Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
165/10.3TBMUR-A.G1
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: EXAME CRÍTICO DAS PROVAS
PROVA PERICIAL
PROVA DA ASSINATURA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/19/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1. No exame à letra e à assinatura, o grau de “provável” que o juízo técnico pericial atribui aos factos em crise não é uma certeza científica ou próximo dela --- e só raramente o será na generalidade dos casos submetidos a exame --- e nem sequer significa que seja muito provável, mas também não é mera possibilidade ou verosimilhança. É uma plausibilidade, uma presumível realidade do facto objeto de prova; é uma conclusão cientificamente relevante de marcado pendor favorável à existência do facto.
2. O grau de provável obtido naquele exame técnico-científico, coadjuvado pelas regras da experiência e pela ausência absoluta de referências probatórias em sentido contrário, ou seja, ausência de contraprova, pode ser suficiente à formação de um juízo crítico judicial favorável à demonstração do facto.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Guimarães
I.
Por apenso ao processo de execução que lhes foi movida por S…, S.A., com sede na…, Lisboa, o ali executado H…, residente na Rua…, Murça, deduziu oposição à execução alegando, aqui em síntese, três fundamentos essenciais:
- O requerimento executivo é inepto por não aludir à relação subjacente ao título dado à execução e por não conter causa de pedir;
- O oponente não celebrou qualquer contrato de crédito com a exequente e não assinou a livrança que foi apresentada como título executivo, assim como não escreveu na mesma a expressão “Bom Por Aval ao Subscritor”;
- O co-executado H…, seu filho, foi declarado insolvente, pelo que o processo executivo deveria ter sido suspenso e, com o encerramento do processo de insolvência, deveria ser extinto;
- A livrança deveria ter sido apresentada a pagamento em primeiro lugar ao principal obrigado.
Notificada, a exequente ofereceu contestação pela qual defendeu a improcedência da oposição por insubsistência daqueles fundamentos e, assim, a prossecução da execução, alegando, designadamente, que o oponente assinou o título executivo, assim como o contrato de crédito que deu origem à emissão da livrança.
Teve lugar a audiência prévia, na qual o tribunal decidiu no sentido de que a declaração de insolvência do executado H… não obsta ao prosseguimento destes autos, julgou improcedente a exceção dilatória de ineptidão do requerimento executivo e proferiu despacho saneador, verificando o cumprimento dos pressupostos processuais.
Instruídos os autos, designadamente com relatório pericial relativo a exame realizado à letra e à assinatura do oponente, teve lugar a audiência final e foi proferida a sentença, fundamentada em matéria de facto e de direito, que culminou com o seguinte dispositivo, ipsis verbis:
«Por todo o exposto, julgo a presente oposição à execução totalmente improcedente, por não provada, e determino o prosseguimento da execução.
Custas pelo Oponente, de harmonia com o disposto no artigo 527° n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil».

Inconformado, apelou o executado oponente tendo em vista demonstrar que não deveria ter sido dado como provado que foi o oponente que assinou o título executivo (a livrança dada à execução) no seu verso e que nele escreveu “Bom Por Aval ao Subscritor”. Para tal, alegou, formulando as seguintes conclusões:
«1ª A douta Sentença deu como provado, com base num relatório pericial que o ora recorrente escreveu pelo seu próprio punho, as palavras “Bom Por Aval ao Subscritor” e escreveu a assinatura constante da livrança dada à execução – vide Pontos 2 e 3 da Fundamentação da douta Sentença;
2ª Salvo o devido respeito por opinião contrária, não pode o ora recorrente conformar-se com aquela fundamentação, pelos seguintes motivos:
3ª Relativamente àquela factualidade dada como provada nos Pontos 2 e 3 a decisão do Tribunal “a quo” alicerçou-se no resultado do exame pericial feito à escrita do recorrente que deu o seguinte resultado “ser provável” que a assinatura e a expressão “Bom Por Aval ao Subscritor” terem sido apostas pelo recorrente.
4ª Ora, o relatório pericial apenas refere “ser provável”, não existindo nenhuma prova que afirme, de forma expressa e clara que a assinatura e expressão controvertidas são do executado (recorrente):
5ª E, salvo melhor opinião, ninguém pode ser condenado com base em probabilidades: em “ser provável”.
