Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
244/16.3T8BCL.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
REMUNERAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 – Tendo ficado provado que a autora prestava serviços de limpeza, ainda que sem se apurar o montante que auferia a esse título, e que sofreu de um défice funcional temporário parcial com repercussão total na sua atividade profissional, durante três meses e parcial, durante outros dois meses, é-lhe devida indemnização pelo benefício que deixou de obter em consequência das lesões sofridas no acidente, a fixar em equidade.
2 – Tendo a autora sido atropelada na passadeira, com culpa exclusiva do condutor do veículo atropelante, e sofrido lesões que lhe causaram dores e incómodos, tendo-se submetido a vários exames, consultas e fisioterapia, com um défice funcional temporário parcial de cinco meses e com consequências ao nível da alteração do seu estilo de vida, medos, tristeza, angústia, é adequada a quantia de € 7.500,00 como indemnização por danos não patrimoniais.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

Maria deduziu ação declarativa contra “Seguros, SA” pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia global de € 42.713,82, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais que para si advieram em consequência de atropelamento de que foi vítima, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da citação até integral e efetivo pagamento, bem como em quantia a liquidar posteriormente, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais que venham a ser apurados.
A ré contestou aceitando a existência do seguro e a responsabilidade do seu segurado no atropelamento em causa, mas impugnando a extensão e valor dos danos.

Após audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, condenando a ré a pagar à autora a quantia de € 195,62, a título de indemnização pelos danos patrimoniais, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento e a quantia de € 5.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora; à taxa legal, contados desde a data da prolação da sentença, até efetivo e integral pagamento.

