Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
188/15.6T9VNF.G1
Relator: FÁTIMA BERNARDES
Descritores: REPRESENTANTE DO ASSISTENTE
PROCEDIMENTO DEPENDENTE ACUSAÇÃO PARTICULAR
JULGAMENTO
FALTA
REGIME ESPECÍFICO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I) A norma do artº 330º, nº 2 do CPP, impõe que se considere que se verifica a desistência da acusação particular se o representante do assistente não estiver presente na audiência de julgamento e a sua falta for considerada injustificada, isto independentemente de o assistente estar presente ou de não ter comparecido por motivo justificado.
II) Daí que não mereça qualquer reparo a decisão recorrida, que julgando não justificada a falta do mandatário/representante dos assistentes, à audiência de julgamento, e estando em causa crimes dependentes de acusação particular, considerou equivaler aquela a desistência da acusação, nos termos do disposto no citado artº 330º, nº 2, 2ª parte, do CPP, com a consequente extinção do procedimento criminal e, no referente ao pedido cível, com a extinção da instância, por impossibilidade superveniente da lide.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:

1 – RELATÓRIO
Neste processo n.º 188/15.6T9VNF, que corre termos na Comarca de Braga, Vila Nova de Famalicão, Juízo Local Criminal, 1ª Secção, os assistentes C. R. e C. F. deduziram, respetivamente, acusação particular contra a arguida J. P., imputando-lhe, a prática, cada um deles, de um crime de difamação p. e p. pelo artigo 180º, nº. 1, do C.P. (cfr. fls. 230 a 232 e 233 a 235), tendo o Ministério Público acompanhado tais acusações (cfr. fls. 237).
Sendo as acusações recebidas, foram designadas datas para a realização da audiência de discussão e julgamento (cfr. despacho de fls. 250 e 251).
Na 1ª data designada para a realização do julgamento, 14/06/2016, faltando o mandatário da arguida e por impedimento do Tribunal na realização de outra diligência (indicando-se, na ata, certamente, por lapso, o nº. do processo correspondente aos presentes autos), foi proferido despacho, adiando a audiência para o dia 24/10/2016 (cfr. ata a fls. 273 e 274 dos autos).
Na sequência da falta dos assistentes e do seu mandatário, à audiência designada para a data de 24/10/2016, foi, em 17/11/2016, proferido despacho judicial que considerando injustificada a falta do mandatário dos assistentes à audiência de discussão e julgamento e uma vez que que o crime em causa nos autos reveste natureza particular (crime de difamação p. e p. pelo artº 180º, nº. 1, do C.P.), nos termos do disposto no artigos 330º, nº. 2 e 51º, nº. 2, ambos do Código de Processo Penal, julgou relevante a desistência da acusação particular, homologando-a e declarando extinto o procedimento criminal intentado contra a arguida. Consequentemente, declarou também extinta, mas por impossibilidade superveniente da lide, a instância cível em relação aos pedidos de indemnização civil formulados pelos assistentes/demandantes.
Inconformados com este despacho/sentença, dele/dela interpuseram os assistentes recurso, para esta Relação, extraindo da motivação apresentada as seguintes conclusões:
«1. Por sentença datada de 16 de Novembro de 2016 foi julgada como não justificada a falta do Sr. Advogado representante dos assistentes à audiência de julgamento do dia 24.10.2016 e ao abrigo do estatuído no art. 51.º, n.º2 do Código do Processo Penal, homologada a desistência de queixa das acusações particulares.
2. Tal decisão baseou-se no facto de, no dia agendado para a audiência de julgamento, os Recorrentes terem sofrido uma avaria na viatura na qual se deslocavam, tendo justificado tal situação ao douto Tribunal a quo, o que foi verificado e admitido.
3. Baseou-se também a Sentença recorrida, no facto do ilustre causídico dos Recorrentes ter elaborado requerimento a justificar a falta dos seus clientes mas não a sua, razão pela qual foi notificado para exercer contraditório.
4. Por fim, concorreu, ainda, para aquela decisão a resposta do ilustre causídico que, na perspectiva do douto Tribunal a quo, não foi consentânea com o anteriormente relatado aos autos.
Sucede que,
5. Tal como nas demais vezes em que sempre se deslocaram à Comarca de Braga para comparecer em juízo, no dia 24 de Outubro de 2016, os Recorrentes propuseram-se a fazer a viagem de Cascais até Vila Nova de Famalicão, nos habitais moldes.
