Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
459/13.6GAAMR.G1
Relator: ALCINA RIBEIRO
Descritores: NULIDADE DO DESPACHO
FUNDAMENTAÇÃO
SENTENÇA
TRÂNSITO EM JULGADO
TAXA DE JUSTIÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/13/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Sumário: I - Proferida uma decisão, ainda que legalmente irrecorrível para o tribunal superior, a mesma não pode considerar-se transitada em julgado na data da sua notificação, pois a mesma, independentemente de não ser susceptível de recurso ordinário, pode ser objecto de reclamação.
Há, assim, que distinguir duas situações: a) se a decisão admitir recurso transita em julgado decorrido o prazo de recurso; b) se a decisão não admitir recurso, transita em julgado, depois de decorrido o prazo normal e legal da respectiva possibilidade de reclamação.
II - Existem, assim, duas formas processuais que visam a reapreciação/reparação da sentença impugnada: o recurso e a reclamação (cf. artigo 628º, do Código de Processo Civil, ex vi artigo 4º, do Código de Processo Penal).
III - A fase de recurso, cuja tramitação está prevista nos artigos 399º e seguintes do Código de Processo Penal, inclui, no artigo 405º, um procedimento, designado por «reclamação contra despacho que não admitir ou que retiver o recurso».
III - A reclamação contra o despacho que não admitir o recurso ou que o retiver constitui parte integrante da fase de recurso (artigo 628º, primeira parte, do CPC), não se confundindo, nem quanto âmbito, nem quanto à natureza ou finalidade, com a fase da reclamação a que alude o artigo 628º, do CPC, in fine.
IV - Como o arguido não impugnou a sentença dentro dos 30 dias seguintes contados desde a notificação/depósito da mesma – prazo durante o qual lhe era facultada a interposição do recurso - , a sentença consolidou-se no dia dia 19 de Janeiro de 2015, momento a partir da qual deixou de ser passível de recurso ordinário ou qualquer reclamação a que alude o artigo 628º do CPC citado.
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

1Carolino A. arguiu a falsidade da certidão que fez constar o dia 19 de Janeiro de 2015, como sendo a data em que a sentença condenatória transitou em julgado.

2 – Sobre tal requerimento recaiu o seguinte despacho:

«Não se vislumbra qualquer falsidade na certidão emitida.

Na verdade, a mesma certifica com precisão o teor dos presentes autos, designadamente a data de trânsito em julgado.

Julgo, portanto improcedente o incidente de falsidade da certidão apresentado pelo arguido.

Custas do Incidente pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 5 UCS».

3 – Não conformado com este despacho dele recorre o arguido, formulando as seguintes conclusões:

«1ª) A pedido da Instância de Família e Menores da Comarca de Braga, relativamente ao Proc.º 459/13.6GAAMR, e para envio de “cópia da decisão e estado do processo e as medidas de coação que estão em vigor”, a Instância Central de Amares remeteu:

- a certidão com a referência 143116732, com a afirmação que “a sentença transitou em julgado em 19-01-2015”; e

- as informações com a referência 143116974, onde se mantém que a sentença transitou em julgado em 19-01-2015, e mais se informa, “ por ordem do(a) Mmº(ª) Juiz de Direito”, que, “foi interposto recurso do despacho que não admitiu o recurso da douta decisão condenatória por a mesma já ter transitado em julgado, recurso esse que subiu em separado e com efeito devolutivo e que se encontra a seguir os seus trâmites no Tribunal da Relação de Guimarães”.

2ª) Em 09/11/2015, o ora recorrente enviou à Instância de Amares, via email, um requerimento a arguir falsidade das ditas certidão e informações, requerimento esse que foi também enviado em 10/11/2015, por correio registado.

3ª) Com efeito, quer a certidão, quer as informações citadas são documentos falsos, nos termos do artº 372.º do Código Civil, sendo certo que nenhuma autoridade ou oficial público pode perceber ou atestar que a sentença da 1ª instância já transitou em julgado, nem que o “recurso subiu em separado e com efeito devolutivo e que se encontra a seguir os seus trâmites no Tribunal da Relação de Guimarães”.

