

Alegou para tanto, e em síntese, a ocorrência de um acidente de viação de que o marido foi vítima mortal, sendo que do mesmo advieram-lhes danos patrimoniais e não patrimoniais cuja indemnização impetra às Rés, no valor global do pedido.

A co-ré COMPANHIA DE SEGUROS “X SEGUROS, S.A.”, doravante SEGURADORAS K, SA (cf. fls. 211) deduziu a contestação constante de fls. 154 e sgs, na qual impugnou os factos alegados pela A. e alegou factos subsumíveis à culpa do lesado.

A co-ré “Y Portugal, SA” deduziu a contestação de fls. 143 e vº cujo teor se dá aqui por reproduzido, impugnando os factos alegados pela autora.

Foi proferido despacho saneador no qual se reconheceu a validade e regularidade da instância, definiu o objecto do processo e os temas da prova bem como admitiu os meios de prova.

Ao processo foi chamada em sede de intervenção principal provocada passiva a outra herdeira do marido falecido da A., a sua ascendente sua mãe Maria (cf. fls. 681, 688), como forma de sanar preterição do litisconsórcio necessário activo, a qual nada disse ou requereu no processo.
Procedeu-se a julgamento com observância do legal formalismo.

Seguiu-se sentença final que terminou com o seguinte dispositivo:

Pelo exposto, o Tribunal decide julgar parcialmente procedente a acção e, em consequência, decide:

a).Condenar solidariamente as Rés a pagar à A. a quantia de € 303.135,07 (trezentos e três mil, cento e trinta e cinco euros e sete cêntimos), sendo €198.135,07, a título de danos patrimoniais, e de €105.000,00 a título de danos não patrimoniais;
b) Condenar a Ré a pagar à Autora os juros de mora sobre as referidas quantias à taxa de 4% (Portaria 291/03, de 8Abr):

• desde a citação até integral pagamento, sobre o montante relativo aos danos patrimoniais;
• desde a presente decisão até integral pagamento, sobre o montante relativo aos danos não patrimoniais.
c) No mais, julga-se a acção improcedente, absolvendo-se as Rés do restante peticionado pela A.
2. Custas por Autora e Rés na proporção do respectivo decaimento.
3. Registe e notifique.

A autora não se conforma com esta decisão impugnando-a através do presente recurso, pretendendo vê-la revogada.

Apresenta as seguintes conclusões:

. - no presente recurso – interposto pela Autora C. M. -, não se questiona a parte da douta sentença recorrida, em que a mesma se pronuncia sobre a culpa na produção do sinistro, em relação ao condutor do veículo automóvel segurado da Recorrida Companhia de Seguros “Y PORTUGAL, S.A.;
. - já que, de acordo com a prova produzida e com os factos provados, essa culpa é exclusivamente imputável ao condutor do veículo automóvel pesado de mercadorias, com reboque XX segurado das Recorridas Companhia de Seguros “X SEGUROS, S.A.”; “SEGURADORAS K, S,A.” e COMPANHIA DE SEGUROS “YA, CIA SEGUROS Y, S.A” e “Y PORTUGAL, S.A., respectivamente;
. – a Autora/Recorrente C. M. reclamou, a título de compensação pelo dano moral – dano intercalar – sofrido pelo seu marido A. C., a quantia que não pode computar-se em menos de 20.000,00 €;
. - a sentença recorrida, a este título, não fixou qualquer quantia;
. – desde o momento do início do acidente, até ao momento da morte do A. C., decorreu um período de tempo mais ou menos longo;
. - deve, pois, em via de recurso, ser fixada, a este título, a quantia de 20.000,00 €;
. – a Autora/Recorrente C. M. peticionou, para si, a quantia de 50.000,00 €, a título de compensação pelos danos de natureza não patrimonial sofridos em consequência do decesso do seu marido A. C.;
. - a sentença recorrida fixou, a este título, a quantia de apenas 30.000,00 €;
. - a referida quantia compensatória de 30.000,00 €, atribuída à Autora/Recorrente C. M., é manifestamente insuficiente;
10ª. - em sua substituição, deve ser fixada e atribuída, á Autora/Recorrente C. M., a quantia de 50.000,00 €;
11ª. – a título de alimentos/danos futuros/lucros cessantes, a Autora Recorrente C. M. reclamou a quantia de 300.000,00 €;
12ª. - a sentença recorrida fixou, a este título, a quantia indemnizatória de apenas 196.569,00 €;
13ª. - ficou provado que a vítima A. C. desempenhava a profissão de motorista de veículos automóveis pesados de mercadorias, em serviço internacional e que auferia o rendimento médio mensal líquido de 1.176,00 €;
14ª. - A douta sentença recorrida, a este título, chegou ao valor de 329.280,00 €;
15ª. - a esse montante, descontou 10%, no valor de 32.928,00 €;
16ª. - através da douta sentença recorrida, o Tribunal de Primeira Instância fixou – em princípio -, a este título, a quantia de (329.280,00 e – 32.980,00 €) 296.352,00 €;
17ª. - desse montante, o Tribunal de Primeira Instância apenas atribuiu, à Autora/Recorrente, a supra-referida quantia de 197.568,00 €;
18ª. - para o efeito, o Tribunal Recorrido desenvolveu o seguinte raciocínio:

“Ascendendo o montante a atribuir à A. à quantia de 197.568,00 (2/3) – cf. artigo 2142º., nº. 1, CC), em virtude do restante pertencer à mãe da vítima, ascendente herdeira, atendendo a que se trata de uma indemnização por lucros cessantes, sendo a sua aquisição por via sucessória”;
19ª. - com o devido respeito, está-se em presença de uma confusão conceitual;
20ª. - pois, no (modesto) entendimento da Autora/Recorrente, a quantia indemnizatória que reclama a título de alimentos, em consequência da morte do seu marido A. C., por acidente de viação – danos futuros/lucros cessante –, não faz parte do acervo da herança do “de cujos” A. C.;
21ª. - e, por essa razão, é modesto entendimento da Autora/Recorrente, que, no caso em apreço, não tem aplicação o estatuído no artigo 2241º., nº. 1, do Código Civil;
22ª. - entende a Autora/Recorrente que, ao caso em apreço, tem aplicação o estatuído no artigo 495º., nº. 3, do Código Civil;
23ª.- estatui esta disposição legal – artigo 495º., nº. 3, do Código Civil, sob a epígrafe “Indemnização a terceiros em caso de morte ou lesão corporal”:

“No caso de morte ... Têm igualmente direito a indemnização os que podem exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural”.
24ª. - assim sendo, entende a Autora/Recorrente que a mãe da vítima não tem direito a indemnização pela morte do seu filho;
25ª. - e, também, não tem direito a alimentos, pelo decesso do seu referido filho A. C.;
26ª. - de resto, a referida mãe de A. C. foi chamada a intervir nos presentes autos, através do Incidente de Intervenção Principal Provocada;
27ª. - a mesma, porém, não se apresentou a intervir nos presentes autos;
28ª. - não reclamou qualquer quantia indemnizatória, nomeadamente a título de alimentos;
29ª. - e, pela mesma razão, não alegou, nem provou, ser titular de alimentos eventualmente devidos pelo seu filho A. C., nem que este lhos prestava no cumprimento de uma obrigação natural;
30ª. - vale por dizer que, à Autora/Recorrente C. M., deve ser fixada e atribuída, a título de alimentos que lhe são devidos em consequência do decesso do seu falecido marido A. C., não:

a) a quantia fixada pela sentença recorrida;
b) mas sim a quantia de 296.352,00 €;
31ª. – sem qualquer parte dessa quantia, a reverter a favor da mãe da vítima A. C., por não ter direito a quaisquer alimentos, por não ser credora de tais alimentos e por não ter reclamado qualquer quantia a este título, mesmo depois de chamada a intervir na presente acção, para o efeito;
32ª. - ficou, ainda, provado, após a realização da audiência de discussão e julgamento, que:
“A Autora viu toda a roupa que o seu marido vestia, na altura do acidente e objectos de uso pessoal, que usava, completamente danificados e inutilizados, de valor não concretamente apurado;
A Autora viu o saco de viagem que o seu marido levava consigo, com peças de vestuário, calçado de substituição e utensílios de higiene pessoal, totalmente queimado e calcinado, de valor não concretamente apurado”.
33ª. - não se apurou o valor dos bens referidos nos itens 1.46 e 1.47, pelo que, no modesto entendimento da Autora/Requerente, uma de duas:

