Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2259/07.3TBFAF-D.G1
Relator: ESPINHEIRA BALTAR
Descritores: HONORÁRIOS
JUROS DE MORA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/29/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1.Para o cálculo dos honorários de advogado deve prevalecer o trabalho despendido com a questão. E neste deverá atender-se, essencialmente, à complexidade da questão, e à necessidade do seu acompanhamento, ao trabalho intelectual desenvolvido no estudo de preparação e de intervenção ao longo do processo. Os outros pontos enunciados no artigo 100 do Estatuto da Ordem dos Advogados deverão ser apreciados de forma secundária, face ao trabalho e complexidade da causa.
2. Os juros de mora devem contar-se a partir da prolação da sentença de primeira instância quando esta fixar o montante e nele intervier um juízo actualizador, ao abrigo do acórdão uniformizador de jurisprudência 2/2002.
Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães

E…, no exercício da sua profissão de advogado, demandou A…, pedindo-lhe, a título de honorários, a quantia de 14.050,00€, acrescida de 3.231,50€ a título de IVA, e juros de mora vincendos à taxa de 4%, até integral pagamento.
Alegou, em síntese, que prestou serviços de advocacia ao réu, num processo de inventário para partilha dos bens do casal, após divórcio, intervindo ainda num processo crime e de execução, que depois de tudo terminado, enviou a respectiva nota de honorários, devidamente descriminada.
O réu defendeu-se por impugnação, não concordando com o montante e especialmente com a verba que tinha por base de cálculo o quinhão que o autor dizia que tinha recebido no montante de 250.000€. E apontou que o montante adequado para o caso seria de 4.000€, pedindo um laudo à Ordem dos Advogados, que apresentou, no montante de 14.050,00€.
Realizado o respectivo julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e considerou a quantia de 4.000,00€ como sendo o montante equitativo para os honorários devidos e 150€ o montante das despesas inerentes à prestação de serviços, condenando o réu a pagar a quantia de 2.150,00€, compensando a quantia entregue a título de provisão no montante de 2.000€, e os juros vincendos a partir da decisão.

Inconformado com o decidido, o autor interpôs recurso de apelação, formulando conclusões.
Não houve contra-alegações.
Das conclusões do recurso ressaltam as seguintes questões, a saber:
1. Qual o montante a fixar a título de honorários pelos serviços prestados pelo autor, ao réu, como advogado.
2. A partir de que momento se contam os juros de mora.

Vamos fixar a matéria de facto consignada na decisão recorrida, que passamos a transcrever:
1.1 – Dos factos provados
a) O teor do apenso A.
b) O A. é advogado.
c) No âmbito da sua atividade profissional, prestou para o Réu serviços no âmbito do apenso A.
d) Com efeito, o A. foi procurado pelo R., para tratar da partilha subsequente ao processo de divórcio que o opunha à sua ex-mulher.
e) Nesse desiderato, o A. iniciou todo o procedimento para a elaboração da relação de bens, o que fez.
f) Para o efeito, reuniu com o R. diversas vezes no seu escritório e bem assim, teve que se munir de todos os documentos necessários para instruir a relação de bens, os quais foram obtidos, por sua ordem, pelo seu então funcionário.
g) Deslocou-se ao Tribunal de Fafe aquando das declarações de cabeça de casal, tendo a relação de bens sido apresentada posteriormente.
h) Após a apresentação da relação de bens, foi apresentada pelo Ilustre Mandatário da contra-parte, reclamação, que motivou novas reuniões com o R., para que fosse apresentada resposta à mesma, o que foi efetuado.
i) Posteriormente, decorreu uma primeira tentativa de conciliação, envolvendo as partes, os advogados e o Mto. Juiz, a qual apesar de ter contribuído para o ultrapassar de alguns obstáculos, não foi contudo de molde a obter-se uma solução amigável da lide, pelo que a mesma acabaria por ser adiada, com vista a negociações posteriores entre os advogados e as partes.
j) Apesar das inúmeras tentativas levadas a cabo pelos mandatários, a verdade é que não lograram obter, entre si, e sem a intervenção do Tribunal, sucesso.
k) Daí ter sido novamente agendada data para a inquirição de testemunhas, no âmbito da reclamação, sendo a mesma precedida de tentativa de conciliação, a qual viria a dar frutos, uma vez que as partes lograram proceder à partilha por acordo.
l) Depois de concretizada a partilha ocorreu um facto que motivou uma participação crime por parte do R. contra a ex-esposa, por esta ter procedido à venda de um veículo Jeep, que lhe tinha sido adjudicado na partilha.
m) Tal processo crime viria a ser arquivado.
n) Ainda viria a ser executado um documento confissão de dívida, contra o R., por parte da sua ex-esposa, documento esse elaborado no âmbito da partilha, o qual viria a merecer a oposição do R., que invocou a compensação, com base no valor do Jeep e em pagamentos de dívidas fiscais.
o) O processo viria a findar por acordo em 29/03/2012.
p) Em consequência, o A. enviou ao R. uma carta onde descrimina os serviços por si efetuados e custo dos mesmos.
q) O teor da nota de honorários de fls. 12-13 que aqui se dá por reproduzido.