6. Os Recorrentes, que são um casal, levavam consigo uma testemunha do processo, filha do assistente, e tinham planeado recolher o mandatário destes em Santarém.
7. Como já é consabido nos presentes autos, Recorrente(s) e arguida têm um historial litigioso (em diferentes áreas do Direito mas sempre na mesma Comarca), tendo o mesmo mandatário para todas elas, sendo que os Recorrentes têm por hábito - porque combinado entre as partes para minimização de custos - encontrar o ilustre causídico em Santarém, de onde partem todos juntos até Vila Nova de Famalicão.
8. As razões pessoais que fundamentam o facto do mandatário dos Recorrentes ter escritório em Lisboa e preferir encontrar-se com aqueles em Santarém, só o próprio poderá elucidar, mas facto é que esse é o procedimento habitual e no dia 24 de Outubro de 2016 tal não era excepção.
9. No entanto, a caminho do Tribunal, na zona de Aveiras, a viatura em que os Recorrentes viajavam sofreu uma avaria, sendo que estes - e tal como comprovado nos autos - foram forçados a chamar um veículo de reboque, tendo informado o Tribunal (cfr. consta da acta de audiência) e o seu mandatário do sucedido.
10. Uma vez que regressar para alugar uma outra viatura, e ainda parar em Santarém para recolher o ilustre causídico, faria com que todos os intervenientes chegassem mais de uma hora atrasados à diligência agendada, o mandatário dos Requerentes optou por telefonar para o Tribunal relatando ocorrência e, no intuito de não atrapalhar ainda mais a agenda do Tribunal, informou que apresentaria requerimento de justificação de falta.
11. Ora, em consonância com o relatado na Sentença recorrida, foi a Recorrente que avisou o seu mandatário que se encontrava retida em Aveiras, juntamente com o Recorrente e a Testemunha, aguardando a chegada de veículo para reboque da viatura avariada, e este, informou também o Tribunal do que acontecera e, atendendo à hora, ofereceu requerimento de justificação de falta, aliviando o Tribunal para as demais diligências.
Ademais,
12. Também existe correspondência entre o mencionado na douta Sentença - relativamente ao envio de requerimento de justificação de falta dos Recorrentes - e o que efectivamente aconteceu, bem como no que respeita à notificação do mandatário quanto à justificação da sua falta e ao conteúdo da resposta deste.
Porém,
13. Apenas se pode atribuir ao lapso que na resposta do ilustre causídico não se fizesse referência ao facto deste não se encontrar em Lisboa aquando da avaria - porque, de facto, este recorreria à boleia dos Recorrentes!
14. Tanto mais não se compreende quando, anteriormente, o ilustre causídico havia justificado a ausência dos Recorrentes com fundamento na avaria em Aveiras, pelo que, no mínimo - e ainda que ousadamente se cogitasse que a boleia combinada não seria verdade -, o causídico sempre faria por acompanhar a historia anteriormente relatada, sob pena de prejudicar os seus clientes, ora Recorrentes.
15. E, de resto, as pessoas que se encontravam presentes na viatura avariada naquele dia podem testemunhar no sentido de produzir prova cabal de que o ilustre causídico iria de boleia com os Recorrentes.
16. Estas e outras situações que se quedam na incompreensão relativamente ao ilustre causídico, neste processo e noutros que têm oposto as mesmas partes, levaram a que os Recorrentes apelassem a novo mandatário, mesmo antes da prolação da douta Sentença, cujos contornos estavam longe de antecipar.
Pelo que, em conclusão,
17. O ilustre causídico justificou, efectivamente, a sua falta, sendo que, salvo melhor opinião, e na reverência que o comentário merece, o douto Tribunal a quo veio formar convicção em fase adjectiva, sem com isso acautelar os direitos dos Recorrentes que, nas mais diversas vezes - não sendo esta excepção - acabam por ficar preteridos à sombra de uma norma lacunosa.
18. É que, embora se aplauda a iniciativa de penalizar quem deu origem ao processo e não se dê ao trabalho de comparecer em juízo, não podemos deixar de recriminar o vazio que o legislador criou ao não acautelar situações como a que está em crise, em que assistentes e ofendidos são os mesmos intervenientes processuais e pela falta de objectividade na justificação prestada pelo seu representante, vêem agora os seus direitos jogados ao chão pois, ao contrário do que ainda se poderia passar no plano cível, esta extinção da instância fará, naturalmente, extinguir o pedido face aos prazos de prescrição da queixa-crime - não seria essa, certamente, a ratio projectada para a norma.