6ª Tendo sido impugnada a autoria da assinatura e da expressão que constam da livrança, cabia à exequente o ónus da prova dessa autoria e a única testemunha arrolada admitiu não ter tido intervenção directa no caso.
7ª O relatório pericial quedou-se pelo 4ºnível de probabilidade.
8ª Isto é: tal relatório não concluiu nem no sentido da probabilidade da assinatura e expressão suspeitas serem da autoria do recorrente por se situarem próximo da certeza científica, nem no sentido de tal ser muitíssimo provável, nem sequer muito provável, ficou-se pela simples probabilidade de serem da autoria dele.
9ª Ora, o Julgador necessita para a formação da sua convicção de um pouco mais do que uma mera probabilidade, tem que se orientar por critérios de forte probabilidade.
10ª E o que se verifica “in casu” é que face ao conteúdo do referido relatório pericial não se pode concluir que exista uma forte probabilidade da assinatura e expressão constantes da livrança dada à execução terem sido feitas pelo punho do executado e ora recorrente – conforme dispõe o artigo 163º do CPP e artigo 414º do NCPC.
11ª Assim, no caso “sub júdice”, por força do disposto no artigo 374º, nº2 do Código Civil, o ónus da prova da autoria da assinatura e da expressão escrita “Bom Por Aval ao Subscritor” da livrança dada à execução cabia à exequente;
12ª e ainda que a dúvida sobre a realidade de um facto deve ser resolvida contra a parte a quem o facto aproveita (conforme artigo 414º do NCPC)
13ª Deste modo, no nosso modesto entendimento, de se concluir no sentido de não se ter provado os pontos 2 e 3 da Fundamentação, ou seja que tal assinatura e expressão foram feitas pelo executado H….
14ª Ao não ter decido assim, a douta Sentença proferida violou o disposto nos artigos 163º do CPP e artigos 374º, nº2 e 414º do NCPC, o que se invoca para os devidos e legais efeitos.» (sic)
Termos em que manifesta pretender a revogação da sentença.

Não foram oferecidas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II.
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do ato recorrido e não sobre matéria nova, exceção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º do Código de Processo Civil [1]).
Com efeito, está para apreciar e decidir:
1. Erro de julgamento em matéria de facto; e
2. O ónus da prova dos factos.
III.
A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:
1. Nos autos de processo executivo apensos aos presentes, a exequente apresentou como título executivo uma livrança com os seguintes dizeres e assinaturas: no rosto, no espaço destinado a "local e data de emissão", "Lisboa" e "10.03.22"; na "importância" "10.293,53€"; "vencimento" em "2010-04-12"; na "assinatura do subscritor", "H…"; no "nome e morada dos subscritores" "H…, Rua…"; no verso tem a expressão "Bom Por Aval ao Subscritor", seguindo-se uma assinatura "H…";
2. O Oponente escreveu pelo seu próprio punho, as palavras "Bom Por Aval ao Subscritor" na livrança referida em 1.;
3. O Oponente escreveu pelo seu próprio punho a assinatura constante da mesma.
IV.
A. Erro de julgamento em matéria de facto
Desvalorizando a prova gravada, o apelante defende que os pontos 2 e 3 dos factos dados como provados deveriam ter tido resposta negativa por se basearem exclusivamente na prova pericial produzida, cujo resultado não vai além de uma simples probabilidade da verificação de tais factos, sendo, por isso, insuficiente à sua demonstração. São eles:
“ 2. O Oponente escreveu pelo seu próprio punho, as palavras "Bom Por Aval ao Subscritor" na livrança referida em 1.;
3. O Oponente escreveu pelo seu próprio punho a assinatura constante da mesma.”
O recorrente deu cumprimento ao ónus processual de impugnação da decisão em matéria de facto (art.º 640º, nº 1).