a) ou o Tribunal de Primeira Instância, com recurso ao princípio de equidade, poderia ter atribuído um valor a tais bens;
b) ou, pelo menos, deveria ter relegado a quantificação da indemnização devida por esses bens para Incidente de Liquidação, ao abrigo do disposto nos artigos 358º., nº. 2 e 609º., nº. 2, do Código de Processo Civil;
34ª. - o Tribunal recorrido, no entanto, seguiu diversa metodologia;
35ª. - sem qualquer apoio, no modesto entendimento da Autora/Recorrente, na Lei Processual Civil vigente;
36ª. - pois, se tais bens pertenciam ao acervo hereditário do “de cujus” A. C.;
37ª. - se tais bens ficaram danificados e inutilizados, em consequência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção;
38ª. - e se não foi possível apurar o seu real e efectivo valor;
37ª. - deveria a sentença recorrida, como deve o Acórdão a proferir na sequência do presente recurso, relegar a quantificação dos danos relativos ao valor desses bens, para Incidente de Liquidação, ao abrigo do disposto nos artigos 358º., nºs. 1 e 2 e 609º., nº. 2, do Código de Processo Civil;
38ª. - e condenar as Rés – todas as três (03,00) Rés, solidariamente -, a pagar, à Autora/Recorrente, os respectivos montantes, a quantificar em Incidente de Liquidação, nos termos do disposto nos artigos 358º., nºs. 1/ 2 e 609º., nº. 2, do Código de Processo Civil;
39ª. - o que, expressamente, se requer;
40ª. - os juros devem ser contados, desde a data da citação até efectivo pagamento, quer em relação à indemnização dos valores fixados a título de danos patrimoniais, quer em relação aos valores fixados a título de compensação pelos danos de natureza não patrimonial;
41ª. - a Recorrente/Apelante, na sua petição inicial, pediu a condenação das três (03,00) Rés/Recorridas Companhia de Seguros “X SEGUROS, S.A.” /” SEGURADORAS K, S.A.”, COMPANHIA DE SEGUROS “Y, CIA SEGUROS Y , S.A.” e “Y PORTUGAL COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.”, solidariamente, além do mais, no pagamento dos juros moratórios, contados à taxa legal, desde a data da citação, até efectivo pagamento;
42ª. - por imperativo legal, devem ser fixados os juros moratórios, sobre as quantias relativas à indemnização/compensação fixada pelos danos de natureza não patrimonial, como em relação ás quantias relativas a indemnização por danos de natureza patrimonial, que se peticiona, no presente recurso, seja fixado pelo Tribunal de Recurso, não a partir da data da prolacção da sentença, em primeira instância, como o fez o Tribunal de Primeira Instância – Instância Central, Secção Cível, Juiz 1, de Viana do Castelo -, mas sim a partir da data da citação;
43ª. - com o merecido respeito, não poderá, em contrário, argumentar-se, que as indemnizações/compensações, fixadas pelo Tribunal Recorrido ou a fixar pelo Tribunal de Recurso, conforme ora peticionado, são actualizadaspressuposto de aplicação do Douto Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº. 4/2002 (D.R. de 27 de Junho de 2002 -, com referência à data da decisão, em Primeira Instância;
44ª. - por essa razão, não tem, nem pode ter, aplicação a doutrina estabelecida no Acórdão de Fixação de Jurisprudência, do Supremo Tribunal de Justiça nº. 4/2002, de 9 de Maio de 2002, publicado no Diário da República, Série I-A, de 27 de Junho de 2002;
45ª. - os juros devem, assim, ser contados, desde a data da citação, até efectivo pagamento, em relação a todas e a cada uma (1) das quantias indemnizatórias e compensatórias já fixadas ou a fixar pelo Tribunal Recorrido;
46ª. - por último, na parte decisória da sentença recorrida, o Tribunal de Primeira Instância condenou, solidariamente, as Rés – a três (03,00) Rés – a pagar solidariamente as quantias relativas às indemnizações fixadas ou a fixar em sede de recurso;
47ª. - relativamente aos juros moratórios, o Tribunal Recorrido condenou apenas “a Ré” (sem identificar qual das três Rés Demandadas nos presentes autos) e não as três (03,00) Rés;
48ª. - e não condenou, como devia condenar, de forma solidária, as três (03,00) Rés a pagar, à Autora, não só as quantias indemnizatórias já fixadas ou a fixar, incluindo em Incidentes de Liquidação, mas, também, os juros de mora contados sobre todas e cada uma das quantias indemnizatórias e compensatórias fixadas ou a fixar, a título de danos de natureza patrimonial e não patrimonial;
49ª. - o que, expressamente, se requer seja decidido na sequência das presentes alegações de recurso, no Acórdão a proferir nos presentes autos;
50ª. - decidindo de modo diverso, fez a sentença recorrida má aplicação do direito aos factos provados e violou, além de outras, as normas dos artigos 496º., nº. 1, 562º. e 564º., nºs. 1 e 2 e 805º., nºs. 1, 2 e 3, do Código Civil e 358º., nºs. 1 e 2 e 609º., nº. 2, do Código de Processo Civil;
51ª. – quanto ao restante que foi não posto em crise nas presentes alegações de recurso, deve manter-se o doutamente decidido pelo Tribunal de Primeira Instância – Juízo Central Cível, Juiz 1, de Viana do Castelo.

Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, interposto pela Autora/Recorrente C. M., revogando-se, em conformidade, a sentença recorrida e proferindo-se, em sua substituição, Douto Acórdão, que esteja em consonância com as conclusões supra-formuladas, com o que se fará J U S T I Ç A.

A ré SEGURADORAS K SA apresenta contra-alegações nas quais concluiu pela improcedência do recurso da autora.

Apresenta recurso subordinado indicando as seguintes, CONCLUSÕES:

-Foi expressamente invocado na contestação da ora recorrente que o acidente de viação em causa foi simultaneamente caraterizado e qualificado como acidente de trabalho, que tendo sido aceite pela recorrente também a esse título, gerou a favor da recorrente a correspondente pensão;
-Tal facto, sendo do conhecimento pessoal e direto da recorrente, considera-se essencial, dado que não são cumuláveis indemnizações de idêntica natureza, sob pena de gerar uma situação de enriquecimento sem causa. Nesse sentido, artº 9 nº 2 da Portaria nº 377/2008 de 26 de Maio, que expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos,
- Ora, na douta sentença, não há qualquer alusão a tal matéria, que é completamente omissa. Não faz parte, nem dos factos provados, nem dos factos não provados, conduzindo a nulidade prevista na alínea d) do artº 615 do C.P.C. que se invoca para todos os devidos e legais efeitos.
- Terá havido, inclusive despacho oficioso do douto Tribunal “a quo “junto do Tribunal do Trabalho de Viana do Castelo a fim de juntar aos autos a respetiva sentença, despacho que, todavia, a ora recorrente não consegue encontrar disponível no CITIUS.
- Paralelamente, considera-se o montante encontrado a título de danos patrimoniais futuros exagerados, já que apesar de considerar, e bem, a redução, com as despesas do próprio e um abatimento pela antecipação de capital, parte de uma operação estritamente aritmética, não considerando no cálculo a antecipação de capital, taxa de juros, pelo que deverá apontar para uma redução superior apontando desse modo para um valor mais equitativo.

Nestes Termos

E demais de direito que Vossas Excelências doutamente suprirão deverá ser totalmente negado provimento ao recurso interposto pela A. e em contrapartida ser dado provimento ao recurso subordinado, revogando-se a sentença proferida pelo Tribunal “a quo “em conformidade com o requerido, fazendo-se desse modo, verdadeira Justiça!

A autora pronuncia-se sobre o recurso subordinado apresentado pela ré defendendo que deve ser negado provimento ao mesmo
Os recursos foram recebidos como de apelação, com subida imediata e com efeito meramente devolutivo.

Foram colhidos os vistos legais.

Como resulta do disposto nos art.º 608.º, n.º 2, ex. vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, nºs 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex. officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

Consideradas as conclusões acima transcritas as questões a decidir no recurso que vamos apreciar por ordem de enquadramento lógico na decisão recorrida são as de saber:

a). Se a sentença é nula;
b) . Se o recurso da ré deve ser rejeitado no que à impugnação da matéria de facto se reporta;
c). Se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto na parte impugnada pela ré;
d). Se deve ser alterada a decisão jurídica mais concretamente
- Saber se cumpre proceder à alteração do quantum indemnizatório fixado a título de danos patrimoniais e não patrimoniais na sentença recorrida nos termos constantes das respetivas alegações das recorrentes.
- Saber se cumpre alterar a fixação do início da contagem dos respetivos juros de mora sobre a indemnização fixada a título de danos não patrimoniais, dentro da alternativa data da sentença ou data da citação.
- Saber se os juros devem ser pagos solidariamente pelas rés.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO

De facto

Na 1ª instância foram declarados provados e não provados os seguintes factos:

1. No dia 3 de Janeiro de 2016, pelas 05,20 horas, ocorreu um acidente de trânsito, na Carretera AP-1 (Burgos-Armiñon), ao quilómetro número 41,500, na localidade de Briviesca (Burgos), área de Burgos, Espanha: docºs. nºs. 1, 2, 3, 4 e 5.
2. Nesse acidente, foi interveniente o veículo automóvel pesado de mercadorias (XX), com reboque (XX), de matrícula XX/XX: docºs. nºs. 1, 2, 3, 4 e 5.
3. O veículo automóvel pesado de mercadorias (tractor), de matrícula XX, matriculado em Portugal, era propriedade da sociedade “W SOCIEDADE DE TRANSPORTES, S.A.”, com sede na Praceta … ALVERCA DO RIBATEJO, PORTUGAL: docºs. nºs. 1, 2, 3, 4, 5 e 6.
4. O reboque de matrícula XX, matriculado em Espanha, era propriedade da sociedade “P. TRAILER, S.A.”, com sede em Calle …, ESPANHA: docºs. nºs. 7 e 8.
5. Na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, o reboque de matrícula XX seguia atrelado e acoplado ao tractor de matrícula XX, ao serviço e por conta da sociedade propriedade deste veículo: “W SOCIEDADE DE TRANSPORTES, S.A.
6. E, na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, o conjunto composto pelo tractor de matrícula XX e pelo reboque de matrícula XX era conduzido por JOSÉ.
7. O JOSÉ era empregado da sociedade “W SOCIEDADE DE TRANSPORTES, S.A.”, desempenhando a profissão de motorista.
8. O JOSÉ conduzia o conjunto composto pelo veículo automóvel pesado de mercadorias (tractor) e respectivo reboque em cumprimento de ordens e instruções que a sua referida entidade patronal - “W SOCIEDADE DE TRANSPORTES, S.A.”, com sede na Praceta … ALVERCA DO RIBATEJO, PORTUGAL – lhe havia, previamente, transmitido.
9. Na altura do acidente de trânsito dos presentes autos, transportava uma carga de laranjas, com destino à Alemanha, ao serviço da sua referida entidade patronal.
10. E o JOSÉ seguia, também, por um itinerário que a sua referida entidade patronal - “W SOCIEDADE DE TRANSPORTES, S.A.”, com sede na Praceta … ALVERCA DO RIBATEJO, PORTUGAL – lhe havia, previamente, determinado, dentro do seu horário de trabalho, no desenvolvimento do escopo social da sociedade “W SOCIEDADE DE TRANSPORTES, S.A.” – transporte internacional, com fins lucrativos, de mercadorias.
11. A Carretera AP-1 (Burgos-Armiñon), no local do sinistro que deu origem à presente acção, configura um traçado curvilíneo, muito suave, longo, largo e disfarçado, descrito para o seu lado direito, tendo em conta o sentido Burgos-Armiñon.
12. Essa curva – muito longa, larga e disfarçada – proporciona uma ampla visibilidade, ao longo da Carretera AP-1 (Burgos-Armiñon), para quem circula no sentido Burgos-Armiñon, pois, durante o dia, permite avistar-se a sua faixa de rodagem, e as suas bermas, em toda a sua largura, ao longo de uma distância superior a quinhentos (500,00) metros.
13. Para quem circula pela AP-1, no sentido Burgos-Armiñon, durante a noite, consegue avistar-se a sua faixa de rodagem e as suas bermas asfálticas, em toda a sua largura, ao longo de uma extensão superior a cem (100,00) metros.
14. A faixa de rodagem da Carretera AP-1(Burgos-Armiñon), no local do sinistro dos presentes autos encontra-se dividida em duas pistas de tráfego, através de um separador central: uma das referidas pistas de tráfego destina-se ao trânsito de veículos automóveis que desenvolvem a sua marcha no sentido Burgos-Armiñon; a outra dessas pistas de tráfego destina-se ao trânsito de veículos automóveis que desenvolvem a sua marcha no sentido Armiñon-Burgos.
15. A faixa de rodagem da sua pista de tráfego, destinada ao trânsito de veículos automóveis que desenvolvem a sua marcha no sentido Burgos-Armiñon, tem uma largura útil de 07,40 metros, e encontrava-se dividida ao meio, em dois corredores de trânsito, através de uma linha, pintada a cor branca, com soluções de continuidade: Linha Descontínua – Marca M2.
16. Cada um desses dois (02,00) corredores de trânsito – resultante da supra-referida subdivisão - tem uma largura de 03,70 metros.
17. O piso da faixa de rodagem da Carretera AP-1 (Burgos-Armiñon) e, portanto, também, o piso de toda a faixa de rodagem da sua pista de tráfego destinada ao trânsito de veículos automóveis que desenvolvem a sua marcha no sentido Burgos-Armiñon, era pavimentado a asfalto, encontrava-se limpo e em bom estado de conservação.
18. O tempo estava chuvoso.
19. Na altura da ocorrência do acidente de trânsito era noite.
20. Nem no local da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, nem antes de lá chegar, para quem circula em qualquer dos seus dois (02,00) sentido de marcha, existiam, na Carretera AP-1, quaisquer candeeiros da iluminação pública, ou quaisquer outros.
21. Pela sua margem direita, tendo em conta o sentido Burgos-Armiñon, a faixa de rodagem apresentava uma berma, também pavimentada a asfalto, com uma largura de 02,50 metros.
22. A marginar essa berma do lado direito existiam rails metálicos de protecção.
23. Pelo lado exterior a esses rails de protecção metálicos, existia e existe um desnível, em profundidade, com uma altura superior a nove (09,00) metros, correspondente a um caminho, pavimentado a terra batida, que cruza por debaixo da Carretera AP-1, através de um viaduto, por forma a configurar, com aquela via (Carretera AP-1), um ângulo recto.
24. A ladear o aludido caminho existiam taludes, em terra, em perfil oblíquo, para o lado exterior do referido caminho térreo, com uma altura superior a nove (09,00) metros.
25. A velocidade máxima legal permitida na Carretera AP1 – Burgos-Armiñon – é de cento e vinte (120,00) quilómetros por hora.
26. A velocidade máxima permitida para o veículo automóvel pesado de mercadorias, com reboque, de matrícula XX/XX, é de noventa (90,00) quilómetros por hora: artigo 48º., do Regulamento General de Circulación (Espanhol).
27. Nas circunstâncias de tempo e lugar supra descritas, JOSÉ conduzia o veículo automóvel pesado de mercadorias, com reboque, de matrícula XX/XX transitava pela Carretera AP-1, no sentido Burgos-Armiñon.
28. Inicialmente, desenvolvia a sua marcha sobre o corredor de tráfego situado mais à direita faixa de rodagem da sua pista de tráfego, sobre o corredor de tráfego situado junto à linha delimitativa da berma do lado direito da AP-1, tendo em conta o sentido Burgos-Armiñon.
29. O JOSÉ, antes da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, havia ingerido bebidas alcoólicas em excesso, pois, logo após a ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, foi-lhe efectuada colheita de sangue para análise da taxa de alcoolemia, e foi-lhe detectada uma taxa de alcoolemia de 1,45 (1,29 g/kg) gramas por litro de sangue:doc.
nº. 5
30. A taxa de 1,45 gramas por litro de sangue diminuía os reflexos, ao JOSÉ:doc. nº. 5-A, diminuía-lhe o seu campo periférico de visão, a sua acuidade visual, bem como a faculdade de domínio do veículo automóvel pesado de mercadorias, com reboque, que conduzia.
31. A determinada altura, o condutor do veículo automóvel pesado de mercadorias, com reboque XX/XX perdeu o domínio e o controlo do veículo que tripulava, não travou, não reduziu a velocidade, e ao chegar ao quilómetro número 41,500 da supra-referida via entrou em total despiste e absoluto descontrolo: inflectiu para o seu lado direito, saiu para fora do corredor de tráfego situado mais à direita da faixa de rodagem, invadiu a berma asfáltica, embateu contra os rails de protecção metálicos, destruindo-os, após o que se despenhou no desnível, superior a nove (09,00) metros, delimitado pelo caminho em terra batida supra descrito em 1.23., e foi embater de forma violenta, contra o talude, em terra, que margina o referido caminho, incendiando-se (ardeu e foi consumido e calcinado pelas chamas).
32. Na altura da ocorrência do acidente de trânsito seguia, como passageiro, sentado no assento da frente, no veículo automóvel pesado de mercadorias A. C. -, vítima mortal do acidente.
33. COMO CONSEQUÊNCIA DIRECTA E NECESSÁRIA DO ACIDENTE, resultaram, para o referido A. C., lesões corporais de extrema gravidade, nomeadamente politraumatismo, queimado, carbonizado e calcinado pelo fogo resultante do incêndio do veículo automóvel pesado de mercadorias.
34. A vítima A. C. contava, à data da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, trinta e sete (37,00) anos de idade, pois nasceu no dia 1 de Agosto de
35. A vítima A. C. faleceu no estado de casado com a Autora C. M. (com quem havia casado catolicamente, no dia 27 de Dezembro de 2003: docºs. nºs. 14, 15, 16, 17 e 18), e não deixou quaisquer descendentes, não tinha efectuado testamento, ou qualquer outra disposição de última vontade e deixou como ascendente a sua mãe, Maria.
36. Era uma pessoa saudável, alegre e bem-disposta, mantendo são relacionamento conjugal com a sua esposa C. M., ora Autora: ao longo da sua vida matrimonial, sempre se haviam mantido unidos, sendo o amparo moral e afectivo um do outro.
37. A morte do marido causou à Autora um profundo desgosto e tristeza que ainda perdura até aos dias de hoje.
38. A Autora C. M. contava, à data do sinistro, trinta e cinco (35,00) anos de idade, pois nasceu no dia 17 de Julho de 1980:doc. nº. 17.
39. A vítima A. C. exercia a profissão de motorista de veículo automóveis pesados de mercadorias, em serviços internacionais.
40. Havia concluído, no dia 7 de Fevereiro de 2014, o Curso de Formação Contínua de Veículos Automóveis Pesados de Mercadorias, na Escola de Condução “VM”, com sede em 0…: docºs. nºs. 19 e 20.
41. Havia exercido a profissão de motorista de veículo automóveis pesados de mercadorias, em serviço internacional, até ao dia 1 de Novembro de 2015, por conta da sociedade “DT TRANSPORTES RODOVIÁRIOS DE MERCADORIAS, LDA.”:docºs. nºs. 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40 e 41.
42. A partir dessa data – 1 de Novembro de 2015 -, precedendo Acordo de Cessão de Posição Contratual, passou a exercer a sua referida profissão de motorista de veículo automóveis pesados de mercadorias, de serviço internacional, por conta da sociedade “W – SOCIEDADE DE TRANSPORTES, LDA.”.
43. E auferia o rendimento médio líquido mensal do seu trabalho de €1.176,00 (docs. 42 a 56 – fls. 110 a 117), que destinava todo ao agregado familiar que compunha com a A..
44. Além disso, a Autora C. M. despendeu com o funeral e serviços fúnebres, o montante de 300,00 €, tendo sido os restantes custos suportados pela co-ré X.
45. Despendeu as seguintes quantias com a deslocação do irmão da vítima A. C. – C. B. -, a Burgos, Espanha, para fins de realização do exame de ADN, para identificação do cadáver: a) combustível (gasóleo) para o veículo automóvel 116,67 €; b) portagens, nas autoestradas nacionais e espanholas 20,40€; c) refeições 80,00 €; d) 1 dormida – Hotel R 50,00 €, no total de 267,07 €: docºs. nºs. 63, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71 e 72.
46. A Autora viu toda a roupa que o seu marido vestia, na altura do acidente e objectos de uso pessoal, que usava, completamente danificados e inutilizados, de valor não concretamente apurado.
47. A Autora viu o saco de viagem que o seu marido levava consigo, com peças de vestuário, calçado de substituição e utensílios de higiene pessoal, totalmente queimado e calcinado, de valor não concretamente apurado.
48. Para COMPANHIA DE SEGUROS “X SEGUROS, S.A.” estava transferida a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo veículo automóvel XX, através de contrato de seguro, válido e eficaz, titulado pela apólice nº. 9002157443, em vigor à data da ocorrência do sinistro que deu origem aos presentes autos: docºs. nºs. 5 e 74.
49. Para a COMPANHIA DE SEGUROS “Y, CIA SEGUROS Y , S.A.” – estava transferida a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo reboque/atrelado de matrícula XX, também identificado nos autos como causados do acidente, através de contrato de seguro, válido e eficaz, titulado pela apólice nº. ..., em vigor à data da deflagração do sinistro que deu origem aos presentes autos: doc. nº. 5.
50. A terceira Ré – COMPANHIA DE SEGUROS “Y PORTUGAL COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” - é a representante para sinistros, em Portugal, da segunda Ré COMPANHIA DE SEGUROS “Y, CIA SEGUROS Y , S.A.”, com sede em Espanha: docºs. nºs. 75, 76, 77, 78 e 79.
51. Além disso a terceira Ré era e é a CORRESPONDENTE, REPRESENTANTE e AGENTE, em Portugal, da segunda Ré COMPANHIA DE SEGUROS “Y, CIA SEGUROS Y, S.A.”: docºs. nºs. 75, 76, 77, 78, 79 e 80.
52. Por esta Seguradora, segunda Ré, encarregada de, precedendo prévio acordo entre elas celebrado, regularizar, em Portugal, todos os sinistros da responsabilidade dos seus segurados: docºs. nºs. 75, 76, 77, 78, 79 e 80.
53. E, no desempenho dessa sua qualidade de CORRESPONDENTE, REPRESENTANTE e AGENTE, em Portugal, da primeira Ré, a segunda (2ª.) Ré estabeleceu todos contactos com os mandatários da Autora: docºs. nºs. 75, 76, 77, 78, 79 e 80.
54. O veículo automóvel pesado de mercadorias (tractor) de matrícula XX é português, e encontrava-se, à data da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, como se encontra, na presente data, registado na Conservatória do Registo Automóvel, ou seja, em Portugal: docºs. nºs. 5, 6 e 74.
55. Por outro lado, a sociedade proprietária do veículo pesado de mercadorias (tractor) de matrícula XX tem a sua sede em Portugal: docºs. nºs. 6, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52,53, 54, 55, 56 e 74.
56. O condutor do conjunto composto pelo veículo automóvel pesado de mercadorias (tractor) matrícula MQ, com reboque, de matrícula XX – JOSÉ - é, também, de nacionalidade portuguesa e tinha a sua residência e Portugal.
57. O contrato de seguro, através do qual se encontrava transferida a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo veículo automóvel pesado de mercadorias (tractor) de matrícula MQ, (também) causador do acidente, foi celebrado em Portugal, com a Ré Companhia de Seguros “X SEGUROS, S.A.”, a qual tem, também, a sua sede em Portugal: Largo d…: docºs. nºs. 5 e 74.
58. E a Autora – C. M. - sempre residiu, como reside, ainda, em Portugal, onde sempre se manteve, como ainda se mantém, na presente data.
59. A vítima – A. C. - foi transportado de ambulância para o Instituto de Medicina Legal y Ciências Forenses de Ávila, Burgos, Espanha (docºs. nºs. 9, 10, 11, 12 e 13), onde chegou sem vida, pois morreu, no local do sinistro, por via do politraumatismo sofrido e queimado, carbonizado e calcinado pelo fogo: docºs. nºs. 9, 10, 11, 12, 13 e 14 e 15, e onde foi autopsiado: docºs. nºs. 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 15.
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2. Factos Não Provados.

