Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
418/14.1TTVNF.G1
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
LOCAL DE TRABALHO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: 1 – Os recursos são meios de impugnação das decisões judiciais, não podendo senão ocupar-se de questões suscitadas anteriormente no processo.
2 – O local de trabalho, enquanto elemento essencial do contrato de trabalho, deve ser contratualmente definido, comportando tal definição alguma amplitude e podendo, em regra, a mesma efetuar-se de modo expresso ou tácito.
3 – Não é determinado nem determinável o local traduzido nas instalações das várias escolas públicas do primeiro ciclo do ensino básico que vierem a ser indicadas ao trabalhador.
Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Guimarães:

B., não se conformando com a sentença recorrida, no que diz respeito à decisão em matéria de direito, veio interpor recurso no qual pretende ver apreciadas três as questões, tendo em vista serem as mesmas revistas e alteradas:
a) a retribuição devida a título de remuneração salarial;
b) a nulidade da cláusula contratual que não define o local de trabalho; e
c) a compensação por deslocações efetuadas pelo recorrente.
Funda-se nas seguintes conclusões:
I- A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 193º, nº1, 258º, nº1, do C.T., e no art. 280º do C.C., bem como o disposto na nota inserta a final da grelha salarial da Categoria K do anexo V da C.C.T. publicada no BTE nº 5, de 8-2-2009, e no BTE nº 13, de 8-4-2009, aplicáveis por força da PE de 23-11-2009, publicada no BTE nº 8, de 8-1-2010, bem como na nota inserta a final da grelha salarial da Categoria K do anexo V, à CCT publicada no BTE nº 30, de 15-8-2011;
II- A sentença recorrida violou também o disposto no art. 280º do Cód. Civil, nos arts. 141º, nº1, e 193º do C.T. e no art. 31º da CCT supra invocada;
III-O recorrente exerceu as funções de professor de iniciação musical, ao serviço do recorrido, o qual explora uma escola de ensino especializado artístico;
IV- O recorrente é um professor licenciado e profissionalizado;
V- Sendo professor licenciado e profissionalizado, em serviço na escola de ensino especializado artístico do recorrido, o recorrente tinha direito a ser remunerado pela Categoria A, de acordo com a nota inserta a final da grelha salarial estabelecida para a Categoria K, da CCT supra referida;
VI- Atendendo ao tempo de serviço prestado ao recorrido, a que acresce o tempo de serviço anteriormente prestado em escolas públicas, a remuneração salarial devida ao recorrente era a que resulta do nível A9 da Categoria A, da citada CCT, até 28 de Fevereiro de 2010, e a que resulta do nível A8, a partir de 1 de Março de 2010;
VII- A sentença violou também o disposto no art. 11ºA da citada CCT, pois que o recorrente apenas estava obrigado a prestar 22 horas letivas semanais e prestou tempo suplementar de serviço letivo em cada um dos quatro anos de vigência do contrato de trabalho;
VIII- O recorrente tem, assim, direito a receber as remunerações relativas ao trabalho suplementar que prestou em cada um dos anos letivos de 2009 a 2013;
IX- O recorrente tem pois, direito a diferenças salariais, no montante de € 14.826,38;
X- A cláusula do contrato de trabalho celebrado entre recorrente e recorrido que, quanto ao local de trabalho, se limita a remeter para escolas públicas do ensino básico que viessem a ser indicadas, é nula por violação do disposto no art. 280º do Cód. Civil e nos arts. 141º, nº1, e 193º do C.T.;
XI- Sendo nula tal cláusula, terá de considerar-se como local de trabalho a sede do recorrido, pelo que haverá lugar ao pagamento de despesas com deslocações para os outros locais onde o trabalho foi prestado;
XII- Ainda que assim se não considere, o que só por mera hipótese de raciocínio se admite, o recorrente tem direito a ser reembolsado das despesas de deslocações que efetuou em viatura própria, nos termos do referido artigo 31º da CCT, pois que a tal direito não renunciou, nem o respetivo crédito se extinguiu, por prescrição ou por qualquer outro instituto jurídico com o mesmo efeito;
XIII- A sentença aqui em recurso deve ser revogada, condenando-se o recorrido, como entidade empregadora, a pagar ao recorrente a quantia de € 14.826,38, a título de diferenças salariais e trabalho suplementar, bem como o montante de € 4.518,17, correspondente a despesas de deslocação que suportou, e, ainda, os juros, calculados à taxa legal, contados desde a cessação do contrato de trabalho até efetivo pagamento.