4ª) Com efeito, o recurso da sentença da 1ª instância foi interposto com efeito suspensivo (e não, devolutivo); esse recurso não foi recebido por ser alegadamente intempestivo; dessa recusa foi interposta reclamação (e não, recurso) ao abrigo do disposto no artº 405.º do Código de Processo Penal; essa reclamação foi indeferida; e neste momento foi já admitido recurso para o Tribunal Constitucional, também com efeito suspensivo, o que comprova que a sentença não transitou em julgado.

5ª) Sendo certo que de nada valeu até agora, o já exposto de modo pormenorizado e claro pelo recorrente, em sua defesa ocorreram entretanto duas pertinentes intervenções:

- A do Ilustre Procurador-Geral Adjunto Coordenador do Tribunal da Relação de Guimarães, que no seu douto parecer prévio, de 02-05-2015, num recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, verificando que o arguido veio reclamar (art. 405.° do CPP) contra o despacho de não admissão do recurso e que da decisão da reclamação foi interposto recurso para o STJ, nos termos do artº 446.° do CPP, uma vez que tal tipo de recurso deve ser interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito da decisão recorrida, concluiu que “a decisão em crise ainda não transitou em julgado”, emitindo parecer de que “o recurso é, por isso, extemporâneo”; e

- A do Ilustre Procurador-Geral Adjunto no Supremo Tribunal de Justiça, que relativamente à decisão de indeferimento da reclamação pelo Venerando Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães (que tem como objecto a questão da admissibilidade, ou não, do recurso da sentença da 1ª instância), expressivamente, refere:

“Sendo meridianamente claro que a decisão recorrida não transitou em julgado, por via do recurso interposto para o TC, e que o trânsito é um dos pressupostos de admissibilidade do recurso, impõe-se a conclusão de que o recurso deverá ser rejeitado…”.

6ª) Adrede, o recorrente, querendo ainda tornar mais fácil a reflexão, questionou o que se faria se o Tribunal Constitucional vier a julgar verificadas as inconstitucionalidades já invocadas na reclamação, invocando que a reclamação é um meio de impugnação especial relativamente ao meio geral ou comum, que é o recurso ordinário, e que a doutrina afirma que “Do despacho que não admita o recurso, seja qual for o fundamento, o interessado pode reclamar, nos termos do art. 643º”.

7ª) E mais invocou que, nos termos do art.º 405.º do Código de Processo Penal, o recorrente pode reagir contra o despacho que não admitir o seu recurso através de reclamação. Se a decisão da reclamação for no sentido da confirmação do despacho que não admitiu o recurso, essa decisão é definitiva, mas admite recurso para o Tribunal Constitucional; no caso contrário, de decisão favorável da reclamação, essa decisão não vincula o Tribunal de recurso, isto é, esta decisão é apenas provisória, mas vincula o Tribunal recorrido, o que determina a conclusão inatacável de que a interposição de reclamação para o Presidente da Relação impede o trânsito em julgado.

8ª) Mais se acrescentou que se tem como indiscutível que o recurso para o Tribunal Constitucional não deixa transitar a decisão que indefere a reclamação, e que tal recurso tem os efeitos do artº 80º da LTC, no caso, ou:

- a reforma da decisão em conformidade com o julgamento do Tribunal Constitucional sobre a questão da inconstitucionalidade; ou

- a aplicação do juízo de constitucionalidade sobre a norma que a decisão recorrida tiver aplicado,

sempre com a ressalva de que só quando transite em julgado a decisão que não admita o recurso ou lhe negue provimento, é que transita também a decisão recorrida, se estiverem esgotados os recursos ordinários (como no caso estarão, sem prejuízo de oportuno recurso para fixação de jurisprudência ou contra jurisprudência fixada, sendo que este último não é um recurso ordinário).

9ª) Concluiu-se, pois, que a interposição de um recurso, mesmo protestado intempestivo, tem a imediata virtualidade para, se for impugnada a recusa e à impugnação se seguir recurso para o Tribunal Constitucional, impedir o trânsito em julgado da decisão recorrida.

