Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1190/12.5TBGMR.G1
Relator: MARIA DA PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: DEPOIMENTO DE PARTE
GRAVAÇÃO DA PROVA
CONTRATO DE ADESÃO
DEVER DE INFORMAR
PROTECÇÃO DO CONSUMIDOR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/15/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 - A assentada do depoimento de parte vislumbra-se como actuação quase inútil, ou, no mínimo, prolixa e redundante que apenas serve para complexizar e atrasar a tramitação processual
2 - Na verdade, sendo o depoimento gravado nos modernos meios técnicos para o efeito, tanto basta para que toda a (i)relevância e alcance probatório do depoimento sejam – salvo nos casos em que a gravação é deficiente –perfeita e cabalmente verificados e sindicados, quer pelo julgador da 1ª instancia, quer pelo tribunal da Relação, tanto na parte não confessória, como na parte confessória.
3 - Nos contratos de adesão o predisponente deve comunicar ao aderente o teor integral das cláusulas contratuais gerais, comunicação esta que tem de ser feita por modo a que este efectivamente as receba.
4 - Esta comunicação deverá ainda ser feita com o tempo de antecedência que a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas ditem para que seja possível a um aderente normalmente diligente tomar delas um conhecimento completo e efectivo. A comunicação deve ocorrer ainda na fase pré-contratual, antes da emissão da declaração de aceitação do aderente .
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
Relatório
Nos presentes autos, A.., intentou contra O.., S.A., a presente acção declarativa, (à data) sob a forma sumária, pedindo a condenação da Ré no pagamento ao Autor, a título de danos patrimoniais, do valor de € 7.756,80 (sete mil setecentos e cinquenta e seis euros e oitenta cêntimos) acrescido dos juros de mora vencidos a partir da citação para a presente acção e até integral e efectivo pagamento.
Para tanto, alegou, em síntese, que:
a. A Ré dedica-se com carácter de regularidade e escopo lucrativo ao ramo dos seguros multiriscos e outros serviços de aplicação financeira;
b. O Autor é dono e legítimo possuidor de um prédio urbano, sito rua .., freguesia de Gonça, Guimarães;
c. No âmbito e por ocasião da actividade da Ré, o Autor celebrou um contrato comercial de seguro, com data de 2010.10.09, tendo como objecto ramo protecção casa e a que se refere a apólice nº MR79389305;
d. Inclui-se no objecto de seguro a protecção de deslizamentos de terras e/ou derivadas da movimentação de solos, derrube de muros de vedação e suporte do prédio urbano.
e. A vedar a habitação e logradouro seguros se encontra um muro de vedação, com cerca de quatro metros de altura e com cerca de cem metros de comprimento;
f. Tal muro mostra-se construído, em pedras de granito e em obediência a todas as regras das legis artis, nomeadamente, no que tange, à resistência ao solo envolvente, consistência de materiais, utilizados na sua construção e demais regras da construção civil;
g. A 7.12.2010, na rua.., freguesia de Gonça, concelho de Guimarães, no logradouro e mais concretamente, no muro de suporte de terras que divide o imóvel objecto de seguro da propriedade vizinha, ocorreu um deslizamento/ movimentação de solo/terras superficiais, provindo daquela e a que o Autor foi completamente alheio, o qual foi participado à Ré;
h. Esse deslizamento veio a derrubar o muro de suporte em granito que o sustentava, uma extensão mínima de 20 m de comprimento e 4 m de altura;
i. As terras deslizaram, pelo logradouro do Autor e foram parar contra a habitação, a que se juntaram as pedras em granito do muro derrubado.
j. Por força desse deslizamento e consequente derrube, o ora Autor teve que remover, as terras e pedras de suporte do muro, no que teve que despender o montante de € 400,00 numa máquina retroescavadora e para limpeza do terreno;
k. Para reconstruir o muro de suporte da sua propriedade, o Autor necessita de um montante de € 7.356, 80.
Regularmente citados, a Ré apresentou contestação, na qual, em súmula, sustentou a exclusão do sinistro do âmbito de cobertura de seguro, posto que aquele foi devido à deficiente construção do muro associada à trepidação provocada pela constante passagem de veículos pesados, o que está previsto como cláusula de exclusão da sua responsabildiade. Subsidiariamente, impugnou o montante dos danos invocados pelo Autor.
O Autor apresentou resposta, na qual sustentou a não comunicação dessa cláusula contratual de exclusão da responsabilidade, e requereu a condenação da Ré como litigante de má fé.

Foi proferido despacho saneador, a fls. 155 a 157, onde se afirmou a validade e regularidade da instância.
Fixou-se ainda o valor da causa e foi proferido despacho a seleccionar a matéria assente e a fixar a base instrutória, o qual não foi objecto de reclamação.
Realizou-se, no decurso do processo, a diligência de perícia, sob a forma colegial, encontrando-se o laudo a fls. 245 a 250.
Observado o legal formalismo, procedeu-se a julgamento, conforme consta da acta respectiva .
Por despacho proferido em sede de audiência de julgamento, determinou-se a realização dum aditamento à base instrutória, nos termos que constam de fls. 337.
Realizada a audiência de julgamento no final foi proferida a seguinte decisão
Em face de todo o exposto, julgo a acção totalmente improcedente, e, em consequência, absolvo a Ré O.., S.A., do pedido, bem como julgo inverificados os pressupostos da condenação desta como litigante de má fé.
As custas da presente acção são da responsabilidade do Autor, por força do seu decaimento (cfr. artigo 527º/1/2 do CPCiv).
Para efeitos do cômputo do decaimento, deve atender-se ao valor da acção nos termos definidos a fls. 155.
Registe e notifique.

Inconformado o autor interpôs o presente recurso, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões:
1-Mostram violados os Artigos 196º, 463º n.º 1, 542º n.º 1 e n.º 2 al a), 615º n.º 1 al al d) última parte, todos do CPC, o Art. 483º n.º 1 e 562º e ss, do Cód. Civil, Os Artigos 5º n.º 1, n.º 2 e n.º 3, o Art. 6º, o Art. 8º n.º al a), b) c) e d) do Dec. Lei n.º 446/85 de 25/10 e sucessivas alterações, O Art. 1º do Dl n.º 72/2008, de 16/04.
