Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
243/11.1TTBCL.G1
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: TRIBUNAL DO TRABALHO
COMPETÊNCIA MATERIAL
ACIDENTE
CONTRATO EMPREGO-INSERÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: O Tribunal do trabalho não dispõe de competência, em razão da matéria, para conhecer de um acidente sofrido no âmbito de execução de um contrato Emprego Inserção, celebrado ao abrigo da Portaria 128/2009 de 30/01.
Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Guimarães:

M…, autora nos autos em epígrafe, não se conformando com a sentença que julgou a ação apresentada improcedente por incompetência em razão da matéria, dela vem interpor recurso.
Pede que se julgue o tribunal de trabalho de Barcelos competente para a presente ação.
Alega, e de seguida conclui que:
I - O presente recurso vem interposto da douta decisão que julgou improcedente, por incompetência em razão da matéria, a ação apresentada por M….
II- São da competência dos Tribunais do Trabalho as questões emergentes de acidentes de trabalho (alínea c) do art.º 85.º da LOFTJ) e as questões emergentes de contratos equiparados por lei aos de trabalho (art.º 85.º al. f) da LOFTJ).
III - O processo especial emergente de acidente de trabalho é instaurado sempre que, em causa, esteja a apreciação das questões relacionadas com a ocorrência de um acidente de trabalho, sua caracterização, nexo de causalidade e indemnizações decorrentes do mesmo, para o sinistrado.
IV - Sobre o que se deve entender por acidente de trabalho, dispõe o art. 6º da Lei 100/97, de 13 de Setembro (LAT) que:
“1. É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e que produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
2. Considera-se também acidente de trabalho o ocorrido:
(…)
3. Entende-se por local de trabalho todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja, direta ou indiretamente, sujeito a controlo do empregador.
4. Entende-se por tempo de trabalho, além do período normal de laboração, o que preceder o seu início em atos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe seguir, em atos também com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçosas de trabalho.
5. Se a lesão corporal, perturbação ou doença for reconhecida a seguir ao acidente presume-se consequência deste.
6. Se a lesão corporal, perturbação ou doença não for reconhecida a seguir a um acidente, compete ao sinistrado ou aos beneficiários legais provar que foi
consequência dele”.
V - Ou seja, de acordo com a definição legal, para que o acidente seja caracterizado como de trabalho é necessário que:
a) ocorra um acidente;
b) que tal se verifique no local e tempo de trabalho ou em algumas das demais circunstâncias referidas no nº 2 do art. 6º da LAT (conjugado com o disposto no art. 6º, nº 2, do Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de Abril);
c) Que o acidente determine, direta ou indiretamente, uma lesão corporal, perturbação funcional ou doença ou a morte; e
d) Que das lesões provocadas pelo acidente resulte a perda ou diminuição da capacidade de ganho.
VI - Conforme nos dá conta Cruz de Carvalho, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Legislação Anotada, 2ª Edição, Petrony, no âmbito da então Lei 2127, de 03.08.1965, mas que mantém atualidade: “Da definição dada – nº 1 – resulta que o conceito de trabalho é, essencialmente, delimitado por três elementos cumulativos:
i) Um elemento espacial (local de trabalho);
ii) Um elemento temporal (tempo de trabalho);
iii) Um elemento causal (nexo de causa-efeito entre o evento e a lesão)”.
VII - Ora, a Autora encontrava-se a exercer funções como auxiliar educativa na Escola …, na Póvoa de Varzim.
VIII - Tendo assumido responsabilidades pelo exercício das funções de auxiliar de ação educativa.
IX - Entre a Autora e o Réu Agrupamento, existia um contrato de trabalho, com subordinação jurídica.
X - A Autora tinha um local de trabalho (Escola…), cumpria um horário (entre as 8h e as 19h), auferia um salário e recebia indicações da Direção do Agrupamento para o trabalho que desenvolvia.
XI - Assim, existe um verdadeiro contrato de trabalho porquanto verificam-se os 3 elementos cumulativos do conceito de trabalho: espacial, temporal e causal.
XII - Pelo que, tendo em conta o supra referenciado, é competente para a ação o Tribunal de Trabalho de Barcelos.
XIII – - Caso assim se não entenda, e face à decisão proferida no Tribunal da Comarca da Póvoa de Varzim, haverá um conflito de competência (art.º 109.º do C.P.C.), consubstanciada em ambos os Tribunais se declararem incompetentes para conhecer da mesma questão.

Não foram proferidas contra-alegações.
O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer de acordo com o qual o recurso deve ser julgado improcedente, porquanto o Tribunal, tal como decidido, carece de competência em razão da matéria.