A Relação tem à sua disposição todos os elementos probatórios em que assentou a decisão da 1ª instância quanto à matéria impugnada nesta sede de recurso, não sendo despiciendo referir que também o tribunal considerou sem qualquer interesse o único depoimento testemunhal produzido em audiência, baseando a sua decisão exclusivamente no resultado da perícia realizada, na credibilidade que lhe reconheceu e na inexistência de qualquer contraprova que pudesse por em causa a afirmação daqueles facto ressalvando, embora, que o ónus da prova incumbe à exequente.
A decisão passa, sobretudo, pelo tratamento e valoração da prova pericial produzida no processo: o exame à letra e à assinatura do oponente constantes do título executivo e que a exequente lhe imputa.
Para um melhor enquadramento, desde já se verte aqui uma referência genérica à prova pericial.
Segundo o art.º 388º do Código Civil, esta prova “tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial”.
Segundo o Prof. Manuel da Andrade [2], a perícia consiste num meio de prova que se traduz na “percepção, por meio de pessoas idóneas para tal efeito designadas, de quaisquer factos presentes, quando não possa ser directa e exclusivamente realizada pelo juiz, por necessitar de conhecimentos científicos ou técnicos especiais, ou por motivos de decoro ou de respeito pela sensibilidade (legítima susceptibilidade) das pessoas em quem se verificam tais factos; ou na apreciação de quaisquer factos (na determinação das ilações que deles se possam tirar acerca doutros factos), caso dependa de conhecimentos daquela ordem, isto é, de regras de experiência que não fazem parte da cultura geral ou experiência comum que pode e deve presumir-se no juiz, como na generalidade das pessoas instruídas e experimentadas”.
Se é certo que a prova pericial, em processo civil, se encontra submetida ao regime da liberdade de apreciação da prova pelo tribunal, ínsito nos art.ºs 389º do Código Civil e no art.º 607º, nº 5, do Código de Processo Civil, podendo o juiz decidir de modo diferente das conclusões periciais, impõe-se-lhe um dever de fundamentação especialmente prudente quando a perceção do facto implique conhecimentos especiais de perícia. Ou seja, nestas situações, a liberdade de julgamento está vinculada não apenas ao dever de fundamentação, mas também à necessidade de afastar, motivando a dissensão das conclusões periciais baseadas e conhecimentos de ciência com base na credibilidade de outras provas. O juiz não necessita de demonstrar razões técnicas que o levam a divergir do juízo pericial/científico, mas há de indicar as provas concretas e, designadamente, as produzidas em audiência por testemunhas que têm conhecimentos especiais ou técnicos ou por documentos juntos aos autos, que fundaram o seu juízo divergente daqueloutro constante da perícia anteriormente efetuada, prosseguindo sempre o fim último do processo civil que é a procura da verdade e a justa composição do litígio.
Nesta perspetiva, deve dizer-se, por exemplo, que a mera comparação entre letras e assinaturas dos intervenientes feita pelas partes e até pelo próprio Tribunal, desvirtua a função da prova pericial, uma vez que não é função daquelas ou do juiz saber por tais meios se um documento ou uma assinatura foram ou não foram falsificados, quando, como devia, o tribunal se socorreu dos meios necessários e ao seu alcance (nomeadamente de institutos, estabelecimentos oficiais, pessoas com conhecimentos técnicos específicos a este respeito – peritos), para, posteriormente, e com base no relatório de exame apresentado, poder proferir uma decisão devidamente fundamentada, tanto mais que uma falsificação bem executada não se demonstra através de mera análise comparativa de quem não tem conhecimentos especiais para o efeito.
Importa chamar à colação também o que escreveu o Prof. Alberto dos Reis [3]: “Claro que os fundamentos invocados pelos peritos para justificar as suas conclusões e os trâmites que eles houverem seguido no desempenho do seu cargo estão sujeitos à censura do juiz, que formará a sua convicção segundo a competência ou incompetência efectiva do perito e a seriedade, diligência e rectidão que ele revelar no desempenho do encargo, ou segundo os defeitos que o laudo apresentar. Mas, por que todo o arbitramento pressupõe a insuficiência de conhecimentos do magistrado, é vão imaginar-se que este se substitua inteiramente ao perito para refazer, por si, o trabalho analítico e objectivo para o qual não dispõe de meios subjectivos.
Daí que muitas vezes o litígio é decidido, substancialmente, pelo parecer do perito.
