Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
983/11.5TBGMR-E.G1
Relator: ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
PROCESSO TUTELAR
APENSAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1) Quando, relativamente à mesma criança ou jovem, forem instaurados, sucessivamente ou em separado, processos de promoção e proteção, inclusive na comissão de proteção, tutelar educativo ou relativos a providências tutelares cíveis, devem os mesmos correr por apenso, independentemente do respetivo estado, sendo competente para deles conhecer o juiz do processo instaurado em primeiro lugar;
2) No caso de apensação de processos não se justifica, a extração de certidão de um deles para outro, uma vez que estando apensos, como regra, os documentos constantes de qualquer um deles pode ser consultado e ser apreciado nos demais.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

A) Nos presentes autos de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, veio o requerido Francisco apresentar o requerimento constante de fls. 2 vº, dirigido ao Juiz da do Tribunal Judicial da comarca de Braga, onde consta:

Francisco, requerido nos autos supra referenciados e neles melhor identificados, vem requerer a Vª Exª que se digne solicitar oficiosamente, com vista à junção nos presentes autos, o Relatório Social e o Relatório Pericial efetuado no âmbito do Processo de Promoção e Proteção com o nº 983/11.5TBGMR-D (que deste é apenso), presentes em fls 399 a 457, uma vez que estes se afiguram indispensáveis e foram requeridos também no âmbito deste processo.

Aberta vista ao Mº Pº foi proferida promoção do seguinte teor:

Não se descurando, primo conspectu, que Portugal dispõe de um amplo sistema de promoção e proteção dos direitos da criança, composto por diversos subsistemas, nomeadamente: promoção e proteção, tutelar educativo e tutelar cível - correspondem a processos de distinta natureza, mas que se respeitarem à mesma criança podem ser apensados de modo a que se tenha uma visão estratégica unificada do modo como intervir (Juiz-Conselheiro Armando Leandro).

Correspondem a distinta problemáticas a merecer diversas respostas, mas pressupõem a indispensável articulação, no respeito pela integridade de cada criança.

Essa articulação obtém-se pela apensação e visa: evitar conflitos de competência; permitir visão unitária dos processos com perceção mais ajustada do historial de cada criança e sua família, sua evolução, das suas fragilidades, dos problemas de saúde e do foro psíquico que apresentam, ligações afetivas, de modo a poderem tomar, em cada momento, as decisões que melhor defendam os superiores interesses dessa criança ou jovem; permitir evitar a repetição de diligências, aproveitando-se alguns meios de prova num dos processos apensos; evitar a prolação de decisões contraditórias; simplificar as diligências e a tramitação processual e permite maior celeridade processual, definindo atempadamente o projeto de vida das crianças - anotação ao art 81º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, anotada e comentada, Tomé Ramião, 8ª Ed.

Salvo o devido respeito, que é muito, aliando a perspetiva da visão articulada dos processos e a do carácter reservado do processo, concluímos que os relatórios estão disponíveis para consulta no apenso próprio, pelo que não se mostra haver interesse em deferir o requerido, nem ser legítima a extração de certidão (art 88º nº 3, da Lei 147/99).

Ao Tribunal e às partes competirá consultar o apenso próprio e retirar das conclusões periciais e outros relatórios as devidas e pertinentes ilações, numa visão global e crítica, que permita o acerto da decisão quanto à alteração do regime a fixar, sempre à luz do princípio do superior interesse da criança.
Foi proferido despacho a fls. 5 onde se decidiu concordar inteiramente com a referida promoção, à qual aderiu na íntegra e foi indeferido o requerido.
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B) Inconformado com esta decisão, veio o requerente Francisco interpor recurso do antecedente despacho, o qual foi admitido como sendo de apelação, a subir em separado, com efeito meramente devolutivo (fls. 16).
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Nas alegações de recurso do apelante Francisco, são formuladas as seguintes conclusões:

I. A 01-03-2018, veio o ora recorrente apresentar requerimento nos presentes autos, solicitando que o tribunal, oficiosamente, ordenasse a junção nos presentes autos, do Relatório Social e do Relatório Pericial efetuado no âmbito do Processo de Promoção e Proteção com nº 983/11.5TBGMR-D (que deste é apenso}, uma vez que estes se afiguram indispensáveis e foram requeridos também no âmbito do presente processo.
II. Na douta promoção de 02-03-2018, vem o Ministério Público referir que os processos estão apensados e que, por isso, se aproveitam alguns meios de prova com vista a simplificar a tramitação processual e permite maior celeridade processual.
III. Defende o Ministério Público que o caráter reservado do processo apenso, permite apenas que as partes consultem presencialmente ou através de advogado os mencionados Relatórios.
IV. Porém, no caso concreto, não bastará a simples consulta dos autos.
V. Menciona o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 31-03-2011, que a apensação "não implica necessariamente que cada uma das ações perca a sua autonomia, a sua individualidade própria, de que dispunha antes da apensação.”
VI. Significa isso que, apesar dos processos estarem apensados, tal não impede que os meios de prova transitem entre eles.
VII. Antes de mais, porque o Relatório Social e o Relatório Pericial foram requeridos como meio de prova nos presentes autos. Pelo que, deverão fazer parte integrante destes.
VIII. Além de que, nos processos relativos à regulação das Responsabilidades Parentais, é a própria lei que obriga, no art.º 38º b) do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, na falta de acordo entre as partes, que o tribunal deverá remeter as partes para audição técnica especializada.
IX. O Relatório Social e o Relatório Pericial elaborado no âmbito de processo de Promoção e Proteção consubstanciam essa audição técnica especializada, da qual devem as partes exercer o direito ao contraditório.
X. Acontece que, ao abrigo do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, nº 737/O8.6TMAVR-E.Cl, de 29-10-2013, "Os princípios estruturantes da legalidade do processo valem, por inteiro, na providência tutelar cível de alteração da regulação das responsabilidades parentais, como processo especial de jurisdição voluntária.”
XI. De facto, o respeito, em concreto, pelo princípio do contraditório assume-se como um facto nuclear para a real e efetiva realização da justiça. Dar oportunidade à parte para poder discutir, antes da decisão, sobre a possibilidade de um veredicto que em princípio não esperaria, constitui uma exigência e uma garantia do processo equitativo que o tribunal tem de respeitar.
XII. No que respeita especificamente à produção das provas, o princípio exige que toda a prova deva ser, por regra, produzida em audiência pública e segundo um procedimento adversarial; as exceções a esta regra não poderão, no entanto, afetar os direitos de defesa, como é o caso do caráter reservado do processo - cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07-11-2007, processo 07P3630.
XIII. Pelo que, quanto mais não fosse, sempre deveriam as partes ser notificadas dos Relatórios, como vista ao exercício do direito ao contraditório.
XIV. Assim, estamos perante uma violação do disposto no nº 3 do artigo 3º do Cód. de Proc. Civil, integrando a violação do princípio do contraditório, que é suscetível de consubstanciar a prática de uma nulidade processual, quando a subjacente irregularidade cometida se mostre capaz de influir no exame ou decisão da causa.
Termina entendendo dever ser julgado procedente o presente recurso e, consequentemente, revogar-se o despacho, substituindo-a por outro que defira o requerido.
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Pelo Mº Pº foi apresentada resposta, onde entende que o recurso não merece provimento.
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C) Foram colhidos os vistos legais.
D) As questões a decidir no recurso são as de saber
1) Se deverá ser ordenada a junção do Relatório Social e do Relatório Pericial constantes do processo apenso nº 983/11.5TBGMR-D, a estes autos;
2) Se ao requerente deverá ser dado conhecimento do teor daqueles documentos, em observância do princípio do contraditório.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

A) Os factos a considerar são os que constam do relatório que antecede.
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B) O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, com a limitação constante do despacho que admitiu o recurso, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras (artigos 608º nº 2, 635º nº 2 e 3 e 639º nº 1 e 2, todos do NCPC).
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C) Trata-se, nesta apelação, de saber se se deverá ser ordenada a junção do Relatório Social e do Relatório Pericial constantes do processo apenso nº 983/11.5TBGMR-D, a estes autos ou, de qualquer forma, se ao requerente deverá ser dado conhecimento do teor daqueles documentos, em observância do princípio do contraditório.
Poder-se-á questionar as razões que levam a que se apensem processos.