A autora interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes

Conclusões:
I - Os factos constantes dos artigos 24°, 2.ª parte até ao artigo 31° da petição inicial deveriam ter sido dados como provados pelo Tribunal a quo;
II- O depoimento da testemunha A. C. (registado, segundo a ata da audiência de julgamento no CD-R n.º 2/17 e com inicio ao minuto 10:31 :03 e fim ao minuto 10:48:35, no dia 11 de janeiro de 2017), médico do Serviço Nacional de Saúde que acompanhou a autora após ter sido atropelada, deveria ter sido considerado para que tais factos fossem dados como provados;
III- O conhecimento do médico do Serviço Nacional de Saúde não deve oferecer dúvidas sobre a sua isenção e constitui um meio de prova a ter em linha de conta, conjugado com o relatório pericial (que não pode constituir prova plena, porquanto foi elaborado em momento muito posterior ao atropelamento - 2 anos após) e com a informação clinica dos serviços da Ré (documentos 9 a 11 juntos com a petição inicial);
IV- O facto constante do artigo 30° da petição inicial, deveria ter sido dado como provado atento o documento junto aos autos nesse momento (doc. n.º 19);
V- A frustração (artigo 39° da petição inicial) sentida pela autora pelo facto de ter ficado limitada para fazer ginástica, deveria ter sido dada como provada, atendendo ao depoimento da testemunha M. L., que foi esclarecedor quanto à mesma (registado, segundo a ata da audiência de julgamento no CD-R n." 6/17 e com inicio ao minuto 14:11:03 e fim ao minuto 14:18:29, no dia 25 de janeiro de 2017);
VI - Os danos tidos como provados foram insuficientemente determinados e quantificados, dada a prova produzida, nomeadamente, no que concerne aos danos patrimoniais;
VII - Desde logo, resulta dos documentos juntos com a petição inicial (documentos 20 a 51) que a quantia despendida pela autora para pagamento de transportes foi de €142,85 (cento e quarenta e dois euros e oitenta e cinco cêntimos) e não de €124,65 (cento e vinte e quatro euros e sessenta e cinco cêntimos);
VIII- Tendo sido dados como provados os factos constantes dos pontos 17° a 21° da sentença, ou seja, se a autora sofreu défice funcional e repercussões na sua atividade profissional entre o dia 30 de julho de 2014 e o dia da alta clínica (em 09 de janeiro de 2015), deveriam tais danos ser tidos em linha de conta para a fixação da indemnização, a título de danos patrimoniais (sob pena de não se entender a consequência para o Tribunal a quo ter ficado convencido da factualidade constante do ponto 28° dos factos provados - vide pagina 6 sentença);
IX- Julgou mal o Tribunal a quo ao não ter aplicado, no caso sub júdice, o critério consagrado no art.º 64°, n.ºs 7 e 8 do Decreto-Lei n." 291/2007, de 21 de Agosto, atualizado pelo Decreto-Lei n." 153/2008, de 06 de agosto, ou seja, "para efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado no âmbito da determinação do montante da indemnização por danos patrimoniais a atribuir ao lesado" [ ... ] "deve basear-se no montante da retribuição mínima mensal garantida (RMMG) à data da ocorrência, relativamente a lesados que não apresentem declaração de rendimentos, não tenham profissão certa ou cujos rendimentos sejam inferiores à RMMG" - Vide Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 22/01/2009 (processo 2739/08-1), in www.dgsi.pt.No sentido de que tais dispositivos legais são aplicáveis aos acidentes ocorridos após a data da entrada em vigor do referido Decreto-Lei, vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19/06/2012 (processo 430/09.2TBBCL.G1), in www.dgsi.pt.Nesse mesmo sentido, vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 60/02/2014 (processo 403/10.2TBPNF.P1), in www.dgsi.pt.;
X- Pelo que, deveria ter sido fixada uma indemnização a título de lucros cessantes, no que se refere ao período durante o qual a autora esteve impedida de levar a cabo a sua atividade profissional, no valor peticionado de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), posto que o cálculo efetuado com base na supra referida normal legal até corresponde a um valor um pouco superior, ou seja, de €2.586,66 (dois mil quinhentos e oitenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos), para um salário mínimo mensal de €485,00 (quatrocentos e oitenta e cinco euros) no ano de 2014, a multiplicar por 5 meses (de 30 de julho de 2014 a 31 de dezembro de 2014), e a 9 dias do mês de janeiro de 2015 (correspondente ao proporcional do salário mínimo mensal de €505,00 para este ano civil);
XI- Não se concebendo que tal normal legal não seja aplicada (está plenamente em vigor no ordenamento jurídico português), os factos dados como provados sempre seriam suficientes para determinar o quantum indemnizatório atendendo ao dano de "perda de chance", posto que a autora teria, com certeza, passado a exercer uma atividade fixa e remunerada em conformidade, não fosse o facto de ter sido atropelada (segundo o Tribunal a quo) a testemunha J. M. atestou "que na altura do acidente a autora tinha um trabalho há cerca de um mês e ia ficar fixa no serviço" - vide depoimento registado, segundo a ata da audiência de julgamento, no CD-R n." 2/17 e com início ao minuto 10:24:30 e fim ao minuto 10:34:17, no dia 11 de janeiro de 2017)
XII - Por outro lado, não foi (como devia ser) tido em linha de conta o dano biológico decorrente do longo período de incapacidade temporária absoluta que sofreu a autora (aqui na vertente de dano patrimonial, ainda que esta incapacidade também deva ser tida em conta para a fixação dos danos morais, que com aquele não se confundem);
XIII - "Período de incapacidade temporária absoluta tem de ser, também ele, ressarcido na óptica do dano biológico sofrido, correspondendo, porém, tal ressarcimento, não obviamente aos rendimentos laborais perdidos, mas à compensação adequada da perda efectiva da capacidade de exercer qualquer actividade profissional e, através dela, prover à sua subsistência - Acórdão do STJ, de 06/12/2011 (processo 52/06.0TBVNC.G1.S1), in <www.dgsi.pt> "
XIV- A autora peticionou €20.000,00 (vinte mil euros), mas não apenas "a titulo de perda futura de ganho em razão da incapacidade parcial permanente" ;
XV- A autora peticionou isso, mas também que tal quantia lhe fosse arbitrada pela perda efetiva da sua capacidade de exercer qualquer atividade profissional (a qual ficou devidamente comprovada nos autos, atentos os factos dados como provados nos pontos 17° a 21 ° da sentença proferida);
XVI- Destarte, com base na reapreciação da prova gravada que se requer e com base na prova documental junta aos autos, deverá proceder, também, o peticionado a título de danos patrimoniais, conforme previsto no art.º 564°, n.º 1 e 2 (compreendendo não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão) e no art." 566° do Código Civil (este último dispositivo legal sempre impõe, como último recurso, a equidade para a fixação da indemnização).
Termos em que, e nos demais de Direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e, através deste, ser revogada a sentença recorrida e, consequentemente, ser a Ré condenada a pagar a indemnização peticionada pela autora a título de danos patrimoniais e danos morais, como é de INTEIRA JUSTIÇA.