Vamos conhecer das questões enunciadas.
1.O autor insurge-se contra o decidido, porque o tribunal não valorou o laudo da Ordem dos Advogados, que confirmou, na íntegra, os honorários peticionados e seguiu a posição do réu, na sua contestação.
O tribunal recorrido afastou-se do lauto da Ordem dos Advogados por que o considerou desajustado à realidade dos factos provados, seguiu o critério da equidade, invocando a doutrina de Rodrigues Bastos que se enquadrava nos critérios apontados pelo artigo 100 do Estatuto da Ordem dos Advogados, inserido na Lei 15/2005 de 26/01.
É doutrina e jurisprudência dominantes, que, para o cálculo dos honorários de advogado deve prevalecer o trabalho despendido com a questão. E neste deverá atender-se, essencialmente, à complexidade da questão, e à necessidade do seu acompanhamento, ao trabalho intelectual desenvolvido no estudo de preparação e de intervenção ao longo do processo. Os outros pontos enunciados no artigo 100 do Estatuto da Ordem dos Advogados deverão ser apreciados de forma secundária, face ao trabalho e complexidade da causa.
Porém, na ponderação do trabalho despendido, teremos de realçar a empresa de prestação de serviços em que se enquadra hoje a actividade de advocacia. Todo os investimentos com equipamentos informáticos, biblioteca, assinatura de revista da especialidade, a necessidade de formação contínua para um bom desempenho da actividade, implicam custos que se terão de repercutir no preço dos serviços prestados, que se traduzem nos honorários. É que estamos no domínio dum actividade qualificada, e deverá ser paga atendendo a esta especificidade.
Na fixação dos honorários há uma grande discricionariedade, mas o julgador deverá seguir estes princípios enunciados, para encontrar um ponto de equilíbrio entre o trabalho desenvolvido e o resultado encontrado, preponderando o primeiro. Porque há questões cujo resultado é um êxito total sem grande esforço intelectual e outras são um fracasso mas onde houve grande empenho, e exigências intelectuais face à complexidade das questões jurídicas.
Aplicando estes princípios ao caso em apreço, temos de considerar que estamos perante um processo de média complexidade, em que apenas temos a destacar, no plano jurídico, a relação de bens apresentada, a resposta à reclamação apresentada pela parte contrária, a intervenção no processo crime e no processo de execução. Todas a outras intervenções foram ao nível de conversações para acordos, que demoram tempo e capacidade negocial.
Assim, julgamos que o laudo da Ordem do Advogados está desajustado da matéria de facto provada, e como tal, apenas pode ser entendido como um elemento a levar em conta. Por outro lado, entendemos que a verba de 7.500€, correspondente a 3% do quinhão de 250.000€, que o autor diz que o réu recebeu, não pode ser atendido, uma vez que se traduz em duplicação de honorários. Na verdade, o autor, na sua nota de honorários, descriminou um conjunto de actos a que fixou valores, que englobam despesas de funcionamento e actividade jurídica. E os honorários visam retribuir a funcionalidade empresarial e a actividade específica, qualificada do advogado. Não se pode considerar o valor do quinhão, que neste caso foi apenas de 64.000€, para apurar uma verba autonomizada para efeitos do cálculo dos honorários. Pois, o que deve prevalecer é o tempo gasto e a complexidade jurídica, sendo pouco relevante o valor dos bens em jogo.
Daí que julgamos que o montante ajustado ao caso seja de 7.000€, que envolve a parte dos custos de gestão empresarial e os inerentes à actividade específica de advocacia, acrescida de IVA a 23% (1.610€), sendo compensado o montante entregue a título de provisão no montante de 2.000€.
Assim, o montante em dívida é de 6.610€ (7.000€ + 1.610€ - 2.000€), acrescida de juros de mora a 4%.

