Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1155/21.6T8BCL.G1
Relator: CRISTINA CERDEIRA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
ÁREA DA PARCELA CONSTANTE DA DUP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/04/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I) - A DUP da expropriação constitui um momento nuclear do procedimento expropriativo, assumindo a natureza de um verdadeiro acto administrativo, e como qualquer acto administrativo, pode ser rectificada a todo o tempo pelo órgão competente para a sua revogação, por iniciativa da Administração ou a pedido de um interessado, se contiver erros de cálculo, materiais ou de escrita e apenas pode ser impugnada no contencioso administrativo.
II) - O processo de expropriação, cujo escopo é a fixação do valor da indemnização a pagar pela parcela expropriada, não é o meio próprio para se proceder à rectificação de áreas ou para rectificar a própria DUP. A verificar-se essa necessidade, ela deve ocorrer, oficiosamente ou a requerimento dos interessados, pela mão da entidade com competência para a sua emissão ou, havendo litígio entre os interessados, através da impugnação do acto administrativo junto dos tribunais administrativos.
III) - Numa expropriação, a DUP e o auto de posse administrativa, ao fixarem uma determinada área como correspondente à da parcela expropriada, e sendo esta confirmada no despacho de adjudicação proferido nos autos, fixam os pressupostos de facto dessa expropriação para a fixação da indemnização devida pela mesma.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

Nos presentes autos de expropriação por utilidade pública, em que é expropriante M..., S.A. e expropriados AA e mulher BB, por despacho do Senhor Secretário de Estado Adjunto nº. ...20 de 24/04/2020, publicado no Diário da República - 2ª Série, nº. 87, de 5/05/2020, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação da parcela de terreno nº. ..., com a área de 5.250 m2, correspondente ao prédio rústico situado em ... ou ..., Freguesia ..., Concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...22 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...67 e da parcela de terreno nº. ..., com a área de 3.000 m2, correspondente ao prédio rústico denominado ..., situado em ..., freguesia ..., Concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...35 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º ...05 (com origem no artº. 216), necessárias à continuação da exploração dos recursos geológicos pela entidade expropriante, no âmbito do contrato de concessão de exploração de depósitos minerais de caulino que esta celebrou com o Estado Português, registado com o número de cadastro C-105 (Contrato ...05), com a denominação de “...” (...).

Em 8/06/2020 foram realizadas as vistorias “ad perpetuam rei memoriam” (doravante VAPRM) às parcelas a expropriar, cujos autos se encontram juntos a fls. 34vº a 37 dos presentes autos e fls. 34vº a 37 do apenso A, tendo sido prestados esclarecimentos pelo Senhor Perito que realizou as vistorias, a pedido de ambas as partes, conforme consta dos relatórios complementares de fls. 47vº a 50vº (processo principal) e fls. 46vº a 48 (apenso A).

A entidade expropriante tomou posse administrativa das referidas parcelas em 27/11/2020, conforme autos de posse juntos a fls. 57vº destes autos e fls. 55 do apenso A.
Efectuada a arbitragem, por acórdãos arbitrais de Março de 2021, os árbitros, por unanimidade, depois de classificarem o solo das parcelas expropriadas como “solo apto para outros fins”, levando em consideração uma área das parcelas superior à constante da Declaração de Utilidade Pública (doravante DUP), indicada nos relatórios complementares da VAPRM com base num levantamento topográfico anexo, e utilizando o critério de avaliação definido no artº. 27º, nº. 3 do CE, atribuíram os seguintes montantes a título de indemnização pela expropriação:
a) - da Parcela nº. 1, considerando como área expropriada a de 5.944 m2, o valor global de € 75.535,00, sendo € 26.832,00 relativo ao valor do terreno situado a mais de 50 m da Rua ..., € 40.463,00 ao valor do terreno situado a menos de 50 m da Rua ... e € 8.240,00 ao valor das benfeitorias correspondentes a um poço com 11 m de profundidade e revestido com aduelas de cimento de 1,20 m de diâmetro, uma mina com 15 m de extensão, um furo artesiano com 130 metros de profundidade, uma cabine de motor em blocos de cimento não rebocados, uma vedação em malha sol na frente da parcela para o caminho e um sistema de rega automática sob pressão com tubo de 2,5 polegadas de diâmetro e 100 m de extensão (fls. 71 a 79 destes autos);
b) - da Parcela nº. 2, considerando como área expropriada a de 3.040 m2, o valor de € 30.278,00 como sendo o valor do terreno (fls. 73vº a 80vº do apenso A).

Em 5/05/2021 a entidade expropriante remeteu os presentes autos de expropriação com o nº. 1155/21...., referentes à Parcela n.º ..., e o processo de expropriação com o nº. 1156/21.... (que constitui o apenso A), referente à Parcela nº. 2, ao abrigo do disposto no artº. 51º do Código das Expropriações (doravante CE), para o Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo Local Cível ..., nos quais peticionou a adjudicação da propriedade das referidas parcelas à expropriante, a notificação do respectivo despacho de adjudicação, da decisão arbitral e dos elementos apresentados pelos árbitros aos expropriados e à expropriante, com indicação quanto àqueles do montante depositado e da faculdade de interposição de recurso a que se refere o artº. 52º do CE e a comunicação à Conservatória do Registo Predial ..., para efeitos do disposto no n.º 6 do artº. 51º do mesmo Código (fls. 3 a 6vº destes autos e do apenso A).
A expropriante procedeu ao depósito da quantia de € 50.267,80 correspondente à proposta por si dirigida aos expropriados, com vista à obtenção de um acordo em sede de expropriação amigável, para aquisição das Parcelas nºs 1 e 2, imóveis contíguos e pertencentes aos mesmos expropriados, valor aquele que teve como fundamento o Relatório de Avaliação junto pela expropriante como doc. ... do seu requerimento inicial (fls. 25vº a 31, 55vº e 56 destes autos).
Por despachos proferidos em 7/05/2021, foi adjudicada à entidade expropriante a propriedade das aludidas parcelas de terreno nºs 1 e 2 (fls. 84 destes autos e fls. 81 e vº do apenso A). 

Tendo sido requerida pela entidade expropriante (e também pelos expropriados), por despacho proferido em 2/07/2021, foi determinada a apensação aos presentes autos do processo de expropriação n.º 1156/21...., que corria termos no Juízo Local Cível ... - Juiz ..., referente à expropriação da Parcela n.º ... (cujo terreno confina com o da Parcela n.º ...) e em que as partes são as mesmas (fls. 103 e vº).

O expropriado CC deduziu incidente de habilitação de herdeiros, que foi tramitado no apenso B, tendo por sentença proferida em .../.../2021 sido habilitados como herdeiros da expropriada BB, falecida em .../.../1998, além do expropriado AA, os seus filhos DD e ... (fls. 12 a 13vº do apenso B).

Inconformada com a decisão arbitral relativa à Parcela nº. 1, a expropriante M..., S.A. dela interpôs recurso para o tribunal de comarca, alegando, em síntese, que:

- o processo de expropriação não é o meio próprio para alterar a área constante da DUP (5.250 m2), pelo que, na avaliação efectuada, aos Senhores Árbitros estava vedado considerar a área de 5.944 m2 ao arrepio da área constante da DUP;
- a avaliação do terreno como “solo para outros fins” não respeitou ou aplicou adequadamente o critério previsto no n.º 3 do art.º 27º do CE, ao ficcionar um potencial de produção e em valores de rendimento anual anormalmente acima da média para aquele tipo de terrenos naquela localização e, ainda, ao considerar uma majoração para a área situada a menos de 50 m da Rua ... (arruamento em terra batida, sem passeios e servida exclusivamente por rede de energia eléctrica e colector de águas residuais), o que não faz qualquer sentido nem tem suporte legal.
Conclui, assim, que o quantum indemnizatório a atribuir aos expropriados não deve ser fixado em montante superior a € 37.795,00, resultante da correcção da área expropriada de acordo com a DUP (para 5.250 m2), o que perfaz € 30.555,00, a que acresce o valor de € 7.240,00 respeitante às benfeitorias (poço, mina, furo artesiano, cabine em blocos e vedação).
Admitido o recurso da expropriante por despacho de 7/07/2021 (refª. ...20), veio o expropriado AA apresentar contra-alegações, alegando, em síntese, que:
- correspondendo a área de 5.944 m2 à área correcta do prédio expropriado, determinada no levantamento topográfico, efectuado por topógrafo habilitado e anexo ao relatório complementar da vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, sendo a área efectivamente utilizada pela expropriante, deverá ser aquela a área considerada para efeitos de cálculo da justa indemnização;
- no estabelecimento da “conta de cultura” considerou-se a orografia do terreno, a disponibilidade de água e admitiu-se as culturas “mais remuneradoras do terreno”, considerando uma hipótese de rotação bianual de culturas, sendo esta a hipótese que melhor se enquadra, pois o sistema de rotatividade das terras é o utilizado pelo recorrido para rentabilizar as produções, não merecendo o potencial de produção calculado pelos Srs. Peritos qualquer censura;
- o cálculo de rendimentos a efectuar deverá compor uma estimativa de rendimentos líquidos anuais que gere ou possa vir a gerar e que reflictam as condições de exploração normais face aos solos e técnicas locais de cultivo e ainda a uma taxa de capitalização que traduza a rentabilidade esperada do capital investido, a qual deverá ainda reflectir não só a taxa de remuneração base sem risco, mas também o prémio de risco inerente a cada tipo de investimento;
- os Srs. Peritos não consideraram a produção do melão casca-de-carvalho, pois que se tivessem considerado, os valores calculados para rendimento anual seriam certamente superiores;
- deve manter-se a majoração para a área do prédio mais próxima da Rua ..., por ser devida e conforme quer com a legislação, quer com a realidade do terreno;
- o sistema de rega instalado no prédio expropriado foi instalado com as medidas necessárias àquela plantação e, em específico, para o cultivo do melão casca-de-carvalho, pelo que ainda que fosse retirado não tem o expropriado como fazer uso do mesmo, por não possuir outros terrenos com condições análogas e ideais geologicamente, que lhe permitam fazer nova plantação, devendo, por isso, o expropriado ser ressarcido daquele montante.
O expropriado AA interpôs, ainda, recurso subordinado da decisão arbitral, pretendendo que a cultura de melão casca-de-carvalho, que os Srs. Peritos verificaram existir na parcela expropriada, mas não consideraram na ponderação da avaliação do terreno, seja considerada para efeitos do potencial de produção e do cálculo do rendimento médio anual do expropriado e, em consequência, seja a indemnização recalculada para um valor que se mostre justo e condizente com as produções do expropriado e as disposições dos artºs 23º do CE e 62º da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP).

Admitido o recurso subordinado do expropriado por despacho de 2/02/2022 (refª. ...16), veio a expropriante apresentar resposta, pugnando pela improcedência do mesmo.

Na acção nº. 1156/21...., a entidade expropriante também interpôs recurso da decisão arbitral relativa à Parcela n.º ... para o tribunal de comarca (mas anteriormente ao despacho que determinou a sua apensação aos presentes autos), suscitando a questão prévia de que a proposta de aquisição amigável por si apresentada abrangia duas parcelas: a Parcela ..., com 3.000 m2, aqui em causa, e a Parcela ..., com 5.250 m2, pelo que só por lapso, certamente, é que a fixação do valor da indemnização foi feita pelo valor da proposta de aquisição amigável apresentada pela expropriante para as duas parcelas (€ 50.267,80) e não pelo valor determinado pela arbitragem (€ 30.278,00).
Para além disso, alega, em síntese, que:
- o processo de expropriação não é o meio próprio para alterar a área constante da DUP (3.000 m2), pelo que, na avaliação efectuada, aos Senhores Árbitros estava vedado considerar a área de 3.040 m2 ao arrepio da área constante da DUP;
- a avaliação do terreno como “solo para outros fins” não respeitou ou aplicou adequadamente o critério previsto no n.º 3 do art.º 27º do CE, ao ficcionar um potencial de produção e em valores de rendimento anual anormalmente acima da média para aquele tipo de terrenos naquela localização.
Conclui, assim, que o quantum indemnizatório a atribuir aos expropriados não deve ser fixado em montante superior a € 16.530,00, resultante da correcção da área expropriada de acordo com a DUP para 3.000 m2.