A ré contra alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.

As questões a resolver prendem-se com a impugnação da decisão de facto e quantificação dos danos.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença foram considerados os seguintes factos:
Factos provados
- No dia 30 de Julho de 2014, pelas 23h30m, a autora circulava no passeio do lado direito da Avenida … (sentido Poente/Nascente), na cidade de Barcelos;
- Tendo em conta que pretendia passar para o outro lado da Avenida, aproximou-se da respectiva passagem para peões, verificou se nada a impedia de seguir por essa mesma passagem e iniciou a sua marcha;
- No momento em que já se encontrava na faixa assinalada para a passagem para peões, a autora é surpreendida por um veículo automóvel, que a atropelou e a projectou com violência para o chão;
- O referido veículo de marca Toyota, modelo Yaris (NLP90), com a matrícula DM, conduzido por E. C., proveio do Campo 5 de Outubro, na referida cidade de Barcelos; pretendendo virar à esquerda, em direcção à Av. ….
- Apesar do local estar devidamente assinalado com os sinais de trânsito H7 (Passagem para peões), quer para assinalar o local de passagem da autora, quer para assinalar outros locais próximos, a verdade é que o condutor do veículo não tomou as devidas cautelas para se assegurar de que ninguém se encontrava a efectuar a passagem da Avenida, agiu com falta de cuidado e diligência que lhe eram exigidos.
- Nesse local verifica-se grande circulação de veículos e pessoas;
- Com boa visibilidade;
- Devidamente pavimentado e em boas condições;
10º - Num dia com boas condições climatéricas.
11º - A autora foi conduzida, em ambulância, para o Hospital, na cidade de Barcelos, onde foi submetida a um conjunto de exames, nomeadamente, com incidência no crânio, coluna cervical, tórax e cotovelo, dando entrada no referido Hospital às 23:30 horas, tendo tido alta às 00:08 horas, do dia 31.07.2014.
12º - Em resultado do referido acidente, a autora sofreu lesões na cabeça, com ferida no couro cabeludo, cefaleias após traumatismo crânio-encefálico, dor no membro inferior esquerdo e cotovelo esquerdo.
13º - As lesões resultantes do acidente causaram à autora dores e incómodos.
14º - Em resultado do sucedido, a autora viu-se obrigada a realizar várias deslocações, para ser submetida a vários exames e consultas de clinica geral, assim como de especialidade.
15º - Teve a autora de se submeter a exames de ortopedia e otorrinolaringologia.
16º - Teve a autora de realizar 35 sessões de fisioterapia, motivadas por informação clinica de existência de cervicalgia, lombalgia e coxalgia esquerda.
17º - No período situado entre 30.07.2014 a 09.01.2015, a autora sofreu Défice Funcional Temporário Parcial.
18º - No período situado entre 30.07.2014 a 28.10.2014, a autora sofreu repercussão temporária na actividade profissional total.
19º - No período situado entre 29.10.2014 a 09.01.2015, a autora sofreu repercussão temporária na actividade profissional parcial.
20º - A autora sofreu “quantum doloris” correspondente ao grau 2 numa escala de 7 graus.
21º - A autora teve alta clínica em 09.01.2015.
22º - Desde a data do atropelamento, a autora sente medo e receio de ser atropelada quando atravessa passadeiras.
23º - Deixou de praticar ginástica, ficando mais dentro de casa.
24º - Esta situação provocou tristeza e angústia à autora.
25º - Durante um período de tempo não concretamente apurado, devido às dores que sentia, a vida sexual da autora ficou afectada.
26º - Os serviços clínicos da ré iniciaram acompanhamento da autora, em 8 de Outubro de 2014 até 9 de Janeiro de 2015, tendo a autora se deslocado várias vezes da sua residência até ao Porto, para a realização de consultas e exames, despendendo a quantia de € 124,65 (cento e vinte e quatro euros e sessenta e cinco cêntimos), para pagamento de transportes.
27º - Despendeu a quantia de € 70,97 (setenta euros e noventa e sete cêntimos), em taxas moderadoras, consultas, exames de diagnóstico e medicamentos.
28º - À data do atropelamento, a autora prestava serviços de limpeza e auferia montante não concretamente apurado.
29º - A autora nasceu no dia 1 de Abril de 1962.
30º - Através do contrato de seguro titulado pela apólice nº 3401541…, a ré assumiu a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo DM.