10ª) É o que é potenciado e reclamado por elementares princípios do processo penal e da Constituição, em especial, pelos princípios do direito ao recurso (artº 32º, nº 1 da C.R.P.), da presunção de inocência (artº 32º, nº 2 da C.R.P.), da segurança jurídica inerentes ao Estado de Direito (artigo 2º da C.R.P.), da mínima restrição dos direitos, liberdades e garantias (artigo 18º, nº 2, da C.R.P.) e da dignidade humana do condenado (artigos 1º e 30º, nº 5 da C.R.P.).

11ª) Adrede, ainda, o recorrente, na sua arguição de falsidade, deixou exposta, por violação dos citados direitos e princípios, a inconstitucionalidade das normas conjugadas do artigo 628º do CPCivil, do artº 405º do CPPenal e dos artigos 70º, nºs 1, al. b), 2 e 3, 78º, nºs 1, 2, 3 e 4 e 80º, nºs 1, 2, 3 e 4 da LTC, interpretadas no sentido de que, interposto recurso de uma sentença, não recebido por alegadamente extemporâneo, mas havendo reclamação para o Presidente do Tribunal superior e, da decisão de indeferimento deste, seguindo-se recurso para o Tribunal Constitucional, com fundamento na al. b), do nº 1, do artº 70º da LCT, não se relevar a interposição deste recurso para efeito suspensivo da decisão recorrida.

12ª) Sobre a arguição de falsidades em apreço, foi proferido o douto despacho ora em recurso, o qual revela falta de pronúncia sobre a falsidade das informações prestadas através do ofício com a refª 143116974, e manifesta falta de fundamentação, pois se limita a uma mera negação e a uma mera afirmação, o que integra as nulidades previstas nas als. a) e c) do nº 1 do artº 379º do CPPenal.

13ª) Com efeito, não se vislumbrar “qualquer falsidade na certidão emitida” e que “a mesma certifica com precisão o teor dos presentes autos, designadamente, a data de trânsito da sentença ”, expresso e único fundamento da improcedência, nada abona à confirmação, e a verdade é que o recorrente invocava, e demonstrava, por um lado que a sentença ainda não transitou em julgado e, por outro, que as informações prestadas são infiéis relativamente ao processado e àquilo que o Tribunal bem conhece.

14ª) Ora, quer o que o recorrente tem alegado, quer o teor dos dois citados Pareceres, tudo em conformidade com uma leitura meridiana da lei, atestam que a sentença da 1ª instância ainda não transitou em julgado, o que torna falso o teor da certidão enviada à Instância de Família e Menores.

15ª) Por outro lado, sendo os atos recursórios e impugnatórios os descritos na arguição em apreço, isto é, tendo sido interposto recurso da sentença da 1ª instância, com efeito suspensivo (e não, devolutivo); tendo, da recusa da sua admissão, sido interposta reclamação (e não, recurso) ao abrigo do disposto no artº 405.º do CPPenal; que essa reclamação foi indeferida; e que neste momento foi já admitido recurso para o Tribunal Constitucional, também com efeito suspensivo, além de se comprovar que a sentença não transitou em julgado, torna-se evidente que são infiéis as informações de que “foi interposto recurso do despacho que não admitiu o recurso da douta decisão condenatória por a mesma já ter transitado em julgado, recurso esse que subiu em separado e com efeito devolutivo e que se encontra a seguir os seus trâmites no Tribunal da Relação de Guimarães”.

16ª) Quanto às “Custas do incidente pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 5 Ucs”, tal decisão – além do que demais revela –, não vem fundamentada e defendida, como se impõe, tratando-se, notoriamente, de um abuso de direito, pelo que, mesmo que indevida, sempre se reclama a sua revogação e substituição por outra de acordo com a lei.

17ª) O despacho em causa, como se vê, bastou-se com 6 linhas, e para a improcedência apenas duas, pelo que, além do trabalho de escrita, não há outro qualquer com qualquer grau de complexidade.

18ª) Por outro lado, também não se alcançam, ao menos implicitamente, motivos legítimos para que ao requerente seja aplicada qualquer “taxa sancionatória especial, com carácter penalizador, que substituirá a taxa de justiça que for devida pelo processo em causa”.

19ª) Nem a complexidade do requerimento ou da decisão, nem qualquer indício de manifesta improcedência ou de que o recorrente tenha agido sem a prudência ou diligência devidas, permitem uma tal condenação, que é mais que sancionatória.