Os autos resumem-se como segue:
M… intentou a presente ação especial emergente de acidente de trabalho contra Companhia de Seguros…, S.A. e Agrupamento de Escolas…, alegando para o efeito ter sofrido um acidente de trabalho no dia 14.02.2011, quando um quadro lhe caiu em cima do pé direito, no momento em que se encontrava a exercer as suas funções dentro do recinto escolar do segundo réu, o que lhe originou lesões e sequelas, para além de danos não patrimoniais.
Conclui peticionando a condenação dos réus no pagamento de € 1.186,96 correspondente à bolsa mensal complementar que deixou de auferir; € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais e patrimoniais; na quantia que vier a ser determinada pela IPP de que padece; tudo, acrescido dos respetivos juros moratórios, à taxa legal em vigor.
Regularmente citados os dois réus, veio apenas a ré "…Companhia de Seguros, S.A.", apresentar contestação onde invoca a inexistência de qualquer relação laboral entre a autora e o réu Agrupamento de Escolas…, a que acresce apenas ter contratualizado com o referido Agrupamento um seguro do ramo de acidentes pessoais, e não de trabalho, inexistindo, assim, qualquer responsabilidade, da sua parte, pelo acidente sofrido pela autora.
A autora respondeu reforçando, em suma, os argumentos de direito que, em seu entender, assacam a ambos os réus, a responsabilidade pelo pagamento de todas as quantias que peticiona, nestes autos.
Proferiu-se decisão que julgou o tribunal materialmente incompetente e, em conformidade, absolveu da instância os réus.

Sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, as conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, existe uma única questão a decidir, extraída das conclusões: o tribunal de trabalho é materialmente competente para o litígio?

A 1ª instância considerou de interesse para apreciação da questão da competência em razão da matéria e, com base na confissão das partes, no que aos dois réus diz respeito, devidamente concatenada com a prova documental junta aos autos, os seguintes factos (tidos como provados):
1. A autora celebrou com o réu “Agrupamento de Escolas…”, sito na Rua…, Póvoa de Varzim, um contrato denominado “Emprego-Inserção no âmbito das medidas Contrato-Emprego-Inserção para desempregados, beneficiários das prestações de desemprego”.
2. A autora obrigou-se a proporcionar ao Agrupamento de Escolas… a execução de trabalho socialmente necessário, na área de Vigilante e com um horário de trabalho compreendido entre as 08H00 e as 19H00.
3. O Agrupamento de Escolas ficou obrigado a pagar á autora uma bolsa mensal complementar no montante correspondente a 20% da prestação de desemprego, no valor de € 198,16.
4. No dia 14 de Fevereiro de 2011, a autora encontrava-se a exercer funções de auxiliar de ação educativa na Escola … sita na Póvoa de Varzim.
5. No dia 14 de Fevereiro de 2011, a autora encontrava-se desempregada, a
receber o subsídio de desemprego.
6. A ré seguradora celebrou com o Agrupamento de Escolas …, um contrato de seguro do ramo de acidentes pessoais de grupo, titulado pela apólice n.º AG61183997, constando do mesmo, a título de coberturas, “Morte ou Invalidez permanente por acidente e Despesas com tratamentos, transporte sanitário e repatriamento por acidente”.
7. Na tentativa de conciliação realizada em 13.07.2011, as partes não se conciliaram porque a ré seguradora e o réu Agrupamento, apesar de aceitarem o acidente, não aceitaram a sua caracterização como acidente de trabalho, por considerarem que inexiste qualquer relação laboral.

O DIREITO:
No dia 14 de Fevereiro de 2011, a autora que se encontrava desempregada e a receber o subsídio de desemprego, celebrara com o réu “Agrupamento de Escolas…” um contrato denominado “Emprego-Inserção no âmbito das medidas Contrato-Emprego-Inserção para desempregados, beneficiários das prestações de desemprego”. Daí que, na mesma data, quando se encontrava a exercer funções de auxiliar de ação educativa na Escola …sita na Póvoa de Varzim, ao abrigo daquele instrumento, tivesse sofrido um acidente cujos danos pretende ver ressarcidos ao abrigo do regime legal atinente aos acidentes de trabalho.
Instaurou, por isso, num tribunal de trabalho, ação especial para o efeito.
A decisão recorrida veio a considerar o Tribunal incompetente em razão da matéria, tendo enfrentado a questão pela forma seguinte:
“ … em momento algum se pode considerar existir, entre a autora e o réu Agrupamento, um contrato de trabalho, uma vez que o aludido programa e as condições da sua aplicabilidade, com as quais a autora concordou, definem, claramente, as circunstâncias em que a mesma iniciou o desempenho das suas funções, sendo certo que nunca o fez no regime de subordinação jurídica que o contrato de trabalho exige.
Pelo contrário, a autora nunca deixou de manter a sua condição de desempregada, limitando-se a prestar trabalho socialmente relevante e, com isso, auferir, complementarmente, ao subsídio de desemprego, uma bolsa correspondente a 20% do seu montante.