Admitido o recurso da expropriante por despacho de 7/07/2021 (refª. ...20), veio o expropriado AA apresentar contra-alegações, alegando, em síntese, que:

 - encontra-se anexo ao relatório complementar da vistoria “ad perpetuam rei memoriam” levantamento topográfico da parcela, efectuado por topógrafo habilitado, o qual determinou que a área correcta da parcela expropriada é de 3.040 m2;
- assim, a área de 3.040 m2 considerada no laudo arbitral corresponde à área correcta do prédio expropriado, sendo a área efectivamente utilizada pela expropriante, pelo que deverá ser aquela a área considerada para efeitos de cálculo da justa indemnização;
- no estabelecimento da “conta de cultura” considerou-se a orografia do terreno, a disponibilidade de água e admitiu-se as culturas “mais remuneradoras do terreno”, considerando uma hipótese de rotação bianual de culturas, sendo esta a hipótese que melhor se enquadra, pois o sistema de rotatividade das terras é o utilizado pelo recorrido para rentabilizar as produções, não merecendo o potencial de produção calculado pelos Srs. Peritos qualquer censura;
- o cálculo de rendimentos a efectuar deverá compor uma estimativa de rendimentos líquidos anuais que gere ou possa vir a gerar e que reflictam as condições de exploração normais face aos solos e técnicas locais de cultivo e ainda a uma taxa de capitalização que traduza a rentabilidade esperada do capital investido, a qual deverá ainda reflectir não só a taxa de remuneração base sem risco, mas também o prémio de risco inerente a cada tipo de investimento;
- os Srs. Peritos não consideraram a produção do melão casca-de-carvalho, pois que se tivessem considerado, os valores calculados para rendimento anual seriam certamente superiores;
- ainda que se mantenham os produtos considerados pelos Srs. Peritos, quanto aos respectivos preços resulta do próprio SIMA e do IFAP e produtores da Região, valores superiores aqueles considerados pelos Senhores Peritos no laudo de arbitragem, não merecendo a decisão arbitral os reparos que lhe aponta a expropriante.

O expropriado AA interpôs, ainda, recurso subordinado da decisão arbitral, pretendendo que a cultura de melão casca-de-carvalho seja considerada para efeitos do potencial de produção e do cálculo do rendimento médio anual do expropriado (apesar de tal cultura não se encontrar plantada à data da expropriação) e, em consequência, seja a indemnização recalculada para um valor que se mostre justo e condizente com as produções do expropriado e as disposições dos artºs 23º do CE e 62º da CRP.

A expropriante apresentou resposta ao recurso subordinado interposto pelo expropriado, pugnando pela improcedência do mesmo.

Foi realizada a avaliação das parcelas expropriadas, tendo os Srs. Peritos nomeados elaborado os respectivos relatórios com as respostas aos quesitos apresentados pela expropriante e pelos expropriados juntos a fls. 179 a 194vº, sendo ainda elaborada pelo Perito indicado pela entidade expropriante a adenda junta a fls. 177 a 178vº (relativamente às razões da sua discordância quanto ao que incidiu sobre a Parcela nº. 1), nos quais:
- os Peritos indicados pelo Tribunal e pelos expropriados fixaram o valor total da indemnização relativa à Parcela nº. 1 em € 78.034,34, correspondente ao somatório do valor do terreno da parcela expropriada (considerando a área total de 5.944 m2) e das benfeitorias nela existentes (€ 69.794,34 + € 8.240,00);
- o Perito indicado pelo expropriante entendeu que o valor do terreno da Parcela nº. 1 é de € 52.307,20 (considerando a área total de 5.944 m2) e subscreve o valor das benfeitorias no montante total de € 8.240,00, sendo o valor total da indemnização a atribuir de € 60.547,20, não subscrevendo as respostas aos quesitos relativas ao melão casca-de-carvalho;
- todos os Peritos consideram que o valor total da indemnização a atribuir aos expropriados, relativa ao terreno da Parcela nº. 2, deve ser de € 26.758,76, não tendo sido consideradas benfeitorias.

Dos relatórios periciais foi apresentado pela entidade expropriante pedido de esclarecimentos, tendo os Srs. Peritos prestado os esclarecimentos constantes de fls. 203 a 204 destes autos.

Ambas as partes apresentaram alegações, nos termos do artº. 64º, nº. 1 do CE, nas quais reiteram, no essencial, as posições já assumidas nos respectivos recursos da decisão arbitral e nas respostas a esses recursos (cfr. fls. 208 a 217).

 Em 3/11/2022 foi proferida sentença que decidiu julgar:
1. no que tange à Parcela n.º ...:
1.1. totalmente improcedente o recurso interposto pela Entidade Expropriante;
1.2. totalmente procedente o recurso subordinado interposto pelo Expropriado AA e, por via disso, fixar o valor da indemnização pela expropriação daquela parcela em 78 034,34 € (setenta e oito e trinta e quatro euros e trinta e quatro cêntimos); e
2. no que tange à Parcela n.º ...:
2.1. parcialmente procedente o recurso interposto pela Entidade Expropriante, fixando-se o valor da indemnização pela expropriação da Parcela n.º ... em 26 758,76 € (vinte e seis mil, setecentos e cinquenta e oito euros e setenta e seis cêntimos); e
2.2. totalmente improcedente o recurso subordinado interposto pelo Expropriado AA.
Custas a cargo, no que tange aos pontos 1.1 e 1.2, da Entidade Expropriante; no que tange ao ponto 2.1, a cargo, em função do respectivo decaimento, do Expropriado AA (único que contra-alegou), e, no que tange ao ponto 2.2, a cargo do Expropriado AA - artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Inconformada com tal decisão, a entidade expropriante dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]:

A – A área das parcelas expropriadas identificadas no n.º 4º dos factos provados (5944m2 para a Parcela ... e 3040m2 para a Parcela ...), mostra-se incorrecta por estar em flagrante contradição com os elementos de identificação dos prédios correspondentes àquelas parcelas, designadamente a certidão predial e matricial, constantes do processo administrativo de expropriação e igualmente identificados naquele ponto 4 dos factos provados;
B – A referida área indicada naquele ponto 4 dos factos provados também está igualmente em flagrante contradição com a área da Declaração de Utilidade Pública publicada na 2ª série do Diário da República n.º 87 de 05 de Maio de 2020, constante do ponto 5 dos factos provados;
C – Motivos bastantes para que o referido ponto 4 dos factos provados, na parte que se refere à área, deva ser alterado, ficando a ... com a área de 5250m2 e a Parcela ... com a área de 3000m2;
Sem prescindir,
D – O presente processo de expropriação nunca seria o meio próprio para alterar as áreas constantes dos processos administrativos de expropriação que estão na génese da presente acção judicial;
E – Acresce que, tendo sido parte e sido ouvidos nesse processo administrativo, os Apelados nunca apresentaram qualquer reclamação quanto às áreas que estavam consideradas naquele processo administrativo – como era sua faculdade;
Também sem prescindir,
F – Tendo-se limitado a apresentar um levantamento topográfico encomendado por si, o qual foi expressamente impugnado pela Apelante, os Apelados não lograram fazer prova neste processo da área invocada para as parcelas 1 e 2 e considerada na sentença de que se recorre;
G - Corrigida a matéria de facto nos termos acima defendidos, impõe-se, em consequência, corrigir a avaliação feita pelos Senhores Peritos, considerando a área correcta:
Parcela ... - 5250m2 x € 11,74/m2 = € 61.635,00 (sessenta e um mil e seiscentos e trinta e cinco euros)
Parcela ... - 3000m2 x €8,80/m2 = € 26.400,00 (vinte e seis mil e quatrocentos euros)
H – O montante indemnizatório total a atribuir aos Apelados deve, assim, ser no valor de € 88.035,10 (oitenta e oito mil e trinta e cinco euros e dez cêntimos).
I – A sentença recorrida violou, pois, o artigo 2º, o n.º 2 do artigo 10º, o artigo 12º, o n.º 1 do artigo 23º, todos do Código das Expropriações, bem como o artigo 31º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos e artigos 341º e 342º do Código Civil.
Termina entendendo que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-se por outra que considere as áreas das parcelas expropriadas em conformidade com o processo administrativo de expropriação e, nessa asserção, fixe o montante indemnizatório total a atribuir aos recorridos no valor de € 88.035,10.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido por despacho de 16/03/2023 (refª. ...81).
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artºs 608º, nº. 2 (aplicável “ex vi” do artº. 663º, n.º 2 in fine), 635º, nº. 4, 637º, nº. 2 e 639º, nºs 1 e 2 todos do Novo Código de Processo Civil (doravante designado NCPC), aprovado pela Lei nº. 41/2013 de 26/6.

Nos presentes autos, o objecto do recurso interposto pela expropriante, delimitado pelo teor das respectivas conclusões, circunscreve-se à apreciação das seguintes questões:

I) – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
II) - Determinação do montante da indemnização devida pela expropriação das Parcelas nºs 1 e 2, em função da correcção das respectivas áreas.

Na sentença recorrida foram considerados provados, com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos [transcrição]:

1. A M..., S.A. é uma sociedade anónima que tem por objecto social a prospecção, registos, arrendamento e exploração de minas e preparação industrial de minérios.
2. No âmbito dessa actividade, a Entidade Expropriante celebrou com o Estado Português um contrato de concessão de exploração de depósitos minerais de caulino, registado com o número de cadastro C-105 (Contrato ...05) e com a denominação de “...” (...”).
3. Tendo a aquisição, pela via negocial, se frustrado e a fim de garantir a continuidade em laboração da M..., S.A., esta decidiu instruir o processo de expropriação tendo em vista requerer a Declaração de Utilidade Pública junto do Gabinete de Sua Excelência o Ministro da Economia de prédios propriedade privada, que se encontram englobados na área da concessão.
4. Entre outros, a M..., S.A. pretendia adquirir as seguintes parcelas de terreno:
4.1. Parcela ...: prédio rústico situado em ... ou ..., Freguesia ..., Concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...22 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º ...67, com uma área de 5 944,00m2, que confronta a norte com EE, a sul com FF, a nascente com M..., S.A. (Entidade Expropriante) e a poente com caminho público (Rua ...); e
4.2. Parcela ...: prédio rústico denominado ..., situado em ..., freguesia ..., Concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...35 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º ...05 (que proveio do n.º 216), com uma área de 3 040,00m2, que confronta a norte com AA, a sul com GG, a nascente com HH e a poente com II.
5. O Secretário de Estado Adjunto e da Energia, no uso das suas competências e atribuições emanadas de delegação de poderes do Ministro do Ambiente e da Acção Climática, constante da alínea e) do n.º 1 do despacho n.º ...19, de 18 de Dezembro, publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 243, de 18 de Dezembro de 2019, exarou, no dia 24 de Abril de 2020, o despacho n.º ...20, declarando a utilidade pública e reconhecendo o interesse público da exploração dos recursos geológicos dos prédios identificados no mapa e na planta anexos ao mesmo (a que correspondem os referidos nos supra pontos 4.1 e 4.2), atribuindo à expropriação carácter de urgência e determinando que os respectivos encargos são integralmente suportados pela M..., S.A., despacho esse que foi publicado na 2ª série do Diário da República n.º 87, de 5 de Maio de 2020.
6. A M..., S.A. tomou posse administrativa das parcelas em questão no dia 27 de Novembro de 2020.
7. A vistoria ad perpetuam rei memoriam teve lugar a 29 de Maio de 2020.
8. A Parcela n.º ... dispõe, a poente, de acesso directo à via pública (Rua ...), cujo arruamento não tem passeios e tem uma largura variável entre 5,50m e 6,00m, e com pavimento em macadame.
9. A Parcela n.º ... não dispõe de acesso directo autónomo à via pública, cuja mais próxima se situa a cerca 80 metros e é a supramencionada Rua ..., sendo que entre esta parcela e a dita via existe apenas a Parcela n.º ....
10. No arruamento da Rua ..., no segmento sito ao longo da Parcela n.º ..., existe rede de energia eléctrica, colector de águas residuais e telefones.
11. Os equipamentos existentes na freguesia, nomeadamente de ensino, de culto, de saúde e desportivos, localizam-se a cerca de 300 metros das parcelas nºs 1 e 2, sendo que o equipamento (escola) mais próximo dista 290 metros a habitação mais próxima 160 metros.
12. A Parcela n.º ... tem a forma de quadrilátero, sendo um terreno plano e horizontal, e, a 29 de Maio de 2020, tinha o seguinte uso: cultivo de milho e forragem para silagem, em cerca de 3/4 da sua área total, e cultura de melão de casca de carvalho, no restante 1/4 da sua área total, ambas em bom estado de desenvolvimento.
13. A Parcela n.º ... possui um solo de boa qualidade, de natureza granítica, profundo, com uma espessura média da ordem de 1,50m, próprio para cultura de regadio, dispondo de água de rega, obtida do poço com mina existente no quadrante sul/poente da parcela, e de um furo artesiano, com 130m de profundidade, localizado a cerca de 15 m do caminho público e a 2m do limite poente do terreno.
14. O subsolo da Parcela n.º ... constitui um depósito natural de caulino, com aparência de boa qualidade.
15. A Parcela n.º ... tem a forma de quadrilátero, sendo um terreno plano e horizontal, e, a 29 de Maio de 2020, tinha o seguinte uso: cultivo de milho e forragem para silagem, em toda a sua área, que se encontrava em bom estado de desenvolvimento.
16. A Parcela n.º ... possui um solo de boa qualidade, de natureza granítica, profundo, com uma espessura média da ordem de 1,50m, próprio para cultura de regadio, dispondo de água de rega, obtida do poço com mina e do furo artesiano existentes na Parcela n.º ....
17. No PDM ..., publicado no D.R. n.º 134, 2.ª série, de 13 de Julho de 2015, constam as respectivas Plantas de Condicionantes e de Ordenamento, das quais resulta que as parcelas referidas, assim como os prédios da sua envolvente imediata, se encontram abrangidos pelos seguintes tipos de classificação:
17.1. no âmbito da Planta de Condicionantes: Reserva Ecológica Nacional (REN), Reserva Agrícola Nacional (RAN) e espaço afecto à exploração de recursos geológicos;
17.2. no âmbito da Planta de Ordenamento: solo rural, espaço agrícola de produção.
18. Na envolvente das parcelas e dentro do perímetro até 300 metros da mesma, verificava-se que, a 29 de Maio de 2020, a ocupação dominante dos respectivos solos é, na sua maioria, da mesma natureza da que ocorre nas parcelas expropriadas, havendo também ocupações florestais.
19. Existiam outros prédios que haviam já sido objecto de exploração de inertes a céu aberto, confrontando um deles com a Parcela n.º ... (lado poente).
20. Na parcela n.º ... a ...9 de Maio de 2020, existia:
20.1. um poço de captação de água para rega, que serve a parcela n.º ... e ..., com 11,00 m de profundidade, revestido com aduelas de cimento de 1,20 m de diâmetro, com um valor de 1 100,00 €;
20.2. uma mina, ao nível do fundo do referido poço, com 15,00 m de extensão, com um valor de 750,00 €;
20.3. um furo artesiano com a profundidade de 130 metros, equipado com o respectivo grupo elevatório, com as mesmas funções do poço mencionadas em 20.1, com um valor de 4 550,00 €.
20.4. uma cabine de motor, em blocos de cimento não rebocados nem pintados, com cobertura em laje plana, com as dimensões em planta de 2,00 m x 2,50 m e 2,70 m de pé-direito, com porta chapeada, com instalações de baixada eléctrica, contador e equipamento de comando e controle do sistema de rega automática, com um valor de 500,00 €;
20.5. uma sementeira de milho/folhagem para silagem, ocupando uma área de cerca de 3/4 da parcela;
20.6. uma cultura de melão "casca de carvalho", ocupando uma área de cerca de 1/4 da parcela;
20.7. uma vedação em malha sol, na frente da parcela ao longo da via pública, numa extensão da ordem de 68 m, com 3 m de altura, apoiada a nível inferior num “soco” existente ao longo do caminho público, parcialmente a desmoronar-se, e construído em blocos de cimento, com cerca de 0,40 m de altura, na extensão de 60,00 m, com um valor de 340,00 €;
20.8. um sistema de rega automática sob pressão, constituído por canos de plástico de 2,5 polegadas de diâmetro e respectivos bicos, na extensão da ordem 100,00 m, com um valor de 1 000,00 €.
21. Na parcela n.º ... a ...9 de Maio de 2020, existia uma semeadura de milho/forragem para silagem, que ocupava toda a sua área.
22. As parcelas n.ºs 1 e 2 encontravam-se a ser exploradas pelos próprios donos.
23. Na Parcela n.º ..., na área referida no ponto 20.5, e na Parcela n.º ..., a produção de milho era realizada nos meses de Maio a Setembro, sendo que de Outubro a Março era produzida erva azevém, permitindo dois cortes de erva verde e seca.
24. Na Parcela n.º ..., a produção de melão casca de carvalho, na área referida em 20.6, é realizada nos meses de Fevereiro a Agosto, sendo que de Setembro a Dezembro é produzida erva azevém, permitindo um corte de erva verde.
25. A produção de milho tem um valor de 0,1743 € o quilo por hectare, sendo o seu potencial de produção comerciável por hectare de 51 000,00 kg, correspondendo 70% do rendimento bruto obtido a despesas de exploração.
26. A produção de erva azevém, no 1.º corte, tem um valor de 0,07 € o quilo por hectare, com potencial de produção comerciável por hectare de 23 000,00 kg, correspondendo 55% do rendimento bruto obtido a despesas de exploração.
27. A produção de erva azevém, no 2.º corte, tem um valor de 0,12 € o quilo por hectare, sendo o seu potencial de produção comerciável por hectare de 2 700,00 kg, correspondendo 60% do rendimento bruto obtido a despesas de exploração.
28. A produção de melão casca de carvalho tem um valor de 5,00 € o quilo por hectare, sendo o seu potencial de produção comerciável por hectare de 7 500,00 kg, correspondendo 75% do rendimento bruto obtido a despesas de exploração.

Por outro lado, na sentença recorrida, foram considerados não provados os seguintes factos [transcrição]:
a) A Parcela n.º ... tem uma área de 5 250,00 m2.
b) A Parcela n.º ... tem uma área de 3 000,00 m2.
c) O sistema de rega referido no ponto 20.8 dos factos provados foi retirado e aproveitado pelos expropriados.
d) O preço do milho grão é de 0,30€/kg.
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Apreciando e decidindo.
 
Antes de passarmos à análise do recurso propriamente dito, importa salientar o facto de ser aplicável ao caso dos autos o Código das Expropriações aprovado pela Lei nº. 168/99 de 18/9 (com as alterações introduzidas pelas Leis nºs 13/2002 de 19/2, 4-A/2003 de 19/2, 67-A/2007 de 31/12 e 56/2008 de 4/9), tendo em conta a data da publicação da declaração de utilidade pública (DUP) da presente expropriação, sendo aquela data o momento pertinente para efeitos de determinação da legislação aplicável à fixação da indemnização devida, por ser aí que surge, para o expropriado, o direito de crédito indemnizatório (cfr. acórdãos da RL de 22/11/2007, proc. nº. 4072/2007-2 e da RP de 17/04/2008, proc. nº. 0831654, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
 
Nesta conformidade, aplica-se, “in casu”, o Código das Expropriações aprovado pela Lei nº. 168/99 de 18/9, por ser o diploma vigente à data da publicação da DUP, sendo este CE de 1999 a que doravante se fará referência.
 
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Apreciemos, então o recurso da entidade expropriante.

I) – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:

Vem a expropriante, ora recorrente, impugnar a decisão sobre a matéria de facto, pretendendo que sejam alteradas as áreas referidas no ponto 4 dos factos provados, devendo ser atribuídas as áreas de 5.250 m2 à Parcela nº. 1 e de 3.000 m2 à Parcela nº. 2.
Para fundamentar a sua pretensão alega que as áreas de 5.944 m2 (Parcela ...) e 3.040 m2 (Parcela ...) constantes do aludido ponto 4 dos factos provados estão em flagrante contradição com aquilo que resulta dos elementos cadastrais dos prédios em causa (descrição predial e inscrição na matriz – cfr. doc. 4 e 5 do requerimento inicial) e com as áreas indicadas na Declaração de Utilidade Pública, publicada em Diário da República - 2ª Série, de 5/05/2020 (cfr. doc. ... do requerimento inicial).
Mais alega que em momento anterior à publicação da DUP e no âmbito do processo administrativo, os recorridos foram notificados da proposta de aquisição amigável, “na qual eram informados sobre os elementos do prédio objecto de expropriação, designadamente a área (8.978 m2, correspondentes a 5.250 m2 [Parcela ...] + 3.000 m2 [Parcela ...]) e convidados a apresentar quaisquer elementos que entendessem necessários ou úteis - cfr. doc. ... do requerimento inicial”, sendo que os expropriados nada disseram.
Defende a recorrente que a correcção da área das parcelas objecto de expropriação que os expropriados/recorridos não quiseram fazer no processo administrativo, não pode ser feita neste processo judicial, que visa exclusivamente fixar o valor da justa indemnização a atribuir pela ablação do direito de propriedade de um prédio cujos elementos foram fixados, para efeitos deste processo judicial, naquele processo administrativo.
Argumenta, ainda, que os expropriados não lograram fazer prova neste processo das áreas invocadas para as Parcelas 1 e 2, designadamente solicitando a realização de um levantamento por perito independente, considerando que o levantamento topográfico apresentado – acolhido pelos Srs. Árbitros e pelos Srs. Peritos – foi encomendado pelos próprios expropriados e impugnado pela ora recorrente.

Ora, na “motivação de facto” que integra a sentença recorrida, escreveu-se o seguinte [transcrição]:

O tribunal fundou a sua convicção na prova pericial junta aos autos, nas respostas dadas pelos Peritos aos quesitos formulados pelas partes, no relatório de vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, no acórdão arbitral, nos documentos juntos aos autos e na posição das partes assumida nos seus articulados.
Dentre todas as diligências de prova, a avaliação, realizada por técnicos, assume especial relevo, o qual, inclusive e por imposição leal, é de realização obrigatória - artigo 61.º, n.º 2, do Código das Expropriações.
Apesar da força probatória da prova pericial ser livremente apreciada pelo tribunal, competindo ao julgador decidir segundo a sua convicção, este deverá aderir à avaliação técnica efectuada pelos peritos, quando perfilham conhecimentos técnicos ou científicos que em razão da sua formação académica lhe escapam, a menos que se suscitem questões de direito com relevância para o cálculo do valor do bem expropriado, ou existam elementos de prova suficientemente sólidos que o habilitem a divergir dos peritos – artigos 388.º e 389.º do Código Civil. [1]
O resultado da avaliação pericial, apesar de não constituir um juízo vinculativo do tribunal, é-lhe de grande auxílio, uma vez que importa para os autos os elementos objectivos e técnicos imprescindíveis à formação da convicção do julgador na tarefa de avaliar um bem imóvel, sobretudo dada a carência de outros elementos objectivos que permitissem, eventualmente, fixar um montante diverso do indicado.
O problema que se coloca ao julgador nos processos de expropriação tem sido equacionado como um problema de adesão, na medida em que deve aderir à avaliação técnica efectuada pelos peritos ou ao parecer maioritário destes, a menos que se suscitem questões de direito com relevância para o cálculo do valor da coisa ou que o processo contenha elementos de prova suficientemente sólidos - para além da avaliação - que o habilitem a divergir [2].
Por sua vez, a jurisprudência tem sido uniforme no entendimento de que, quando haja disparidade entre os peritos do Tribunal e os outros, deve merecer a preferência do julgador o laudo dos primeiros, pela maior garantia de imparcialidade que oferecem, aliada à competência técnica, de presumir, perante a sua inclusão na respectiva lista oficial [3]. Mas, num e noutro caso, só assim deve suceder quando o parecer maioritário não contrarie as normas legais que delimitam o cálculo do montante indemnizatório [4].
Dito  isto,  o  facto  dado  como  provado  no  ponto  1  resulta  da  respectiva  certidão
___________________________________
[1] PEDRO ELIAS DA COSTA, Guia das expropriações por utilidade pública, 2.ª edição, Almedina, 2003, pág. 203, e, ainda, a título exemplificativo e quanto à livre apreciação do juiz da prova pericial, vide acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11-03-2010, proc. n.º 949/05.4TBOVR-A.L1-8, do Tribunal da Relação de Guimarães de 07-06-2018, proc. n.º 3/14.8TJVNF.G2, do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-03-2009, proc. n.º 4/05.7TAACN.C1, e 11-05-2020, proc. n.º 992/20.3T8CTB-A.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[2] Neste sentido, vide Acórdãos da Relação de Évora, de 19 de Março de 1992, BMJ., n.º 415, p. 747, da Relação de Lisboa de 15-04-1999, in CJ., Ano 1999, tomo II, pág. 105, e, ainda, do Tribunal da Relação de Guimarães de 22-01-2003, proc. n.º 1419/02-2, este disponível em www.dgsi.pt.
[3] Cfr. Acórdãos da Relação do Porto, de 22 de Maio de 1986, CJ, Tomo III, p. 199, de 27 de Maio de 1980, CJ, Tomo II, p. 82, e, ainda, do Tribunal da Relação de Guimarães de 22-01-2003, proc. n.º 1419/02-2, este disponível em www.dgsi.pt.
[4] Vide Acórdãos da Relação de Lisboa de 15-04-1999, in CJ., Ano 1999, tomo II, pág. 105 e do Tribunal da Relação de Guimarães de 22-01-2003, proc. n.º 1419/02-2, este disponível em www.dgsi.pt.
permanente da Entidade Expropriante, junta a fls. 8 a 13v (acção principal).