C., contra-alegou pugnando pela manutenção da sentença que considera acertada e justa, não tendo violado qualquer preceito legal.

O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso (quanto à questão das diferenças salariais porque, reconhecendo, embora, a razão do apelante no que concerne à aplicabilidade da CCT, entende ter este auferido valores já superiores; quanto à 2ª questão por a mesma não ter sido objeto do processo e, por último, porque com a informação prestada ao trabalhador se concretizou o local de trabalho).
O parecer obteve resposta do Apelado.

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Segue-se um breve resumo dos autos para cabal compreensão do objeto do litígio.
B. interpôs a presente ação contra C..
Alega, em síntese, que foi admitido ao serviço da R., por contrato de trabalho, para exercer as funções de professor de educação musical, contrato este que cessou. Aduz que quando foi contratado já era licenciado e profissionalizado, pelo que deveria ter sido integrado na categoria A da tabela salarial do CCT celebrado entre a Associação de Estabelecimento de Ensino Particular e Cooperativo e a Federação Nacional dos Sindicatos de Educação e outros e Portaria de 8 de Novembro de 2007 (BTE n.º 44, de 29-11-2007), pelo que, por força do tempo de serviço deixou de receber, durante o período de tempo em que durou o contrato de trabalho, retribuições salariais no montante de € 14.826,38, sendo-lhe também devidas despesas de deslocação.
Pede a condenação do R. a pagar a quantia de € 20.312,71, acrescido dos juros vincendos, calculados à taxa legal sobre o montante de € 19.643,23 e contados desde esta data até integral e efetivo pagamento.
Contestou o R. afirmando que o A. foi contratado para professor de iniciação musical, competindo-lhe, por força de CCT que invoca uma componente letiva de 25 horas semanais que se manteve inalterada, tendo-lhe pago sempre a retribuição mensal correspondente à carga letiva de cada mês, estando classificado na categoria D por falta de habilitação para o ensino vocacional da musica, pressuposta na categoria A.
Concluiu pela improcedência, peticionando a condenação do A. como litigante de má-fé.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, por não provada, e consequentemente, absolveu a ré do pedido.

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As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
1ª – O Recrte. tinha direito a ser remunerado pela categoria A?
2ª – Prestou trabalho suplementar de serviço letivo, tendo direito a receber as remunerações respetivas?
3ª – A cláusula relativa ao local de trabalho é nula?
4ª – Há lugar ao pagamento de despesas de deslocação?