Conforme se refere no acórdão da Relação de Coimbra de 21/05/2013, no processo nº 4044/07.3TJCBR-C.C1, relatado pela Desembargadora Sílvia Pires, disponível em www.dgsi.pt, “a junção dos processos encontra o seu fundamento na conexão existente entre eles, tendo como objetivos a economia de atividade processual e a coerência ou a uniformidade de julgamento.

A economia da atividade processual traduz-se numa economia de meios resultante da instrução e julgamento das causas apensadas, pois as mesmas, a partir da apensação são tratadas processualmente como uma única, embora sem perder a sua autonomia, sendo esta a razão justificativa da junção por conexão.

A uniformidade de julgamento, evitando que as causas em questão que versam sobre questões idênticas ou conexas sejam objeto de julgamentos díspares, apresenta-se como a maior vantagem da apensação de ações, pois serão objeto de uma única decisão proferida pelo mesmo juiz.”

Também no Acórdão do STJ de 03-11-2011, no processo nº 850/2001.C1.S1, relatado pelo Conselheiro Álvaro Rodrigues, disponível na Base de Dados bdjur.almedina.net, onde se recorda “a lição de Alberto dos Reis que escreveu que «a apensação tem como consequência que as várias causas passam a ser instruídas, discutidas e julgadas conjuntamente; daí a economia. Mas a vantagem mais apreciável é a garantia do julgamento uniforme.

Ora esta vantagem pressupõe que há em todas elas questões idênticas a resolver, pretendendo-se evitar que sejam decididas de modo diverso e porventura contraditório. A identidade de questões a decidir implica a ideia de conexão.

Quer dizer, a junção só se justifica verdadeiramente quando as causas são conexas» [Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, 3º volume, pg. 203].

Neste mesmo sentido, pode ver-se a sentença proferida pelo então Juiz de Direito do Círculo de Aveiro e, hoje, Ilustre Juiz Conselheiro Jubilado, Dr. J. M. Matos Fernandes que, na sua douta sentença de 7 de dezembro de 1981, assim se pronunciou:

«As ações apensadas, nos termos do artº 275º do Código de Processo Civil, unificam-se do ponto de vista processual, mas conservam a sua independência quanto às questões adjetivas próprias» [In Col Jur. 1983, T 1, pag 337 e segs.].

Portanto, os processos apensados conservam a sua autonomia apenas naquilo que lhes é peculiar, isto é, que não pode ou não convém requerer ou decidir no processo principal, para evitar prejuízo na tramitação processual dos restantes e sempre segundo os critérios de conveniência e/ou de oportunidade a decidir pelo Juiz do processo.
É que, ainda segundo o ensinamento de Alberto dos Reis, a junção dos processos com base nos critérios de conexão subjetiva ou objetiva (identidade de partes ou de pedidos, que não se confunde com litispendência como vimos) tem algumas vantagens de monta, não constituindo mero capricho do julgador.

O citado Mestre assim escrevia:

«O fundamento da junção é a conexão: Juntam-se as causas que são conexas; e juntam-se, como dissemos, para se conseguirem estes dois benefícios:

a) Economia de atividade
b) Coerência, ou melhor, uniformidade de julgamento» [A. Reis, loc. cit na nota 3].
Claro que atualmente se poderá aditar a vantagem de alguma celeridade processual adveniente da economia de atividade.
Desta forma e com este alcance, os processos apensados conservam a sua individualidade, que permite, v.g. a confissão, transação ou desistência relativamente a qualquer deles ou a sua desapensação, se e quando for oportuna, além da prática de qualquer ato processual que for específico do apenso, de forma a não perturbar a marcha processual do conjunto para a decisão final.
Para além disso, mantêm-se e continuam a produzir efeitos os atos praticados em cada um dos processos apensados, sendo que após o termo de apensação não se verifica qualquer necessidade de continuar a praticar atos nos apensos que não sejam específicos dos mesmos, o que só contribuiria para dificultar o manuseio do processo com os consequentes lapsos e omissões com as consequências resultantes.”

Por outro lado, para apreciarmos as questões suscitadas na apelação, importa chamar à colação o disposto no artigo 81º nº 1 da Lei nº 147/99, de 01/09, Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP), onde se refere que “quando, relativamente à mesma criança ou jovem, forem instaurados, sucessivamente ou em separado, processos de promoção e proteção, inclusive na comissão de proteção, tutelar educativo ou relativos a providências tutelares cíveis, devem os mesmos correr por apenso, independentemente do respetivo estado, sendo competente para deles conhecer o juiz do processo instaurado em primeiro lugar.”