...
Quer dizer, a máxima de que o magistrado é o perito dos peritos, não passa, a maior parte das vezes, de máxima abstracta. Por mais que se afirme a hegemonia da função jurisdicional em confronto com a função técnica e se queira defender o princípio da livre apreciação da prova, não é raro que o laudo pericial desempenhe papel absorvente.

Pode realmente, num ou noutro caso concreto o laudo dos peritos ser absorvente e decisivo, como adverte Mortara; mas isso significa normalmente que as conclusões dos peritos se apresentam bem fundamentadas e não podem invocar-se contra elas quaisquer outras provas; pode significar também que a questão de facto reveste feição essencialmente técnica, pelo que é perfeitamente compreensível que a prova pericial exerça influência dominante.”
Entende-se atualmente, de uma forma que se vinha já generalizando nos tribunais superiores, hoje largamente acolhida no art.º 662º, que, no seu julgamento, a Relação, enquanto tribunal de instância, usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (art.º 655º do anterior Código de Processo Civil e art.º 607º, nº 5, do novo Código de Processo Civil), em ordem ao controlo efetivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efetiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto; porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece.
Como refere A. Abrantes Geraldes [4], “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”… “afastando definitivamente o argumento de que a modificação da decisão da matéria de facto deveria ser reservada para casos de erro manifesto” ou de que “não é permitido à Relação contrariar o juízo formulado pela 1ª instância relativamente a meios de prova que foram objecto de livre apreciação”, acrescentando que este tribunal “deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações que se justificarem”.
Importa, pois, por regra, reexaminar as provas indicadas pelo recorrente e, se necessário, outras provas, maxime as indicadas pelo recorrido nas contra-alegações (quando existam) e as referenciadas na fundamentação da decisão em matéria de facto e que, deste modo, serviram para formar a convicção do Ex.mo Julgador, em ordem a manter ou a alterar a referida materialidade, exercendo-se um controlo efetivo dessa decisão e evitando, na medida do possível, a anulação do julgamento, antes corrigindo, por substituição, a decisão em matéria de facto.
Citando Antunes Varela, escreve Baltazar Coelho [5] que “a prova jurídica de determinado facto … não visa obter a certeza absoluta, irremovível da (sua) verificação, antes se reporta apenas a certeza subjectiva, a convicção positiva do julgador ou, o que vale por dizer, apenas aponta para a certeza relativa dos factos pretéritos da vida social e não para a certeza absoluta do fenómeno de carácter científico”.
Na mesma linha, ensina Vaz Serra [6] que “as provas não têm forçosamente que criar no espírito do juiz uma absoluta certeza acerca dos factos a provar, certeza essa que seria impossível ou geralmente impossível: o que elas devem é determinar um grau de probabilidade tão elevado que baste para as necessidades da vida”. É a afirmação da corrente probabilística, seguida pela maior parte da doutrina que, opondo-se à corrente dogmática, considera não exigível mais do que um grau de probabilidade considerável para que se tenha provado o facto.
Terá que haver sempre um grau de convicção indispensável e suficiente para justificar a decisão, que não pode ser, de modo algum, arbitrária, devendo a fundamentação funcionar como meio de justificação e compreensão do processo lógico e convincente da sua formação.
Sempre se dirá ainda que a decisão só deverá ser alterada perante uma situação probatória de imposição de decisão diversa, como resulta expresso no nº 1 do art.º 662º; ou seja, quando se verifique, relativamente a cada facto impugnado, uma prova impositiva, determinante, que torne imperioso o afastamento do facto segundo as boas regras da apreciação da prova.

O grau de segurança tecnicamente previsto para o resultado dos exames à letra e à assinatura estabelece-se na seguinte escala ascendente: “probabilidade próxima da certeza científica não” - “muito provável não” - “provável não” - “pode não ter sido” - “não é possível formular conclusão” - “pode ter sido” - “provável” - “muito provável” - “muitíssimo provável” - “possibilidade próxima de certeza científica”.
Manifestamente, os factos em causa têm uma feição quase exclusivamente técnica, sendo compreensível, aos olhos de todos, que o juízo técnico-científico exerce aqui uma influência predominante.