2.1. O JOSÉ imprimia ao veículo automóvel pesado de mercadorias, com reboque, de matrícula XX/XX, uma velocidade excessiva, superior a cento e vinte (120,00) quilómetros por hora.
2.2. No momento do acidente e nos instantes que o precederam, a vítima A. C. sofreu um grande susto, perante a iminência do acidente e da sua incapacidade e impossibilidade de lhe escapar.
2.3. Teve, também, plena consciência de que, em consequência do acidente que estava iminente, lhe poderiam advir lesões muito graves e de que as mesmas eram susceptíveis de lhe causar a morte.
2.4. E a Autora viu, ainda, destruídos, queimados e calcinados os seguintes bens, de que o seu falecido marido se fazia acompanhar: 1 mala de computador; 1 computador portátil HP; 2 tablets Samsung; 1 GPS Garmin; 1 telemóvel Samsung; 1 telemóvel Huaawei; no valor global de 2.450,00 €.
2.5. A vítima A. C. sabia que o condutor do veículo automóvel pesado de mercadorias, onde seguia como passageiro, era portador de uma TAS de 1/45 g/l e que conduzia em estado de cansaço extremo;
sabia que o colega havia ingerido bebidas alcoólicas e que não tinha descansado, estando na posse de toda a informações e condições para o ter substituído.
2.6. A vítima A. C. podia ter substituído o colega no acto de condução.
2.7. A A. peticionou igualmente indemnização na sequência da morte do marido, no âmbito de processo que instaurou no Tribunal de Trabalho.
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De Direito

A) Nulidade da sentença

A ré invoca a nulidade prevista na al d) do artº 615º do CPC apresentando os seguintes fundamentos:

-Foi expressamente invocado na contestação da ora recorrente que o acidente de viação em causa foi simultaneamente caraterizado e qualificado como acidente de trabalho, que tendo sido aceite pela recorrente também a esse título, gerou a favor da recorrente a correspondente pensão;
-Tal facto, sendo do conhecimento pessoal e direto da recorrente, considera-se essencial, dado que não são cumuláveis indemnizações de idêntica natureza, sob pena de gerar uma situação de enriquecimento sem causa. Nesse sentido, artº 9 nº 2 da Portaria nº 377/2008 de 26 de Maio, que expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos,
- Ora, na douta sentença, não há qualquer alusão a tal matéria, que é completamente omissa. Não faz parte, nem dos factos provados, nem dos factos não provados, conduzindo a nulidade prevista na alínea d) do artº 615 do C.P.C. que se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

Apreciando:

As causas de nulidade da sentença vêm enumeradas no n.º 1 do art.º 615.º do C.P.C. e, ressalvado o respeito devido, não encontramos a invocada nulidade.
Concordando-se ou não com eles, os fundamentos de facto e de direito em que se baseou a decisão estão claramente especificados na sentença, não havendo contradição entre esta e aqueles, e não encontramos ambiguidade ou obscuridade de uns e outros ou da decisão que afectem a sua inteligibilidade.
Ademais da motivação relativamente à decisão da matéria de facto resulta que a mesma existe e que o tribunal a quo apreciou a prova produzida, analisou-a e valorou-a.

Talqualmente resulta da decisão que o tribunal recorrido apreciou as questões suscitadas e proferiu decisão, nomeadamente no ponto 2.7 dos FNP resulta que o tribunal deu como não provado que “A A. peticionou igualmente indemnização na sequência da morte do marido, no âmbito de processo que instaurou no Tribunal de Trabalho”.

Na fundamentação da decisão sobre os factos não provados considerou o tribunal não ter sido feita prova suficiente e segura sobre os mesmos.
Questão diversa é a de saber se a decisão se mostra acertada ou errada, questão essa que nada tem a ver com as nulidades da sentença que a lei prevê.
**
B) Rejeição do recurso da ré no referente à impugnação da matéria de facto.

Na motivação e não nas conclusões a ré/recorrente em duas situações refere-se à errada valoração dos factos.