20ª) O artº 8º, nº 9 do Reg. Custas Processuais, quanto à taxa de justiça em processo penal, diz que “Nos restantes casos a taxa de justiça é paga a final, sendo fixada pelo juiz tendo em vista a complexidade da causa, dentro dos limites fixados pela tabela iii”, e esta tabela, no que respeita às reclamações e pedidos de rectificação, prevê a tributação de 1 a 3 Unidades de Conta.

21ª) Sendo esta – a de 1 a 3 UC´s – a previsão da tributação, a condenação em 5 Ucs, além de não especificar os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão, a omissão dos fundamentos acaba por gerar uma situação de oposição com a decisão, pois é excedido o limite legal de 3 UC´s, verificando-se, pois as nulidades previstas nas als. b) e c) do artº 615º do C.P.Cicil, ex vi do artº 4º do C.P.Penal, que expressamente se deixam invocadas.

22ª) Além disso, ainda sobre esta matéria, o requerente entende que são violados os princípios da proporcionalidade e do acesso à justiça, deixando arguida a inconstitucionalidade da norma do artigo 8º, nº 9 do Reg. Custas Processuais, quando interpretada no sentido de à aplicação da taxa de justiça prevista na lei ser indiferente a complexidade da causa e de poder ser aplicada taxa superior à máxima prevista sem qualquer fundamentação.

4 – O Ministério Público em primeira instância respondeu à Motivação de recurso, como consta a fls. 33 a 39, sustentando a manutenção do decidido.

5. O Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

6 - Não concordando com o parecer referido em 5, respondeu o arguido, nos termos de fls. 321 a 343.

7 – Colhidos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento de mérito.

II – Questão a decidir

- Nulidade do despacho;

- Falsidade da certidão emitida no que toca à data de trânsito em julgado da sentença;

- Taxa de Justiça

III – Actos processuais relevantes

1 – Por sentença proferida a 18 de Dezembro de 2014 e, nesse mesmo dia depositada, foi o arguido Carolino A. condenado, pela prática de dois crimes de violência doméstica, na pena única de 3 anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, sendo ainda condenado na pena acessória de proibição de contacto com as ofendidas, incluindo o afastamento da residência e local de trabalho destas, por aquele mesmo período, a fiscalizar por meios de controlo técnico à distância, desde que obtido o consentimento daquelas, nos termos do disposto no artigo 36º, nº 5, da Lei nº 112/2009, de 16 de Setembro (fls. 58);

2 - No mesmo dia 18 de Dezembro de 2014, o arguido requer e é-lhe cópia da gravação da sessão da audiência de julgamento (fls. 59 e 60);

3 – Em 13 de Janeiro de 2015, o arguido requer e é-lhe entregue da cópia gravação áudio relativamente às sessões de 28/10/2014; 7/11/2014; 4/12/2014; 15/12/2014 e 18/12/2014 (fls. 66 e 67).

4 – O requerimento de interposição de recurso da sentença deu entrada em tribunal no dia 3 de Fevereiro de 2015 (fls. 71 a 217), tendo sido expedido por correio expresso, no dia 2 de Fevereiro de 2015.

5 – Por despacho proferido em 4 de Fevereiro de 2015, não foi admitido recurso da sentença, com fundamento já tinha transitado em julgado (fls. 220).

6 – Notificado deste despacho, dele reclama o arguido para o Tribunal da Relação de Guimarães, nos termos do artigo 405º, do Código de Processo Penal.

7 – Em 6 de Fevereiro de 2015, o arguido requer a revogação da execução da pena acessória, com fundamento na pendência do recurso da sentença final (fls. 227 a 232), pedido que foi indeferido por despacho de fls. 233.

8 - Em 10 de Novembro de 2015, o arguido requer que se declare a falsidade das certidões emitidas, donde consta que a sentença proferida e depositada em 18 de Dezembro de 2014 transitou em julgado no dia 19 de Janeiro de 2015 e bem assim da informação de que «foi interposto recurso do despacho que não admitiu o recurso da douta decisão condenatória por a mesma já ter transitado em julgado, recurso esse que subiu em separado e com efeito devolutivo e que se encontra a seguir os seus trâmites na Relação de Guimarães.