19. E recorde-se que os Recorrentes já haviam estado presentes no douto Tribunal a quo para audiência de julgamento, não tendo a mesma se realizado devido à falta da arguida...
20. Tudo situações que criam um sentimento profundo de injustiça e de convicção de que o processualismo sempre ajuda o arguido, ainda que inadvertidamente, a escapar impune.
21. Note-se que, embora assistentes, os Recorrentes apresentaram queixa-crime, não no intuito primeiro de obter qualquer vantagem patrimonial, mas no sentido de fazer justiça, almejando a condenação da arguida neste tipo de crime com consequências exemplares, pois a incorrência reiterada da arguida e a inexistência de penalização, só podem criar a ideia de impunidade e, em consequência, a continuação do perpetrado.
Paralelamente,
22. A possibilidade de um direito de regresso sobre o ilustre causídico é completamente inútil aos Recorrentes, já que o que se pretende é a condenação da arguida por facto criminoso que esta cometeu, sendo o pedido cível apenas mais uma forma de penalizar a arguida pelos seus ilegais comportamentos.
Ora,
23. Ao decidir valorar a justificação do ilustre causídico, o douto Tribunal a quo, com o imenso respeito que nos merece, acabou por tirar a venda à Têmis não julgando com a imparcialidade e igualdade que aquela deusa, símbolo da Justiça, reclama.
24. Com efeito, já na pretérita sessão agendada os Recorrentes tinham-se deslocado de Cascais a Vila Nova de Famalicão para ver fazer-se justiça no presente caso, e regressaram, em frustração, porque a arguida (pessoa que haveria de ter mais interesse na decisão da causa) faltou.
25. E, para finalizar, como que em castigo, sem se munir da prudência e razoabilidade que o impasse merecia (salvo mais ajuizada opinião), decidiu-se qualificar a justificação do ilustre causídico, não a admitindo, quando era mais que notória a intenção dos Recorrentes de prosseguir com o procedimento criminal.
26. Recorde-se que, embora não inconstitucional, quando em cru e não adaptada ao caso concreto, esta norma acaba por subverter os princípios consagrados nos artigos 20.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente o direito ao acesso e tutela jurisdicional efectiva e à garantida de processo criminal.
27. Onde o legislador falhou, compete ao julgador, na coerência e ampla visão processual, colmatar as falhas incorridas, por forma a consagrar o princípio máximo que rege a sociedade, i.e., Justiça.
28. Se a ratio da norma é penalizar a inércia de quem tinha legitimidade para acusar de forma particular, bem como a ausência daquele em desrespeito pelos demais intervenientes processuais e operadores de justiça - com a cominação de desistência de queixa - então, a contrario sensu, sendo manifesta e notória a vontade de prosseguimento do procedimento processual por parte dos Recorrentes, os mesmos não devem ficar irreversivelmente prejudicados pela actuação de um terceiro.
29. Foram eles que, no seu direito fundamental, deduziram acusação particular. Deverão ser eles, na esteira desse mesmo direito, a desistir de queixa ou não, sendo penalizados apenas pelas sua próprias omissões e não pelas dos demais.
Para além do mais,
30. E salvo melhor entendimento, não se vislumbra aqui que a justificação da falta do ilustre causídico seja manifestamente extemporânea - porque o douto Tribunal a quo concedeu-lhe o direito ao contraditório - como também não se considera que a sua justificação esteja em absoluta contradição com o relatado anteriormente por aquele, já que fez referência à boleia dos Recorrentes e à avaria destes, o que não contraria o preteritamente justificado.
31. Razões sobejamente suficientes para considerar justificada a falta do ilustre causídico, sobretudo quando apreciado à luz dos sobreditos argumentos, que se prendem com os direitos dos Recorrentes e com a manifestação clara de manutenção do procedimento criminal, o que não deve ser ignorado como se o nosso sistema jurisdicional não assegurasse o cumprimento de uma cabal justiça.»
Terminam os recorrentes no sentido de o recurso dever ser julgado procedente, pugnando pela revogação da decisão recorrida e pela sua substituição por outro despacho que determine nova data para a realização da audiência de julgamento
O recurso foi regularmente admitido. – cfr. fls. 351.
O Ministério Público, junto da 1ª Instância, apresentou resposta ao recurso interposto, nos termos constantes de fls. 356 a 359, que aqui se dão por reproduzidos, formulando, a final as seguintes conclusões:
«1.- No dia 24-10-2016, o Ilustre Advogado que representava os Assistentes apenas requereu a justificação da falta dos mesmos e não a sua, não alegando qualquer facto que justificasse a sua falta, desde logo porque a presença dos assistentes, que não foram arrolados como prova, não era necessária para a realização da audiência de julgamento.
