Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1846/12.2BVCT.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: PERÍCIA
INQUÉRITO JUDICIAL
SOCIEDADE COMERCIAL
PRESTAÇÃO DE CONTAS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/23/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- O relatório pericial não consubstancia matéria de “facto”, mas o documento elaborado e assinado pelos peritos em que explanam as conclusões da perícia de que foram incumbidos pelo tribunal.

2- A perícia é um meio de prova, isto é, um instrumento legalmente fixado, a que as partes ou o próprio tribunal podem recorrer para formar a convicção do julgador sobre a ocorrência ou não dos “factos”.

3- É nula, por total ausência de especificação dos fundamentos de facto, a sentença em que o tribunal se tenha limitado a dar como provado, em sede de “factos provados”, “o teor do relatório pericial de fls. 1181 a 1296 e esclarecimentos de fls. 1329 a 1356” e a considerar como não provado “o teor do relatório pericial de fls. 670 a 680 e esclarecimentos de fls. 964 a 972.

4- No art. 1048º do CPC encontram-se previstos dois processos de inquérito judicial à sociedade distintos: a) o inquérito judicial à sociedade previsto no seu n.º 1, que se pode fundar em deliberação ilícita de distribuição de bens aos sócios, na recusa, falsidade, incompletude ou falsidade de informação prestada aos sócios, ou na redução de remuneração dos gerentes; e b) o inquérito judicial à sociedade com fundamento na não apresentação pontual do relatório de gestão, contas do exercício e demais documentos de prestação de contas.

5- Esses inquéritos judiciais à sociedade apesar de assentarem em pressupostos distintos e prosseguirem finalidades distintas, são compostos por duas fases processuais, em que a primeira fase é comum a ambas as modalidades de inquérito e em que apenas a segunda fase é distinta.

6- Na primeira fase, o juiz aprecia os fundamentos invocados pelo requerente para requerer o inquérito judicial, cabendo ao requerente do inquérito, nesta primeira fase, o ónus da alegação e da prova dos fundamentos de facto invocados para a realização do inquérito judicial (isto é, na sociedade por quotas, que solicitou à gerência da sociedade informação quanto à gestão desta e que essa informação não lhe foi prestada ou que a informação que lhe foi prestada pela gerência a propósito da gestão da sociedade é falsa, incompleta ou não elucidativa; ou que a gerência da sociedade não apresentou à assembleia geral de sócios o relatório de gestão, as contas do exercício e demais documentos de prestação de contas no prazo do n.º 1 do art. 67º do CSC. – em princípio, até 31 de maio do ano seguinte ao termo do exercício cujas contas estão em falta).

7- Ultrapassada a primeira fase e proferindo o juiz sentença em que conclua existir fundamento legal para ser deferido o processo de inquérito à sociedade requerido, passasse à segunda fase. Caso o inquérito à sociedade se funde na não prestação de informação ao sócio, esta segunda fase segue os termos dos arts. 1049º a 1051º do CPC. Já caso o inquérito à sociedade se fundar na não apresentação pontual do relatório de gestão, de contas do exercício e demais documentos de prestação de contas, esta segunda fase segue os termos do art. 67º do CSC, devendo nela o juiz: ou determinar que a gerência da sociedade preste contas dentro do prazo que lhe fixar e, uma vez apresentadas essas contas, convocar a assembleia geral de sócios para as apreciar e aprovar, ou nomear um gerente, com o encargo exclusivo de elaborar o relatório de gestão, as contas do exercício e os demais documentos de prestação de contas em falta e de os submeter à assembleia geral de sócios para que os aprecie e aprove, no prazo fixado pelo tribunal, devendo para esse efeito, o gerente nomeado convocar a assembleia geral de sócios. Submetidos esses documentos à assembleia geral de sócios, caso esta assembleia não os aprove, o gerente nomeado pelo tribunal pode submeter, nos próprios autos de inquérito em curso, a divergência ao juiz, para decisão final de aprovação ou de rejeição das contas.

8- O processo de inquérito judicial não se destina a apreciar o incumprimento por parte dos gerentes da sociedade das suas obrigações legais e/ou contratuais enquanto gerentes, sequer a invalidar as deliberações da assembleia geral de sócios que tenham aprovado o relatório de gestão, contas de exercício e os demais documentos de prestação de contas relativamente a exercícios anteriores, não podendo, por isso, os peritos corrigir as contas desses exercícios anteriores aprovadas em assembleia geral de sócios, substituindo-se a essa assembleia, expurgando-as de eventuais ilegalidades que as afetem, de molde a que essas ilegalidades não transitem (projetem) no relatório de gestão, contas de exercício e demais documentos de prestação de contas de cuja realização foram incumbidos pelo tribunal.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO.