Informo ainda que ao arguido foi aplicada a pena acessória de proibição de contactos com as ofendidas conforme o referido no ponto 6.5 da douta sentença a qual está em vigor com recurso a vigilância electrónica conforme comunicação da DGRSP que se anexa fotocópia».

IV – Apreciação

1. Nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação

Para o recorrente (conclusões 12ª e 13ª) o despacho recorrido enferma de nulidade, por violação do disposto no artigo 379º, nº 1, a) e c) do Código de Processo Penal (falta de fundamentação e omissão de pronúncia).

Apreciando:

É sabido que o dever de fundamentação constitui uma exigência do processo equitativo assegurado pelo artigo 20º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa, visando assegurar a total transparência da decisão.

Segundo o artigo 97º, nº 1, alíneas a) e b) do Código de Processo Penal, os actos decisórios dos juízes tomam a forma de sentença, quando conhecerem a final do objecto do processo, e a forma de despacho quando conhecerem de qualquer questão interlocutória ou quando ponham termo ao processo sem conhecerem do respectivo objecto.

O despacho recorrido não conheceu do objecto do processo (este, quanto a nós equivale ao mérito da causa), antes apreciou uma questão incidental suscitada pelo arguido e que respeitava à falsidade de certidão da sentença final com nota de trânsito em julgado.

Não se trata, assim, de uma sentença, mas de um despacho, razão pela qual, não há que chamar à colação o disposto no 379º, nº 1, a) e c), do Código de Processo Penal, para aferir da nulidade de decisão recorrida.

A fundamentação a que há-de obedecer os actos decisórios vem prevista no artigo 97º, nº 5, do Código de Processo Penal, que impõe o dever de especificação dos motivos de facto e de direito.

A inobservância deste ónus tem como consequência o cometimento de mera irregularidade, sujeita ao regime de arguição previsto no artigo 123º do mesmo Código (cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, Volume I, 3ª Edição, 2008, Editora Rei dos Livros, pág. 628 e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 2007, Universidade Católica Editora, pág. 273).

De facto, segundo o princípio da legalidade consagrado no artigo 118.º do Código de Processo Penal, «a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei».

Ora, contrariamente ao que sucede com as sentenças (artigo 379º, do Código de Processo Penal), não existe preceito legal a cominar de nulidade a decisão que indefira a arguição de falsidade de uma certidão.

Por isso, estamos perante uma mera irregularidade e não nulidade.

E, para que a irregularidade determine a invalidade do acto a que se refere e os termos subsequentes que possa afectar, deve ser arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto, nos termos do artigo 123.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.

Vale isto para dizer, como se lê no Acórdão da Relação de Coimbra de 22 de Maio de 2013 (Relatora: Fernanda Ventura, in www.dgsi.pt) que:

«A falta de invocação atempada de qualquer irregularidade como de resto de uma nulidade que não seja absoluta ou insanável, conduz à sua sanação (121.º, 123.º C. P Penal, por interpretação extensiva) – o contrário e a possibilidade de se conhecer a todo o tempo e oficiosamente uma mera irregularidade é, na prática, conferir-lhe o estatuto de uma nulidade insanável.

(….)

Esta solução é consentânea com o modo como a lei adjectiva penal estabeleceu o sistema fechado das nulidades insanáveis e dependentes de arguição, configurando as normas relativas a nulidades como normas excepcionais, dado o seu carácter taxativo, e, portanto, insusceptíveis de aplicação analógica (cf. o artigo 11.º do Código Civil) – vide Conde Correia, in Contributo para a Análise da Inexistência e das Nulidades Processuais Penais, Coimbra, 1999, p. 152 e Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário ao Código de Processo Penal, 3.ª edição, Lisboa, 2009, p. 298.

No caso concreto, o recorrente não arguiu, atempadamente, a nulidade, por falta de fundamentação, da decisão recorrida perante tribunal que a cometeu, encontrando-se, por isso, sanada.

Improcede, assim, esta pretensão do recorrente.

2 – Trânsito em julgado da sentença penal

A impugnação de uma decisão judicial pode revestir duas formas: recurso e reclamação.

«Pode definir-se o recurso como o meio processual destinado a provocar a reapreciação da sentença por forma a corrigir certas imperfeições que, pela sua importância, não consentem uma forma de remédio mais solene.