2.- Só posteriormente, alertado para o facto de não ter justificado a sua falta, o Ilustre Advogado veio alegar que viria com os assistentes e, como o carro destes avariou, acabou por também não se deslocar ao Tribunal, sendo este o motivo da sua falta, requerendo assim, apenas em 14-11-2016, a justificação da sua falta.
3.- Salvo melhor opinião, tal requerimento de justificação de falta, sempre seria manifestamente extemporâneo, nos termos do artigo 117.º n.º2 do CPP, sendo que os factos alegadamente justificativos, só foram invocados numa nova versão apresentada nesse momento, a qual, salvo melhor opinião, também não seria suficiente para justificar a sua falta.
4.- Nestes termos, a actual Decisão Judicial recorrida deve ser mantida, negando-se, consequentemente, provimento ao recurso interposto.
5.- Nenhuma norma foi violada na Decisão Judicial recorrida.»
Termina no sentido de o recurso dever ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão judicial recorrida, na íntegra e nos seus precisos termos.
Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu, a fls. 367 a 369, parecer, nos termos que se dão aqui por reproduzidos, pronunciando-se no sentido de o recurso dever ser julgado procedente.
Cumprido o disposto no nº. 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, os recorrentes nada disseram.
Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência. Cumpre agora apreciar e decidir:

2 – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Delimitação do objeto do recurso:
Constitui entendimento pacificamente aceite o de que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação de recurso apresentada pelo recorrente (art.ºs 403º e 412º, nº 1, in fine, ambos do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões que importe conhecer, oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito.
No caso vertente perante as conclusões do recurso a única questão suscitada é a de saber se a falta do il. mandatário dos assistentes, à audiência de julgamento, deve ser considerada justificada e nessa decorrência se não deve ser declarada a extinção do procedimento criminal, por desistência da acusação, por parte dos assistentes nos termos do disposto no artigo 330º, nº. 2, do C.P.P.
2.2. Decisão recorrida
É o seguinte o teor do despacho recorrido:
«Conforme resulta da acta de fls. 292/293 dos autos, em 24.10.2016, data agendada para a realização do julgamento, o Sr. Advogado que representava os assistentes contactou telefonicamente a secretaria deste tribunal às 09:30 horas, reportando que, por volta das 9:00 horas, foi contactado pela assistente que o informou que se encontrava juntamente com o assistente e as testemunhas em Aveiras, com uma avaria na viatura utilizada para o transporte.
Mais comunicou o Sr. Advogado nessa ocasião que não se iria deslocar ao tribunal e apresentaria requerimento.
Foi então proferido o despacho constante de fls. 293 no qual se determinou que ficassem os autos a aguardar a remessa do requerimento referido pelo Sr. Advogado na comunicação efectuada com o tribunal, a justificar a sua falta de comparência.
Nesse mesmo dia, o Sr. Advogado em causa fez chegar aos autos o requerimento de fls. 295, informando que os assistentes C. R. e C. F. tiveram uma avaria na viatura em que seguiam quando se dirigiam para este tribunal, à saída de Lisboa, mais concretamente em Aveiras, impossibilitando-os de comparecer em juízo.
Nessa sequência, por se considerar que o Sr. Advogado que representava os assistentes não tinha apresentado qualquer justificação para a sua falta de comparência à audiência de julgamento do dia 24.10.2016, por despacho proferido a fls. 300 determinou-se a sua notificação, designadamente face ao disposto no artigo 330.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Em resposta a esta última notificação apresentou o Sr. Advogado o requerimento de fls. 306, alegando que tem o seu escritório em Lisboa e, no dia da audiência de julgamento, utilizaria uma boleia dos assistentes para se deslocar a este tribunal, o que não veio a suceder em virtude da avaria do carro daqueles.
Terminou requerendo a justificação da sua falta, com as legais consequências.
*
Apreciando e decidindo.
*
Dispõe o artigo 330.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, a propósito da falta de comparência de representante do assistente à audiência de julgamento em processo dependente de acusação particular que a audiência é adiada por uma só vez, acrescentando que a falta não justificada ou a segunda falta valem como desistência da acusação, salvo se houver oposição do arguido.
Do circunstancialismo supra enunciado resulta que o Sr. Advogado que representava os assistentes faltou à audiência de julgamento agendada para 24.10.2016, não tendo justificado a sua falta, no prazo previsto no artigo 117.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, uma vez que no requerimento remetido aos autos no próprio dia do julgamento o Sr. Advogado apenas apresentou justificação para a ausência dos assistentes e já não para a sua própria falta de comparência.