Para a apreciação destas referências importa ter presente que estando em causa a impugnação da matéria de facto, obrigatoriamente e sob pena de rejeição deve o recorrente especificar (vide artigo 640º n.º 1 do CPC):

a). Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b). Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c). A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

No caso de prova gravada, incumbindo ainda ao recorrente [vide n.º 2 al. a) deste artigo 640º] “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

Sendo ainda ónus do recorrente apresentar a sua alegação e concluir de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – artigo 639º n.º 1 do CPC - na certeza de que as conclusões têm a função de delimitar o objecto do recurso conforme se extrai do n.º 3 do artigo 635º do CPC.

Assim e sem prejuízo das situações de conhecimento oficioso que impõem ao tribunal da Relação, perante a violação de normas imperativas, proceder a modificações na matéria de facto, estão estas dependentes da iniciativa da parte interessada tal como resulta deste citado artigo 640º do CPC.

Motivo por que e tal como refere António S. Geraldes(1) “à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como de se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respetivas alegações que servem para circunscrever o objeto do recuso. Assim o determina o princípio do dispositivo (…)”.

Tendo presentes estes considerandos e revertendo ao caso concreto, é possível extrair das conclusões de recurso que a recorrente não cumpriu os ónus impostos pelo artigo 640º do CPC, consequentemente e também porque não se constata a violação de normas imperativas não vamos reapreciar a decisão relativa à matéria de facto.

Acresce dizer que considerando a orientação que seguimos - a responsabilidade primacial e definitiva é a que incide sobre o responsável civil, quer com fundamento na culpa, quer com base no risco, assumindo, assim, a responsabilidade da entidade patronal ou da respectiva segurador caracter subsidiário ou transitório. Consequentemente não é permitido ao responsável civil opor ao lesado/sinistrado, como verdadeira excepção peremptória, o anterior pagamento de indemnização laboral, reportada precisamente aos mesmos danos que suportam a pretensão indemnizatória formulada na acção que visa a efectivação da responsabilidade civil extracontratual (2) - é desprovido de qualquer relevo considerar apurar-se a factualidade descrita na conclusão 1ª do recurso subordinado.
**
C). Se merece censura o que foi decidido quanto às parcelas indemnizatórias objecto do recurso principal e do recurso subordinado.

Será, pois, em função da matéria de facto provada, nos termos acima reproduzidos, que devem ser decididas as questões suscitadas, relativas ao valor da indemnização.

Questiona a autora os seguintes aspectos:

- a não verificação e indemnização do dano moral- intercalar - sofrido pela vitima A. C.;
- o valor fixado a titulo de danos de natureza não patrimonial:
- o valor fixado a titulo de danos futuros/lucros cessantes;
- a não fixação/relegação para liquidação do valor dos bens referidos nos itens 1.46 e 1.47 e atribuição da respectiva indemnização com juros desde a citação;
- O valor dos juros fixados que devem ser fixados em relação aos valores de todas as indemnizações desde a citação.
- A responsabilidade solidária das rés pelo pagamento dos juros.

Questiona a ré o seguinte:

- o valor fixado a titulo de danos patrimoniais futuros;

Apreciando

●. Da indemnização dos danos morais da vítima (antes de falecer):

Quanto a este dano, pede a Autora a fixação em € 20.000,00 dos danos morais próprios do seu falecido marido alegando para o efeito na petição inicial que no momento do acidente e nos instantes que o precederam, a vítima A. C. sofreu um grande susto, perante a iminência do acidente e da sua incapacidade e impossibilidade de lhe escapar.


Teve, também, plena consciência de que, em consequência do acidente que estava iminente, lhe poderiam advir lesões muito graves e de que as mesmas eram susceptíveis de lhe causar a morte.

Trata-se do denominado dano pré-morte, no qual estão em causa os padecimentos sofridos pela vítima antes da sua morte, expressamente contemplados no segundo segmento do n.º 4 do art.º 496.º do C. Civil. E de acordo com o disposto na 2ª parte do nº 4 do artº 496° do CC, o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores.

É um direito próprio da vítima que se transmite, por via sucessória, para as pessoas referidas no número 2 do artigo 496° do CC.

Reportando-nos ao caso em concreto, e sem menosprezar o dano em apreço constata-se que a factualidade alegada pela recorrente para fundamentar este seu pedido indemnizatório consta dos factos não provados. Por sua vez do elenco dos factos provados não existe nenhum que permita apontar para a consciência prévia do acidente bem como para uma eventual consciência do sofrimento físico ou psicológico prévio ao óbito.

A fundamentar a decisão factual em apreço baseou-se o tribunal no depoimento médico que “concluiu tratar-se de uma morte rápida, pelo impacto gravíssimo que provocou o politraumatismo, crendo que a morte foi fulminante”.

No que se reporta à argumentação da recorrente quanto ao significado da morte numa sociedade de cultura e pensamento judaico cristão considera-se que é irrelevante para a decisão e avaliação do dano em causa uma vez que não se trata de um dano de compensação automática baseado em crenças e princípios gerais, mas antes dano no qual estão em causa os padecimentos efectivamente sofridos pela vitima que resultam provados.

Ora não tendo sido apurados sofrimentos concretos considera-se correcta a decisão do Tribunal recorrido quanto a esta questão especifica, quanto a não ser arbitrado nenhum montante a esse título, decisão que por tal e por adequada apreciação da prova e correspondente fundamentação, será de manter na íntegra.
*
●. Do valor fixado a titulo de danos de natureza não patrimonial:

Tendo presente o substrato factual (3) que permite a pretendida reavaliação, importa convocar os critérios que balizam esta pretensão indemnizatória.

Nos danos não patrimoniais – aqueles que afectam bens da personalidade, insusceptíveis de avaliação pecuniária ou medida monetária – mais do que uma verdadeira indemnização é antes a reparação do dano que se visa alcançar.

Na fixação do quantum indemnizatório, e tal como decorre do disposto no artigo 496º nº 4 do CC, há que recorrer a critérios de equidade, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º.

Deste normativo resultam especificadas o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, bem como as “demais circunstâncias do caso”, entre as quais naturalmente há que atender desde logo à gravidade do dano e à necessidade de o valor a arbitrar proporcionar ao lesado uma adequada compensação pelos padecimentos por este suportados.

Desta ponderação da culpa e situação do lesante bem como do lesado se extrai uma dupla funcionalidade desta indemnização: sancionatória e reparadora - cf. neste sentido Ac. TRP de 08/10/2002, Relator Marques Castilho in www.dgsi.pt/jtrp e Ac. STJ de 21/04/2010, Relatora Isabel Pais Martins, in www.dgsi.pt/jstj e ainda Ac. STJ 23/02/2012, in http://www.dgsi.pt/jstj.pt, Relatora Isabel Pais Martins onde se explica “embora o dinheiro e as dores morais sejam grandezas heterogéneas, a prestação pecuniária a cargo do lesante, além de constituir para este uma sanção adequada, pode contribuir para atenuar, minorar e de algum modo compensar os danos sofridos pelo lesado.

Mais importa ter presente o reiterado entendimento jurisprudencial de que a fixação de um quantum indemnizatório nestes casos com recurso ao juízo de equidade porque assente na ponderação das circunstâncias apuradas e relevantes de cada caso concreto e não em razões estritamente normativas, apenas deverá ser alterado quando evidencie desrespeito pelas normas que justificam o recurso à equidade ou se mostre em flagrante divergência com os padrões jurisprudenciais sedimentados e aplicados em casos similares.

Assim foi decidido no Ac. do STJ de 04/06/2015, Relatora Maria dos P. Beleza e reafirmado no recente Ac. STJ de 22/02/2017, Relator Lopes do Rego in www.dgsi.pt/jstj, onde se pode ler que tal juízo de equidade porque ““alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, (…) deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adotado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adotados, numa jurisprudência evolutiva e atualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade adoção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e, em última análise, o princípio da igualdade.” .

Atentando-se, ainda, que a jurisprudência do nosso STJ, em matéria de danos não patrimoniais tem evoluído no sentido de considerar que a respectiva compensação deve constituir um lenitivo para os danos suportados, não devendo, assim, ser miserabilista. Devendo, para responder actualizadamente ao comando do art. 496°, constituir uma efectiva possibilidade compensatória, devendo ser significativa, desse modo viabili­zando uma compensação para os danos suportados e a suportar, já que os mesmos, necessariamente, se irão prolongar no tempo. - Cf., entre outros, os de 17.1.2008, proc. 07B4538 e de 29.1.2008, proc. 07A4492 e Ac datado de 28,02 .2013 e relatado pelo Dr. Lopes do Rego in www.dgsi.pt; mas também tem que ser justificada e equilibrada, não podendo constituir um enriquecimento abusivo e imoral.

Assim, a apreciação da gravidade do dano, embora tenha de assentar no circunstancialismo concreto envolvente, deve operar sob um critério objectivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjectividade inerente a alguma particular sensibilidade humana, e a fixação da indemnização deve orientar-se em harmonia com os padrões de cálculo adoptados pela jurisprudência mais recente, de modo a salvaguardar as exigências da igualdade no tratamento do caso análogo, uniformizando critérios, o que não é incompatível com o exame das circunstâncias de cada caso.

São de ponderar circunstâncias várias, como a natureza e grau das lesões, suas sequelas físicas e psíquicas, as intervenções cirúrgicas eventualmente sofridas e o grau de risco inerente, os internamentos e a sua duração, o quantum doloris, o dano estético, o período de doença, situação anterior e posterior da vítima em termos de afirmação social, apresentação e autoestima, alegria de viver, a idade, a esperança de vida e perspetivas para o futuro, entre outras a que acresce, como vimos, o dano biológico na vertente enunciada.