Trata-se, pois, do meio processual destinado a sujeitar a decisão judicial a uma nova apreciação jurisdicional por um tribunal superior.

O recurso representa um pedido de revisão da legalidade ou ilegalidade da decisão judicial, a fazer por órgão judicial diferente (superior hierarquicamente) em face de argumentos especiais feitos valer;

A reclamação representa um pedido de revisão do problema sobre que incidiu a decisão, a operar pelo mesmo órgão judicial e sobre a mesma situação em face da qual decidiu.

Os recursos (…) podem ser ordinários ou extraordinários, medindo-se a diferença essencialmente pelo não trânsito ou trânsito da decisão impugnada, respectivamente.

Podemos assim caracterizar os recursos ordinários como aqueles que se interpõem de decisões não transitada em julgado e os recursos extraordinários como os que se usam para combater decisões transitadas em julgado.

Dito de uma forma simples e abreviada, a decisão transita quando se torna firme, imutável, definitiva.

Contudo, a imutabilidade que resulta do trânsito em julgado não é uma imutabilidade absoluta, mas apenas relativa.

Com efeito, verificado o trânsito em julgado, a sentença – que por isso deixou de ser impugnável por via do recurso ordinário – pode, ainda, em certos casos, ser atacada por outra via, qual seja a do recurso extraordinário. Daí o faltar-lhe a imutabilidade absoluta, que apenas se atinge quando já não houver possibilidade de impugnação através dos meios previstos na lei.

Donde o dizer-se que, transitada em julgado a decisão sobre a relação material discutida no processo, ela ganha força obrigatória que só pode ser atacada pela via extraordinária e excepcional de impugnação» - Manuel Simas Santos e Manuel Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, pág. 20 a 22.

Como é sabido, o Código de Processo Penal não define o conceito de trânsito em julgado, havendo que recorrer, subsidiariamente ao disposto no Código de Processo Civil (por força do disposto no art. 4º do Código de Processo Penal), que, no artigo 628º estipula que a decisão se considera passada ou transitada em julgado, logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação.

Tanto significa que mesmo que a decisão não seja susceptível de recurso ordinário, pode sempre a parte interessada reclamar de tal decisão ou arguir nulidades que, no Código de Processo Penal vêm previstas nos artigos 379º e 380º.

Ou seja, proferida uma decisão, ainda que legalmente irrecorrível para o tribunal superior, a mesma não pode considerar-se transitada em julgado na data da sua notificação, pois a mesma, independentemente de não ser susceptível de recurso ordinário, pode ser objecto de reclamação.

Há, assim, que distinguir duas situações: a) se a decisão admitir recurso transita em julgado decorrido o prazo de recurso; b) se a decisão não admitir recurso, transita em julgado, depois de decorrido o prazo normal e legal da respectiva possibilidade de reclamação, sendo certo que os prazos de um e outro são diferentes. O prazo de interposição de recurso é de 30 dias (artigo 411º, nº, 1, do Código de Processo Penal), enquanto o prazo normal de reclamação é de 10 dias (artigo 105º, do Código de Processo Penal).

Neste mesmo sentido se pronuncia o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.6.2009, proferido no proc. nº 107/09.9YFLSB, onde se afirma o seguinte: «as decisões judiciais consideram-se transitadas em julgado logo que não sejam susceptíveis de recurso ordinário, sendo que no caso de decisões inimpugnáveis o trânsito se verifica findo o prazo para arguição de nulidades ou apresentação de pedido de reforma (correcção) ou de aclaração – é o que estabelece o art. 677.º do CPC, aplicável ex vi art. 4.º do CPP –, ou seja, o prazo-regra fixado no n.º 1 do art. 105.º do CPP, qual seja o de dez dias».

Igual posição foi assumida pela Relação do Porto, no Acórdão de 26 de Maio de 2010 (www.dgsi.pt.dgsi.pt) que decidiu:

«Nas decisões que não admitem recurso, a decisão transita decorridos que sejam 10 dias após a sua notificação, sem que tenha havido arguição de nulidades ou pedido de correcção.

Se forem arguidas nulidades ou se for requerida a correcção da decisão, esta apenas transita na data da decisão que decida tais questões, que por sua vez, é insusceptível de novas arguições».