Por outro lado, a justificação apresentada a fls. 306, para além de manifestamente extemporânea, está em absoluta contradição com aquilo que, anteriormente, o Sr. Advogado subscritor da mesma tinha consignado no requerimento de fls. 295, bem como na informação que telefonicamente prestou ao tribunal, melhor descrita a fls. 292, daí se extraindo que aquando da avaria da viatura dos assistentes, já no percurso para este tribunal, o Sr. Advogado não se fazia transportar nesse veículo.
Consequentemente, julga-se não justificada a falta do Sr. Advogado representante dos assistentes à audiência de julgamento do dia 24.10.2016.
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Estando em causa nos presentes autos um crime dependente de acusação particular e tendo em consideração que a arguida já havia declarado a fls. 148 que não se opunha a uma eventual desistência de queixa, nos termos do disposto no já citado artigo 330.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, a falta não justificada do Sr. Advogado representante dos assistentes à audiência de julgamento vale como desistência da acusação.
*
Assim, face à natureza particular dos crimes e à posição do Ministério Público já consignada na promoção de fls. 299, ao abrigo do estatuído no art.º 51.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, homologo a desistência das acusações particulares de fls. 230 e seguintes e 233 e seguintes formuladas, respectivamente, pelos assistentes C. F. e C. R., e, consequentemente, considero extinto o procedimento criminal.
Custas a cargo dos assistentes, fixando-se a taxa de justiça devida por cada um deles no mínimo legal – artigos 515.º, n.º 1, alínea d) e 518.º, do Código de Processo Penal.
*
Face extinção do procedimento criminal e tendo em consideração que o pedido de indemnização civil deduzido em processo penal tem sempre por fundamento a prática de um crime (cfr. artigo 71.º, do Código de Processo Penal), haverá que concluir que os autos não poderão prosseguir para apreciação dos pedidos de indemnização civil deduzidos por C. F. P. R. e C. R., respectivamente, a fls. 231/232 e 234/235.
Tal obstáculo legal configura uma impossibilidade legal e superveniente da lide que determina a extinção das respectivas instâncias, nos termos do disposto no art.º 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil.
Pelo exposto, determina-se, na parte cível, a extinção da respectiva instância.
Custas a cargo dos demandantes de cada um dos pedidos de indemnização – art.º 536, n.º 3, 1.ª parte, do Código de Processo Civil.
*
Deposite e notifique.»

2.3. Conhecimento do recurso
Tal como já referimos supra a questão a decidir é a de saber se a falta do ilustre mandatário dos assistentes, à audiência de julgamento, deve ser considerada justificada e nessa decorrência se não deve ser declarada a extinção do procedimento criminal, por desistência da acusação, por parte dos assistentes nos termos do disposto no artigo 330º, nº. 2, do C.P.P.
Vejamos:
Dispõe o artigo 330º, nº 2, do Código de Processo Penal: "Em caso de falta do representante do assistente ou das partes civis a audiência prossegue, sendo o faltoso admitido a intervir logo que comparecer. Tratando-se da falta de representante do assistente em procedimento dependente de acusação particular, a audiência é adiada por uma só vez; a falta não justificada ou a segunda falta valem como desistência da acusação, salvo se houver oposição do arguido.”
E acerca da justificação da falta de comparecimento estatui o artigo 117º do Código de Processo Penal:
1. Considera-se justificada a falta motivada por facto não imputável ao faltoso que o impeça de comparecer no acto processual para que foi convocado ou notificado.
2. A impossibilidade de comparecimento deve ser comunicada com cinco dias de antecedência, se for previsível, e no dia e hora designados para a prática do acto, se for imprevisível. Da comunicação consta, sob pena de não justificação da falta, a indicação do respectivo motivo, do local onde o faltoso pode ser encontrado e da duração previsível do impedimento.
3. Os elementos de prova da impossibilidade de comparecimento devem ser apresentados com a comunicação referida no número anterior, salvo tratando-se de impedimento imprevisível comunicado no próprio dia e hora, caso em que, por motivo justificado, podem ser apresentados até ao 3º dia útil seguinte. Não podem ser indicadas mais do que três testemunhas.
(…).