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FUNDAMENTAÇÃO:
Factos provados:
A) Por escrito datado de 18 de setembro de 2009, o autor e a ré celebraram o contrato de trabalho constante de fls. 14 e 15, denominado “Contrato de Trabalho por Tempo Parcial e a Termo Certo”, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, para todos os legais efeitos, designadamente as seguintes cláusulas:
a. 1.ª- “O segundo contraente [autor] é contratado para, sob as ordens e direção efetiva do D., exercer funções de Professor de Iniciação Musical, para as disciplinas que se encontra habilitado, dos alunos das várias escolas públicas do primeiro ciclo do ensino básico que lhe forem destinadas, no âmbito dos protocolos para tanto celebrados entre o D. e o Ministério da Educação e entre o D. e as Câmaras Municipais.
b. 2.ª- O segundo contratante é contratado para exercer a sua atividade de Professor com horário de 21 horas, pelo que a sua retribuição mensal ilíquida será a que resultar da aplicação da tabela salarial constante da CCT aplicável e em vigor para o corrente ano letivo a este horário semanal e para as habilitações que lhe correspondem.
c. 3.ª- a) O local de trabalho será, quer nas instalações das várias escolas públicas do primeiro ciclo do ensino básico que lhe vierem a ser indicadas, quer nas instalações do D. sempre que lhe for indicado pela Direcção do D., sendo o horário de trabalho do segundo contraente, e que este declara expressamente aceitar, o que vier a resultar da elaboração dos horários das aulas e demais atividades, ao nível de toda a escola (CCM), cuja organização terá em conta as exigências do ensino, as disposições legais aplicáveis, o número de programas a lecionar, e a consulta aos professores, no caso de horário incompleto. b) O segundo contraente aceita, desde já, realizar todas as deslocações em serviço impostas pelas conveniências da atividade do primeiro contraente.
d. 4.ª- a) O presente contrato é celebrado pelo prazo de 11 meses e 13 dias, com início em 18/09/2009; b) (…) caduca em 31/08/2010 desde que o primeiro ou o segundo contraente comunique ao outro, respetivamente, quinze ou oito dias antes de o prazo expirar, por forma escrita, a vontade de o fazer cessar; c) Na falta de comunicação prevista na alínea antecedente, nos termos do art.º 140.º, n.º 2, do Cód. Do Trabalho, o presente contrato renova-se no final do termo estipulado, por igual período, estando a renovação sujeita à verificação das exigências materiais da sua celebração, bem como às de forma no caso de se estipular prazo diferente. (…)»
B) Através desse contrato, o autor foi admitido ao serviço da ré para exercer as funções de professor.
C) O referido contrato vigorou entre os dias 18 de setembro de 2009 e 31 de agosto de 2013, data em que cessou, por denúncia do autor, formalizada por carta registada com aviso de receção, enviada no dia 21 de junho de 2013, constante de fls. 16, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
D) Durante o ano letivo de 2010/2011, o autor prestou entre 24 e 27 horas letivas semanais.
E) Durante o ano letivo de 2012/2013, o autor prestou entre 21 e 23 horas letivas semanais.
F) Aquando da celebração do contrato mencionado em A), o autor dispunha do título académico de licenciatura para a área de Educação Musical, com estágio integrado.
G) Antes da celebração do contrato mencionado em A), o autor tinha já desempenhado as funções de professor do ensino público em diversas escolas, dispondo de 652 dias de trabalho naquelas funções.
H) As remunerações salariais brutas recebidas pelo autor oscilaram entre €996,03 e €1.185,75.
I) As escolas do ensino básico onde o autor lecionou foram variando em cada ano letivo e ao longo dos diversos anos letivos em que vigorou o contrato referido em A), o que ocorreu designadamente nas escolas de ….
J) O autor esteve de baixa médica entre 7 de março a 31 de julho de 2013.
K) Durante o período em que vigorou o contrato de trabalho do autor com a ré (ponto A)), o autor desempenhou as funções de professor de “Iniciação Musical”, lecionandas as disciplinas de formação musical, instrumento e classes de conjunto, a alunos do 1.º ciclo do ensino básico, integrados no ensino vocacional da música.
L) Durante o ano letivo de 2009/2010, o autor prestou entre as 21 e 26 horas letivas semanais.
M) Durante o ano letivo de 2011/2012, o autor prestou 25 horas letivas semanais.
N) O n.º de horas letivas semanais e os horários letivos do autor foram determinados pela ré, em reunião existente para o efeito no início de cada ano letivo, entre os professores e a coordenadora do curso de Iniciação Musical, tomando em consideração os horários previamente disponibilizados pelas escolas e as preferências manifestadas pelo autor.
O) No âmbito do título académico referido em F), o Instituto Piaget…, certificou que o autor “concluiu, em 06 de Julho de 2001, o Curso de Professores do Ensino Básico, 2.º Ciclo, variante de Educação Musical, com a classificação final de 13 (treze) valores, o que lhe confere, nos termos da Portaria n.º 216/95, de 24 de Março, o grau de Licenciatura”.
P) Mais certifica que o autor “possui habilitação profissional (Prática Pedagógica) para o 06 Grupo do 2.º Ciclo do Ensino Básico.
Q) O autor apresentou nos serviços administrativos da escola e da ré documentos comprovativos da certificação e da classificação do serviço docente prestado antes de celebrar o contrato referido em A).
R) Aquando da celebração do contrato referido em A), o autor foi informado que teria que comparecer nas escolas do 1.º ciclo do ensino básico do concelho de V. N. de Famalicão com cujos agrupamentos o D. e a ré tivessem protocolos e que lhe fossem destinadas para exercer funções, pelos seus próprios meios, o que aceitou.
S) Os referidos protolocos celebrados entre os agrupamentos escolares e o D. e a ré eram, à data da celebração do contrato referido em A), do autor.
T) Desses protocolos não constam os nomes das escolas incluídas nos respetivos agrupamentos.
U) Para exercer as suas funções em cada uma das escolas do 1.º ciclo do ensino básico do concelho de… onde lecionou, o autor deslocou-se em viatura própria e custeou tais deslocações.
V) Tendo percorrido:
a. no ano letivo de 2009/2010, 5.967,9 Km;
b. no ano letivo de 2010/2011, 5.486,6 Km;
c. no ano letivo de 2011/2012, 3.023,5 Km;
d. no ano letivo de 2012/2013, 1.850,8 Km.