Chegados aqui, importa, ainda, fazer uma outra distinção. A reclamação a que se refere o artigo 628º, do Código de Processo Civil não se confunde com a reclamação prevista no artigo 405º, do Código de Processo Penal.

A primeira destina-se reparar os vícios da própria decisão, nos casos em que esta é insusceptível de impugnação recursiva. Ao interessado está vedado recurso ordinário da decisão. Os vícios de que enferme são arguidos perante o tribunal que os cometeu, nos termos dos artigos 379º e 380º, do Código Penal.

Por outro lado, a decisão que conheça os alegados vícios não é passível de nova arguição pelos mesmos fundamentos.

Neste sentido, cf. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, à luz da Constituição da República e da Convenção dos Direitos do Homem, onde se lê, pág. 948 e 951:

«Não cabendo recurso ordinário da sentença, a respectiva nulidade deve ser arguida nos termos gerais, isto é, no prazo de 10 dias, previsto no artigo 105º, nº 1, diante do tribunal que a proferiu. A decisão que recaia sobre o pedido de arguição de nulidade não é susceptível de nova arguição pelos mesmos fundamentos.

(…)

Não sendo interposto recurso ou não cabendo recurso da sentença, a respectiva irregularidade deve ser arguida, nos termos gerais (…). A decisão que recaia sobre o requerimento de arguição não é susceptível de nova arguição pelos mesmos fundamentos (..:) e não é recorrível».

Já a reclamação contra o despacho que não admitir retiver o recurso, pressupõe, não só a admissibilidade, como, também, a interposição de recurso.

O objectivo da reclamação a que alude o artigo 405º, do Código de Processo Penal é o «de reagir contra a não admissibilidade indevida de qualquer que seja o recurso ou a sua retenção ilegal. A faculdade de reacção concedida ao interessado recorrente tem como interlocutor-decisor, não o juiz do processo, antes o presidente do tribunal ad quem» - Pereira Madeira, Código de Processo Penal Comentado, pág. 1322.

Não se trata, assim, de um pedido de reapreciação da sentença que originou a interposição do recurso, mas antes de um pedido de revisão da decisão que rejeitou o recurso interposto.

O objecto da decisão reclamada é o despacho que se pronunciou sobre a admissibilidade do recurso e não a sentença impugnada.

Em suma, a reclamação a que se alude no artigo 405º, do Código Processo Penal, não se enquadra no âmbito, conceito e procedimento de reclamação a que se refere o artigo 628º, do Código de Processo Civil, ex vi artigo 4º, do Código de Processo Penal, mas integra o procedimento de recurso previsto na primeira parte do mesmo preceito.

Posto isto e de regresso ao caso dos autos, nenhuma dúvida subsiste que a sentença final condenatória transitou no dia 19 de Janeiro de 2015, como consta nas certidões emitidas, cuja falsidade foi invocada pelo recorrente.

Na verdade, o arguido deixou transitar em julgado a decisão condenatória, por dois motivos:

Primeiro, porque, notificado da sentença final, dela não interpôs recurso, no prazo legal. Ou seja, sendo a sentença recorrível, o arguido deixou esgotar o prazo para de 30 dias para interposição de recurso nos termos dos artigos 411º, nº 3, 104º, nº 1, do Código de Processo Penal; 138º, nº 1, do Código de Processo Civil e artigo 28º, da Lei nº 112/09, de 19 de Setembro.

Depois, porque o recorrente não arguiu, nos dez dias seguintes à notificação da sentença final, qualquer reclamação referida no artigo 628º, do Código de Processo Civil já citado.

Como o arguido não impugnou a sentença dentro dos 30 dias seguintes contados desde a notificação/depósito da mesma – prazo durante o qual lhe era facultada a interposição do recurso - , a sentença consolidou-se no dia dia 19 de Janeiro de 2015, momento a partir da qual deixou de ser passível de recurso ordinário ou qualquer reclamação (podendo, contudo, ser objecto de recurso extraordinário, se verificados os respectivos pressupostos).

Note-se, ainda, que o recorrente não reclamou da sentença condenatória, nos termos permitidos no artigo 628º, in fine, do Código de Processo Civil e artigos 379º e 380º, do Código de Processo Penal, na medida em que não consta dos autos qualquer reacção do recorrente invocatória de nulidade ou correcção de sentença, suscitada perante o tribunal a quo.