Merecendo ser ainda destacados, nos parâmetros gerais a ter em conta, a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico mais alargado correspondente á União Europeia e o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito á integridade física e á qualidade de vida.

Analisando comparativamente a jurisprudência, como critério orientador, temos que, para compensação dos danos sofridos pelos familiares:

- No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.01.2003, disponível em www.dgsi.pt
- No acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 13.01.2011, disponível em www.dgsi.pt
- No acórdão do mesmo tribunal de 03.12.2009, disponível em www.dgsi.pt
_. No acórdão da mesma Relação de 27.01.2011, disponível em www.dgsi.pt.e no
- No acórdão desta Relação proferido no processo nº 2876/14.5 T8BGR com data de 23.11.2017 disponível in www.dgsi.pt :

No que se refere aos danos sofridos pelos familiares, foram fixados os seguintes valores indemnizatórios: € 20.000,00 para a esposa e filha da vítima; € 20.000 para a esposa e € 30.000,00 para a filha da vítima; € 20.000,00 para a mãe da vítima; e € 17.500 para a viúva e € 2.750,00 para cada um dos filhos e € 20.000,00 para a A. viúva e para € 15.000,00 para a filha do falecido.

Ponderado o exposto concluímos que, a indemnização arbitrada a título de danos não patrimoniais/morais alcançou o ponto de equilíbrio a que acima se aludiu e deve ser mantida.
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●. Do valor fixado a titulo de danos patrimoniais/danos futuros

Não se questiona ser o titular do direito violado quem tem direito á indemnização, não se radicando esta, em princípio, em terceiros, mesmo que reflexamente prejudicados pela conduta do lesante – art. 483º, nº 1, A. Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, p. 615, A. Costa, Direito das Obrigações, p. 399, Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, vol. I, p. 378 e Rodrigues Bastos, Notas ao CC, vol. II, p. 293.

Pelo que, em caso de morte do lesado – pelo menos no caso desta concomitante com o evento – e sabido que com a mesma cessa a personalidade do de cujos (art. 68º, nº 1, embora se possa admitir, em casos específicos que ora não relevam, um certo prolongamento da personalidade depois da morte [Rodrigues Bastos, ob. cit., vol. I, p. 111]) e assim, também em princípio, a sua capacidade de adquirir direitos, entendeu o legislador civil intervir para assim dissipar dúvidas que a tal respeito legitimamente se pudessem colocar.

Pois, ou o direito à indemnização por banda de terceiros se poderia verificar por via do fenómeno sucessório ou, então, em virtude da atribuição aos mesmos de um direito próprio.

Tendo sido longa a polémica doutrinal – cf., a propósito, explanação efectuada na fundamentação do acórdão deste STJ de 7/10/2003, in www.dgsi.pt (Pº 03A2692) e Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, vol. I, p. 297 - que a respeito se gerou na elaboração do actual Código Civil, defendendo Vaz Serra a tese sucessória e A. Varela a do direito próprio de terceiros, acabou por vingar, ao que se julga, a posição por este perfilhada – cf., ainda, Ac. do STJ de 29/1/2008, in www.dgsi.pt (Pº 07B4397).

Sempre sendo, porem, de entender que só excepcionalmente é que o falado direito de indemnização cabe a terceiros, assim sucedendo nos casos previstos nos artºs 495º (danos patrimoniais) e 496º (danos não patrimoniais) – cf. autores e obras atrás citadas, a propósito de tal direito não se radicar nestes, em princípio.

Segundo Antunes Varela, Direito da Família, volume I, 5.ª edição, Fevereiro de 1999, Livraria Petrony, págs. 27 (nota 3), 29 (nota 2) e 32, o n.º 3 do artigo 495.º compreende entre as pessoas a quem alguém prestava alimentos no cumprimento de uma obrigação natural, a pessoa que com outrem vive em união de facto, esclarecendo que esse direito não nasce da herança do lesado, mas sim do dever imposto por lei ao lesante, à margem dos direitos sucessórios.

Trata-se de danos patrimoniais, porque têm a ver com a subsistência económica-financeira dos familiares sobrevivos do falecido, dele dependentes, como o cônjuge, ou companheiro/a, e aqui, indiferentemente da existência de filhos, de uns ou outros, e necessariamente futuros, porque projectados para além da morte de quem os prestava, no âmbito de uma relação familiar, ou de união de facto, seja ao cônjuge, ou ao (à) companheiro/a, sendo que, tal como no casamento, também na união de facto, podem ser gerados filhos.
Em causa no caso sujeito à nossa apreciação está apenas a fixação do montante indemnizatório pelo dano patrimonial futuro, na perspectiva de perda de alimentos, e não de lucros cessantes.

De efeito a pretensão ressarcitória deduzida em concreto pela autora/recorrente consta dos artigos 150 a 173 do articulado peticional, baseando-se no facto de viver com a vítima, há 18/19 anos, em plena comunhão de cama e mesa, como marido e mulher, sendo o falecido o sustento do casal, contribuindo com a totalidade do seu rendimento para as despesas familiares, dependendo ela completamente do falecido, começando a enfrentar dificuldades económicas a partir da morte da vítima.

Reporta a autora no artigo 169 da petição o artigo 495º do C. Civilº, para declarar no artº 170 que por virtude da morte do A. C. advieram para a Autora C. M. elevados danos de natureza patrimonial consubstanciados naquela perda de rendimentos (alimentos).

Face à alegação/convocação do direito aplicável assim engendrada, temos a invocação de um crédito de indemnização, estando-se perante a dedução de pedido de indemnização por danos patrimoniais, futuros, previsíveis, com fundamento num direito de indemnização de danos patrimoniais, na perspectiva de perda de alimentos.

E sendo a autora casada com o falecido, importa ter presente que os cônjuges estão reciprocamente obrigados ao dever de assistência (art. 1672º do C.C.), o qual compreende, quer a obrigação de prestar alimentos (que se aplica caso estejam separados), quer a obrigação de contribuir para os encargos da vida familiar (que se aplicam caso vivam juntos) (art. 1675º nº 1, 1676º do C.C.).

Quando uma relação matrimonial cessa abruptamente devido à morte do cônjuge em consequência de acidente de viação exclusivamente imputável a terceiro, ocorre uma involuntária quebra do dever de assistência pelo que é de imputar o dano patrimonial futuro ao lesante ou à seguradora nos termos do art. 495º nº 3 do C.C.

Como se referiu, relativamente a esta norma, no Ac. STJ, de 3.11.2016, publicado in dgsi, aí se consagra uma excepção ao princípio geral de que só ao titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado assiste direito a indemnização, aí se abrangendo terceiros só reflexamente prejudicados com o evento danoso, especificando-se que, contudo, esse direito não é de atribuição directa e automática as pessoas indicadas nesse normativo.

Só existirá se (e na medida em que) for demonstrada a facticidade em que necessariamente terá que assentar. - Neste sentido acórdão desta Relação datado de 10.07.2018 proferido no processo nº 1649/14.0 T8 VCT-G1 (relatora Dra. Maria dos Anjos Nogueira).

E, a esse propósito, como bem salienta a recorrente nada se demonstrou sobre a eventual dependência da mãe do falecido dos rendimentos daquele, pelo que nada deve receber a este titulo.

No que se reporta ao montante fixado nesta sede cumpre referir que enquadrando-se embora o direito à indemnização pela perda do rendimento do trabalho do lesado falecido na previsão do nº 3 do artº 495º, tem-se entendido que o cálculo do seu montante não deve ser feito segundo as regras do direito a alimentos, mas sim com recurso à equidade.

Na formulação de um juízo de equidade, deve o juiz atender aos factores que resultem da factualidade provada, fazendo prevalecer as razões de conveniência e de oportunidade sobre os critérios normativos fixados na lei.


Como se lê no Ac. do STJ de 06.07.00 disponível in dg si na atribuição da indemnização pela perda de rendimento do trabalho decorrente de incapacidade, o julgamento da equidade, como processo de acomodação dos valores legais às características do caso concreto, não pode prescindir do que é normal acontecer no que se refere à duração da vida, à progressão profissional do lesado e finalmente à flutuação do dinheiro quando perspectivado um período correspondente ao da vida provável do lesado.

Com vista a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento lesivo (cf. artº 562º), consagrou-se jurisprudencialmente um critério que se exprime da seguinte maneira: a indemnização em dinheiro do dano futuro de incapacidade permanente corresponde a um capital produtor do rendimento que a vítima não irá auferir, capital esse que se extinga no final do período provável da sua vida.

É no cálculo de semelhante capital que a equidade intervém, pois há que assentar no tempo provável de vida da vítima, na diferença que, em cada época futura, existira entre o rendimento auferido e o que auferiria se não fosse a lesão e no valor da unidade monetária em que a indemnização se irá exprimir. Finalmente, no caso de a indemnização ser atribuída a terceiro há que atender ainda ao dispêndio relativo a actividades próprias.

Se a equidade é precisamente a justiça do caso concreto, independente das normas gerais e abstractas eventualmente aplicáveis, seria contrário à mesma vincular o julgador ao uso de cálculos matemáticos que são parte integrante de normas gerais e abstractas.