2- Dos factos produzidos em sede de audiência de discussão e julgamento não resulta reduzido a escrito qualquer facto que seja possível de apreciar como confissão do depoente autor sobre a leitura, comunicação, explicação e explicitação quer do contrato objecto de seguro quer de qualquer cláusula em concreto e de que com tal o autor/tomador do seguro ficou ciente do seu teor e sentido.
3-Os factos eventualmente desfavoráveis ao autor/recorrente não foram reduzidos a escrito na acta da audiência, pelo que não podem relevar contra sim, e o tribunal a quo ao relevá-los cometeu uma nulidade insuprível que levou a que a decisão final tivesse vertido uma improcedência do pedido
4-Consequentemente e porque a ré não logrou elidir o ónus da leitura e comunicação do teor e sentido das cláusulas contratuais gerais do centro de modo a como um homem médio poder ficar ciente das mesmas.
5- O Tribunal a quo extrapolou pois conclusões que a nosso ver, os factos não consentem como sejam o de responsabilizar o recorrente com base no princípio da responsabilização contratual, o que fez em excesso de pronúncia donde a nulidade da sentença.
6-Encontram-se incorrectamente julgados os pontos da decisão da matéria de facto que -
Factos provados:
«O – Para reconstruir o muro de suporte da sua propriedade o Autor necessita de um montante de €= 1200,00 – resposta parcial ao artigo 11 da B.I…
Q – O Autor não declarou a forma de construção do muro, que já sabia – resposta artigo 15 da B.I….
S – Na data da celebração do acordo, mencionado em B, as partes acordaram, que ficariam excluídas da cobertura “perdas ou danos resultantes de deficiência de construção, de projecto, de qualidade de terrenos ou outras características de risco que fossem ou devessem ser do conhecimento prévio do tomador do seguro e/ou do segurado, assim como danos em bens seguros que estejam sujeitos a acção continua da erosão e acção das águas, salvo se for feita prova que os danos não têm qualquer relação com aqueles fenómenos “ resposta ao artigo 18 da B.I…
T – Foi-lhe comunicada, explicada, esclarecida e pelo mesmo aceite a clausula anterior – resposta ao artigo 19 da B.I…
U – E era conhecido do Autor na data em que outorgou contrato, nomeadamente a exclusão em causa – artigo 20 da B.I.» os quais devem ser levados e julgados como pontos da matéria de facto não provada
7-Deve ser levada à matéria de facto julgada como provada que para reconstruir o muro de suporte da sua propriedade necessita de um montante de €= 7.356,80, o que não aconteceu por manifesto erro na apreciação crítica das prova e por violação das regras da experiência comum por manifesto erro, salvo o devido respeito, na apreciação da prova é que tal facto, não foi levado aquela matéria de facto provada.
8- A seguradora não cumpriu o ónus de comunicação, pela leitura, explicação, explicitação de modo a que o recorrente soubesse e ficasse ciente de quais eram as exclusões inseridas nas cláusulas gerais do contrato ora em crise e nomeadamente a de aluimento de muros, donde o seu conhecimento não ter chegado ao seu destinatário.
9- Existe o erro material, em que assenta o ponto R. da matéria de facto julgada como provada.
10-Existe violação das regras da experiência comum ao não considerar-se que a construção do muro em granito derrubado, o qual se mostra construído pedra sobre pedra, sem qualquer ligação entre os materiais não obedece as regras das legis artis, mesmo quando as pedras possuem uma geometria irregular e o muro denota antiguidade
11-Num juízo de prognose, o aqui recorrente, tendo como habilitações literárias a antiga 4ª classe e que sempre ali viu o muro, não podia prever que, o mesmo haveria de possivelmente vir a cair ou ruir por força de um aluimento pontual de terras, após uma noite de vendaval e a comunicar tal facto estranho à seguradora.
12-Consequentemente, o recorrente deve ser absolvido da condenação como litigante de má fé
NESTES TERMOS e nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. ª Ex.ª deve julgar-se provado e procedente o presente recurso, ser anulada a sentença, por padecer dos vícios apontados, revogando-a e substituindo-a por outra de sentido contrário e condenando-se a recorrida seguradora, no montante peticionado, pelo recorrente, absolvendo o recorrente da condenação como litigante de má fé processual farão VOSSAS EXCELÊNCIAS A HABITUAL JUSTIÇA
A ré contra alegam concluindo pela improcedência do recurso.

As questões que ao Tribunal compete decidir são:
- se a sentença é nula;
- se é correta a decisão de facto;
- quais as consequências jurídicas de eventual alteração dos factos.

FUNDAMENTAÇÃO
De facto
Em 1ª instância foi dada como provada e não provada a seguinte matéria de facto:
A. A Ré dedica-se com carácter de regularidade e escopo lucrativo ao ramo dos seguros multiriscos e outros serviços de aplicação financeira – al. A. da matéria assente.
B. O Autor é dono e legítimo possuidor de um prédio urbano, sito na rua.., freguesia de Gonça, 4800-435 Guimarães – al. B. da matéria assente.
C. No âmbito e por ocasião da actividade da Ré, o Autor celebrou um acordo de seguro, com data de 2010.10.09, tendo como objecto ramo protecção casa, a que se reporta a apólice nº MR79389305 – al. C. da matéria assente.
D. A vedar a habitação e logradouro do prédio identificado em B. encontra-se um muro – al. D. da matéria assente.
E. O capital garantido pela apólice é no valor máximo de € 100.000,00 – al. E. da matéria assente.
F. O muro a que se refere a al. D. tinha cerca de 60 cm de altura e comprimento de cerca de 20m – resposta parcial ao artigo 1. da base instrutória.