Factos não provados
Não se provaram, com relevância para a decisão da causa, os restantes factos alegados na petição inicial, designadamente a matéria de facto alegada nos artigos 16º (no que respeita às lesões na cervical), 24º, 2ª parte, 25º a 31º, 33º; 34º, última parte; 35º a 38º; 39º, no que respeita à frustração; 41º a 44º; 51º, relativamente à quantia auferida; 52º a 54º; 57º, última parte, 58º e 59º.

Impugna a recorrente a decisão de facto, pretendendo que deveriam ter sido considerados provados os factos constantes dos artigos 24.º, 2.ª parte a 31.º da petição inicial, ou seja, os factos que se prendem com ter ficado com sequelas derivadas do atropelamento ao nível da coluna cervical. Sustenta-se no depoimento da testemunha A. C., conjugado com os documentos por esta mesma testemunha elaborados e que se encontram juntos aos autos.
Não podemos concordar com tal pretensão.

A decisão de facto quanto às sequelas que para a autora advieram do atropelamento de que foi vítima, teve por base, e bem, o relatório da perícia médico-legal, realizado pelo INML, que é claro quanto à ausência de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica. Esta perícia foi realizada à autora em agosto de 2016, existindo já no processo o relatório médico elaborado pelo Dr. A. C. e a que a recorrente alude e que foi considerado pelo perito do INML, conforme o mesmo refere a fls. 90 dos autos.
Tal relatório, sustentado nos seus termos gerais pelo autor do mesmo, no depoimento testemunhal (se bem que considerando que não chegou a ter elementos de comparação anteriores ao acidente, para poder estabelecer com precisão o nexo causal), não tem a virtualidade de pôr em causa as conclusões a que chegou o perito médico-legal, atento o facto de ter sido junto pela parte e elaborado a seu pedido, bem como, tendo em conta que a autora não reclamou da prova pericial, não pediu qualquer esclarecimento, nem suscitou a realização de segunda perícia, o que poderia ter feito, caso entendesse que aquela padecia de obscuridades ou contradições, que as suas conclusões não se mostrassem devidamente fundamentadas – artigo 485.º do CPC – ou alegando fundadamente as razões da sua discordância – artigo 487.º do CPC.
Não se vê, portanto, qualquer motivo para, nestes termos, dar prevalência a uma prova de parte em detrimento da prova pericial efetuada no INML.
Quanto ao artigo 30.º da petição inicial, o que aí releva, e que foi considerado não provado, é que a ré tenha verificado as lesões e sequelas da coluna cervical, uma vez que não se pode concluir do facto de a autora ter sido assistida nos serviços clínicos da seguradora ré, designadamente, em consultas de neurologia, que a autora padecesse de problemas ao nível da coluna cervical. O que se verifica é que a autora, após essas consultas foi considerada curada, sem sequelas, pelo que nada há a alterar, também, quanto a este artigo.
Considera, ainda, a autora que deveria ter ficado provado o artigo 39.º da petição inicial quanto à frustração por si sentida por ficar limitada para fazer ginástica.
Na decisão de facto deu-se como provado que o ter deixado de praticar ginástica, ficando mais em casa, provocou à autora tristeza e angústia – factos provados n.ºs 23 e 24 – em face dos depoimentos das testemunhas J. M. (companheiro da autora) e M. L. (amiga da autora).
Independentemente de não se descortinar diferença entre a valoração como dano não patrimonial entre “frustração”, por um lado e “tristeza e angústia”, por outro lado, quando ligadas ao facto de a autora ter deixado de praticar ginástica, não se vê que deva ser alterado ou acrescentado qualquer facto relativo a condição da autora, tendo em conta os depoimentos das referidas testemunhas que, concordamos com o tribunal recorrido, quiseram mais passar uma ideia de tristeza e algum abatimento da autora, que a faz ficar mais por casa (apesar de continuar a fazer caminhadas).
Do que fica dito resulta, assim, a improcedência do recurso no que toca à impugnação da decisão de facto.