No entanto, equidade não significa arbitrariedade: para julgar equitativamente, é necessário que se tenham provado certos limites, que balizem a decisão (artº 566º, nº 3). O disposto neste normativo não dispensa o lesado de alegar e provar os factos que revelem a existência de danos e permitam a sua avaliação segundo um juízo de equidade.

Alguma jurisprudência nos termos defendidos pela recorrida neste processo tem-se socorrido do recurso a cálculos de natureza matemática, designadamente com recurso às tabelas para formação de rendas vitalícias; tabelas correspondentes a acidentes de trabalho e remição de pensões, tabelas financeiras para a determinação de uma renda periódica correspondente a um juro legal de 4%, ou outro, ou os juros passivos da banca comercial, ou ainda tabelas usadas para a avaliação do direito de usufruto, nos termos também defendidos pela ré seguradora no seu recurso subordinados.

Entendemos, porém, que, sem prejuízo do relevo que sempre assumem as usuais tabelas de matemáticas de cálculo do aludido capital – enquanto instrumentos suscetíveis de introduzir uma base objetiva no valor indemnizatório a arbitrar, reduzindo, pois, “ligeirezas decisórias” ou “involuntários subjectivismos” –, o valor alcançado através de tais tabelas sempre terá de ser temperado através do recurso à equidade, que desempenha um papel corretor e de adequação do montante indemnizatório às circunstâncias específicas e à justiça do caso concreto.

De facto, como é também lição da jurisprudência, o recurso a fórmulas matemáticas (sejam elas do método de cálculo financeiro, da capitalização de rendimentos ou outras) é meramente indiciário, não podendo o julgador desvincular-se dos critérios constantes do art. 566º, mormente do seu n.º 3, que impõe que, se o tribunal não estiver em condições de averiguar o montante exato dos danos deve recorrer à equidade.

Também é pacífico o entendimento de que os critérios previstos nas citadas portarias não substituem os critérios de fixação da indemnização consignados no Código Civil e não vinculam os tribunais em tal tarefa casuística, visando, sobretudo, em sede de apresentação de proposta célere e razoável por parte das seguradoras ao lesado, servir de critério orientador para esse confessado fim- neste sentido, por todos, Ac. STJ de 04.06.2015 , proc. Nº 1166/10.7 TBVCD.P1.S1; de 07.06.2011 , proc. Nº 160/2002 P1.S1; Ac. STJ de 16.01.2014, proc. n.º 1269/06.2TBBCL.G1.S1; e Ac. STJ de 07.05.2014 proferido no processo nº436/11.1 TBBRG.L1.S1.

Ademais o próprio preâmbulo do diploma refere expressamente que o objectivo da mesma não é a fixação definitiva de valores indemnizatórios, mas, nos termos do n.º 3 do artigo 39º do D.L. n.º 291/2007, de 21.08, o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis, possibilitando ainda que a autoridade de supervisão possa avaliar, com grande objetividade, a razoabilidade das propostas apresentadas.

Sendo assim, a nosso ver, pese embora a publicação das citadas Portarias, a fixação das indemnizações continuará a ser tarefa sobretudo jurisprudencial e a concretização do critério legal da sua fixação (equidade) eminentemente pessoal, tendo, no entanto, por referência, por razões de igualdade e desejável uniformidade jurisprudencial, os valores usualmente aplicados pela nossa mais Alta Jurisprudência em casos idênticos.

No caso concreto o tribunal recorrido na fixação do valor indemnizatório a titulo de lucros cessantes - contrariamente ao afirmado pela ré/recorrente- não efectuou apenas e bem uma mera operação aritmética, mas teve em consideração diversos critérios para a fixação da quantia arbitrada , concretamente: A idade da vítima ; A natureza da profissão da vítima; O rendimento anual de € 16464,00 ; Uma redução do rendimento correspondente a uma estimativa de despesas próprias da vítima de 50%do rendimento auferido; Um limite de vida activa de 77 anos; e a antecipação de capital e a possibilidade da sua rentabilização., critérios correctamente utilizados e que permitiram a fixação do valor global de € 296 352,00 .

Nessa medida, procede a razão da recorrente principal/autora e falece a razão recorrente subordinada.
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●. Dos danos com a danificação da roupa/calçado da vitima e objectos de que era portador.

Relativamente a tais danos considerou a sentença recorrida que quanto aos provados (cf. 1.46 e 1.47) os mesmos não assumem autonomia de ressarcimento em face da morte do titular de tais pertences.

Contesta a recorrente esta decisão dizendo o seguinte:

Na verdade, se tais bens pertenciam ao acervo hereditário do “de cujus” A. C..
Se tais bens ficaram danificados e inutilizados, em consequência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção.
E se não foi possível apurar o seu real e efectivo valor.
Deveria a sentença recorrida, como deve o Acórdão a proferir na sequência do presente recurso, relegar a quantificação dos danos relativos ao valor desses bens, para Incidente de Liquidação, ao abrigo do disposto nos artigos 358º., nºs. 1 e 2 e 609º., nº. 2, do Código de Processo Civil.

Apreciando:

De efeito o valor de tais bens tem repercussão ao nível do património do lesado pelo que, tratando-se de uma relação jurídica patrimonial, integram o acervo da herança da vítima (art. 2024º do CC).

Pelo que tratando-se de um dano efectivo, importaria proceder à respectiva reparação, dentro do critério legal da reposição natural ou, quando essa reposição não seja possível, bastante, ou idónea, a indemnização em dinheiro, de acordo com a “teoria da diferença” – cf. artigos 562.º e 566.º, n.º 1 do C. Civil ou seja, considerando que a indemnização tem como medida a diferença entre a situação patrimonial real do lesado, na data mais recente atendível, e a sua situação patrimonial hipotética ou em que presumivelmente se encontraria se o acto ilícito se não tivesse verificado – art. e 566.º, n.º 2 do C. Civil. Abrangendo não só o prejuízo ou despesas causadas em consequência do facto danoso (dano emergente), como ainda os benefícios que o lesado deixou de obter por força do mesmo (lucros cessantes) – cf. art. 564.º, n.º 1 do C. Civil.

A circunstância de não se ter apurado o valor exacto de tal dano não impede que deva ser ressarcido. Com efeito, nos termos do art. 566.º, n.º 3 do C. Civil, “se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados”.

Sufragando-se neste aspecto a doutrina de que apenas deve ser relegada para execução de sentença (4) a quantificação da indemnização quando seja de prever que, situado o âmbito dos prejuízos surjam melhores elementos de prova relativamente à sua quantificação em si.

É esta, alias, a orientação dominante na doutrina e jurisprudência – cf., por todos, ANTÓNIO GERALDES, in Temas da Reforma do Processo Civil, Ed. Almedina, I vol., p. 167.

Todavia do cotejo dos artigos 661 nº2; 565º e 566º todos do C. Civil resulta que só é possível deixar para liquidação em execução de sentença a indemnização respeitante a danos relativamente aos quais, embora se prove a sua existência, não existam os elementos indispensáveis para fixar o seu quantitativo, nem sequer recorrendo à equidade.

O que é essencial é que esteja provada a existência dos danos, ficando dispensada apenas a prova do respectivo valor- sublinhado nosso.

Só quando o tribunal verificar a existência de um dano, mas não dispuser de dados que possibilitem a sua quantificação, é que pode e deve relegar para execução de sentença a fixação do seu montante.

Assim, só é possível quantificar na liquidação em execução de sentença o que, na acção declarativa, se tiver apurado que existe.

A existência do dano, como pressuposto de obrigação de indemnizar, tem de ser provada, por conseguinte, em acção declarativa, só se podendo deixar para a execução de sentença a determinação meramente quantitativa do seu valor.

Daí que se torne inviável a liquidação futura de um dano indemonstrado: tal constitui um impossível lógico.

No caso ajuizado, a Autora pediu a condenação das Rés no pagamento da indemnização global de € 2.450,00 correspondente ao que vestia o seu marido, aos objectos de uso pessoal e bens que levava consigo tendo sido vertida nos artºs 176 a 179 da p.i a pertinente factualidade.

Porém de tal factualidade apenas se deu como provada a seguinte:

46. A Autora viu toda a roupa que o seu marido vestia, na altura do acidente e objectos de uso pessoal, que usava, completamente danificados e inutilizados, de valor não concretamente apurado.
47. A Autora viu o saco de viagem que o seu marido levava consigo, com peças de vestuário, calçado de substituição e utensílios de higiene pessoal, totalmente queimado e calcinado, de valor não concretamente apurado.

Comece por dizer-se que na decisão sobre a matéria de facto apenas devem constar os factos provados e os factos não provados, com exclusão de afirmações genéricas, conclusivas e que comportem matéria de direito.

Na verdade, dispõe o art. 607.º, n.º 4, do CPC, “Na fundamentação (da sentença) o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados (…)” – os factos, repete-se, que não conclusões, generalidades ou matéria de direito.

Como assim, mesmo no âmbito da vigência do actual C.P.C., a decisão sobre a matéria de facto deve estar expurgada de afirmações genéricas, conclusivas ou que comportem matéria de direito.
Partindo desta afirmação de princípio, importa analisar o teor dos referidos pontos 46 e 47.