Recorrente: L. T.
Recorridos: L. T. – Arquiteto, Lda. e M. M..

L. T., residente na Rua …, Viana do Castelo, instaurou a presente ação especial de inquérito judicial, contra L. T. – Arquiteto, Lda., com sede no Largo …, Viana do Castelo, e M. M., com domicílio profissional na Câmara Municipal de …, Passeio das …, Viana do Castelo, pedindo que:

a- os autos sigam os ulteriores termos previstos no art. 67º do CSCom.:
b- previamente à realização de inquérito pericial se notifique as Rés para prestarem ao Autor, por escrito e com conhecimento do Tribunal, as informações referidas nos arts. 23º a 26º, 28º a 30º e 32º da petição inicial, seguindo-se os ulteriores termos.

Para tanto alega, em síntese, que a Ré sociedade foi constituída em 07/02/2002, tendo como objeto social o exercício, com fins lucrativos, da atividade de arquitetura, instrumentos de planeamento e loteamento e tem como únicos sócios o Autor e a 2ª Ré, com quotas iguais e que foram nomeados seus gerentes;
O Autor exerceu as funções de gerente de facto e de direito da sociedade Ré até julho de 2006, altura em que se separou da 2ª Ré, com quem era casado, passando, desde então, essa gerência a ser exercida exclusivamente pela 2ª Ré, que sempre geriu e dirigiu, em exclusivo, a contabilidade e as contas da sociedade Ré;
Em 31/01/2007 o Autor renunciou formalmente à gerência da sociedade Ré, tendo esse renúncia sido averbada na Conservatória do Registo Comercial;
Desde julho de 2006 até hoje, a sociedade Ré é administrada pela 2ª Ré, sem dar qualquer satisfação, explicação ou informação ao Autor, vedando-lhe o acesso às instalações da sociedade, apesar daquele lhe ter pedido essas informações;
O Autor sabe que em 24/07/2006, a conta da sociedade Ré, aberta na Caixa ..., apresentava um saldo credor de 8.508,61 euros, mas ignora o destino que foi dado a esse saldo;
O Autor entregou à 2ª Ré dois cheques emitidos por clientes da sociedade Ré para pagamento de honorários por serviços prestados, no valor de 6.820,86 euros, mas ignora se os mesmos foram depositados em conta bancária da sociedade Ré e se se encontram refletidos na contabilidade desta;
Em 15/11/2006, o Autor entregou à 2ª Ré um cheque, no valor de 1.698,84 euros, sacado da conta pessoal daquele e emitido a favor da sociedade Ré, mas ignora se tal valor foi depositado na conta bancária da última e se se encontra lançado na respetiva contabilidade e aí processado a título de suprimento de sócio;
Em 14/02/2007, o Autor entregou um outro cheque, no valor de 4.530,00 euros, sacado da sua conta pessoal, para pagamento em débito pela sociedade Ré relativo a IVA do último trimestre de 2006, mas desconhece se tal valor se encontra lançado na contabilidade desta e se aí se encontra processado como suprimento de sócio;
O Autor tem conhecimento que durante o ano de 2006, os clientes J. T., Lda., PR., Lda., Centro Social Paroquial ... e SM., Lda. fizeram pagamentos dos serviços prestado pela sociedade Ré, num valor superior a 40.000,00 euros, mas ignora se tais recebimentos se encontram lançados na contabilidade desta sociedade;
A sociedade Ré possui um veículo automóvel de matrícula OB, quatro computadores, estantes e armários de escritórios, que se encontram na posse da 2ª Ré, mas o Autor ignora o paradeiro e o estado desses bens;
A sociedade possui um veículo automóvel de matrícula DS, quatro computadores, uma impressora ploter, uma mesa e quatro cadeiras de escritório, que foram penhorados em 10/02/2012 à ordem de um processo executivo, no âmbito do qual foi nomeado fiel depositário o próprio Autor, mas este desconhece se existem outros débitos pendentes a outras entidades e/ou terceiros credores da sociedade Ré;
Acresce que a 2ª Ré até à presente data não apresentou o relatório de gestão, as contas do exercício e dos demais documentos de prestação de contas da sociedade Ré dos exercícios de 2009, 2010, 2011 e 2012.

A 2ª Ré contestou defendendo por exceção, sustentando que o Autor não alega factos suficientes para ancorar o pedido de inquérito judicial que requer uma vez que se limita a invocar meras suposições, comentários e apreciações, sequer discrimina com um mínimo de clareza os elementos informativos que pretende obter;

Impugnou parte dos factos alegados pelo Autor e sustentou que em 31/03/2007, teve lugar a assembleia geral da sociedade Ré em que foram aprovados, por unanimidade, o relatório de gestão, o balanço, a demonstração de resultados líquidos e respetivo anexos reportados ao exercício de 2006 e onde se aprovou, por unanimidade, a transição dos prejuízos no montante de 7.984,97 euros, conforme documento de fls. 100, que junta aos autos;

Conclui pedindo que o inquérito à sociedade Ré seja totalmente indeferido e que a ação seja julgada improcedente, com as consequências legais.