G. Tal muro mostra-se construído em pedras de granito – resposta parcial ao artigo 2. da base instrutória.
H. No momento da celebração do acordo, a Ré não levantou quaisquer objecções à inclusão do muro – resposta ao artigo 3. da base instrutória.
I. A 7.10.2010, no muro de suporte de terras que divide o prédio aludido em B. e o vizinho ocorreu um deslizamento/ movimentação de solo/terras superficiais – resposta ao artigo 4. da base instrutória.
J. A que o Autor foi alheio – resposta ao artigo 5. da base instrutória.
K. O que foi participado à Ré – resposta ao artigo 6. da base instrutória.
L. Esse deslizamento veio a derrubar o muro de suporte em granito que o sustentava, numa extensão mínima de 20m de comprimento e 4m de altura – resposta ao artigo 7. da base instrutória.
M. As terras deslizaram, pelo logradouro, e foram parar contra a habitação, a que se juntaram as pedras em granito do muro derrubado – resposta ao artigo 8. da base instrutória.
N. Por força desse deslizamento e consequente derrube, o Autor teve que remover as terras e pedras de suporte do muro, no que despendeu € 300,00 – resposta parcial ao artigo 10. da base instrutória.
O. Para reconstruir o muro de suporte da sua propriedade, o Autor necessita de um montante de € 1.200 – resposta parcial ao artigo 11. da base instrutória.
P. O muro foi construído apenas pedra sobre pedra, já há vários anos – resposta ao artigo 12º da base instrutória.
Q. Quando o Autor começou a construir a habitação, efectuou um desaterro, até próximo do muro, retirando alguma terra que estaria a suportá-lo – resposta ao artigo 12. da base instrutória.
R. O Autor não declarou a forma de construção do muro, que já sabia – resposta ao artigo 15. da base instrutória.
S. Na rua circulam camiões pesados, para aceder a uma pedreira existente nas proximidades – resposta parcial ao artigo 17. da base instrutória.
T. Na data da celebração do acordo mencionado em B., as partes acordaram que ficariam excluídos da cobertura «perdas ou danos resultantes de deficiência de construção, de projecto, de qualidade de terrenos ou outras características do risco, que fossem ou devessem ser do conhecimento prévio do tomador do seguro e/ou do segurado, assim como danos em bens seguros que estejam sujeitos a acção contínua da erosão e acção das águas, salvo se for feita prova que os danos não têm qualquer relação com aqueles fenómenos» – resposta ao artigo 18. da base instrutória.
U. Foi-lhe comunicada, explicada, esclarecida e pelo mesmo aceite a cláusula anterior – resposta ao artigo 19. da base instrutória.
V. E era conhecida do Autor na data em que outorgou o contrato, nomeadamente a exclusão em causa – artigo 20. da base instrutória.
2. Factos não provados:
Com relevância para a decisão de mérito sobre a causa, não resultou assente que:
W. O muro a que se refere a al. D. tem altura e comprimento superiores aos mencionados em F. – resposta parcial ao artigo 1º da base instrutória.
X. Tal muro apresenta resistência ao solo envolvente e consistência de materiais utilizados na sua construção – resposta parcial ao artigo 2. da base instrutória.
Y. O Autor que teve que despender o montante superior ao mencionado em N., numa máquina retroescavadora, para limpeza do terreno – resposta ao artigo 10. da base instrutória.
Z. Para reconstruir o muro de suporte da sua propriedade, o Autor necessita de um montante superior ao mencionado em O. – resposta parcial ao artigo 11. da base instrutória.
AA. Com a queda das chuvas, foi saindo ainda mais terra, levando ao actual deslizamento das pedras – resposta ao artigo 13. da base instrutória.
BB. O modo de construção do muro só pôde ser constatado pela Ré, no local, após o sinistro – resposta ao artigo 14. da base instrutória.
CC. O que não era visível aquando da celebração do acordo mencionado em B. – resposta ao artigo 15. da base instrutória.
DD. Os camiões que circulam na rua provocam constantes vibrações no solo – resposta parcial ao artigo 17 da base instrutória.

Passemos, então, à análise do recurso, começando por apreciar a invocada nulidade da sentença.
Dizem os recorrentes que Mostram-se violados os Artigos 196º, 463º n.º 1, 542º n.º 1 e n.º 2 al a), 615º n.º 1 al al d) última parte, todos do CPC, pelo que deve julgar-se provado e procedente o presente recurso, ser anulada a sentença, por padecer dos vícios apontados
Da leitura que fazemos das alegações concluímos que a causa desta nulidade reside no não cumprimento do disposto no art.º 463º do CPC que exige que o depoimento é sempre reduzido a escrito na parte em que houver confissão do depoente e também na circunstância de o facto ínsito na letra “R” na matéria de facto julgada como provada ser pura ilação do Tribunal pelo que estaríamos perante excesso de pronúncia.
Em primeiro lugar há que dizer a exigência legal de redução a escrito do depoimento quando a prova é gravada não nos parece relevante pois que não se alcança a sua necessidade e utilidade.
Parece que a assentada e a sua posterior leitura pelo depoente - nº3 – são uma salvaguarda para conferir maior solenidade à confissão e implicar uma maior vinculação à mesma do confitente no futuro, o qual, assim, não pode negar aquilo que foi gravado, escrito e por ele lido e confirmado.
Mas, bem vistas as coisas, a simples gravação basta para se atingirem estes desideratos.
Na verdade, sendo o depoimento gravado nos modernos meios técnicos para o efeito, tanto basta para que toda a (i)relevância e alcance probatório do depoimento sejam – salvo nos casos em que a gravação é deficiente –perfeita e cabalmente verificados e sindicados, quer pelo julgador da 1ª instancia, quer pelo tribunal da Relação, tanto na parte não confessória, como na parte confessória.
Não se alcança, assim, que emirja qualquer menor segurança e eficácia duma declaração confessória não sujeita a assentada, por contraponto àquela que o seja.