Importa apenas corrigir um lapso quanto à contabilização do valor despendido em deslocações para a realização de consultas e exames, uma vez que na fundamentação se consideraram todos os documentos juntos pela autora e a sua soma importa em € 142,85 e não € 124,65, como ficou a constar no facto provado n.º 26, procedendo, nestes termos a conclusão VII da alegação da apelante.

Finalmente, há que apreciar a questão dos danos.
Relativamente aos danos patrimoniais, há a considerar a correção supra efetuada quanto ao valor gasto em deslocações para consultas e exames.
Quanto à indemnização por danos patrimoniais futuros relativos ao défice funcional permanente na integridade físico-psíquica da autora, não há lugar a qualquer indemnização face à prova de que a autora não ficou a padecer de qualquer défice permanente da integridade físico-psíquica e que se encontra curada desde 09/01/2015.

Já no que respeita a perdas salariais, tem a autora parcialmente razão.
Não há dúvida que, apesar de se ter provado que, à data do atropelamento, a autora prestava serviços de limpeza, a verdade é que não se apurou qual o montante que auferia a esse título, para o que concorreu o facto de as testemunhas não o terem concretizado e os montantes alegados não resultarem provados da análise das declarações de IRS.
No entanto, não há dúvida que ficou provado que a autora prestava serviços de limpeza, pelos quais auferiria alguns proventos, ainda que esporádicos ou sem caráter permanente e que, no período situado entre 30/07/2014 a 28/10/2014 sofreu de défice funcional temporário com repercussão na atividade profissional total e que, a partir de 29/10/2014 a 09/01/2015 essa repercussão se tornou parcial, tendo tido alta após essa data, curada e sem sequelas.
Tal défice, com repercussão na atividade profissional, terá que ser compensado ao nível da indemnização por perda de rendimentos, uma vez que a obrigação de indemnização existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão – artigo 563.º do CC – devendo reconstituir-se a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação – artigo 562.º do CC – estando aqui incluídos os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão – artigo 564.º do CC.
Entende a recorrente que, não estando determinado o montante mensal de rendimentos auferidos pela autora, deveria ser considerado a RMMG, nos termos estabelecidos pelo DL 291/2007.
É sabido que a Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio (alterada pela Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho), prevista no art. 39º, nº 5 do Dec-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto veio regular, por iniciativa do legislador nacional, diversos aspectos da regularização de sinistros rodoviários, sobretudo no que respeita ao dano corporal, fixando nomeadamente critérios e valores orientadores para efeitos da determinação da sua indemnização, discutindo-se inicialmente se os mesmos seriam vinculativos para os tribunais.
Encontra-se hoje estabilizado o entendimento de que a dita Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, não é vinculativa para os tribunais, devendo «os valores propostos (…) ser entendidos como o são os resultantes das tabelas financeiras disponíveis para a quantificação da indemnização por danos futuros, ou seja, como meios auxiliares de determinação do valor mais adequado (…), critérios de orientação, mas não decisivos, supondo sempre o confronto com as circunstâncias do caso concreto e, tal como acontece com qualquer outro método que seja a expressão de um critério abstracto, supondo igualmente a intervenção temperadora da equidade, conducente à razoabilidade já não da proposta, mas da solução, como forma de superar a relatividade dos demais critérios.», assumindo um carácter instrumental (Ac. do STJ, de 25.02.2009, Raul Borges, Processo nº 3459/08. No mesmo sentido: Ac. do STJ, de 14.09.2010, Ferreira de Almeida, Processo nº 797/05.1TBSTS.P1; Ac. do STJ, de 17.05.2012, Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Processo nº 48/2002.I.2.S2; Ac. do STJ, de 07.02.2013, Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Processo nº 3557/07.1TVLSB.L1.S1).
Posteriormente, o DL n.º 153/2008 de 6 de agosto, veio aditar três novos números ao artigo 64.º daquele DL n.º 291/2007 de 21 de agosto, estabelecendo regras para a fixação do valor dos rendimentos auferidos pelos lesados para servir de base à definição do montante da indemnização – cfr. preâmbulo daquele DL.
Contudo, ao contrário do que parece afirmar a apelante, a regra que aí se estabelece é a de que o elemento mais relevante sejam os rendimentos declarados para efeitos fiscais, com o “reforço de uma ética de cumprimento fiscal”, para que exista mais objectividade e previsibilidade nas decisões dos tribunais “criando também condições para que a produção de prova seja mais fácil e célere e a decisão mais justa” – cfr, de novo, o referido preâmbulo. A chamada à colação da RMMG tem a ver apenas com lesados que não apresentem declaração de rendimentos, não tenham profissão certa ou cujos rendimentos sejam inferiores à RMMG – cfr. n.º 8 do referido artigo 64.º.
No caso dos autos, a autora apresentou declaração de rendimentos inferiores aos por si alegados, sendo que estes, no valor de € 500,00 seriam compatíveis com a RMMG (€ 485,00 e €505,00, respetivamente em 2014 e 2015). Não se efetuou prova do montante alegado, mas a situação descrita não se enquadra no supra referido artigo, face à existência de declaração de rendimentos, tipo de trabalho efetuado e montantes alegadamente auferidos.
Não pode, apesar disso, o tribunal ficar refém do citado DL que estabelece a declaração fiscal como elemento de prova a atender para a fixação do valor dos rendimentos dos lesados. Aí mesmo se esclarece que tal declaração será o elemento mais relevante e não o único. Isto porque as regras básicas para a fixação da indemnização continuam a ser as do Código Civil.
Assim, apesar de não ter sido possível quantificar o montante mensal que a autora auferia com a sua atividade de prestação de serviços de limpeza, o certo é que durante três meses esteve impedida de trabalhar e nos dois meses seguintes já o pôde fazer mas com limitações, pelo que, fazendo uso de equidade, nos termos do disposto no artigo 566.º, n.º3 do Código Civil, fixa-se a este título de perda de rendimentos da autora, em consequência das lesões sofridas no atropelamento de que foi vítima, a quantia de € 1.500,00.