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O DIREITO:

A 1ª questão acima identificada prende-se com o direito a ser remunerado pela categoria A.
Ponderou-se na sentença que é aplicável a CCT celebrada entre a AEEP – Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a FNE – Federação Nacional dos Sindicatos da Educação e outros, publicada no BTE nº 11, 1ª série, de 22/03/2007 por via da PE publicada no BTE nº 44, 1ª série de 29/11/2007. Concluiu-se ali que o A. deveria integrar a categoria K, referente a professores de escolas de ensino especializado artístico, por a mesma “corresponder com exatidão às funções concretamente exercidas pelo autor enquanto professor da ré.” Contudo, “o valor a que teria direito pela sua integração na categoria K sempre seria inferior ao valor que serviu de base ao cálculo da sua remuneração (€1.185,75).” Daí que se decidisse que o A. não tem direito às diferenças salariais por que pugna.
O Apelante não contesta a sua integração na categoria K, pelo que tal questão não se coloca neste recurso. Também não põe em causa a aplicabilidade daquela CCT.
O que o Apelante vem referir é que ocorreu uma revisão das tabelas salariais da CCT com efeitos a partir de 1/01/2009, conforme BTE nº 5 de 8/02/2009, nº 13 de 8/04/2009 e PE no BTE nº 1 de 8/01/2010. De acordo com as revisões ocorreu uma alteração na remuneração salarial com efeito a partir de 1/01/2009, porquanto “no rodapé da grelha salarial da categoria K passou a constar e valer o seguinte: Nota – os docentes com licenciatura e profissionalização passam a ser remunerados pela categoria A e os docentes com bacharelato e profissionalização passam a ser remunerados pela categoria B”. Assim sendo o Recrte. licenciado e profissionalizado, a respetiva remuneração salarial teria de ser, desde que foi contratado, a que estava estabelecida para a categoria A.
O que está em causa, pois, é a não aplicação da dita nota aposta à grelha salarial da categoria K a partir de 2009.
Ocorre, porém, que nunca esta questão foi suscitada em juízo.
Compulsada a PI verificamos que o A. defendeu que deveria ser integrado na categoria A da tabela salarial do CCT mencionado na sentença (Artº 17º), que por já ter desempenhado funções de professor no ensino público, devia estar integrado no escalão A9 entre Setembro de 2009 e Fevereiro de 2010 (Artº 18º e 19º), que por ter completado 3 anos de serviço efetivo, a partir de Março de 2010, passou a ter direito a ser integrado no escalão A8 (Artº 20º).
Ou seja, nunca o A. confrontou o tribunal com aquela nota e com as consequências que da mesma poderiam emergir. Antes defendeu que deveria estar classificado pela categoria A. (e não pela K, que ora aceita). Daí não se ter o Tribunal pronunciado acerca de tal questão e ter apreciado todas as questões pressupostas pela matéria articulada.
Trata-se, assim, de questão nova, não abordada na sentença, colocada apenas em sede de recurso.
Ora, os recursos são meios de impugnação das decisões judiciais (Artº 627º/1 do CPC).
Dito de outra forma, os recursos “são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre” (Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 147).
Assim, “a demanda do tribunal superior está circunscrita às questões que já tenham sido submetidas ao tribunal de categoria inferior” (António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil Novo Regime, Almedina, 25).
Desta regra, excecionam-se apenas as questões de conhecimento oficioso, o que não é, manifestamente, o caso.
Termos em que não se conhece da matéria em causa.