Em nosso entender a redacção dos aludidos pontos comporta afirmações que são claramente conclusivas, a saber: toda a roupa que o seu marido vestia, na altura do acidente e objectos de uso pessoal, que usava,

(…) peças de vestuário, calçado de substituição e utensílios de higiene pessoal, totalmente queimado e calcinado, de valor não concretamente apurado.

Trata-se de conclusões a extrair ou não, em sede interpretativa e integradora, de outros factos dados como provados, designadamente daqueles que constam dos pontos 177 e 178 (5) da p.i razão pela qual não podem tais conclusões constar da matéria de facto provada.

Assim oficiosamente, determina-se a eliminação do ponto pontos 46 e 47 dos F. P.

Consequentemente fica prejudicada a fixação da indemnização por referência a estes pontos da matéria de facto.
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●. Do início da contagem dos juros

Entende a autora que os juros devidos pela indemnização fixada para ressarcimento dos danos não patrimoniais devem ser contabilizados a partir da data da citação das rés e não, conforme o decidido na sentença recorrida a partir da data de tal sentença.

A recorrente não tem razão neste pedido.

Relativamente aos danos não patrimoniais, o valor arbitrado, a esse título, teve por referência a data do encerramento da audiência (que coincide genericamente com a prolação da decisão recorrida).

Dito de outro modo, o dito valor foi arbitrado em função do valor da moeda à aludida data.

Isso mesmo já consta explicitamente da douta sentença recorrida (6) pelo que não se compreende, neste particular, as alegações da autora recorrente designadamente quando afirma que na verdade nenhum dos valores indemnizatórios foram actualizados com referência à data da prolação da sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância.

Neste âmbito, pronunciou-se, de entre outros, o Ac. STJ de 17.12.2015, o qual, na sua parte final, explicita:

«Como se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal de 4 de Junho de 2015, www.dgsi.pt, proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1. S1, “os juros de mora não podem transformar-se, nem numa elevação indirecta dos montantes indemnizatórios, nem numa duplicação de indemnizações pela demora no pagamento da indemnização.

No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Janeiro de 2009 (www.dgsi.pt, proc. nº 07B4242), disse-se: “No sentido de que os juros de mora se contam desde a data da sentença da 1ª Instância, se a indemnização foi calculada com referência a esse momento, veja-se o acórdão deste Supremo Tribunal de 18 de Dezembro de 2007

(…). Como se escreveu no acórdão deste Supremo tribunal de 23 de Outubro de 2008 (proc. nº 08B2318, em www.dgsi.pt) “pois que a compensação pelos aludidos danos não patrimoniais terá sido [tal como agora o é aqui] concebida de forma actualizada, resultando num cúmulo injustificado a contagem dos juros de mora a partir da citação, já que a respectiva obrigação pecuniária agora em causa cobre todo o dano verificado. De facto, como se diz no acórdão deste STJ de 25/10/2007 – Pº 07B3026 (…),

“… se no momento da prolação da decisão, o juiz actualiza o montante do dano liquidado para reparar o prejuízo que o lesado efectivamente sofreu, os juros moratórios, a serem concedidos desde a citação para a acção, representarão uma duplicação de parte do ressarcimento, e este excederá o prejuízo efectivamente verificado”».

Consequentemente, conforme sempre foi nosso entendimento e resulta da doutrina firmada pelo Acórdão Uniformizador n.º 4/2002 de 9.05.2002 (publicado no DR Iª série A de 27.06.2002), sobre o aludido valor indemnizatório fixado para ressarcimento dos danos não patrimoniais, porque actualizado por referência à data do encerramento da audiência acrescerão juros de mora, à taxa legal desde aquela data e até integral pagamento – cf. artºs. 559º, n.º 1, 805º, n.º 3 (interpretado restritivamente) 806º, nºs 1 e 2, do C. Civil – assim se mantendo, nesta parte, o já decidido em 1ª instância.
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●. Da responsabilidade solidária das rés no pagamento dos juros.

Nos termos constantes da decisão recorrida a responsabilidade pelo pagamento da indemnização fixada à Autora é solidária entre as Rés, nos termos do disposto no artigo 497°, nº1 Cód. Civil.

A ser assim os juros de mora sobre as quantias indemnizatórias devidas e fixados na decisão recorrida devem ser pagos solidariamente pelas rés, procedendo nesta parte o recurso da autora.
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Sumário (nº 7 do art. 617 nº3º do CPC)

▪. Na fixação do quantum indemnizatório por danos não patrimoniais há que recorrer a juízos de equidade.
Assente este juízo de equidade na ponderação das circunstâncias apuradas e relevantes de cada caso concreto e não em razões estritamente normativas, é entendimento jurisprudencial reiterado que tal juízo apenas deverá ser alterado quando evidencie desrespeito pelas normas que justificam o recurso à equidade ou se mostre em flagrante divergência com os padrões jurisprudenciais sedimentados e aplicados em casos similares.
▪. Em geral é o titular do direito violado quem tem direito á indemnização, não se radicando esta, em princípio, em terceiros, mesmo que reflexamente prejudicados pela conduta do lesante.
Sempre sendo, porem, de entender que só excepcionalmente é que o falado direito de indemnização cabe a terceiros, assim sucedendo nos casos previstos nos artºs 495º (danos patrimoniais) e 496º (danos não patrimoniais).
▪. No previsão do n.º 3 do artigo 495.º encontramos danos patrimoniais, porque têm a ver com a subsistência económico-financeira dos familiares sobrevivos do falecido, dele dependentes, como o cônjuge, ou companheiro/a, e aqui, indiferentemente da existência de filhos, de uns ou outros, e necessariamente futuros, porque projectados para além da morte de quem os prestava, no âmbito de uma relação familiar, ou de união de facto, seja ao cônjuge, ou ao (à) companheiro/a, sendo que, tal como no casamento, também na união de facto, podem ser gerados filhos.
Em causa está apenas a fixação do montante indemnizatório pelo dano patrimonial futuro, na perspectiva de perda de alimentos, e não de lucros cessantes.
▪. Do cotejo dos artigos 661 nº2; 565º e 566º todos do C. Civil resulta que só é possível deixar para liquidação em execução de sentença a indemnização respeitante a danos relativamente aos quais, embora se prove a sua existência, não existam os elementos indispensáveis para fixar o seu quantitativo, nem sequer recorrendo à equidade.
O que é essencial é que esteja provada a existência dos danos, ficando dispensada apenas a prova do respectivo valor-
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III. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso principal parcialmente procedente e improcedente o recurso subordinado e, em consequência alterar a decisão recorrida nos seguintes termos:

Na parte relativa à indemnização por danos patrimoniais, arbitrando-se à autora a seguinte quantia:

- a quantia de 296.352,00 € (duzentos e noventa e seis mil trezentos e cinquenta e dois euros) a titulo de danos patrimoniais.
Condenar as Rés a pagarem à Autora os juros de mora sobre as referidas quantias à taxa de 4% (Portaria 291/03, de 8Abr):
• desde a citação até integral pagamento, sobre o montante relativo aos danos patrimoniais;
• desde a presente decisão até integral pagamento, sobre o montante relativo aos danos não patrimoniais.
E no mais confirmar a decisão recorrida.
Custas do recurso subordinado pela recorrente SEGURADORAS K SA e do recurso principal por ambas as partes, na proporção do vencido.
Notifique
Guimarães, 08 de Novembro de 2018
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)

(Maria Purificação Carvalho)
(Maria dos Anjos Melo Nogueira)
(José Cravo)


1. in “Recursos no Novo Código do Processo Civil, 2ª ed. de 2014 Almedina, em anotação ao artigo 662º do CPC, p. 238.
2. ver acórdão proferido com data de 21/01/2018 no processo nº 58/16.0T8CBC-A. G1 em que era autora J. M. e ré “Seguradoras K SA”-
3. 35. A vítima A. C. faleceu no estado de casado com a Autora C. M. (com quem havia casado catolicamente, no dia 27 de Dezembro de 2003: docºs. nºs. 14, 15, 16, 17 e 18), e não deixou quaisquer descendentes, não tinha efectuado testamento, ou qualquer outra disposição de última vontade e deixou como ascendente a sua mãe, Maria. 36. Era uma pessoa saudável, alegre e bem-disposta, mantendo são relacionamento conjugal com a sua esposa C. M., ora Autora: ao longo da sua vida matrimonial, sempre se haviam mantido unidos, sendo o amparo moral e afectivo um do outro. 37. A morte do marido causou à Autora um profundo desgosto e tristeza que ainda perdura até aos dias de hoje. 38. A Autora C. M. contava, à data do sinistro, trinta e cinco (35,00) anos de idade, pois nasceu no dia 17 de Julho de 1980:doc. nº. 17.
4. Estipula o art. 661º nº 2 do C.P.Civ:" Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que se liquidar em execução de sentença, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida ".
5. Artº 177 da p.i - 1 par de botas; 1 par de calças; 1 camisola, toda a roupa interior, 1 relógio de pulso. Artº 178º da p.i: 5 pares de calças, 6 camisolas, 1 casaco polar, 1 toalha de banho; roupa interior; 1 par de chinelos; produtos de higiene pessoal, 1 máquina de barbear eléctrica
6. Desta forma, os juros de mora da quantia referente aos danos não patrimoniais serão contabilizados desde a data mais recente em que foram avaliados - ou seja, desde o encerramento da audiência (que coincide genericamente com a prolação desta decisão) - até integral pagamento.