Por outro lado, estabelece o artigo 88º nºs 1 a 5 LPCJP que:

1. O processo de promoção e proteção é de caráter reservado.
2. Os membros da comissão de proteção têm acesso aos processos em que intervenham, sendo aplicável, nos restantes casos, o disposto nos n.ºs 1 e 5.
3. Os pais, o representante legal e as pessoas que detenham a guarda de facto podem consultar o processo pessoalmente ou através de advogado.
4. A criança ou jovem podem consultar o processo através do seu advogado ou pessoalmente se o juiz ou o presidente da comissão o autorizar, atendendo à sua maturidade, capacidade de compreensão e natureza dos factos.
5. Pode ainda consultar o processo, diretamente ou através de advogado, quem manifeste interesse legítimo, quando autorizado e nas condições estabelecidas em despacho do presidente da comissão de proteção ou do juiz, conforme o caso.
…”
Há que dizer, antes de mais que, no despacho recorrido, foi expressamente afirmado que os relatórios estão disponíveis para consulta no apenso próprio, pelo que não houve qualquer indeferimento do requerido.
Ora, o requerente pretendia que se extraísse certidão do Relatório Social e do Relatório Pericial e que fosse junto aos autos de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, o que não faz sentido uma vez que os mesmos estão disponíveis no processo de Promoção e Proteção apenso e foi deferida a consulta dos mesmos, ao abrigo do disposto no artigo 88º nº 5 LPCJP, tratando-se tal diligência na prática de um ato inútil, que a lei não permite (artigo 130º NCPC).
É importante notar que não obstante o processo de promoção e proteção tenha caráter reservado, tendo em conta, nomeadamente, a preservação do princípio da privacidade [artigo 4º alínea b)], no que se refere ao Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), constante da Lei nº 141/2015, de 08/09, que, abrange, nomeadamente, os processos de regulação e alteração do exercício das responsabilidades parentais, estabelece-se no artigo 33º que:

1. Nos casos omissos são de observar, com as devidas adaptações, as regras de processo civil que não contrariem os fins da jurisdição de menores.
2. Salvo disposição expressa, são correspondentemente aplicáveis, com as devidas adaptações aos processos tutelares cíveis, as disposições dos artigos 88º a 90º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei nº 147/99, de 1 de setembro, alterada pelas Leis nºs 31/2003, de 22 de agosto, e 142/2015, de 8 de setembro.
Esta norma, ao determinar a aplicação do disposto no artigo 88º LPCJP está precisamente a aplicar os princípios acima transcritos, em moldes muito semelhantes relativamente aos processos de promoção e proteção.
Cremos, assim, que, não há qualquer violação do princípio do contraditório, dado que o requerente tem direito ao acesso, conforme consta do despacho recorrido, aos relatórios em causa, tem conhecimento dos mesmos e pode consultar o seu teor, conforme foi decidido.
Importa notar que no requerimento que deu origem ao despacho recorrido, não se formula qualquer pretensão de lhe ser fornecida cópia dos referidos relatórios, motivo pelo qual a questão nunca poderia ser suscitada apenas nesta instância de recurso, por se tratar de uma questão nova, não apreciada na 1ª instância, como é pacificamente reconhecido.
Por todo o exposto resulta que a apelação terá de improceder e, em consequência, manter-se o douto despacho recorrido.
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D) Em conclusão:

1) Quando, relativamente à mesma criança ou jovem, forem instaurados, sucessivamente ou em separado, processos de promoção e proteção, inclusive na comissão de proteção, tutelar educativo ou relativos a providências tutelares cíveis, devem os mesmos correr por apenso, independentemente do respetivo estado, sendo competente para deles conhecer o juiz do processo instaurado em primeiro lugar;
2) No caso de apensação de processos não se justifica, a extração de certidão de um deles para outro, uma vez que estando apensos, como regra, os documentos constantes de qualquer um deles pode ser consultado e ser apreciado nos demais.
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III. DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se o douto despacho recorrido.
Custas pelo apelante.
Notifique.
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Guimarães, 10/07/2018

RELATOR: António Figueiredo de Almeida
1.ª Adjunta: Maria Cristina Cerdeira
2.ª Adjunta: Raquel Tavares