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A 2ª questão que enunciámos reporta-se à prestação de trabalho suplementar de serviço letivo e consequente direito a receber as remunerações respetivas.
Esta é mais uma novidade colocada em sede de recurso.
Na verdade, compulsada a PI é uma evidência que não foi peticionada qualquer quantia referente a trabalho suplementar, sendo bem expressivos os Artº 40º e 41º no que ao pedido de capital tange. Muito embora, nos Artº 11º a 15º a questão tivesse sido aflorada. Porém, não concretizada a final.
Não poderemos, por isso, e dada a fundamentação acima já exarada, conhecer desta questão.

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Passamos a deter-nos sobre a 3ª questão – a nulidade da cláusula relativa ao local de trabalho.
Alega o Apelante que o contrato celebrado não indica local de trabalho, limitando-se a uma referência genérica a “várias escolas públicas do primeiro ciclo do ensino básico que lhe viessem a ser indicadas”, disposição contratual esta que não determina nem permite determinar o local de trabalho. Razão pela qual, por força da Clª 31ª/2 da CCT se tem que considerar como local de trabalho a sede do recorrido.
O Apelado, por seu turno, defende que o local de trabalho vem definido no contrato celebrado.
A sentença, partindo dos ensinamentos de João Leal Amado e de Pedro Romano Martinez, analisou a questão partindo do texto do contrato concretamente celebrado. É assim que ali se consigna que “autor e ré estipularam no contrato de trabalho entre ambos estabelecido uma cláusula 3.ª com o seguinte teor:
O local de trabalho será, quer nas instalações das várias escolas públicas do primeiro ciclo do ensino básico que lhe vierem a ser indicadas, quer nas instalações do D., sempre que lhe for indicado pela Direcção do D..
Como já referimos, há que conjugar esta cláusula com o disposto na cláusula 1.ª e, bem assim, com os fundamentos da aposição do termo certo no contrato:
1.ª - O segundo contraente [autor] é contratado para, sob as ordens e direção efetiva do D., exercer funções de Professor de Iniciação Musical, para as disciplinas que se encontra habilitado, dos alunos das várias escolas públicas do primeiro ciclo do ensino básico que lhe forem destinadas, no âmbito dos protocolos para tanto celebrados entre o D. e o Ministério da Educação e entre o D.e as Câmaras Municipais. (…)
4.ª a) O presente contrato é celebrado pelo prazo de 11 meses e 13 dias, com início em 18/09/2009. (…)
d) A estipulação do prazo deve-se ao facto do segundo contraente ser contratado para satisfação de uma necessidade temporária do D. e se tornar imprevisível e improvável a necessidade de manutenção deste posto de trabalho para além do prazo contratado, atentas as características da Escola, que é um estabelecimento de ensino vocacional e especializado da Música, atenta a natureza e as características do projeto de lecionação objeto dos protocolos entre o D. e o Ministério da Educação, e o D. e as Câmaras Municipais, cuja duração está prevista apenas até final do corrente ano letivo, tratando-se ainda do lançamento de uma nova atividade pelo D. de duração incerta.
Ora, daqui resulta que os protocolos celebrados entre o D. e o ME e o D. e as Câmaras Municipais definem quais os agrupamentos de escolas, e, com isso, as escolas onde o autor terá que lecionar.
Assim, as instalações dessas escolas, enquanto locais de trabalho contratualmente estabelecidos, não estando concretamente determinados, são absolutamente determináveis.” Termina a sua análise concluindo que a cláusula 3ª-a) do Contrato é válida.