A propósito desta matéria, escreve Vinício Ribeiro, in Código de Processo Penal, Notas e Comentários, Coimbra Editora, 2ª edição, anotação 2 ao artigo 330º, pág. 923: «Relativamente à falta de representante do assistente em procedimento dependente de acusação particular, o nº. 2 consagra um regime específico «a audiência é adiada por uma só vez; a falta não justificada ou a segunda falta valem como desistência da acusação, salvo se houver oposição do arguido.»
Neste caso, a falta a julgamento do representante do assistente impõe a sua justificação, não bastando a mera comunicação.
Tendo presentes estas considerações, no caso vertente, com interesse para a apreciação da questão suscitada, resultam comprovado nos autos, os seguintes factos:
1. A audiência de julgamento, designada para o dia 14/06/2016, à qual faltou a arguida, bem como o seu il. mandatário, estando presentes os assistentes e o seu il. mandatário, foi adiada, por impedimento do Tribunal (cfr. ata de fls. 273 e 274)
2. Na data de 24/10/2016, designada para a realização da audiência de discussão e julgamento, pelas 10:00 horas, os assistentes e o seu ilustre mandatário, Dr. José Manuel de Castro, faltaram, tendo:
a) A assistente C. F. contatado a Secretaria do Tribunal a quo, pelas 09:00 horas, informando que ao dirigir-se para o mesmo Tribunal (vinda de Lisboa), teve uma avaria no veículo, deslocando-se num veículo de substituição (cfr. cota de fls. 292);
b) O il. mandatário contatado, telefonicamente, pelas 09h:30m, com a Secretaria, informando que nessa data, «cerca das 9:00 foi contatado pela assistente a qual lhe comunicou que ainda se encontrava juntamente com o assistente e testemunhas, em Aveiras», pelos motivos constantes da cota mencionada, «tendo ainda o Sr. Dr. informado que na presente data não se iria deslocar a este Tribunal e que apresentaria requerimento» (cfr. ata a fls. 292);
3. Perante a falta do il. mandatário dos assistentes, foi, pelo Sr. Juiz a quo, proferido despacho com o seguinte teor: “Nos termos da informação que antecede, resulta que o Sr. Advogado que representa os assistentes comunicou que não iria comparecer à presente audiência de julgamento.
Estando em causa um procedimento dependente de acusação particular a audiência de julgamento poderá ser adiada por uma só vez, caso a falta do representante dos assistentes seja justificada.
Consequentemente, por ora, deverão aguardar os autos a remessa do requerimento referido pelo Sr. Advogado na comunicação que teve com o tribunal.
(…).» (cfr. ata a fls. 292).
4. Nessa mesma data, 24/10/2016, o il. mandatário dos assistentes fez juntar aos autos, requerimento com o seguinte teor:
«C. R. e C. F., assistentes nestes autos e neles melhor identificados vêm expor e requerer:
Os assistentes, hoje, na manhã do julgamento tiveram uma avaria na viatura quando se dirigiam para esse tribunal, à saída de Lisboa, mais concretamente em Aveiras, às 7.20h – Doc. 1 que ora se junta e se dá por reproduzido.
Tal avaria obrigou os assistentes a voltar para Lisboa onde ainda se encontravam pelas 9h – Doc. 2 que ora se junta e dá por reproduzido.
Ora esta situação impossibilita a comparência dos assistentes nessa aidiência marcada para as 10h de hoje, sendo certo que, se esta audiência já foi adiada uma vez, tal responsabilidade só pode ser assacada à arguida que faltou injustificadamente, ao contrário do que agora sucede com os assistentes, que sofrendo um percalço na viagem apressaram-se a justificar a sua ausência.
Nestes termos, vêm requerer a Vª Exª o adiamento da presente audiência de julgamento.
Junta: 2 documentos.
ED» - cfr. fls. 295 e 296.
5. Na sequência da apresentação do requerimento mencionado em 4., o Ministério Público, junto do Tribunal da 1ª Instância, exarou a fls. 299 dos autos, a seguinte promoção:
«Fls. 293 a 296: Salvo melhor opinião, os assistentes não foram arrolados como prova nas acusações particulares, nem no despacho de acompanhamento do Ministério Público, pelo que não seriam ouvidos em declarações, não havendo motivo para justificar a respectiva falta.
No que concerne à falta da testemunha, nada há a opor à sua justificação, sendo que a mesma não era, nos termos legais, motivo para o adiamento da audiência de julgamento designada para o dia 24-10-2016.
Por outro lado, nada é referido quanto à falta do ilustre Mandatário dos assistentes, nem é requerida a justificação da sua falta.