Pelo que sendo claro e inequívoco um depoimento não se alcança que pode ser desvalorizado pelo simples facto de não ter sido objecto de assentada.
Se assim fosse entendido, seria este um caso em que a justiça material sairia ferida de morte perante um exacerbado formalismo processual.
Consequentemente, a assentada vislumbra-se como actuação quase inútil, ou, no mínimo, prolixa e redundante que apenas serve para complexizar e atrasar a tramitação processual
Mas mesmo que assim não fosse ou não se entenda e se considerasse que a omissão da assentada constituiria nulidade ou irregularidade com influência no exame e na decisão da causa, sempre ela se consubstanciaria como uma nulidade sujeita às regras gerais do art.º 201 e sgs. do CPC e não uma nulidade de sentença por omissão de pronúncia.
E como bem expendeu a recorrida, a presente arguição é extemporânea.
Na verdade tal nulidade ou irregularidade a existir teria ocorrido aquando da audiência de julgamento que ocorreu no dia 14 de Outubro de 2013 e na qual o recorrente e seu mandatário estiveram presente e nada disseram ( ver acta de fls 336 a 341).
Ora constatou-se que no final da audição do autor a Sra. Juiz na presença dos SRS Mandatários proferiu as seguintes palavras "Considerando o teor das declarações eu não acho pertinente consignar nada em acta".
Nessa altura não foi gravado nem ficou a constar em acta qualquer reação das partes acerca desta afirmação o mesmo acontecendo nos 10 dias seguintes a tal data.
Logo, conformaram-se com tudo o que ali foi feito e decidido ficando sanada a eventual nulidade.
De facto as nulidades processuais propriamente ditas e respectivos regimes, efeitos e prazos de arguição, encontram-se enunciadas e reguladas nos arts. 186.º e segs. e 195.º e segs. do CPC.
Algumas dessas nulidades processuais - as principais, típicas ou nominadas - são especificamente reguladas nos arts. 186.º a 194.º e 196.º a 198.º, sendo que aquelas a que se reportam os arts. 186.º e o nº1 do art.º 193.º só podem ser arguidas até à contestação ou neste articulado, enquanto que as previstas nos arts. 187.º 3 194.º podem ser suscitadas em qualquer estado do processo, enquanto não devam considerar-se sanadas. As restantes – ou seja, as secundárias, atípicas ou inominadas, genericamente contempladas no n.º 1 do art. 195º – só produzindo nulidade quando a lei expressamente o declare ou quando a irregularidade possa influir no exame da causa, possuem o respectivo regime de arguição regulado no art. 199.º do mesmo Código; a saber: se a parte estiver presente, por si ou por mandatário judicial, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o acto não terminar; se não estiver presente ou representada, o prazo (de 10 dias – art. 149.º, n.º 1, do CPC) para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, neste último caso, só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.
Desta espécie de nulidades reclama-se no tribunal em que tiverem tido lugar e nos termos e prazo dos arts. 149.º, 195º, n.º 1, 196.º, 2.ª parte, 197.º, e 199.º, n.º 1, do CPC, sob pena de serem julgadas sanadas.
Como tal, qualquer suposta nulidade referente ao modo como foi produzido o depoimento de parte, em sede de audiência final, sempre estaria sanada, porquanto nenhum dos Srs. Mandatários em devido tempo, reclamaram do cometimento de tal alegada nulidade.
Finalmente sempre haveria, quer se considerasse, ou não, o depoimento do réu como confessório, que atentar:
- no disposto no art.º 358º nº4 do CC: «A confissão judicial que não seja escrita e a confissão extrajudicial feita a terceiro ou contida em testamento são apreciadas livremente pelo tribunal».
- E no estatuído no art.º 361º: «O reconhecimento de factos desfavoráveis, que não possa valer como confissão, vale como elemento probatório que o tribunal apreciará livremente».
A ser assim, a valoração do depoimento de parte não acarreta qualquer nulidade muito menos por excesso/omissão de pronúncia.
Igual afirmação fazemos para a valoração de qualquer outro meio de prova a qual pode acarretar erro de julgamento mas nunca a nulidade da sentença por excesso de pronúncia, contrariamente ao afirmado pelo recorrente no ponto 33 das suas alegações.
Questão diferente e que vamos apreciar de seguida é se tal depoimento foi devidamente valorado.
De facto o recorrente impugna a matéria de facto dizendo que Encontram-se incorrectamente julgados os seguintes pontos da matéria de facto
«O – Para reconstruir o muro de suporte da sua propriedade o Autor necessita de um montante de €= 1200,00 – resposta parcial ao artigo 11 da B.I…
Q – O Autor não declarou a forma de construção do muro, que já sabia – resposta artigo 15 da B.I….
S – Na data da celebração do acordo, mencionado em B, as partes acordaram, que ficariam excluídas da cobertura “perdas ou danos resultantes de deficiência de construção, de projecto, de qualidade de terrenos ou outras características de risco que fossem ou devessem ser do conhecimento prévio do tomador do seguro e/ou do segurado, assim como danos em bens seguros que estejam sujeitos a acção continua da erosão e acção das águas, salvo se for feita prova que os danos não têm qualquer relação com aqueles fenómenos “ resposta ao artigo 18 da B.I…
T – Foi-lhe comunicada, explicada, esclarecida e pelo mesmo aceite a clausula anterior – resposta ao artigo 19 da B.I…
U – E era conhecido do Autor na data em que outorgou contrato, nomeadamente a exclusão em causa – artigo 20 da B.I.» os quais devem ser levados e julgados como pontos da matéria de facto não provada
7-Deve ser levada à matéria de facto julgada como provada que para reconstruir o muro de suporte da sua propriedade necessita de um montante de €= 7.356,80,
Vejamos esta impugnação, ciente de que existe lapso do recorrente na indicação das alíneas aonde se encontra a factualidade que pretende ver reapreciada estando apenas bem indicada o conteúdo da alínea O).