O conhecimento científico é produto de “metodologia científica” pela utilização de método científico; a metodologia científica é o processo de formulação de hipóteses e de posteriores experiências que provam, ou não, a hipótese.
O grau de “provável” que o juízo técnico pericial atribuiu aos factos em crise não é uma certeza científica ou próximo dela --- e só raramente o será na generalidade dos casos submetidos a exame --- e nem sequer significa que seja muito provável, mas é, seguramente, mais do que uma possibilidade; é uma plausibilidade, uma presumível realidade. A realidade do facto objeto de prova é mais provável do que o contrário; a perícia conduz a uma conclusão tecnicamente relevante de marcado pendor favorável à existência do facto.
A probabilidade do facto não se confunde com a mera verosimilitude.
É verosímil o que corresponde à normalidade de um certo tipo de condutas ou de acontecimentos. É verosímil o que corresponde ao id quodplerumque actidit. Como sintetiza Luís Filipe Pires de Sousa [7], além do mais, citando Michele Taruffo, “… a verosimilitude ou a inverosimilitude de um enunciado são irrelevantes do ponto de vista da verdade ou falsidade do mesmo. Só as provas podem demonstrar que o que parece verosímil é também verdadeiro, ou então falso, e o que parece inverosímil é também falso, ou então é verdadeiro.” O que é verosímil pode significar que entra numa área de operatividade de uma determinada máxima de experiência, mas não é, em si, um facto provado.
O verosímil não se confunde com o provável.
A probabilidade não é uma crença ou uma opinião.
A noção de probabilidade respeita à existência de razões válidas para julgar um enunciado como verdadeiro ou como falso. Enquanto a probabilidade fornece informações sobre a verdade ou falsidade de um enunciado, a verosimilitude reporta-se apenas à eventual normalidade do que o enunciado descreve. Um enunciado é provável se se dispõe de informações que justiçam considerá-lo como verdadeiro. Ou seja, a probabilidade é função da justificação que se atribui a um enunciado, com base nos elementos cognoscitivos disponíveis. Se as provas produzidas no processo facultam informações que proporcionam um certo grau de confirmação de algum enunciado fáctico, pode então dizer-se que esse enunciado é provavelmente verdadeiro, no sentido de que as provas produzidas proporcionam razões suficientes para considerar confirmada a hipótese de que o enunciado é verdadeiro.

Volvendo ao caso, o recorrente nada aponta que ponha em causa o rigor da prova realizada. Não discute, designadamente, a profissionalidade do perito, os requisitos internos do laudo ou a observância, na elaboração do mesmo, de parâmetros científicos de qualidade bem como o uso de resultados estatísticos[8]. Não está em causa a qualidade da perícia.
Como observámos, o tribunal aprecia livremente as conclusões da prova pericial, porém, considerando sempre que se trata de um juízo técnico-científico que, no caso sub judice, por escapar, quase em absoluto, à experiência comum, se deve considerar uma prova largamente preponderante e influente. Se está em causa apurar um facto cuja solução depende de uma apreciação científica e se a prova pericial for produzida segundo os padrões científicos pertinentes e atendíveis, esta deverá prevalecer sobre a opinião do leigo.
Não podendo, assim, o tribunal deixar de atender a que há prova, apesar de não absoluta, mas considerável, mesmo cientificamente, de que foi o oponente que assinou o verso da livrança e nele escreveu, também pelo seu punho, a expressão “Bom Por Aval ao Subscritor”, assistia-lhe o poder de apreciar livremente aquela conclusão pericial, motivando a sua convicção, nomeadamente através de outras provas e das regras de experiência que contribuíssem para a dissipação ou atenuação da margem de dúvida que subsiste para além daquela conclusão científica.
Independentemente do ónus da prova --- cujas regras se colocam, sobretudo, na aplicação do Direito --- o tribunal profere a decisão sobre a matéria de facto com base na análise crítica que deve levar a cabo quanto à generalidade da prova produzida, esteja ela constituída ou seja a constituir no processo.