Vejamos!
No contrato de trabalho objeto do litígio estipulou-se, a propósito do local de trabalho, que este “será, quer nas instalações das várias escolas públicas do primeiro ciclo do ensino básico que lhe vierem a ser indicadas, quer nas instalações do D., sempre que lhe for indicado pela direção”.
Daqui extraem-se, sem margem para dúvidas, duas possíveis localizações: ou as instalações do D. ou as instalações das várias escolas públicas do 1º ciclo do ensino básico que vierem a ser indicadas.
A sentença parece ter pressuposto que estas escolas eram determináveis em função do mais clausulado no contrato.
Ora, não só o contrato não menciona que ao trabalhador são disponibilizados os referidos protocolos celebrados, como da matéria de facto não emerge o conteúdo de tais protocolos.
O acervo factual adensa, aliás, as dúvidas relativamente a esta matéria, porquanto dele resulta que desses protocolos não constam os nomes das escolas incluídas nos respetivos agrupamentos (Alínea T).
Ora, do Artº 193º/1 do CT decorre que o local de trabalho deve ser contratualmente definido. E tratando-se, como no caso sub judice, de contrato a termo certo, decorre de quanto se dispõe no Artº 141º/1-c) a necessidade de expressar a respetiva localização por escrito.
Admitindo a doutrina alguma elasticidade na definição do local de trabalho, o certo é que “não poderá verificar-se uma total indeterminação”, “pois a situação de héterodisponibilidade do trabalhador tem de resultar, de algum modo, especialmente delimitada pelo contrato”, sob pena de este “acabar por se ver colocado numa posição próxima da servil” (João Leal Amado, Contrato de Trabalho, 2ª edição, pg. 252).
O local de trabalho é mesmo tido como elemento essencial do contrato de trabalho, cabendo às partes a respetiva definição “com relativa amplitude” e de modo expresso ou tácito (Júlio Manuel Vieira Gomes, Direito do Trabalho, Vol. I, pg. 638).
Trata-se, pois, de um elemento concretizador da prestação de trabalho, devendo a respetiva determinação resultar de acordo ou de adesão.
Compulsada a já referida cláusula 3ª/a) do contrato de trabalho não vemos como concluir pela determinação ou determinabilidade do local de trabalho.
Tal como alega o Recrte., do que ali se exarou, tanto podemos estar em presença de uma, como de várias escolas ou podem essas escolas situar-se numa zona de proximidade ou absolutamente afastadas. Não há limite geográfico indicado.
Como dissemos acima, na respetiva formulação, há uma localização que é expressa – a das instalações do D.. Porém, quanto às instalações das escolas públicas a ser indicadas, a indefinição é total. Não havendo nenhum outro elemento de facto que nos permita concretizar a localização, não podemos senão concluir pela nulidade da cláusula por indeterminação.
É certo que se provou que aquando da celebração do contrato o A. foi informado que teria que comparecer nas escolas do 1º ciclo do ensino básico do concelho de … com cujos agrupamentos o D. e a R. tivessem protocolos.
Porém, uma coisa é a informação prestada; outra, bem distinta, é o clausulado, sendo que em matéria contratual sujeita a forma legal, a declaração negocial que careça da forma legalmente prescrita é nula, o mesmo ocorrendo com as estipulações verbais acessórias (Artº 22º e 221º do CC). Assim, exigindo o contrato forma escrita e sendo o local de trabalho elemento essencial a constar do escrito, vale o que dele consta, pelo que se era certo a R. entender que o local de trabalho estava circunscrito ao concelho de … poderia e deveria tê-lo especificado no documento que titula o contrato.