Por sua vez a factualidade que o recorrente incluiu nas alíneas Q); S), T) e U) corresponde na sentença, já depois das correcções feitas ao teor das alíneas R), T), U) e V) que correspondem aos factos 16º, 18º, 19º e 20º da base instrutória.
Para encetar essa reapreciação fáctica, temos de considerar, como consideramos, que a decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto foi objecto de impugnação válida, de acordo com a previsão do artigo 639º nº1 e 640º do Código de Processo Civil.
Acresce dizer que, nos poderes de reapreciação da matéria de facto pela Relação está contida a possibilidade de valorar de forma diversa da 1.ª instância, os meios de prova sujeitos à sua livre apreciação, como é o caso dos depoimentos testemunhais e documentos em causa– cfr. J.P. Remédio Marques, in “Um breve olhar sobre o duplo grau de jurisdição em matéria de facto”, Cadernos de Direito Privado, 01, Dezembro de 2010.
Trata-se do proclamado ‘segundo grau de jurisdição’, que trouxe um reforço dos poderes da Relação, com o objectivo de permitir uma efectiva sindicância do julgamento da matéria de facto. – veja-se António Abrantes Geraldes, in “Recursos em Processo Civil”, Novo Regime, 3.ª edição, pág. 309.
Claro que é impossível esquecer que a Relação padece de constrangimentos decorrentes da circunstância de os depoimentos não se desenvolverem presencialmente, o que se traduz no facto de a 1.ª instância estar efectivamente melhor posicionada para a valoração da prova testemunhal. Na verdade existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores” – Abrantes Geraldes, in obra citada, pág. 316 e 317.
É, assim, neste enquadramento e tendo presente o disposto no artigo 662.º do Código de Processo Civil, que passaremos à análise da prova efectuada.
Antes porém e porque tal analise deve ser feita tendo em atenção o ónus da prova que a cada parte compete cumpre salientar que , nas conclusões das alegações de recurso, alega o apelante que o contrato dos autos se encontra abrangido pelo âmbito do Dec. Lei 446/85, de 25 de Outubro e que a ré violou os deveres de comunicação e informação, previstos nos arts. 5º e 6º daquele DL relativamente à clausula do contrato transcrita no art.º 18 da base instrutória.
Ora a cláusula em causa faz parte de um contrato de seguro, o qual, na definição de José Vasques, «in» Contrato de Seguro, Coimbra Editora, 1999, p. 94, “é o contrato pelo qual a seguradora, mediante retribuição pelo tomador do seguro, se obriga, a favor do segurado ou de terceiro, à indemnização de prejuízos resultantes, ou ao pagamento de valor pré-definido, no caso de se realizar um determinado evento futuro e incerto”.
Tem como características ser: bilateral, consensual, formal, típico, oneroso e aleatório. A sua celebração constitui um acto de mera administração, devendo subordinar-se aos ditames da boa fé.
Em regra, é um contrato de adesão - Contratos de adesão são aqueles cujas cláusulas contratuais gerais foram elaboradas sem prévia negociação individual e que proponentes ou destinatários indeterminados se limitam a subscrever ou aceita r- porque uma das partes (o segurado) se limita a aderir aos termos que lhe são propostos, não sendo ajustados, caso a caso, todos os pontos do programa contratual – cfr. José Vasques, ob. cit. pág. 107.
A importância deste tipo de contratos e o reconhecimento de que a «padronização negocial», embora favorecendo o dinamismo económico, pode implicar restrições ou encargos irrazoáveis para o contraente mais fraco e menos prevenido, levou o legislador, na esteira de precedentes estrangeiros, e de recomendações do Conselho da Europa e de directivas comunitárias, a adoptar um regime específico relativamente às cláusulas contratuais gerais, o qual consta Dec.-Lei nº 446/85, de 25/X, alterado pelos Dec.-Lei nºs 220/95, de 31/VIII (rectificado pela Declaração de Rectificação nº 114-B/95, de 31/VIII), 249/99, de 7/VII, e 323/2001, de 17/ /XII).
Como flui do art. 1º, 1, do mencionado Dec.-Lei nº 446/85, o regime nele consagrado aplica-se às cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar.
A protecção do consumidor contra “condições de crédito abusivas” foi, de resto, uma preocupação da então Comunidade Europeia, manifestada na Directiva 87/102/CEE, de 22/12/1986 (alterada pela Directiva nº. 90/88/CEE, de 22/02/1990), que se manteve presente nas Directivas que lhe sucederam com vista à harmonização das legislações dos Estados-Membros nesta matéria – Directiva 93/13/CEE, do Conselho, de 5/04/1993 e a Directiva 2011/83/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25/10/2011.
O acento tónico de todas estas Directivas vai no sentido do reconhecimento de um efectivo direito à informação do consumidor.
Dever de informar que, de resto, não se restringe à comunicação do singelo teor das cláusulas contratuais mas abrange também o sentido da interpretação que delas faz o predisponente, sendo este um aspecto tão mais importante quanto é certo que só uma vontade esclarecida é uma vontade livre.
No direito interno, cumpre ter presente o que estabelecem os artos. 5º; 6º; e 8º., do Dec.-Lei 446/85, de 25 de Outubro.
O predisponente deve comunicar ao aderente o teor integral das cláusulas contratuais gerais, comunicação esta que tem de ser feita por modo a que este efectivamente as receba.
Esta comunicação deverá ainda ser feita com o tempo de antecedência que a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas ditem para que seja possível a um aderente normalmente diligente tomar delas um conhecimento completo e efectivo. A comunicação deve ocorrer ainda na fase pré-contratual, antes da emissão da declaração de aceitação do aderente ( o sublinhado é nosso).
Como resulta do art.º 5º, nº 2, do RGCCG, a precedência da comunicação relativamente à adesão destina-se a tornar possível o conhecimento completo e efetivo das cláusulas contratuais gerais por quem use de comum diligência
Depois, incumbe ainda ao predisponente cumprir o dever de informar a outra parte dos aspectos essenciais compreendidos nas cláusulas, aclarando o que seja necessário aclarar, chamando a atenção para as cláusulas que contribuam para a interpretação de outras, e até mesmo para aquelas que sejam mais desaforáveis para o aderente verificadas determinadas circunstâncias – v.g. se não forem cumpridos os prazos de pagamento acordados (o que em direito se traduz conceptualmente pela mora).