O facto provado e vertido no ponto 2 assim resulta do teor do respectivo contrato, junto a fls. 14 a 19 (acção principal).
No que tange ao ponto 3 a 5 dos factos dados como provados, a factualidade ali narrada resultou da acta do Conselho de Administração de M..., S.A., de 31/10/2017, junta a fls. 19v a 20 (acção principal), das respectivas descrições prediais dos prédios expropriados, junta a fls. 20v a 21 (acção principal) e 20 a 21 (apenso A); similarmente, das respectivas cadernetas prediais, juntas a fls. 21v e 21v (apenso A); das missivas remetidas entre a  Entidade Expropriante e
Expropriados, juntas a fls. 22 a 25v (acção principal), e extracto da publicação do despacho n.º ...20 no Diário da República, junto a fls. 41v a 42 (acção principal).
O facto vertido no ponto 6 resulta provado em virtude do extracto da publicação do despacho n.º ...20 no Diário da República, junto a fls. 41v a 42 (acção principal), e do auto de posse administrativa, junto a fls. 57v (acção principal).
O facto dado como provado do ponto 7 resulta da missiva entregue pela Entidade Expropriante aos Expropriados a notificar este que a realização da vistoria “ad perpetuam rei memoriam” se realizaria a 29 de Maio de 2020, pelas 14h30, tudo junto a fls. 32v a 33 (acção principal).
Os pontos 8 a 28 resulta da conjugação do relatório de vistoria “ad perpetuam rei memoriam” e respostas aos esclarecimentos solicitados, junto a fls. 34v a 55, quanto à Parcela ..., e 34v a 52v (apenso A), quanto à Parcela ...; dos acórdãos arbitrais, juntos a fls. 71 a 79 (acção principal) e 73v a 80 (apenso A), e relatório de peritagem, respectivos esclarecimentos e adenda do perito com posição divergente, juntos a fls. 177 a 194v (acção principal).
Concretizando, os factos vertidos naqueles pontos foram dados como provados em virtude do seguinte:
- ponto 8: relatório de vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, conforme concretos dados constantes a fls. 35v a 36 (acção principal), e acórdão arbitral (neste ponto não colocado em causa), nos termos do constante a fls. 77 (acção principal);
- ponto 9: relatório de vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, conforme concretos dados constantes a fls. 35v (apenso A), e acórdão arbitral (neste ponto não colocado em causa), nos termos do constante a fls. 75v (apenso A);
- ponto 10: relatórios de vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, conforme concretos dados constantes a fls. 35v (acção principal) e fls. 36 (apenso A), e acórdão arbitral (neste ponto não colocado em causa), nos termos do constante a fls. 77 (acção principal) e 75v (apenso A);
- ponto 11: relatórios de vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, conforme concretos dados constantes a fls. 35v a 36 (acção principal) e fls. 36 (apenso A), e acórdão arbitral (neste ponto não colocado em causa), nos termos do constante a fls. 76 a 76v (acção principal) e 76 (apenso A);
- pontos 12 a 14: relatórios de vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, conforme concretos dados constantes a fls. 35v (acção principal), e acórdão arbitral (neste ponto não colocado em causa), nos termos do constante a fls. 76 a 77 (acção principal);
- pontos 15 a 16: relatórios de vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, conforme concretos dados constantes a fls. 35v (apenso A), e acórdão arbitral (neste ponto não colocado em causa), nos termos do constante a fls. 75v a 76 (apenso A);
- ponto (e subpontos) 17: relatórios de vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, conforme concretos dados constantes a fls. 36 (acção principal) e 36 (apenso A), acórdão arbitral (neste ponto não colocado em causa), nos termos do constante a fls. 76 (acção principal) e 76 a 76v (apenso A), extracto da planta de condicionantes e de ordenamento do PDM ..., junto a fls. 43 e 44 (acção principal) e 42 e 42v (apenso A) e, ainda, relatório pericial, conforme informação firmada nas fls. 181v e 189 e 190 (acção principal);
- pontos 18 e 19: relatórios de vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, conforme concretos dados constantes a fls. 36 (acção principal) e 36 (apenso A), acórdão arbitral (neste ponto não colocado em causa), nos termos do constante a fls. 76v (acção principal) e 76 (apenso A);
- ponto (e subpontos) 20: relatório de vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, conforme concretos dados constantes a fls. 36 a 36v (acção principal), acórdão arbitral (neste ponto não colocado em causa), nos termos do constante a fls. 73v a 74 (acção principal), e, ainda, relatório pericial, conforme informação firmada nas fls. 192v (acção principal);
- ponto 21: relatório de vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, conforme concretos dados constantes a fls. 36 (apenso A), e relatório pericial, conforme o teor do dito nas fls. 183v (acção principal);
- ponto 22: relatórios de vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, conforme concretos dados constantes a fls. 36v (acção principal) e 36v (apenso A); e
- pontos 23 a 28: relatório pericial, conforme dados firmados nas fls. 183v a 184 e 191v a 192v (acção principal).
***
Os factos dados como não provados na alínea a) e b) assim resultam em virtude de se ter concluído as áreas constantes no ponto 4 (mais concretamente, nos pontos 4.1 e 4.2) dos factos dados como provados.
Relativamente ao facto dado como não provado na alínea c) o mesmo assim resulta do facto de inexistir prova relativamente a tal circunstância, não constando de quaisquer elementos probatórios dos autos a retirada e/ou reutilização, pelos Expropriados, do sistema de rega.
No que tange à factualidade vertida na alínea d), a mesma resulta não provada em virtude de ter sido assente (com os fundamentos da motivação supra expendida) que o valor da produção de milho corresponde ao referido no ponto 25 dos factos dados comprovados.