2. O apelante defende que os juros se vencem desde a data da notificação da nota de honorários, e não da decisão, como o fez o tribunal recorrido, por que a sentença apenas serviu para concretizar o montante, quando a nota interpelou o devedor a pagar. E é a partir desta data que entra em mora.
O artigo 805 do C.Civil determina o momento a partir do qual o devedor entra em mora. E aponta, como princípio geral, no seu n.º 1, a interpelação como momento, a partir da qual, o devedor se constitui em mora, se não pagar tempestivamente. E, excepcionalmente, no n.º 2, refere os momentos constitutivos da mora, sem interpelação.
O tribunal considerou que o pedido, apesar de ser líquido, a obrigação não o era, porque as partes não acordaram sobre o montante, nem a sua determinação, por parte do autor, assentou em critérios fixados pelas partes, nem há critérios rígidos na lei que levem a fixar o montante apontado pelo autor. Daí que a decisão seja elemento constitutivo da obrigação, que teve em linha de conta critérios de equidade, que envolve a actualização da obrigação, pelo que esta, ao abrigo do disposto no acórdão uniforme de jurisprudência do STJ. 2/2002, vence juros a partir da prolação da decisão.
E julgamos que a doutrina defendida pelo tribunal da primeira instância, apoiada no acórdão uniforme de jurisprudência invocado, se ajusta ao caso em apreço. Na verdade, a determinação da quantia a pagar pelo réu assentou em princípios consignados no artigo 100 da Ordem dos Advogados, que são elementos orientadores, implicando um juízo de valor. Daí que o montante encontrado pelo autor não seja vinculativo e possa ser discutido em tribunal. E será ele que vai fixar o montante que considera adequado, tendo em conta o normativo em causa e a equidade, o que se traduz numa actualização do montante da prestação. E numa orientação muito próxima está o Ac. do STJ de 20.06.2002, que considera que os juros contam-se a partir da citação e nunca da interpelação da nota de honorários, que foi recusada pelo devedor, cujo montante fixado pelo tribunal é inferior ao apontado pelo credor.
Assim, os juros deverão contar-se desde a prolação da sentença de primeira instância.

Concluindo:1.Para o cálculo dos honorários de advogado deve prevalecer o trabalho despendido com a questão. E neste deverá atender-se, essencialmente, à complexidade da questão, e à necessidade do seu acompanhamento, ao trabalho intelectual desenvolvido no estudo de preparação e de intervenção ao longo do processo. Os outros pontos enunciados no artigo 100 do Estatuto da Ordem dos Advogados deverão ser apreciados de forma secundária, face ao trabalho e complexidade da causa.
2. Os juros de mora devem contar-se a partir da prolação da sentença de primeira instância quando esta fixar o montante e nele intervier um juízo actualizador, ao abrigo do acórdão uniformizador de jurisprudência 2/2002.

Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, condenam o réu a pagar ao autor a quantia de 6.610€, acrescida de juros de mora à taxa de 4%, desde a prolação da sentença impugnada.
Custas a cargo do autor e do réu, na proporção de decaimento.
Guimarães, 29 de setembro de 2014
Espinheira Baltar
Henrique Andrade
Eva Almeida