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Resta a última questão - há lugar ao pagamento de despesas de deslocação?
Para assim concluir o Apelante propugna a aplicação da Clª 31º/2 da CCT.
Prevê-se ali que o local de trabalho deve ser definido pela entidade patronal no ato de admissão de cada trabalhador, entendendo-se que, na falta dessa definição, o mesmo corresponderá à sede do estabelecimento de ensino.
Não poderemos deixar de aplicar este normativo, posto que não há discussão sobre a aplicabilidade da CCT.
Assim, tem-se como local de trabalho a sede do estabelecimento de ensino.
Decorre ainda da CLº 31ª que:
1 - O regime de deslocações dos trabalhadores cujo trabalho tenha lugar fora do local habitual regula-se pelas disposições do presente artigo, em função das seguintes modalidades de deslocação:
a) Deslocações dentro da localidade onde se situa o local de trabalho, ou para fora dessa localidade, desde que seja possível o regresso diário do trabalhador ao mesmo local;
b) Deslocações para fora da localidade onde se situa o local de trabalho habitual para local que diste mais de 20 km, com alojamento nesse local;
c) Deslocações para as Regiões Autónomas e estrangeiro.

3 - Nos casos previstos na alínea a) do n.º 1, a entidade patronal:
a) Pagará o transporte entre o local de trabalho e o local onde o trabalho se realize;
b) Pagará o subsídio de refeição no montante de €13,10, desde que o trabalho efetuado no local para onde o trabalhador foi deslocado não permita o seu regresso dentro do primeiro período de trabalho diário;
c) Organizará o horário ao trabalhador de maneira que permita contar como tempo de serviço o tempo ocupado efetivamente por deslocações para fora da localidade que não digam respeito ao trajeto entre a sua residência e o estabelecimento. (…).
Provou-se que para exercer as suas funções em cada uma das escolas do 1.º ciclo do ensino básico do concelho de… onde lecionou o autor deslocou-se em viatura própria e custeou tais deslocações, tendo percorrido:
a. no ano letivo de 2009/2010, 5.967,9 Km;
b. no ano letivo de 2010/2011, 5.486,6 Km;
c. no ano letivo de 2011/2012, 3.023,5 Km;
d. no ano letivo de 2012/2013, 1.850,8 Km.
Tem, assim, o Apelante, direito, a ser remunerado pelas deslocações para fora da sede, no montante global de 4.483,44€ (1) (1430,16+1543,94+936,61+572,73).
A este valor acresce o dos juros, conforme peticionado (calculados à taxa legal desde a cessação do contrato de trabalho até efetivo pagamento).

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Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, modificar a sentença condenando a R. a pagar ao A. a quantia de quatro mil quatrocentos e oitenta e três euros e quarenta e quatro cêntimos (4.483,44€), acrescida de juros de mora á taxa anual de 4% desde a data de cessação do contrato de trabalho até efetivo pagamento.

Custas por ambas as partes na proporção e vencidas.
Notifique.
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Elabora-se o seguinte sumário (2):
1 – Os recursos são meios de impugnação das decisões judiciais, não podendo senão ocupar-se de questões suscitadas anteriormente no processo.
2 – O local de trabalho, enquanto elemento essencial do contrato de trabalho, deve ser contratualmente definido, comportando tal definição alguma amplitude e podendo, em regra, a mesma efetuar-se de modo expresso ou tácito.
3 – Não é determinado nem determinável o local traduzido nas instalações das várias escolas públicas do primeiro ciclo do ensino básico que vierem a ser indicadas ao trabalhador.
MANUELA BENTO FIALHO

ALDA MARIA DE OLIVEIRA MARTINS

SÉRGIO ALMEIDA

(1) Tomaram-se como ponto de partida os cálculos efetuados aquando da apresentação da PI, que não mereceram impugnação
(2) Da autoria da Relatora