José Manuel Araújo de Barros distingue (e bem) a “comunicação” da “informação” dizendo que “visando ambas a eficaz apreensão da proposta contratual”, a primeira procura garantir “o conhecimento efectivo” desta proposta contratual e na informação “pressupõe-se assegurar a compreensão da mensagem que lhe está subjacente”, referindo ainda dever articular-se o nº. 1 do artº. 6º. com o nº. 2 do artº. 5º., concluindo que “o dever de informação recairá sobre os aspectos compreendidos nas cláusulas cuja aclaração se justifique, tendo em conta necessariamente a importância do contrato, a extensão e complexidade das cláusulas, a pessoa a quem elas são dirigidas e todas as outras circunstâncias que podem condicionar a sua compreensão pelo aderente (in “Clausulas Contratuais Gerais”, Coimbra Editora, págs. 92/93).
Trata-se, pois, de obrigações pré-contratuais que derivam da boa fé imposta pelo artº. 227º., do C.C., já referido.
Também Ana Prata, referindo-se ao dever de comunicação imposto pelo artº. 5º., refere que ele tem de ser cumprido por forma a permitir ao bom pai de família, como paradigma da diligência juridicamente exigível, “o conhecimento completo e efectivo” das cláusulas” retirando daquela norma que “o desconhecimento, a incerteza ou o engano acerca de disposições contratuais por parte do aderente – que não sejam devidos a culpa deste – significam que aquela obrigação não foi pontualmente cumprida” e, citando Almeno de Sá, prossegue defendendo que “Não basta ... a pura notícia da «existência» de cláusulas contratuais gerais, nem a sua indiferenciada «transmissão». Exige-se ainda que à contraparte do utilizador sejam proporcionadas condições que lhe permitam aceder a um real conhecimento do conteúdo.
E, assim como o faz Araújo de Barros, de certo modo desvaloriza a declaração do aderente, constante do contrato, de que conhece todas as suas cláusulas e as aceita, porque isso “equivale a permitir que um regime legal de tutela de uma das partes, por se tratar de contraente débil seja afastado convencional ou, pelo menos, voluntariamente, o que será paradoxalmente quase inevitável” (in “Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais”, Almedina, 2010, págs. 238/239), sendo que Araújo de Barros defende que essa subscrição deverá apenas ser valorada como “um princípio de prova de ter sido cumprida a obrigação de comunicação, nomeadamente contribuindo para ajuizar da diligência do aderente”.
De resto, quanto a esta parte, cumpre fazer ressaltar que nos contratos celebrados com consumidores ou equiparados são absolutamente proibidas as cláusulas que “atestem conhecimentos das partes relativos ao contrato quer em aspectos jurídicos quer em aspectos materiais” – cfr. alínea e) do artº. 21º., do supra mencionado Dec.-Lei nº. 446/85.
Ainda sobre o artº. 6º., refere Ana Prata que, não decorrendo dele que o predisponente tenha a obrigação de explicar cada uma das cláusulas, “tem de prestar uma “informação circunstanciada”, “independentemente de pedido do aderente” em relação àquelas que se apresentem objectivamente difíceis de compreender e também quando tem pela frente uma contraparte impreparada para assimilar o seu verdadeiro alcance.
Como decidiu o S.T.J. no Ac. de 30/10/2007, “não é exigível a pessoa analfabeta que domine conceitos jurídicos como “mora”, “cláusula penal”, “rescisão do contrato” e “reserva de propriedade”, sobretudo se tais conceitos constarem das “Condições Gerais”, sendo, por isso, mais exigente o dever de informação” (Procº. 07A3048, Consº. Fonseca Ramos, in www.dgsi.pt).
Também o Ac. do mesmo Alto Tribunal de 02/12/2013, discorrendo que “Dada a disparidade de poder entre as partes no contrato de adesão, assume um papel decisivo a garantia do “modelo de informação” ou “imperativo de transparência” cuja finalidade é potenciar a formação consciente e ponderada da vontade negocial, parificando posições de disparidade cognitiva, quer quanto ao objecto, quer quanto às condições do contrato”, afirma que “A comunicação das cláusulas deve ser clara e precisa e a informação completa, abrangendo as características do bem ou do serviço, a extensão dos riscos cobertos e a medida exacta dos direitos e obrigações previstos no contrato”, afirmando, bem assim, que o direito à informação “não se basta com o envio de uma nota informativa pela empresa utilizadora”, implicando ainda um “dever de aconselhamento” que pode ser definido como “uma obrigação de assistência que supõe não só uma grande lealdade, mas um verdadeiro serviço prestado ao aderente, e inclui um dever de chamar a atenção deste para cláusulas cujo conteúdo possa não corresponder às suas necessidades e situação pessoal ou que sejam «perigosas» para os seus interesses” (Procº. 306/10.0TCGMR.G1.S1, Consª. Maria Clara Sottomayor, que contém profusa referência à jurisprudência e à doutrina sobre o conteúdo daqueles deveres de informação e comunicação, in www.dgsi.pt).
O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao predisponente, nos termos consagrados do nº. 3 do artº. 5º. – o que se entende se considerarmos que é este quem pretende fazer-se valer das cláusulas em que funda o seu direito, não havendo, assim, desvio à regra vertida no nº. 1 do artº. 342º., do C.C..
E o certo é que a ré não cumpriu com este ónus.
Entramos assim na apreciação da prova.
Com efeito, do facto considerado apurado de o autor ter admitido que a ré lhe entregou o teor das clausulas que regem o contrato nos termos afirmados na decisão recorrida ( ver fls 354) não se pode inferir, nem com muita boa vontade, que tal clausula lhe foi comunicada, explicada e esclarecida e pelo mesmo aceite, nos termos considerados provados.