Ora, o recorrente não dá indicação de qualquer prova que sustente aquela margem de dúvida ou faça questionar, por qualquer forma, a imputação dos factos ao oponente. Por isso, o tribunal recorrido valorizou essa ausência de prova no sentido de que nada permite infirmar o juízo de probabilidade tecnicamente formado. E, na verdade, assim acontece. Fê-lo livremente, por certo também com base nas regras da experiência comum que espera um mínimo de sustentação probatória da dúvida, maxime, face a uma prova contrária e tecnicamente apoiada.
Se é da exequente o ónus da prova do facto, cabia ao oponente a faculdade de o tornar duvidoso, por mera contraprova (art.º 346º do Código Civil), nada tendo produzido de relevante nesse sentido.
Concluindo, o tribunal a quo usou de são e prudente critério na aplicação que fez do princípio da livre apreciação das provas (art.º 607º, nº 5), acompanhando a conclusão pericial científica e as máximas de experiência comum ao dar como assente a matéria de facto descrita sob os itens 2º e 3º dos factos provados, não se justificando a sua modificação por não subsistir dúvida razoável.
*
2. O ónus da prova
Desenvolvendo a alusão já efetuada, a regra é a de caber àquele que invoca o direito o ónus de fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado (art.º 342º, nº 1, do Código Civil), sendo que, cabe à parte contrária, aquela contra a qual o direito é invocado, demonstrar quaisquer factos impeditivos, modificativos ou extintivos daquele direito (nº 2 do mesmo preceito legal). E em caso de dúvida, emergente que seja de contraprova, os factos devem ser considerados não provados, assim e por regra, com oneração da posição do A. (nº 2, parte final, do art.º 346º e 1ª parte do art.º 414º do Código de Processo Civil).
Em matéria de documentos particulares, uma vez impugnada a letra e a assinatura neles constantes, como aconteceu na oposição deduzida, incumbe à parte que apresenta o documento --- aqui, a exequente --- fazer a prova da sua veracidade (art.º 374º, nºs 1 e 2, do Código Civil).[9]
Dada esta distribuição do ónus da prova, os factos em causa foram, regularmente, considerados e fixados pela positiva, havendo que concluir que a exequente logrou fazer a sua demonstração.
Nada obsta à confirmação da sentença, sendo a apelação improcedente.
*
SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
1. No exame à letra e à assinatura, o grau de “provável” que o juízo técnico pericial atribui aos factos em crise não é uma certeza científica ou próximo dela --- e só raramente o será na generalidade dos casos submetidos a exame --- e nem sequer significa que seja muito provável, mas também não é mera possibilidade ou verosimilhança. É uma plausibilidade, uma presumível realidade do facto objeto de prova; é uma conclusão cientificamente relevante de marcado pendor favorável à existência do facto.
2. O grau de provável obtido naquele exame técnico-científico, coadjuvado pelas regras da experiência e pela ausência absoluta de referências probatórias em sentido contrário, ou seja, ausência de contraprova, pode ser suficiente à formação de um juízo crítico judicial favorável à demonstração do facto.
V.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas da apelação pelo apelante.
Guimarães, 19 de fevereiro de 2015
Filipe Caroço
António Santos
Figueiredo de Almeida
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------
[1] Diploma a que pertencem todas as disposições legais que se citarem sem menção de origem.
[2] Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 262.
[3] Código de Processo Civil, Anotado, vol. IV, pág.s 184 e 185.
[4] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, pág. 224 e 225.
[5] Sob o título “Os Ónus da Alegação e da Prova, em Geral …”, in Colectânea de Jurisprudência, Ano VII, T I, pág. 19.
[6] “Provas – Direito Probatório Material”, in BMJ 110/82 e 171.
[7] Prova por Presunção no Direito Civil, Almedina, 2013, 2ª edição, pág.s 139 e 140.
[8] Cf. Luís F. Pires de Sousa, Prova Testemunhal, Almedina 2013, pág. s 347 e seg.s.
[9] Acórdão da Relação de Lisboa de 23.1.1999, Colectânea de Jurisprudência T. 5º pág. 97, entre a generalidade da jurisprudência; na doutrina, J. Gonçalves Sampaio, A Prova por Documentos Particulares, Almedina, 3ª edição, pág. 131.