Face ao exposto, perante a falta do ilustre Mandatário dos assistentes, não havendo oposição da arguida (cfr. fls. 148), promovo que cumpra o disposto no artigo 330.º n.º 2 do C.P.P., julgando-se que a mesma corresponde à desistência da acusação
6. Sobre a indicada promoção, recaiu despacho judicial, proferido em 02/11/2016, a fls. 300 dos autos, com o seguinte teor:
«Considerando que o Sr. Advogado que representa os assistentes não apresentou qualquer justificação para a sua falta de comparência à audiência de julgamento do dia 24.10.2016 e atento o disposto no artigo 330.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, remetendo cópia do despacho proferido a fls. 293 e da promoção que antecede, notifique-o para o exercício do contraditório
7. Notificado de tal despacho, o il. mandatário dos assistentes veio apresentar o seguinte requerimento:
«Vem J. M., advogado identificado nestes autos (fls.), tendo sido notificado para justificar a sua ausência na audiência de julgamento do dia 24.10.2016, dizer:
O mandatário tem escritório em Lisboa, e no dia da audiência os assistentes dariam boleia ao seu advogado para se deslocar a esse tribunal.
Dariam, não deram, exactamente porque o carro deles avariou, o que os levou também a faltar (fls.) ficando todos em Lisboa.
Portanto, o motivo da falta do mandatário é o mesmo dos assistentes e consequência da falta de transporte em tempo útil, não pretendendo de modo algum significar desistência de queixa, que os assistentes não pretendem.
Pelo que requer o advogado a justificação da sua falta com as legais consequências.
E.D.»
8. O Tribunal a quo proferiu, então, o despacho recorrido, julgando não justificada a falta do Sr. Advogado, representante dos assistentes à audiência de julgamento do dia 24.10.2016, com as consequências daí decorrentes, nos termos supra transcritos.
Neste contexto, deverá a falta do il. mandatário dos assistentes, à audiência de julgamento, considera-se justificada?
Em nosso entender tal questão merece resposta negativa, pelas razões que passamos a expor.
- Ao comunicar, telefonicamente, a falta dos assistentes à audiência de julgamento, na data para o efeito designada, 24.10.2016, cerca das 09h:30m, o il. mandatário transmitiu que a assistente o contatara, cerca das 09:00 horas, comunicando-lhe que se encontrava, juntamente com o assistente e testemunhas, em Aveiras e informando, ainda, o il. mandatário que nessa data não se iria deslocar ao Tribunal. Da comunicação, nestes termos efetuada, pelo il. mandatário dos assistentes, extrai-se, tal como bem considerou o Tribunal a quo, que o Exmº. Advogado, não acompanhava os assistentes e a testemunha, mais concretamente, não viajava com os mesmos, no veículo em que se faziam transportar, sendo certo que partindo de Lisboa já se encontravam em Aveiras;
- No requerimento que apresentou nessa mesma data (24.10.2016), tendente a justificar a falta dos assistentes, o il. mandatário destes, não fez qualquer referência a que seguisse com os mesmos na viagem para o Tribunal de V. Nova de Famalicão.
- No requerimento que fez chegar aos autos e que deu entrada em 14/11/2016, requerendo a justificação da sua falta à audiência de julgamento, o il. mandatário vem alegar que tendo escritório, em Lisboa, no dia da audiência, os assistentes lhe dariam boleia, não deram, exatamente porque o carro deles avariou, o que os levou também a faltar “ficando todos em Lisboa(sublinhado nosso).
Ora, tal como se faz notar no despacho recorrido, o alegado neste último requerimento entra em contradição com os termos da comunicação primeiramente efetuada, via telefónica, sendo que ocorrendo a avaria à saída de Lisboa e deslocando-se os assistentes no veículo até Aveiras – que dista a mais de 50 km de Lisboa –, o il. mandatário não os acompanhava, ou seja, não se fazia transportar na viatura juntamente com os mesmos.
De realçar que a circunstância agora alegada pelos assistentes/recorrentes, na motivação de recurso, de que tinham planeado recolher o seu mandatário em Santarém, dando-lhe boleia, daí partindo todos juntos até Vila Nova de Famalicão, constitui facto novo, que não tendo sido alegado perante o Tribunal a quo, no requerimento de justificação de falta apresentado pelo il. mandatário e, como tal, não sendo considerada pelo mesmo Tribunal, na decisão recorrida, não pode ser levada em conta, nesta sede de recurso, estando vedada a sua ponderação, por este Tribunal da Relação.