A provar-se tal entrega ter-se-á de dar como provada apenas e só essa ocorrência e da mesma retirar as devidas ilações jurídicas.
Mas da audição que fizemos de toda a prova produzida nem sequer essa ilação (a entrega dos documentos referentes às clausulas gerais) nós retiramos.
De facto, do depoimento do autor e da sua mulher resulta dito por eles com toda a clareza que “ não me lembro de me deram o documento, mas é possível pois eles nunca se recusaram a entregar nada”.
Disse porém também o autor que eles facultaram as cláusulas quando foi para propor esta acção. E que a 1ª vez que fui confrontado com este documento foi após a tragédia. Mas não posso precisar se antes me tinham dado o contrato.
Ora se pediram as clausulas é porque as não tinham.
Depois , não foi possível visualizar a expressão do autor mas “ ouvimos” o seu “silencio” quando a Sr.ª. Juiz lhe leu a cláusula em causa constante do art.º 18 da base instrutória, silencio este seguido da seguinte afirmação “ Peço desculpa mas não consegui entender o que a Srª Juiz leu”.
Afirmação esta esclarecedora da dificuldade que o autor tem em perceber o conteúdo da cláusula, bem como esclarecedora de que a leitura que possa ter feito da mesma não lhe permitiu perceber o seu conteúdo.
Igual “silencio” teve a mulher do autor quando a mesma clausula lhe foi lida
Também a testemunha Pedro Manuel que foi o funcionário bancário que celebrou o contrato de seguro com o autor de forma clara e conforme consta na transcrição do depoimento feita pelo recorrente disse que Eu não consigo precisar o que foi dito e o não dito. Em concreto não posso dizer se foi falado algo sobre os murros. O que me recordo é que expliquei as condições particulares. É fornecido documento com as condições gerais, explicadas não são.
E da prova ouvida mais ninguém esteve presente nestas negociações.
É verdade que a testemunha Vanda Patrícia, gestora de sinistros da ré à pergunta Sabe se foram explicadas as clausulas contratuais gerais ? respondeu: Não lhe posso garantir. Supostamente essa situação deve ser explicada e entregues as clausulas. As clausulas devem ser entregues aquando da subscrição dos contratos de seguro.
Suposição esta que foi contrariada pelo depoimento da testemunha Pedro Manuel que referiu não ter explicados as clausulas, nos termos supra relatados e também porque tal suposição é o que deve ser feito, o que não significa que se faça, nem a testemunha sabe se faz e se nomeadamente se foi feito neste caso.
Em conclusão destes imprecisos depoimentos não é pois possível dar como provada a factualidade constante dos artigos 15 e 18 da base instrutória aos quais se responde “Não Provado”.
Assim como não podemos dar como provado que as partes acordaram na exclusão descrita no art.º 18 da base instrutória, pois não só se trata de clausula de adesão e portanto acerca da qual não existe qualquer negociação/ acordo, mas porque também nenhuma prova foi feita nesse sentido.
Nesta parte, não podemos acompanhar o julgamento do Tribunal a quo tanto mais que, para além de se saber “pela experiência da vida que o mais comum é os aderentes confiarem nas explicações de um profissional-utilizador, sem lerem as cláusulas escritas do acordo, por falta de tempo e de capacidade para compreender os seus efeitos” e de que “tal atitude, de tão generalizada que é, não pode considerar-se falta de diligência comum ou razoável”, nos dizeres do Ac. do S.T.J. de 02/12/2013, supra referido, quanto a esta cláusula em concreto, e também pelas regras da experiência comum, quando decorreram conversações prévias à celebração de cada um dos contratos, andava bem afastada da ideia dos Apelantes e da ré a perspectiva do incumprimento.
Assim, invocando a ré seguradora, como fundamento do direito que pretende fazer valer, a referida cláusula contratual geral, tinha de alegar e provar que, com referência a ela, cumpriu os deveres de comunicação e de informação, com o âmbito que acima se deixou referido, o que não fez.
Posto que a não prova de um facto não signifique a prova do facto de sentido contrário, a decisão da questão há-de ser contra a parte onerada com a prova, impondo-se concluir que os Apelantes não tomaram conhecimento efectivo do concreto conteúdo da cláusula 2º e 3 constante do art.º 4 reportado às exclusões/Aluimento de terras.
Com efeito, como refere o Ac. do S.T.J. de 2/12/2013, acima mencionado, “A questão deve ser resolvida em prejuízo de quem tinha o ónus da prova, não só por razões formais, mas também por razões materiais, ligadas à protecção da parte mais fraca”.
Por isso, e nos termos do disposto no art.º. 8º als a) e b) do Dec.-Lei nº. 446/85, de 25 de Outubro, julga-se excluída do contrato as referidas clausulas e declaradas impuníveis ao segurado, por sobre ela não ter recaído consenso, devido à inobservância dos deveres de comunicação e de informação.
Pelo que a resposta ao art.º 18 da base instrutória apenas deve constar o que do documento consta
Assim a resposta a tal artigo deve ser nos seguintes termos
No acordo mencionado em B., consta que ficariam excluídos da cobertura «perdas ou danos resultantes de deficiência de construção, de projecto, de qualidade de terrenos ou outras características do risco, que fossem ou devessem ser do conhecimento prévio do tomador do seguro e/ou do segurado, assim como danos em bens seguros que estejam sujeitos a acção contínua da erosão e acção das águas, salvo se for feita prova que os danos não têm qualquer relação com aqueles fenómenos» – resposta ao artigo 18. da base instrutória.
Finalmente no que respeita à factualidade constante do artigo 11º da base instrutória não podemos concordar com o autor, pois a prova feita não permite a resposta pretendida.
Em primeiro lugar o valor de 7 356,80 euros referido pelo autor não se reporta apenas à reconstrução do muro mas segundo o orçamento junto pelo autor à colocação da tela danificada, reparação da placa danificada, substituição de tubos da fossa e retirar pedras que caíram ( ver doc de fls 8 destes autos).