Decorre do disposto no artº. 662º, n.º 1 do NCPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Ora, a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, está subordinada à observância de determinados ónus que a lei adjectiva impõe ao recorrente.
Na verdade, a apontada garantia nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida na audiência final, impondo-se, por isso, ao recorrente, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais, que proceda à delimitação com, toda a precisão, dos concretos pontos da decisão que pretende questionar, os meios de prova, disponibilizados pelo processo ou pelo registo ou gravação nele realizada, que imponham, sobre aqueles pontos, distinta decisão, e a decisão que, no entender do recorrente, deve ser encontrada para os pontos de facto objecto da impugnação (cfr. acórdão do STJ de 1/10/2015, relatora Cons. Maria dos Prazeres Beleza, proc. n.º 6626/09.0TVLS, disponível em www.dgsi.pt).
Neste sentido, o artº. 640º do NCPC estabelece os ónus que impendem sobre o recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto, sendo a cominação para a inobservância do que aí se impõe a rejeição do recurso quanto à parte afectada.
Por força deste dispositivo legal, o recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto, tem o ónus de indicar e concretizar cada um dos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados (alínea a) do nº. 1), devendo tal especificação ser enunciada na motivação do recurso e sintetizada nas suas conclusões, por serem estas que delimitam o objecto do recurso (artº. 635º, nº. 4 do NCPC).
Por outro lado, não basta que o recorrente se limite a fazer uma referência genérica aos meios probatórios constantes do processo (incluindo os depoimentos registados ou gravados nos autos) que imponham decisão diversa da recorrida quanto a cada um dos factos colocados em crise.
É necessário que especifique, em relação a cada um dos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, quais os meios de prova que, em sua opinião, levariam a uma decisão diferente e quando esses meios de prova tenham sido gravados, o recorrente terá de indicar com exactidão quais os depoimentos em que fundamenta a sua impugnação e as passagens da gravação de cada um desses depoimentos em que se baseia, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (alínea b) do nº. 1).
Para além disso, o recorrente deve apresentar o seu projecto de decisão, ou seja, expor de forma clara a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de carácter genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto (cfr. António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª ed., 2016, Almedina, pág. 140 e 142).
Ora, no caso em apreço, não houve produção de prova testemunhal, tendo o Tribunal “a quo” baseado a sua convicção nos autos de vistoria “ad perpetuam rei memoriam” e respostas aos esclarecimentos solicitados por ambas as partes, nos acórdãos arbitrais, nos relatórios periciais, respectivos esclarecimentos e adenda do Perito da expropriante com posição divergente e ainda nos restantes documentos juntos aos autos.
Por sua vez, a expropriante, ora recorrente, sustenta a sua divergência quanto à matéria de facto considerada provada no ponto 4 essencialmente nas certidões do registo predial e cadernetas prediais de ambas as parcelas expropriadas juntas a fls. 20vº a 21vº dos presentes autos e do apenso A (cfr. doc. 4 e 5 do requerimento inicial), nas áreas da DUP constante do Despacho nº. ...20 do Secretário de Estado Adjunto e da Energia, publicado no Diário da República - 2ª Série, de 5/05/2020 junto a fls. 31vº e 32 destes autos (cfr. doc. ... do requerimento inicial) e na proposta de aquisição amigável das parcelas em causa, feita pela expropriante aos expropriados, no âmbito do processo administrativo, através de ofício datado de 13/10/2017, na qual aqueles “eram informados sobre os elementos do prédio objecto de expropriação, designadamente a área” (cfr. doc. ... do requerimento inicial).
Decorre do que atrás se deixou dito que, no caso em apreço, a recorrente cumpriu os ónus que o supra citado artº. 640º, nº. 1 do NCPC impõe, indicando com precisão qual o ponto da matéria de facto que considera incorrectamente julgado e que pretende ver alterado, a decisão que, em seu entender, devia ter sido proferida sobre a questão de facto impugnada e quais os meios de prova constantes do processo que a seu ver exigem decisão diferente da que foi tomada, mais concretamente a prova documental acima referida na qual fundamenta a sua divergência, e constando do processo todos os documentos tidos em atenção pelo Tribunal “a quo” na formação da sua convicção e os que são enunciados pela recorrente para sustentar a sua pretensão, nada obsta à reapreciação da decisão da matéria de facto relativamente ao facto provado colocado em crise no presente recurso.
Refere a expropriante, ora recorrente, que as áreas referidas no ponto 4 dos factos provados – 5.944 m2 (Parcela ...) e 3.040 m2 (Parcela ...) – não se mostram correctas, estando em flagrante contradição com aquilo que resulta dos elementos cadastrais dos prédios em causa (descrição predial e inscrição na matriz – cfr. doc. 4 e 5 do requerimento inicial) e com as áreas indicadas na DUP, publicada em Diário da República - 2ª Série, de 5/05/2020 (cfr. doc. ... do requerimento inicial), que constitui o acto administrativo e documento génese dos processos de expropriação.
Alega, ainda, que a referida alteração da área das parcelas objecto de expropriação, face aos elementos que integram o processo administrativo, sempre se mostraria inadmissível por este não ser o processo próprio para o efeito, uma vez que se trata de um processo judicial que visa exclusivamente fixar o valor da justa indemnização a atribuir pela ablação do direito de propriedade de dois prédios cujos elementos foram fixados, para efeitos de expropriação, no aludido processo administrativo.
Pretende, pois, que as áreas indicadas no ponto 4 dos factos provados sejam alteradas, passando a constar a área de 5.250 m2 para a Parcela nº. 1 e de 3.000 m2 para a Parcela nº. 2, por serem as que constam da DUP e dos elementos registrais daqueles prédios.
Ora, analisados os elementos documentais constantes de ambos os processos, verificamos que a expropriação das parcelas acima referidas foi efectuada ao abrigo do contrato de concessão de exploração de depósitos minerais de caulino, registado com o número de cadastro C -105 (Contrato C ...05), celebrado entre a expropriante/recorrente e o Estado Português (fls. 14 a 19 destes autos), nos termos do artº. 49º do DL 88/90 de 16/3, que estabelece o regime jurídico a que fica sujeito o exercício das actividades de prospecção, pesquisa e exploração dos recursos geológicos e prevê o direito à expropriação.
No que concerne à área das parcelas expropriadas, consta das certidões do registo predial e cadernetas prediais juntas a fls. 20vº a 21vº de ambos os processos, da DUP publicada no Diário da República – 2ª Série, nº 87, de 5/05/2020 (fls. 31vº e 32 destes autos), dos autos de vistoria “ad perpetuam rei memoriam” de 8/06/2020 (fls. 34vº a 37 destes autos e do apenso A) e dos autos de posse administrativa de 27/11/2020 (fls. 57vº destes autos e fls. 55 do apenso A) a área de 5.250 m2 como sendo a da Parcela ... e 3.000 m2 como área da Parcela ....
Por despachos proferidos em 7/05/2021, o Tribunal “a quo” adjudicou à entidade expropriante a propriedade das referidas parcelas de terreno nºs 1 e 2, com as áreas de 5.250 m2 e 3.000 m2 respectivamente, com referência às respectivas inscrições prediais, e determinou a notificação às partes desse despacho, da decisão arbitral e de todos os elementos apresentados pelos árbitros (fls. 84 destes autos e fls. 81 e vº do apenso A). 
Todavia, nos Relatórios Complementares dos autos de vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, com as respostas aos pedidos de esclarecimentos de ambas as partes, elaborados em 18/06/2020 e juntos a fls. 47vº a 50vº destes autos e fls. 46vº a 48 do apenso A, o Sr. Perito refere que face aos dados que constam do levantamento topográfico apresentado pelos expropriados, «somos levados a admitir que a área da Parcela ..., mencionada nas Certidões da Autoridade Tributária e da Conservatória, de 5250 m2» e «a área da Parcela ..., mencionada nas Certidões da Autoridade Tributária e da Conservatória, de 3000 m2, é inferior à verdadeira área do prédio em causa, conforme se referiu no “Auto de Vistoria ad perpetuam rei memoriam” oportunamente apresentado.
Perante o resultado de 5944 m2 e de 3040 m2, agora fornecido pelos expropriados, que se encontra inscrito no referido “Levantamento” e na própria parcela, poderá o mesmo ser considerado verdadeiro, uma vez que o Perito não tem possibilidade de o confirmar ou rejeitar por outras formas ou fórmulas.»
Nos acórdãos e laudos de arbitragem elaborados em Março de 2021, os árbitros referem que a área da parcela expropriada referida no “mapa de expropriação” anexo ao Despacho que determina a DUP é de 5.250 m2 (para a Parcela ...) e 3.000 m2 (para a Parcela ...). «Porém, o relatório complementar da vistoria “ad perpetuam rei memoriam” (v.a.p.r.m.), tem anexo uma planta e uma “declaração de habilitação de topógrafo” de um levantamento topográfico que determinou que a área da parcela expropriada é 5.944 m2» (referindo-se à Parcela ...) e de 3.040 m2 (referindo-se à Parcela ...), tendo calculado o valor do terreno de cada uma das parcelas expropriadas e, consequentemente, o valor total da indemnização a atribuir aos expropriados, com base em áreas superiores às constantes da DUP, indicadas nos relatórios complementares da VAPRM nos termos acima referidos. Assim, partindo destes pressupostos e utilizando o critério de avaliação definido no artº. 27º, nº. 3 do CE, os árbitros fixaram, por unanimidade, as quantias de € 75.535,00 e € 30.278,00 a título de indemnização pela expropriação das Parcelas 1 e 2, respectivamente (fls. 71 a 79 destes autos e fls. 73vº a 80vº do apenso A).
A expropriante interpôs recurso da decisão arbitral proferida em ambos os processos, sustentando, entre outras coisas, que as áreas de 5.944 m2 e 3.040 m2, consideradas pelos Srs. Árbitros para as parcelas em causa, não tinha correspondência nos elementos que instruíram o processo (designadamente, inscrições prediais e matriciais), nem eram as que constavam da DUP, não sendo o processo de expropriação o meio próprio para alterar a área constante da DUP, estando vedado aos Srs. Árbitros, na avaliação efectuada, considerar as áreas de 5.944 m2 (Parcela ...) e 3.040 m2 (Parcela ...) ao arrepio do que consta na DUP.
Os expropriados vieram responder ao referido recurso da decisão arbitral, defendendo que as áreas de 5.944 m2 e 3.040 m2 consideradas pelos árbitros correspondem às áreas correctas dos prédios expropriados, sendo estas as áreas efectivamente utilizadas pela expropriante. E, por sua vez, interpuseram recurso subordinado, pugnando pela consideração da produção de melão casca-de-carvalho na ponderação da avaliação do terreno das Parcelas 1 e 2 (que não foi considerada nos laudos de arbitragem), sem, contudo, indicarem valores.
Em sede de avaliação das parcelas expropriadas, consta do laudo pericial que os Srs. Peritos utilizaram como factor de cálculo do montante da indemnização as mesmas áreas consideradas na arbitragem, com o fundamento de que foi junto com o relatório complementar da VAPRM um levantamento topográfico que determinou uma área da Parcela ... de 5.944 m2 e uma área da Parcela ... de 3.040 m2 e que tais áreas não foram contestadas pela expropriante, o que não corresponde à verdade, pois no recurso da decisão arbitral a expropriante impugnou expressamente aquelas áreas, por entender que as áreas constantes da DUP não podem ser alteradas no processo de expropriação.
Ademais, em sede de alegações finais, a expropriante tornou a defender a impossibilidade de serem consideradas neste processo outras áreas que não aquelas constantes da DUP.
 A sentença recorrida deu como assente no ponto 4 dos factos provados o seguinte:
4. Entre outros, a M..., S.A. pretendia adquirir as seguintes parcelas de terreno:
4.1. Parcela ...: prédio rústico situado em ... ou ..., Freguesia ..., Concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...22 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º ...67, com uma área de 5 944,00m2, que confronta a norte com EE, a sul com FF, a nascente com M..., S.A. (Entidade Expropriante) e a poente com caminho público (Rua ...); e
4.2. Parcela ...: prédio rústico denominado ..., situado em ..., freguesia ..., Concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...35 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º ...05 (que proveio do n.º 216), com uma área de 3 040,00m2, que confronta a norte com AA, a sul com GG, a nascente com HH e a poente com II.
No entanto, consta da “motivação de facto” inserta na sentença recorrida que a factualidade vertida nos pontos 3 a 5 dos factos provados, resultou “da acta do Conselho de Administração de M..., S.A. de 31/10/2017 junta a fls. 19v a 20 (acção principal), das respectivas descrições prediais dos prédios expropriados juntas a fls. 20v a 21 (acção principal) e 20 a 21 (apenso A); similarmente, das respectivas cadernetas prediais juntas a fls. 21v (acção principal e apenso A), das missivas remetidas entre a Entidade Expropriante e Expropriados juntas a fls. 22 a 25v (acção principal) e extracto da publicação do despacho n.º ...20 no Diário da República junto a fls. 41v a 42 (acção principal)”, quando em todos aqueles documentos (com excepção do ofício/proposta da expropriante para os expropriados datado de 13/10/2017 e da carta resposta dos expropriados datada de 24/10/2017 – doc. 6 e 7 do requerimento inicial) é feita menção às áreas dos dois prédios rústicos objecto de expropriação como sendo 5.250 m2 (Parcela ...) e 3.000 m2 (Parcela ...), havendo, por isso, manifesta contradição entre as áreas dadas como provadas no aludido ponto 4 e os documentos em que o Tribunal recorrido se estribou para formar a sua convicção.
Da análise dos documentos ... e ... juntos com o requerimento inicial, e contrariamente ao que é alegado pela recorrente, constatamos que na proposta de aquisição amigável dos prédios a expropriar, remetida pela expropriante aos expropriados, é feita referência apenas à “expropriação da Parcela nº. 2/JJ, com a área 8.978 m2” (não correspondendo tal área à soma das áreas de 5.250 m2 [Parcela ...] e 3.000 m2 [Parcela ...]) e proposto o valor de € 50.267,80 “para a aquisição amigável da mencionada parcela”, sem individualizar as áreas de cada uma das Parcelas 1 e 2, tendo os expropriados respondido, através da sua mandatária, por carta datada de 24/10/2017, na qual não aceitaram o valor proposto pela expropriante e informaram que iriam proceder a uma medição técnica e rigorosa por meio de levantamento topográfico dos dois prédios rústicos em causa.
Contudo, a expropriante, no seu recurso da decisão arbitral, veio esclarecer que tal proposta por si apresentada englobava a aquisição amigável das duas Parcelas em causa e que o valor proposto (€ 50.267,80) respeitava à aquisição da Parcela ... (com 3.000 m2) e da Parcela ... (com 5.250 m2), e não apenas da Parcela ... como é ali indicado.
Importa, ainda, referir que a área de 8.978 m2 e o valor de € 50.267,80 constantes da dita proposta de aquisição amigável apresentada pela expropriante, corresponde à área e ao valor dos terrenos das Parcelas 1 e 2 indicados no Relatório de Avaliação junto por aquela como documento ... do requerimento inicial.
Assim, não tendo os mencionados documentos 6 a 8 do requerimento inicial qualquer correspondência com os restantes documentos acima referidos, entendemos que os mesmos não assumem qualquer relevância na avaliação da pretensão da recorrente, razão pela qual não foram levados em consideração pelo Tribunal “a quo” na formação da sua convicção, conforme resulta da fundamentação constante da sentença recorrida.
Em face do exposto, teremos de concluir que assiste razão à recorrente quando refere que as áreas de 5.944 m2 (Parcela ...) e 3.040 m2 (Parcela ...) constantes do ponto 4 dos factos provados estão em flagrante contradição com aquilo que resulta dos elementos cadastrais dos prédios em causa (descrição predial e inscrição na matriz juntas a fls. 20vº a 21vº destes autos e do apenso A) e com as áreas indicadas na DUP, publicada em Diário da República - 2ª Série, de 5/05/2020 (cfr. 31vº e 32 destes autos).
Perante o circunstancialismo supra descrito, coloca-se a questão de saber se a alteração das parcelas expropriadas pode ser feita no processo de expropriação.
De acordo com o disposto no artº. 10º, nº. 2 do CE, “As parcelas a expropriar são identificadas através da menção das descrições e inscrições na conservatória a que pertençam e das inscrições matriciais, se não estiverem omissas, ou de planta parcelar contendo as coordenadas dos pontos que definem os limites das áreas a expropriar, reportadas à rede geodésica, e, se houver planta cadastral, os limites do prédio...”.
Por outro lado, prevê o artº. 17º, nºs 1, 3 e 4 do mesmo Código que “o acto declarativo da utilidade pública e a sua renovação são publicados, por extracto, na 2ª série do Diário da República”, devendo “a publicação da declaração de utilidade pública identificar sucintamente os bens sujeitos a expropriação, com referência à descrição predial e à inscrição matricial”, identificação que “pode ser substituída por planta, em escala adequada e graficamente representada, que permita a delimitação legível do bem necessário ao fim de utilidade pública”.
A DUP é, na expropriação por utilidade pública, o acto constitutivo basilar do respectivo procedimento, sendo que a expropriação, propriamente dita, ocorre com a investidura da entidade expropriante na propriedade dos bens através do despacho judicial de adjudicação (cfr. acórdão da RP de 8/01/1996, CJ Ano XXI, 1996, Tomo I, pág. 186).
Como é sabido, a DUP da expropriação constitui um momento nuclear do procedimento expropriativo, assumindo a natureza de um verdadeiro acto administrativo, e como qualquer acto administrativo, pode ser rectificada a todo o tempo pelo órgão competente para a sua revogação, por iniciativa da Administração ou a pedido de um interessado, se contiver erros de cálculo, materiais ou de escrita, o que, na verdade, não ocorreu “in casu”.
Para além disso, como acto administrativo que é (cfr. artº. 13º, nº. 2 do CE), a DUP apenas pode ser impugnada no contencioso administrativo, não podendo no processo de expropriação (destinado apenas a estabelecer a justa indemnização a favor dos expropriados e outros interessados) discutir-se e/ou decidir-se sobre questões como a alteração ou correcção de inexactidões dela constantes, nomeadamente no que respeita à identificação dos bens a expropriar e respectivas áreas (cfr. Francisco Calvão e Fernando Jorge Silva, Código das Expropriações – Anotações e Jurisprudência, 1ª ed., Nov. 2013, Coimbra Editora, pág. 99 e 143; José Osvaldo Gomes, Expropriações por Utilidade Pública, Texto Editora, 1997, pág. 327; acórdãos da RP 13/10/2005, proc. nº. 0533705 e de 20/12/2005, proc. nº. 0525797, da RG de 24/05/2006, proc. nº. 901/06-1 e de 26/03/2009, proc. nº. 2827/08-1, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
A jurisprudência dos nossos tribunais superiores tem entendido que o processo de expropriação, cujo escopo é a fixação do valor da justa indemnização a pagar pela parcela expropriada, não é o meio próprio para se proceder à rectificação de áreas ou para rectificar a própria DUP. A verificar-se essa necessidade, ela deve ocorrer, oficiosamente ou a requerimento dos interessados, pela mão da entidade com competência para a sua emissão ou, havendo litígio entre os interessados, através da impugnação do acto administrativo junto dos tribunais administrativos (cfr. acórdãos da RG de 26/11/2009, proc. nº. 3616/06.8TBGMR e de 15/10/2009, proc. nº. 3841/06.1TBVCT e da RC de 17/01/2012, proc. nº. 196/09.6T2VGS, todos disponíveis em www.dgsi.pt).