Neste contexto e não tendo sido apresentada qualquer prova no sentido de que o ilustre mandatário dos assistentes os acompanhava no veículo em que seguiam na deslocação para o Tribunal de Vila Nova de Famalicão e que sofreu avaria, não estando demonstrado que a falta do il. mandatário à audiência de julgamento se ficou a dever a motivo que não lhe é imputável, não merece qualquer reparo o despacho recorrido, ao julgar não justificada a falta do Sr. Advogado, representante dos assistentes.
Assim, confirmando-se a decisão recorrida, na parte em que julgou não justificada a falta do il. Advogado, mandatário/representante dos assistentes, à audiência de julgamento, designada para o dia 24/10/2016, estando em causa duas acusações por crime de natureza particular – crime de difamação p. e p. pelo artigo 180º, nº. 1, do C.P. -, de harmonia com o disposto no artigo 330º, nº. 2, 2ª parte, do Código de Processo Penal e como decidiu o Tribunal a quo, essa falta injustificada vale como desistência da acusação, salvo se houver oposição do arguido, que in casu, não existiu, atenta a posição que a arguida manifestou nos autos, a fls. 148.
E independentemente do juízo que se possa fazer sobre a bondade da solução legislativa, sobretudo em situações em que, tendo o seu representante faltado injustificadamente à audiência, os assistentes adotem conduta de que resulte inequívoco que não pretenderem desistir da acusação particular, entendemos não ter cabimento legal excecionar do âmbito da aplicação da norma, situações que na mesma não são previstas. Não podemos, por isso, concordar com a posição defendida por Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 3ª edição, anotação 3 ao artigo 330º, págs. 829 e 830, no sentido de que a norma do artigo 330º, nº. 2, devendo ser interpretada em conformidade com os artigos 20º, nº. 1 e 32º, nº. 6, ambos da CRP, impõe que se considere que não se verifica a desistência da acusação particular se o representante do assistente não estiver presente na audiência, mas o assistente estiver, com fundamento em que «seria inadmissível que os direitos do assistente de acesso aos tribunais e de participação no processo penal (artigos 20º, nº. 1 e 32º, nº. 6, da CRP), que constituem o fundamento constitucional do seu direito de deduzir acusação por crime particular, fossem irreversivelmente prejudicados por força da omissão de um terceiro.»
Sufragamos a orientação acolhida no Acórdão da R.P. de 04/07/2012, proferido no proc. 73/09.0PHPRT.P1, acessível no endereço www.dgsi.pt, no sentido de que a norma do artigo 330º, nº. 2, do C.P.P., na interpretação que decorre do seu texto, não é inconstitucional, por violação dos preceitos da CRP indicados pelo Prof. Paulo Pinto de Albuquerque supra aludidos, sendo que, como se faz notar no enunciado aresto, a «norma do n° 6 do artigo 32º da Constituição respeita unicamente aos direitos de defesa em processo criminal, (…) ou seja, do arguido (…), não devendo, por isso, ser chamada à colação na apreciação da constitucionalidade da norma do art. 330º, n° 2, 2ª parte, do Código de Processo Penal.»; por outro lado, com referência ao artigo 20º, nº, 2, da CRP, apenas será legítimo falar-se em violação do texto constitucional quando ao titular do direito ou interesse legalmente protegido for denegado o recurso aos tribunais para sua defesa, não se vislumbrando, em que termos, a norma do artigo 330º, nº. 2, 2ª parte, do C.P.P., possa impedir o acesso ao tribunal dos titulares dos interesses legalmente protegidos, limitando-se a mesma a regular as consequências da falta, à audiência de julgamento, do representante do assistente, em crime dependente de acusação particular.
Nesta conformidade, não merece qualquer reparo a decisão recorrida, que julgando não justificada a falta do il. Advogado, mandatário/representante dos assistentes, à audiência de julgamento, designada para o dia 24/10/2016 e estando em causa crimes dependentes de acusação particular, considerou equivaler aquela a desistência da acusação, nos termos do disposto artigo 330º, nº. 2, 2ª parte, do Código de Processo Penal, com a consequente extinção do procedimento criminal e, no referente ao pedido cível, extinção da instância, por impossibilidade superveniente da lide.
Consequentemente, há que julgar o recurso improcedente, confirmando-se, na íntegra, a decisão recorrida.

3 - DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelos assistentes, confirmando integralmente a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes fixando-se a taxa de justiça devida por cada um deles, em 3 UC´s (cfr. art. 513º, nºs 1 e 3, do C. P.P. e art.8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa).
Notifique.

Guimarães, 08 de maio de 2017