Finalmente, quanto aos danos não patrimoniais, tendo em consideração o que consta dos factos provados n.ºs 11 a 25, onde relevam as dores, receios, angústias, tristeza, bem como incómodos resultantes das consultas, tratamentos e fisioterapia a que a autora se submeteu, com as consequentes deslocações e alterações no seu ritmo de vida diário, bem como nos seus hábitos e costumes, tudo decorrente de uma situação para a qual não concorreu e que foi consequência da culpa exclusiva de terceiro, e considerando a evolução jurisprudencial no que toca aos valores arbitrados a este título, cremos ser mais adequado ao caso fixar o montante de € 7.500,00, procedendo, parcialmente, nesta parte, o recurso da autora.

Sumário:

1 – Tendo ficado provado que a autora prestava serviços de limpeza, ainda que sem se apurar o montante que auferia a esse título, e que sofreu de um défice funcional temporário parcial com repercussão total na sua atividade profissional, durante três meses e parcial, durante outros dois meses, é-lhe devida indemnização pelo benefício que deixou de obter em consequência das lesões sofridas no acidente, a fixar em equidade.
2 – Tendo a autora sido atropelada na passadeira, com culpa exclusiva do condutor do veículo atropelante, e sofrido lesões que lhe causaram dores e incómodos, tendo-se submetido a vários exames, consultas e fisioterapia, com um défice funcional temporário parcial de cinco meses e com consequências ao nível da alteração do seu estilo de vida, medos, tristeza, angústia, é adequada a quantia de € 7.500,00 como indemnização por danos não patrimoniais.

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida, e indo a ré condenada a pagar à autora a quantia de € 1713,82 (€ 1500,00 + € 213,82) a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, á taxa legal, desde a citação, até integral pagamento e a quantia de € 7.500,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a prolação deste acórdão, até efetivo pagamento.
Custas por apelante e apelada na proporção do decaimento.
***
Guimarães, 14 de setembro de 2017

Ana Cristina Duarte
João Diogo Rodrigues
Anabela Tenreiro