Todavia conforme resulta da petição inicial não foram pelo autor alegados outros danos que não os danos causados pela retirada das pedras e reconstrução do muro, nos termos assinalados na sentença recorrida.
Aliás veja-se que a prova pericial apenas foi determinada quanto aos anos da reconstrução do murro.
Acresce que relativamente aos demais danos relatados no citado documento a prova não foi coincidente nos termos constantes da motivação da decisão de facto para a qual se remete por com a mesma se concordar (nesta parte).
Depois como nos explicou ao testemunha Luís Filipe Martins Caldas o muro a construir previsto em tal documento nada teria a ver com o murro que lá estaria, pois estaríamos perante um murro em betão com cinta, ferro e rede. Afirmação com a qual se concorda perante a visualização das fotografias juntas aos autos
E é ainda em consequência desta “visualização” e explicação constante do relatório da perícia colegial junto aos autos que concluímos que o valor constante deste elemento de prova corresponde à real e efectiva reparação do muro.
E tendo-se provado que No âmbito e por ocasião da actividade da Ré, o Autor celebrou um acordo de seguro, com data de 2010.10.09, tendo como objecto ramo protecção casa, a que se reporta a apólice nº MR79389305 – al. C. da matéria assente.
A vedar a habitação e logradouro do prédio identificado em B. encontra-se um muro – al. D. da matéria assente.
O capital garantido pela apólice é no valor máximo de € 100.000,00 – al. E. da matéria assente.
O muro a que se refere a al. D. tinha cerca de 60 cm de altura e comprimento de cerca de 20m – resposta parcial ao artigo 1. da base instrutória.
Tal muro mostra-se construído em pedras de granito – resposta parcial ao artigo 2. da base instrutória.
No momento da celebração do acordo, a Ré não levantou quaisquer objecções à inclusão do muro – resposta ao artigo 3. da base instrutória, concluímos dever a ré pagar ao autor o valor dos danos pedidos e provados.
Neste particular apurou-se que
A 7.10.2010, no muro de suporte de terras que divide o prédio aludido em B. e o vizinho ocorreu um deslizamento/ movimentação de solo/terras superficiais – resposta ao artigo 4. da base instrutória.
A que o Autor foi alheio – resposta ao artigo 5. da base instrutória.
O que foi participado à Ré – resposta ao artigo 6. da base instrutória.
Esse deslizamento veio a derrubar o muro de suporte em granito que o sustentava, numa extensão mínima de 20m de comprimento e 4m de altura – resposta ao artigo 7. da base instrutória.
As terras deslizaram, pelo logradouro, e foram parar contra a habitação, a que se juntaram as pedras em granito do muro derrubado – resposta ao artigo 8. da base instrutória.
Por força desse deslizamento e consequente derrube, o Autor teve que remover as terras e pedras de suporte do muro, no que despendeu € 300,00 – resposta parcial ao artigo 10. da base instrutória.
Para reconstruir o muro de suporte da sua propriedade, o Autor necessita de um montante de € 1.200 – resposta parcial ao artigo 11. da base instrutória.
A estes valores acrescem de juros de mora, nos termos dos arts 805º nº3 e 559º do CC e respectivas Portarias.
De efeito, os limites da obrigação de indemnização da seguradora estão fixados pela quantia segurada e pelo dano causado, pois a seguradora não é obrigada para além dessa quantia nem para além do valor do dano (inferior á quantia segura).
É dentro destes limites, que a seguradora deve pagar atempadamente aos titulares do direito á indemnização a quantia devida.
Porém quando a seguradora não paga voluntáriamente aos titulares do direito á indemnização a quantia devida, tendo os mesmos de recorrer aos tribunais para obter o seu pagamento a seguradora constitiu-se em mora desde a notificação do pedido.
A mora é o simples retardamento da prestação.
No caso de indemnização por perdas e danos por facto ilícito a mora ocorre desde a data da citação ou de decisão no caso dos danos não patrimoniais.
Nasce assim para o devedor uma obrigação de juros acessória da obrigação principal, mas que com ela não se confunde, pois uma vez constituída vive por si, com certa autonomia.
Tem pois o autor direito a receber o valor de 1.500 euros acrescida dos juros legais desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.

Síntese conclusiva
A assentada do depoimento de parte vislumbra-se como actuação quase inútil, ou, no mínimo, prolixa e redundante que apenas serve para complexizar e atrasar a tramitação processual
Na verdade, sendo o depoimento gravado nos modernos meios técnicos para o efeito, tanto basta para que toda a (i)relevância e alcance probatório do depoimento sejam – salvo nos casos em que a gravação é deficiente –perfeita e cabalmente verificados e sindicados, quer pelo julgador da 1ª instancia, quer pelo tribunal da Relação, tanto na parte não confessória, como na parte confessória.
Nos contratos de adesão o predisponente deve comunicar ao aderente o teor integral das cláusulas contratuais gerais, comunicação esta que tem de ser feita por modo a que este efectivamente as receba.
Esta comunicação deverá ainda ser feita com o tempo de antecedência que a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas ditem para que seja possível a um aderente normalmente diligente tomar delas um conhecimento completo e efectivo. A comunicação deve ocorrer ainda na fase pré-contratual, antes da emissão da declaração de aceitação do aderente .

DECISÃO
Atento quanto acima se deixa referido, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação e, consequentemente, revogar a douta decisão impugnada, condenando a Apelada a pagar ao Autor, a títulos da danos patrimoniais a quantia de 1.500 euros (mil e quinhentos euros) acrescida dos juros de mora legais desde a data da citação até integral e efectivo pagamento e absolvendo-a do demais peticionado.
Custas pelo Apelante e pela Apelada, na proporção do vencido.
Notifique.
Guimarães, 15 de Setembro de 2014
Maria da Purificação Carvalho
Espinheira Baltar
Henrique Andrade