Nessa medida, não releva, como a autora pretende fazer crer, o facto de cumprir um horário e receber, como certamente recebia, indicações da direção do Agrupamento, uma vez que, se afiguram os mesmos como essenciais para o desenvolvimento e organização da sua prestação social relevante.
Uma coisa é certa, a autora encontrava-se desempregada e manteve-se desempregada, recebendo apenas uma bolsa complementar, e foi com base num programa específico que passou a exercer as suas funções na referida Escola, sem que tivesse sido, diretamente, contratada pelo Agrupamento e sem que tivessem acordado algum aspeto concernente á vigência de um qualquer contrato de trabalho.
A autora sabia em que circunstâncias iria exercer funções e o Agrupamento sabia em que condições e ao abrigo de que instrumento legal (Portaria n.º 128/2009), a aceitava.
Do exposto é forçoso concluir que entre a autora e o referido Agrupamento nunca existiu qualquer relação laboral, ideia que sai reforçada se atentarmos às cláusulas do contrato de emprego-inserção junto a fls. 60 e ss., assinado pela autora e pelo Agrupamento, do qual resulta, expressamente, na sua cláusula 1ª, n.º 2, que as atividades a desenvolver (pela autora) não podem corresponder ao preenchimento de postos de trabalho.”
Vejamos, então!
A presente ação foi instaurada em 2011, altura em que estava em vigor a L. 3/99 de 13/01, cujo Artº 85º/c) dispunha que compete aos tribunais de trabalho conhecer, em matéria cível, das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais.
No dia 14/02/2011 já estava em vigor a Lei 98/2009 de 4/09 que veio regulamentar o regime de reparação de acidentes de trabalho.
Ali se define como acidente de trabalho, e no que por ora releva, aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte (Artº 8º/1).
Ao conceito de acidente de trabalho está, em regra, subjacente, o de contrato de trabalho. Mas não só. Também as situações emergentes de contratos equiparados e ainda as de aprendizagem.
Na verdade, dispõe-se no Artº 3º/1 da Lei que o regime ali previsto abrange o trabalhador por conta de outrem de qualquer atividade, seja ou não explorada com fins lucrativos, aqui cabendo, conforme decorre do nº 3, não só os casos de aprendizagem, como ainda as situações ditas de formação profissional do trabalhador.
Nestas situações enquadram-se as de preparação, promoção e atualização profissional do trabalhador, necessárias ao desempenho de funções inerentes à atividade do empregador.
Assim, tratando-se de situações do género das anteriormente reportadas, é pressuposto que haja um empregador, ou seja, alguém que com o prestador da atividade estabeleça um contrato de trabalho, uma relação jurídica de emprego.
No caso concreto, A. executava funções no Agrupamento de Escolas ao abrigo de um contrato Emprego-Inserção no âmbito das medidas Contrato-Emprego-Inserção para desempregados que, segundo o diploma que o rege – a Portaria 128/2009 de 30/01 – se destina a desempregados que desenvolvem um trabalho socialmente necessário. Tem como objetivos: a) Promover a empregabilidade de pessoas em situação de desemprego, preservando e melhorando as suas competências sócio -profissionais, através da manutenção do contacto com o mercado de trabalho; b) Fomentar o contacto dos desempregados com outros trabalhadores e atividades, evitando o risco do seu isolamento, desmotivação e marginalização; c) Apoiar atividades socialmente úteis, em particular as que satisfaçam necessidades locais ou regionais. Cabe-lhe um regime próprio, consignado nos Artº 8º e ss. da Portaria e que passa pela consideração clara de que durante o período de exercício das atividades integradas num projeto de trabalho socialmente necessário, o desempregado subsidiado é abrangido pelo regime jurídico de proteção no desemprego (Artº 10º). Ou seja, o trabalhador beneficiário deste contrato não adquire a condição de empregado, o mesmo é dizer que não estabelece qualquer relação jurídica de emprego com o beneficiário da atividade desenvolvida. Daí que mantenha o direito às prestações por desemprego a que acresce a bolsa pelo exercício da atividade.
Assim, não se podendo concluir que entre a apelante e o agrupamento existia algum contrato de trabalho ou equiparado ou uma situação de aprendizagem, não podemos senão concluir que não estamos em presença de um acidente de trabalho e, nessa medida, o Tribunal não dispõe de competência em razão da matéria para o conhecimento das questões subjacentes ao evento infortunístico.
Neste sentido decidiu o STJ no Ac. de 14/11/2001, conforme nos dá conta o Ministério Público no seu proficiente parecer.
Confirma-se, pois, a decisão recorrida.

Em conformidade com o exposto, acorda-se me julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recrte..
Notifique.
Guimarães, 26/02/2015
Manuela Fialho
Moisés Silva
Antero Veiga