Sobre a rectificação dos actos administrativos, dispõe o artº. 174º do Código de Procedimento Administrativo (doravante CPA), aprovado pelo DL 4/2015 de 7/1, o seguinte:

1 - Os erros de cálculo e os erros materiais na expressão da vontade do órgão administrativo, quando manifestos, podem ser rectificados, a todo o tempo, pelos órgãos competentes para a revogação do acto.
2 - A rectificação pode ter lugar oficiosamente ou a pedido dos interessados, produz efeitos retroactivos e deve ser feita sob a forma e com a publicidade usadas para a prática do acto rectificado.
A propósito do artº. 148º do anterior CPA (que corresponde ao actual artº. 174º supra transcrito) escreveu Salvador da Costa (in Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores, Almedina, 2010, pág. 92) que «os erros de cálculo e os erros materiais na expressão da vontade dos órgãos administrativos, quando manifestos, podem ser rectificados a todo o tempo pelos órgãos competentes para a revogação dos actos, podendo a rectificação ter lugar oficiosamente ou a pedido dos interessados, sob a forma e publicidade usadas para a prática do acto rectificado».
Voltando ao caso dos autos, dúvidas não existem quanto ao facto do acto administrativo ter sido praticado por quem tinha competência para o efeito (por despacho do Secretário de Estado Adjunto e da Energia) e publicado no Diário da República - 2ª Série, nº. 87, de 5/05/2020, despacho esse que expropria as Parcelas nºs 1 e 2 pertencentes aos aqui expropriados, conferindo-lhes as áreas de 5.250 m2 e 3.000 m2, respectivamente – sendo estas as áreas que constam também dos autos de posse administrativa e dos despachos de adjudicação daquelas parcelas à entidade expropriante - as quais não foram levadas em consideração pelos Srs. Árbitros no cálculo da indemnização a atribuir aos expropriados, nem pelos Srs. Peritos nos relatórios de peritagem que se encontram juntos aos autos, tendo aqueles valorizado a correcção das áreas das parcelas levada a cabo nos relatórios complementares do auto de vistoria “ad perpetuam rei memoriam” nos termos supra mencionados.
Relativamente às áreas das parcelas expropriadas, na sentença recorrida foi acolhida a posição dos Srs. Peritos que subscreveram os laudos periciais de fls. 179 a 194vº, os quais consideraram as áreas referidas nos relatórios complementares da VAPRM e nos laudos de arbitragem juntos aos autos – ou seja, 5.944 m2 para a Parcela ... e 3.040 m2 para a Parcela ... - em detrimento das áreas indicadas na DUP, nos autos de posse administrativa e nos despachos de adjudicação daquelas parcelas à entidade expropriante, sendo tal posição também adoptada pelo Perito da expropriante que subscreveu a “adenda ao relatório de peritagem da Parcela ...” junta a fls. 177 a 178vº, onde se encontra plasmada a sua divergência apenas em relação ao cálculo do valor do terreno da Parcela ... e às respostas aos quesitos relacionados com a cultura de melão casca-de-carvalho.
Todavia, entendemos que deveriam ter sido consideradas, para efeitos de cálculo do valor da indemnização a pagar aos expropriados, as áreas expropriadas de 5.250 m2 para a Parcela ... e 3.000 m2 para a Parcela ... (e não as áreas de 5.944 m2 e 3.040 m2 supra referidas), uma vez que são aquelas que constam da DUP e dos elementos cadastrais dos prédios, dos autos de posse administrativa e dos despachos que adjudicaram aquelas parcelas à expropriante.
Embora seja referido nos relatórios complementares da VAPRM que as áreas das Parcelas 1 e 2, mencionadas nas certidões do registo predial e nas cadernetas prediais da Autoridade Tributária (5.250 m2 e 3.000 m2), são inferiores às verdadeiras áreas dos prédios em causa indicadas no levantamento topográfico fornecido pelos expropriados (5.944 m2 e 3.040 m2), a entidade expropriante tomou efectivamente posse administrativa de 5.250 m2 (Parcela ...) e 3.000 m2 (Parcela ...) e foram estas áreas que lhe foram adjudicadas por despachos judiciais de fls. 84 destes autos e fls. 81 e vº do apenso A.

No seguimento do que atrás se deixou exposto sobre o regime legal da rectificação dos actos administrativos e o que a esse respeito vem sendo defendido na doutrina e na jurisprudência, sempre se dirá que a rectificação/alteração da área das parcelas objecto de expropriação deveria ter seguido as regras estabelecidas no preceito legal supra citado e o órgão com competência administrativa para o acto deveria proceder à respectiva rectificação da área a expropriar e publicá-la em Diário da República. Porém, nada disto foi feito “in casu”, antes se adensou a delimitação da efectiva área expropriada.
Com efeito, como já se referiu, resulta dos autos que na DUP constam as áreas de 5.250 m2 para a Parcela ... e 3.000 m2 para a Parcela ..., a expropriante tomou posse de duas parcelas com aquelas áreas, tendo sido aquelas mesmas áreas que lhe foram adjudicadas por decisão judicial.
Sucede que os Srs. Árbitros nos laudos de arbitragem e os Srs. Peritos nos relatórios periciais juntos aos autos, tendo por base os relatórios complementares da VAPRM e o levantamento topográfico anexo a estes, apresentado pelos expropriados, consideraram que as áreas das parcelas expropriadas são de 5.944 m2 (Parcela ...) e 3.040 m2 (Parcela ...) e calcularam o valor da justa indemnização a partir daquelas áreas, tendo o Mº Juiz “a quo”, na sentença recorrida, dado como provadas essas mesmas áreas e fixado o valor da justa indemnização pela expropriação das duas parcelas com base nos laudos periciais subscritos pelos Peritos do Tribunal e da expropriante, o que mereceu forte oposição por parte desta última.
Apesar dos expropriados não terem logrado fazer prova neste processo das áreas por eles invocadas para as Parcelas nºs 1 e 2, designadamente por requererem a realização de um levantamento topográfico por perito independente, como argumenta a recorrente, por o levantamento topográfico apresentado, e acolhido pelos Srs. Árbitros e pelos Srs. Peritos, ter sido encomendado pelos próprios recorridos e impugnado por aquela, em nosso entender, tal acto não assumiria a relevância pretendida nos presentes autos, pois como se refere no acórdão da RC de 17/01/2012 supra citado “o processo de expropriação não é claramente aquele onde se possa tomar qualquer decisão de alteração de área da parcela objecto da expropriação”.
Havendo litígio entre os interessados e caso os expropriados pretendessem que as áreas das parcelas expropriadas indicadas na DUP fossem alteradas, o meio processual adequado para alcançarem tal desiderato seria através da competente acção administrativa a instaurar nos tribunais administrativos contra a entidade competente nos termos atrás referidos, com vista a obterem uma decisão administrativa nesse sentido.

Deste modo, por tudo o que se deixou exposto, entendemos que deve ser atendida a pretensão da expropriante/recorrente no sentido de serem alteradas as áreas indicadas no ponto 4 dos factos provados, devendo ser atribuídas as áreas de 5.250 m2 à Parcela nº. 1 e de 3.000 m2 à Parcela nº. 2, passando o mesmo a ter a seguinte redacção:
4. Entre outros, a M..., S.A. pretendia adquirir as seguintes parcelas de terreno:
4.1. Parcela ...: prédio rústico situado em ... ou ..., Freguesia ..., Concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...22 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º ...67, com uma área de 5.250 m2, que confronta a norte com EE, a sul com FF, a nascente com M..., S.A. (Entidade Expropriante) e a poente com caminho público (Rua ...); e
4.2. Parcela ...: prédio rústico denominado ..., situado em ..., freguesia ..., Concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...35 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º ...05 (que proveio do n.º 216), com uma área de 3.000 m2, que confronta a norte com AA, a sul com GG, a nascente com HH e a poente com II.
Por força da alteração introduzida no ponto 4 dos factos provados, entendemos que deverão ser eliminadas as alíneas a) e b) dos factos não provados, de modo a não haver contradição entre a matéria de facto dada como provada e não provada.
Em face do acima exposto e nos termos do disposto no artº. 662º, nº. 1 do NCPC, procede a impugnação da matéria de facto deduzida pela expropriante/recorrente, alterando-se a redacção do ponto 4 dos factos provados nos termos atrás mencionados e eliminando-se as alíneas a) e b) dos factos não provados supra enunciadas, mantendo-se, no entanto, inalterada a restante matéria de facto provada e não provada supra descrita.
*
II) - Determinação do montante da indemnização devida pela expropriação das Parcelas nºs 1 e 2, em função da correcção das respectivas áreas:

A expropriação por utilidade pública pode definir-se como “a relação jurídica pela qual o Estado, considerando a conveniência de utilizar determinados bens imóveis em fim específico de utilidade pública, extingue os direitos subjectivos constituídos sobre eles e determina a sua transferência definitiva para o património da pessoa a cujo cargo esteja a prossecução desse fim, cabendo a esta pagar ao titular dos direitos extintos uma indemnização compensatória” (cfr. Prof. Marcelo Caetano, in Manual de Direito Administrativo, Vol. II, 9ª ed., Almedina, Coimbra, pág. 1020).
Implicando a mesma uma alienação forçada de um bem, rege-se por dois princípios constitucionais: verificação de um interesse público, legitimamente declarado, e a obrigação de indemnizar o expropriado.
Estando consagrado constitucionalmente o direito de propriedade privada (artº. 62°, nº. 1 da CRP), a privação desta por acto de autoridade administrativa e por motivo de utilidade pública impõe à entidade expropriante o pagamento de indemnização adequada ou de justa indemnização (artº. 62°, n°. 2 da CRP e artºs 1º e 23°, nº. 1 do CE), tendo esta de corresponder a um valor pecuniário que remova os danos patrimoniais resultantes da expropriação.
O direito à inerente indemnização está intimamente ligado à expropriação. A indemnização deriva ou funda-se no princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos: ou seja, a indemnização tem por escopo colocar o cidadão que sofreu a ablação resultante do acto expropriativo em posição idêntica à dos demais cidadãos que, nas mesmas circunstâncias, não foram atingidos por esse sacrifício patrimonial.
Sem a contrapartida de uma adequada compensação pelo prejuízo decorrente para o expropriado do acto expropriativo, deixará de haver expropriação para haver espoliação ou confisco (cfr. acórdão da RL de 13/10/1987, CJ. Ano XII - Tomo 4. pág. 150).
Como salienta Fernando Alves Correia (in As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, 1992, pág. 129), o dano patrimonial suportado pelo expropriado é ressarcido de forma integral e justa, se a indemnização corresponder ao valor comum do bem expropriado, ou, por outras palavras, ao respectivo valor de mercado ou ainda ao seu valor de compra e venda, permitindo-lhe, assim, com o mesmo montante, adquirir, se quiser, outro bem idêntico ou semelhante e assegurando-lhe a inalterabilidade do activo da sua situação patrimonial pela substituição daquele bem pelo respectivo valor equivalente, proporcionando-lhe dinheiro suficiente para assegurar a adequada substituição do bem de que foi privado e prevenindo com isso a violação do princípio da igualdade dos particulares perante os encargos públicos e da imparcialidade da actuação da Administração perante os bens particulares.
 Este critério do “valor venal” ou do “justo preço”, isto é, a quantia que teria sido paga pelo bem expropriado se tivesse sido objecto de um livre contrato de compra e venda, é seguido pela quase generalidade dos ordenamentos jurídicos.
Igualmente a indemnização para ser justa terá de corresponder ao valor normal que no mercado atingem os bens equivalentes ao bem expropriado (cfr. Meneses Cordeiro e Teixeira de Sousa, in Expropriação por Utilidade Pública, Parecer na CJ. Ano XV - Tomo V, pág. 22 a 30)
Ademais, tem vindo a ser repetidamente decidido pelo Tribunal Constitucional que só o critério do valor real em condições normais de mercado assegura o princípio constitucional da justa indemnização (cfr. acórdão do TC nº. 408/2008 de 31/07/2008, proc. nº. 291/07 - 2ª Secção, citado no acórdão do STJ de 31/01/2012, proc. nº. 5253/04.2TBVNG, disponível em www.dgsi.pt).
O princípio da justa indemnização tem de ser visto em concreto e à luz dos diferentes interesses a conjugar, devendo o expropriado receber aquilo que conseguiria obter pelos seus bens se não tivesse havido expropriação, não devendo acrescer ao preço assim delineado qualquer contrapartida pelo eventual inconveniente daí resultante atinente à alienação não querida pelo proprietário.
Por outro lado, os critérios definidos por lei e destinados a encontrar a justa indemnização têm de respeitar os princípios materiais da Constituição - igualdade e proporcionalidade - não podendo conduzir a indemnizações irrisórias ou manifestamente desproporcionadas à perda do bem expropriado (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, 2007, pág. 808 e 809; acórdão do TC nº. 115/88 de 1/06/1988, BMJ nº. 378 - pág. 121, citado no acórdão da RE de 19/06/2008, proc. nº. 697/08-2, disponível em www.dgsi.pt).
A este propósito referem Francisco Calvão e Fernando Jorge Silva (in Código das Expropriações – Anotações adaptadas ao Novo Código de Processo Civil, Novembro de 2013, Coimbra Editora, pág. 171 e 172) o seguinte:
«Consabidamente, o princípio da igualdade (artigo 13º da CRP) desdobra-se, por sua vez, em dois planos, o da igualdade no plano das relações internas e ao nível das relações externas. O primeiro não autoriza que particulares posicionados numa situação idêntica recebam indemnizações substantivamente diversas, impondo critérios uniformes de determinação da indemnização. O segundo está virado para a dimensão da igualdade perante os encargos públicos, ao determinar a admissibilidade de o direito de propriedade privada ser sacrificado por exigências de interesse público, não podendo permitir que o particular afectado não seja compensado de forma justa, sob pena de a sua posição jurídica ser tratada de forma discriminatória, obstando, por essa via, a um tratamento desigual entre expropriados e não expropriados. (…)
Paralelamente, o princípio da proporcionalidade (artigo 266º, n.º 2 da CRP) obriga, como atrás se salientou, a que o sacrifício imposto ao expropriado seja adequado ao interesse público em presença – concretizando, são de excluir indemnizações irrisórias ou excessivas.»
Para tanto, haverá que recorrer, desde logo, ao artº. 23º, nº. 1 do CE, que estabelece o critério geral para a fixação da justa indemnização.
De acordo com este dispositivo legal, a justa indemnização, em matéria de expropriação, visa apenas – insiste-se – “ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data”, e não compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante.
Para a obtenção do valor real e corrente numa situação normal de mercado, ou seja, para se alcançar a falada justa indemnização, define o Código das Expropriações em apreço um conjunto de critérios referenciais, elementos ou factores de cálculo, que variam conforme o objecto da expropriação sejam solos (aptos para construção ou para outros fins) ou edifícios ou construções, sendo essencial que seja feita uma correcta identificação/classificação do imóvel expropriado e o cálculo do seu valor, ao abrigo do disposto nos artºs 24º a 28º do citado Código (neste sentido vide, entre outros, acórdão do STJ de 31/01/2012, proc. nº. 5253/04.2TBVNG e acórdãos da RE de 24/05/2007, proc. nº. 2626/06-3 e de 19/06/2008, proc. nº. 697/08-2, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Dever-se-á, deste modo, levar em consideração as condições de facto e elementos de valorização existentes no prédio expropriado à data da publicação da declaração de utilidade pública, relevando, entre outras, a respectiva localização, a área e características do terreno, a sua potencialidade edificativa e aptidão agrícola (artºs 25º a 27º do CE), a proximidade dos centros urbanos e vias de comunicação, ponderando-se, de igual forma, o facto da expropriação se reportar ao prédio no seu todo ou apenas a uma parcela deste (artº. 29º do CE), com eventual desvalorização da parte não abrangida pela expropriação.
O montante da indemnização, prescreve o artº. 24º, nº. 1 do CE, calcula-se com referência à data da declaração de utilidade pública, sendo actualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação.
São estas, em síntese, as orientações doutrinais e jurisprudenciais que nos são oferecidas para a definição de justa indemnização.
Tendo em vista a determinação do valor de um terreno expropriado, como acontece no caso em apreço, a lei classifica e valoriza os solos, consoante a sua vocação - isto é, o seu destino económico - em “solo apto para construção” e “solo apto para outros fins” (artº. 25º, nº. 1 do CE), sendo o primeiro aquele que se integra em qualquer das alíneas do n°. 2 do citado artº. 25º do CE e o solo apto para outros fins o que não se encontra em qualquer das situações previstas nessas alíneas (artº. 25º, n°. 3 do CE).
Feitas estas considerações de carácter geral, vejamos o caso em apreço.
Conforme se alcança dos autos, o relatório arbitral classificou a parcela expropriada como “solo apto para outros fins”, atenta a sua situação e descrição, classificação essa mantida por todos os Peritos que subscreveram o Relatório de Avaliação e que foi acolhida na sentença ora sob escrutínio nos seguintes termos:
«Com foco agora no caso concreto e tendo em conta os factos dados como provados, facilmente se percebe que existe um instrumento de ordenação territorial, mormente, o Plano Director Municipal de ..., do qual resulta que o solo de ambas as parcelas se encontra inserido em espaço agrícola de produção (Planta de Ordenamento) e em Reserva Ecológica Nacional (REN), Reserva Agrícola Nacional (RAN) e espaço afecto à exploração de recursos geológicos (Planta de Condicionantes).
Tendo em conta o até então exposto, o solo das parcelas expropriadas apenas pode ser classificado como apto para outros fins (conclusão a que todos os Peritos chegaram, não tendo nenhum dos intervenientes processuais posto tal conclusão em questão), sendo este o critério que presidirá ao cálculo do respectivo valor - artigos 25º, n.ºs 1, alínea b) e 3, e 27º, n.ºs 1 e 2 do Código das Expropriações.»
Constata-se, pois, que ambas as partes aceitam a classificação da parcela expropriada como “solo apto para outros fins” dada pelos Srs. Peritos que subscreveram o laudo de peritagem e acolhida na sentença recorrida, tanto mais que esta matéria nem sequer é abordada no único recurso que foi interposto – o recurso da expropriante.
Insurge-se a entidade expropriante contra a sentença recorrida na parte relativa à avaliação das parcelas expropriadas, defendendo que sendo corrigida a matéria de facto provada no que concerne à área das parcelas expropriadas nos termos atrás referidos, impõe-se corrigir a avaliação daquelas feita pelos Srs. Peritos (e acolhida na sentença recorrida), levando agora em consideração a área correcta.
Assim, para o cálculo da avaliação do solo de cada uma das parcelas expropriadas, a expropriante/recorrente, nas suas alegações, considera a área de 5.250 m2 para a Parcela ..., que multiplica pelo valor unitário de € 11,74 por metro quadrado de terreno dessa parcela, chegando ao montante indemnizatório de € 61.635,00 (5.250 m2 x € 11,74/m2 = € 61.635,00); ao passo que na Parcela ... considera a área de 3.000 m2, que multiplica pelo valor unitário de € 8,80 por metro quadrado de terreno dessa parcela, atingindo o montante indemnizatório de € 26.400,00 (3.000 m2 x € 8,80/m2 = € 26.400,00).
Conclui, pois, a recorrente que o montante total da indemnização a atribuir aos expropriados/recorridos deverá ser no valor de € 88.035,10.
Importa referir que os valores unitários de € 11,74/m2 (Parcela ...) e € 8,80/m2 (Parcela ...) foram aqueles a que chegaram os Peritos do Tribunal e dos expropriados de acordo com o cálculo explanado no seu laudo maioritário, valores esses que foram acolhidos pelo Tribunal “a quo” na sentença sob escrutínio e que não foram postos em causa pela expropriante no presente recurso, nem pelos expropriados que não interpuseram recurso da sentença proferida nestes autos.
Adiantamos, desde já, que assiste razão à recorrente ao referir que deve ser corrigida a avaliação das parcelas expropriadas feita pelos Srs. Peritos. Com efeito, tendo este tribunal de recurso corrigido as áreas das Parcelas nºs 1 e 2 indicadas no ponto 4 dos factos provados, terá necessariamente de se proceder à correcção da avaliação daquelas parcelas, considerando, desta feita, as áreas correctas.
Conforme se alcança dos autos, o critério utilizado pelos Peritos do Tribunal e dos expropriados para o cálculo do valor da indemnização e que se mostra detalhadamente explicado nos relatórios de peritagem juntos aos autos, foi acolhido pelo Tribunal “a quo” e encontra-se plasmado na sentença recorrida, apenas sendo impugnado pela recorrente o valor da indemnização calculado com base em áreas das parcelas que não estavam correctas e que vieram a ser alteradas por este Tribunal.

Mas, rememoremos a sentença recorrida nesta parte:

«No relatório pericial apresentado, os peritos expuseram uma resposta conjunta e concordante no que tange à circunstância de a avaliação do solo das parcelas expropriadas dever ser realizada nos moldes referidos por último [referindo-se ao critério previsto no artº. 27º, nº. 3 do CE], o que, analisados os autos e a factualidade assente, merece concordância do Tribunal - artigo 27.º, n.º 3, do Código das Expropriações.
Os peritos, no restante, divergiram, tendo os peritos nomeados pelo Tribunal e pelos Expropriados respondido num sentido e o nomeado pela Entidade Expropriante noutro.
Assim, os primeiros concluíram que para a determinação do valor real e corrente da parcela, à data da Declaração de Utilidade Pública, em condições normais de mercado, deveriam proceder a uma avaliação que se baseasse na possível potencialidade produtiva do mesmo, tendo em conta que as culturas existentes e praticadas são de rendimento anual, perpétuo e constante.
Mais definiram taxas de capitalização (que visa transformar receitas e despesas futuras em valores actuais) diferentes para as culturas em causa, uma vez que as mesmas apresentam um risco de produção e escoamento diverso, sendo que para a cultura de milho/silagem, erva azevém (verde e seca) e erva azevém (verde) definiram uma taxa de 4%, ao passo que para o melão casca de carvalho definiram um valor de 6%.
No que tange aos dados de produtividade e custos, os mesmos foram obtidos através do INE - Estatísticas agrícolas 2020, dados agronómicos, Sistema de Informação dos Mercados Agrícolas (SIMA), do IFAP e produtores da Região.
Posto isto e tendo em conta a factualidade existente, os peritos concluíram, em relação à Parcela n.º ..., o seguinte:
- produção de milho/silagem: atendendo ao rendimento bruto anual por hectare de 51 000 kg, a 0,1743 € o quilo, com despesas de exploração na ordem dos 70% do valor apurado, atinge-se um valor líquido de (tendo em conta a taxa de capitalização de 4%) 66 669,75 € por hectare, o que face à área destinada à produção de milho (4 458,00 m2), atinge-se o valor de 29 721,37 €;
- produção de erva azevém (1.º e 2.º corte): sendo o rendimento bruto anual por hectare de 23 000 kg, a 0,07 € o quilo (1.º corte) e 2 700 kg, a 0,12kg o quilo [2.º corte], com despesas de exploração na ordem dos 55% (1.º corte) e 60% (2.º corte) do valor apurado, atingindo-se um valor líquido de (tendo em conta a taxa de capitalização de 4%) 21 352,50 € por hectare, pelo que tendo em conta os 4 458,00 m2 da área de produção de erva azevém, atinge-se o valor de 29 721,37 € [[tratar-se-á de um lapso de escrita, pois ter-se-á pretendido dizer “€ 9.518,94”, em face do que se mostra escrito na pág. 12 do relatório de peritagem de fls. 187 a 194vº];
- produção de melão casca de carvalho: atendendo ao rendimento bruto anual por hectare de 7 500 kg, a 5,00 € o quilo, com despesas de exploração na ordem dos 75% do valor apurado, atingindo-se um valor líquido de (tendo em conta a taxa de capitalização de 6%) 187 500,00 € por hectare, pelo que tendo em conta os 1 486,00 m2 da área destinada à produção de Melão Casca de Carvalho, atinge-se o valor de 27 862,50 €;
- produção de erva azevém (1.º corte): face ao rendimento bruto anual por hectare de 23 000 kg, a 0,07 € o quilo (1.º corte), com despesas de exploração na ordem dos 55% (1.º corte) do valor apurado, atingindo-se um valor líquido de (tendo em conta a taxa de capitalização de 4%) 18 112,50 € por hectare, pelo que tendo em conta os 1 486,00 m2 da área destinada de erva azevém, atinge-se o valor de 2 691,52 €.
Mais concluíram que, face ao supra-referido, o valor unitário para todo o terreno da Parcela n.º ... seria de 11,74 € o metro quadrado.
No que diz respeito às benfeitorias (e com os quais todos os peritos acabam, por comparação, concordar), as mesmas tiveram por referência o seu valor tal como resulta provado, ou seja: um poço, no valor de 1 100,00 €; uma mina, no valor de 750,00 €; furo artesiano, no valor de 4 550,00 €; cabine em blocos de cimento, no valor de 500,00 €; vedação (precária) em "malha sol", no valor de 340,00 €, e um sistema de rega automática no valor de 1 000,00 €, tudo no valor de 8 240,00 €.
Tudo considerado, concluíram que o valor do montante indemnizatório é de 78 034,34 € (setenta e oito mil, trinta e quatro euros e trinta e quatro cêntimos).
No que tange à Parcela n.º ..., os peritos referidos concluíram o seguinte:
- produção de milho/silagem: considerando um rendimento bruto anual por hectare de 51 000 kg, a 0,1743 € o quilo, com despesas de exploração na ordem dos 70% do valor apurado, atingindo-se um valor líquido de (tendo em conta a taxa de capitalização de 4%) 66 669,75 € por hectare, pelo que tendo em conta os 3 040,00 m2 da área destinada à produção de milho, atinge-se o valor de 20 267,60 €;
- produção de erva azevém (1.º e 2.º corte): considerando um rendimento bruto anual por hectare de 23 000 kg, a 0,07 € o quilo (1.º corte), e de 2 700 kg, a 0,12kg o quilo (2.º corte), com despesas de exploração na ordem dos 55% (1.º corte) e 60% (2.º corte) do valor apurado, atingindo-se um valor líquido de (tendo em conta a taxa de capitalização de 4%) 21 352,50 € por hectare, pelo que tendo em conta os 3 040,00 m2 da área de erva azevém, atinge-se o valor de 6 491,16 €.
Mais concluíram, por esta lógica, que o valor unitário do metro quadrado é de 8,80 € para toda a Parcela n.º ..., donde os peritos concluíram que o montante indemnizatório é de 26 758,76 € (vinte e seis mil setecentos e cinquenta e oito euros e setenta e seis cêntimos).
Analisada a factualidade assente e o regime legal aplicável, não se vislumbra pontos de discórdia das conclusões enunciadas, sendo, na verdade, de com elas concordar.
De facto, percebe-se que os peritos (note-se que existe um perito com posição divergente, todavia este, na exposição das suas razões, utiliza as mesmas taxas de capitalização, fórmulas e preços para os seus cálculos, apenas se afastando dos demais pela circunstância de considerar que somente deviam ter sido ponderadas as culturas de milho e erva azevém) optaram unanimemente, para efeitos de indicação da indemnização, pelo critério do rendimento agrícola, por entenderem ser o mais ajustado, no caso concreto, a lograr fixar a justa indemnização.»
Seguidamente, o Tribunal “a quo” explicou as razões porque não concordou com a posição assumida pelo perito divergente nomeado pela entidade expropriante, na sua adenda ao relatório de peritagem da Parcela ..., quanto ao cálculo da justa indemnização relativo à expropriação daquela parcela, razões essas que não foram questionadas pela recorrente.
De acordo com o acima transcrito, o Tribunal recorrido acabou por concluir que «o valor da justa indemnização a atribuir ascende a um total de 104 793,10 € (cento e quatro mil e setecentos e noventa e três euros e dez cêntimos), sendo 78 034,34 € (setenta e oito e trinta e quatro euros e trinta e quatro cêntimos) pela expropriação da Parcela n.º ... e 26 758,76 € (vinte e seis mil, setecentos e cinquenta e oito euros e setenta e seis cêntimos) pela Parcela n.º ....
Este valor deverá ainda sofrer a actualização tendo em conta os índices de preços ao consumidor, excluindo a habitação, publicados pelo Instituto Nacional de Estatística - artigo 24.º, n.ºs 1 e 2, do Código das Expropriações.
(…)
Atendendo ao facto de nos presentes autos a indemnização determinada pelos Árbitros ser reportada à data da declaração de utilidade pública, há que proceder à sua actualização, para que os Expropriados recebam agora o correspondente ao valor aquisitivo do dinheiro naquela data (ou melhor, à da publicação).
Efectivamente, no caso em apreço, a arbitragem não procedeu à actualização, pelo que o valor fixado será actualizado até à notificação do despacho que autorizou o levantamento da quantia sobre a qual havia acordo, e daí em diante sobre a diferença entre o valor fixado nesta decisão e o valor cujo levantamento foi autorizado.»
Os expropriados não interpuseram recurso da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, o que significa que se conformaram com o valor da indemnização que lhes foi arbitrada e, consequentemente, com os critérios adoptados no respectivo cálculo.
Somente a expropriante interpôs recurso da sentença, insurgindo-se apenas contra o facto do Tribunal “a quo”, no cálculo do valor da indemnização devida pela expropriação das Parcelas 1 e 2, ter considerado, tal como os Srs. Peritos nos relatórios de peritagem, as áreas de 5.944 m2 para a Parcela ... e 3.040 m2 para a Parcela ..., pretendendo, em face da correcção das áreas operada por este tribunal de recurso para 5.250 m2 (Parcela ...) e 3.000 m2 (Parcela ...) indicadas na DUP e nos autos de posse administrativa, que seja corrigida a avaliação feita pelos Srs. Peritos e acolhida na sentença recorrida, agora com base nas áreas correctas e nos valores unitários de € 11,74/m2 de terreno da Parcela ... e € 8,80/m2 de terreno da Parcela ... obtidos pelos Srs. Peritos, o que certamente terá repercussões no valor da indemnização a fixar pela expropriação daquelas parcelas.
No entanto, importa referir que os Srs. Peritos calcularam aqueles valores unitários por metro quadrado de terreno partindo do pressuposto de que a Parcela ... tinha a área de 5.944 m2 e a Parcela ... tinha a área de 3.040 m2, tendo resumido, nos relatórios de peritagem, os seus cálculos da indemnização nos seguintes termos:
Parcela ... - Campo com área total de 5.944 m2
As culturas existentes neste prédio são classificadas como cultura de rendimento anual, perpétuo e constante.
- Cultura 1: milho silagem – 4.458 m2
- Cultura 2: erva azevém (verde e seca) – 4.458 m2
- Cultura 3: melão casca de carvalho – 1.486 m2
- Cultura 4: erva azevém (verde) – 1.486 m2
Tendo em atenção a descrição feita na sentença recorrida dos rendimentos bruto e líquido obtidos com a produção de cada uma das referidas culturas, nos termos supra transcritos, os Srs. Peritos do Tribunal e dos expropriados chegaram aos seguintes valores:
- Cultura 1 e 2 (milho forragem + azevém verde e seco) = € 39.240,32 (€ 29.721,37 + € 9.518,94)
- Cultura 3 e 4 (melão casca de carvalho + azevém verde) = € 30.554,02 (€ 27.862,50 + € 2.691,52)
Sendo o valor da indemnização para o terreno da Parcela ... de € 69.794,34 (€ 39.240,32 + € 30.554,02), obtido pelo somatório dos valores das culturas acima referidos, segundo a metodologia utilizada.
A que corresponde um valor unitário de € 11,74/m2 (€ 69.794,34 : 5.944 m2).
Ao valor do terreno da parcela (€ 69.794,34) acresce ainda o valor das benfeitorias que ascende a € 8.240,00 (não impugnado pela recorrente), o que conduz à indemnização no montante total de € 78.034,34 fixada na sentença recorrida.
Parcela ... - Campo com área total de 3.040 m2
As culturas existentes neste prédio são classificadas como cultura de rendimento anual, perpétuo e constante.
- Cultura 1: milho silagem – 3.040 m2
- Cultura 2: erva azevém (verde e seca) – 3.040 m2
Tendo em atenção a descrição feita na sentença recorrida dos rendimentos bruto e líquido obtidos com a produção de cada uma das referidas culturas, nos termos supra transcritos, os Srs. Peritos do Tribunal e dos expropriados concluíram que o valor total da indemnização para o terreno da Parcela ... é de € 26.758,76 (€ 20.267,60 + € 6.491,16), obtido pelo somatório dos valores das culturas referidos nos respectivos laudos, segundo a metodologia utilizada, sendo esta a indemnização fixada na sentença recorrida.
A que corresponde um valor unitário de € 8,80/m2 (€ 26.758,76 : 3.040 m2).
Embora os valores unitários de € 11,74/m2 de terreno da Parcela ... e de € 8,80/m2 de terreno da Parcela ... indicados na sentença recorrida tenham sido obtidos a partir das áreas 5.944 m2 (Parcela ...) e 3.040 m2 (Parcela ...), a verdade é que aqueles valores não foram impugnados pela ora recorrente, sendo inclusivamente a partir desses valores unitários e das áreas corrigidas das parcelas que a recorrente, nas suas alegações, procede a um novo cálculo da indemnização a atribuir aos expropriados.
Consideramos que numa expropriação a DUP e o auto de posse administrativa, ao fixarem uma determinada área como correspondente à da parcela expropriada, como aconteceu “in casu” com as áreas de 5.250 m2 (Parcela ...) e 3.000 m2 (Parcela ...), confirmadas nos despachos de adjudicação proferidos nos autos, fixam os pressupostos de facto dessa expropriação para a fixação da indemnização devida pela mesma, pelo que não tendo havido, no caso em apreço, alteração da DUP, nem qualquer acordo entre as partes no sentido da alteração daquelas áreas, entendemos que deve ser corrigido o cálculo desenvolvido na sentença recorrida para fixação do valor do solo das parcelas expropriadas, por forma a nele serem consideradas as áreas de 5.250 m2 (Parcela ...) e 3.000 m2 (Parcela ...) constantes do ponto 4 dos factos provados.
Deste modo, se multiplicarmos as áreas de 5.250 m2 e 3.000 m2 pelos preços unitários de € 11,74/m2 de terreno da Parcela ... e de € 8,80/m2 de terreno da Parcela ... obtidos pelos Peritos do Tribunal e dos expropriados, chegamos aos seguintes valores do terreno:
Parcela ...:
5.250 m2 x € 11,74/m2 = € 61.635,00
A este valor do terreno acresce ainda o valor total das benfeitorias descritas no relatório de peritagem e dadas como provadas no ponto 20 dos factos provados, não referido pela recorrente nas suas alegações, a saber:
· Poço com 11 m de profundidade, diâmetro de 1,20 m, revestido com aduelas de cimento - € 1.100 (11,0 m x € 100/m);
· Mina com 15 m de extensão - € 750,00 (15 m x € 50/m);
· Furo artesiano com 130 m de profundidade - € 4.550 (130 m x € 30/m);
· Cabine de motor em blocos de cimento não rebocados com 2 m x 2,5 m x € 100/m2 - € 500;
· Vedação (precária) em “malha sol” na frente da parcela para o caminho - € 340 (68,0 x € 5 m);
· Sistema de rega automática sob pressão, com tubo de 2,5” de diâmetro e 100 m de extensão - € 1.000 (100 m x € 10/m);
O valor total das benfeitorias ascende assim a € 8.240,00 (€ 1.100 + € 750 + € 4.550 + € 500 + € 340 + € 1.100), o qual adicionado ao valor de € 61.635,00 acima referido, conduz a uma indemnização pela expropriação da Parcela ... no montante total de € 79.875,00.
Parcela ...:
3.000m2 x €8,80/m2 = € 26.400,00
Assim, o valor da indemnização pela expropriação da Parcela ... será de € 26.400,00 tal como é referido pela recorrente nas suas alegações.
Concluindo, pelas razões atrás expostas, o valor total da indemnização a pagar pela entidade expropriante aos expropriados será no montante de € 96.275,00 (€ 61.635,00 + € 8.240,00 + € 26.400,00) alterando-se nesta parte a sentença recorrida, mantendo-se, no entanto, a mesma no que concerne ao modo de actualização do valor da indemnização a pagar aos expropriados, que não foi sequer posto em causa pelas partes.
Nestes termos, procede parcialmente o recurso de apelação interposto pela expropriante, alterando-se, nesta parte, a sentença recorrida.
*

III. DECISÃO

Em face do exposto e concluindo, acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela expropriante  M..., S.A.  e, em consequência:
1. Determinam a alteração da redacção do ponto 4 dos factos provados nos termos atrás mencionados e a eliminação das alíneas a) e b) dos factos não provados acima referidas, mantendo-se, no entanto, inalterada a restante matéria de facto provada e não provada supra descrita.
2. Decidem alterar a sentença recorrida, na parte em que fixa o valor da indemnização devida pela expropriação das parcelas em causa nos autos, fixando a indemnização a pagar pela entidade expropriante aos expropriados no montante total de € 96.275,00 (noventa e seis mil duzentos e setenta e cinco euros), que deverá ser actualizado nos termos definidos na sentença.

Custas pela recorrente, na proporção do respectivo decaimento.
Notifique.
Guimarães, 4 de Maio de 2023
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)

Maria Cristina Cerdeira (Relatora)
Raquel Baptista Tavares (1ª Adjunta)
Afonso Cabral de Andrade (2º Adjunto)