Donde, não corresponde à verdade que a decisão final estivesse pendente de recurso com efeito suspensivo ou reclamação, como afirma o recorrente, na Conclusão 4ª.

Reitere-se, que depois do dia 19 de Janeiro de 2015, a sentença final deixou de ser susceptível de recurso ordinário ou de reclamação, não se podendo, por isso, convocar o artigo 628º, do Código de Processo Civil, como o faz o recorrente.

Todos os actos processuais praticados pelo arguido após a data em que a sentença transitou definitivamente em julgado – interposição de recurso ordinário da condenação, reclamação da decisão que rejeitou o recurso, recursos para o Supremo Tribunal de Justiça e para o Tribunal Constitucional – não têm por efeito a anulação dos efeitos do caso julgado.

Por último, diga-se que, quando os ilustres Procuradores-Gerais Adjuntos (o Coordenador do Tribunal da Relação de Guimarães e junto do Supremo Tribunal de Justiça) emitiram parecer no sentido de que «a decisão em crise ainda não transitou em julgado», referem-se à decisão que estava a ser objecto de reclamação e de recurso (a que rejeitou o recurso da sentença final, em primeira e segunda instância) e não à sentença já transitada em julgado.

Em suma, quando o arguido apresenta recurso ordinário da sentença final, já esta se encontrava definitivamente fixada na ordem jurídica, por já não admitir qualquer impugnação ordinária ou reclamação.

Desta feita, pode afirmar-se que a certidão emitida pela secção, onde consta a data de trânsito em julgado da sentença, revela um facto processual verdadeiro.

De igual modo, a informação prestada ao processo nº 260/14.0TMBRG-A que corria termos pela Secção da Família e Menores de Braga (fls. 254), não contém qualquer inverdade processual.

O arguido interpôs recurso da sentença final da sentença condenatória, recurso esse que não foi admitido por a mesma ter transitado em julgado, sendo que reclamou deste despacho, reclamação acolhida, com subida em separado e com efeito devolutivo, que, à data se encontrava a seguir os seus trâmites no Tribunal da Relação de Guimarães.

Esta interpretação não fere qualquer princípio do direito processual penal constitucional do recorrente, em especial os indicados pelo recorrente: o direito ao recurso, o direito à presunção de inocência, o da mínima restrição de direitos, liberdades e garantias e o da dignidade humana do condenado.

Diga-se, aliás, que uma interpretação como a proposta pelo recorrente é que levaria à incerteza jurídica inerente a um Estado de Direito. Para tanto, bastaria que, depois de uma sentença transitada em julgado, quiçá passado mais de um ano, se permitisse, ainda aos interessados, (vide por exemplo, o assistente ou o Ministério Público de sentença que absolveu o arguido), a possibilidade de interposição de recurso ordinário com a consequente reapreciação da sentença.

Pelos motivos expostos, somos a concluir que, neste particular, nenhuma censura merece a decisão recorrida.

3 – Custas

O recorrente foi condenado em taxa excepcional sancionatória fixada em 5 UCS.

E, a nosso ver, bem.

Dispõe o artigo 521º, nº 1, do Código de Processo Penal que, à prática de quaisquer actos em processo penal é aplicável o disposto no Código de Processo Civil, quando à condenação no pagamento de taxa sancionatória excepcional.

Por seu turno, o artigo 531º do Código de Processo Civil, estatui, que o juiz pode, excepcionalmente aplicar uma taxa sancionatória quando a acção, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida.

No caso em apreço, nenhuma dúvida subsiste sobre a manifesta falta de fundamento da pretensão do recorrente, razão pela qual, nada a reparar na decisão que o condenou no pagamento de uma taxa de justiça fixada em 5 UCS.

Improcede, também aqui, o recurso.

V – DECISÃO

Em conformidade e de acordo com tudo o exposto, acorda-se julgar totalmente improcedente o recurso interposto por Carolino A..

Custas pelo recorrente com taxa de justiça que se fixa em 4 UCS.

Notifique.

Guimarães, 13 de Junho de 2016

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Alcina da Costa Ribeiro

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Luís Coimbra