O Autor respondeu concluindo pela improcedência da exceção invocada pela 1ª Ré e como na petição inicial.

Admitidos os requerimentos probatórios apresentados pelas partes, teve lugar a audiência final, finda a qual, por sentença proferido a fls. 394 a 408, transitada em julgado, julgou-se a ação procedente, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva:

“Pelo exposto, decide-se julgar procedente o pedido de inquérito judicial e, em consequência:
a) determina-se que, por escrito, sejam prestadas as informações solicitadas pelo requerente nos artigos 23º a 26º, 28º a 30º e 32º da p.i., no prazo de 10 dias;
b) determina-se igualmente o prosseguimento do processo nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 67º CSC, em especial, no seu n.º 2, 2ª parte, devendo a secção indicar pessoa idónea para elaboração dos relatórios de gestão, das contas do exercício e aos demais documentos de prestação de contas da sociedade respeitante ao exercício de 2009, 2010, 2011 e 2012”.

Na sequência do assim decidido, a 2ª Ré prestou as informações que lhe foram determinados nos termos que constam de fls. 409 a 642.
Por requerimento de fls. 650 a 664, o Autor veio acusar que a 2ª Ré não deu cumprimento cabal ao que lhe foi determinado, na medida em que não prestou integralmente as informações solicitadas e que quanto às que prestou, não muniu os autos de elementos que atestem a veracidade de tais informações.
Requereu que se nomeasse perito para realização de perícia à sociedade Ré, a incidir sobre a matéria fixada na sentença, isto é, sobre a matéria vertida nos arts. 23º a 26º, 28º a 30º e 32º da petição inicial e elaboração de relatório.

Por despacho de fls. 665 nomeou-se perito, que apresentou relatório a fls. 670 a 681.
A 2ª Ré reclamou desse relatório, requerendo que o perito prestasse os esclarecimentos de fls. 903 a 904.
Também o Autor reclamou daquele relatório pericial, solicitando que o perito prestasse os esclarecimentos de fls. 908 a 929.
Deferidos os esclarecimentos solicitados, o perito prestou esses esclarecimentos a fls. 964 a 973.
O Autor requereu a realização de segunda perícia, fundamentando o requerido nos termos constantes de fls. 1094 a 1109.
Foi deferida a realização dessa segunda perícia (fls. 1126 e 1127), tendo os peritos apresentado o relatório pericial de fls. 1181 a 1197.
O Autor solicitou então que os peritos prestassem os esclarecimentos de fls. 1277 a 1295, o que mereceu a oposição da 2ª Ré (fls. 1313 a 1316), oposição essa que, contudo, não foi atendida.
Deferido o pedido de esclarecimentos aos peritos, estes prestaram esses esclarecimentos a fls. 1329 a 1338.
Após, notificou-se as partes para diligenciarem pelo cumprimento do disposto no n.º 2 do art. 67º do CSC, convocando a assembleia geral da Ré sociedade para efeitos de aprovação das contas dos exercícios dos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012.
A 2ª Ré veio informar que convocada a assembleia geral da Ré sociedade, o Autor e sócio L. T. não aprovou as contas da sociedade pelos fundamentos que explana a fls. 1362, contas essas que foram por si aprovadas, sustentado que o Autor não dispunha de fundamento para não aprovar o relatório de gestão e contas de exercício elaborados pelos peritos uma vez que todas as informações por aquele pretendidas lhe foram prestadas e toda a documentação e diligências de prova efetuadas, que suportam os balancetes, demonstração de resultados, relatório, extratos de contas de conferência e contas do exercício que apresentaram os peritos no seu relatório pericial e respetivos esclarecimentos, retratam a real e efetiva situação financeira e contabilística da sociedade.

Conclui pedindo que se profira decisão no sentido de considerar prestadas as contas e demais documentos de prestação de contas da sociedade Ré respeitantes aos exercícios de 2009, 2010, 2011 e 2012, de harmonia com o relatório de gestão elaborados pelos peritos, considerando-se que de acordo com estes, resulta que à data existe um crédito da sociedade Ré sobre o sócio L. T. no valor de 32.785,46 euros e que a referida sociedade é devedora à sócia M. M. no valor de 23.734,27 euros e ao IEFP do valor de 3.965,55 euros.

O Autor L. T. opôs-se à pretensão da 2ª Ré, sustentando que não tendo as contas sido aprovadas pela assembleia geral da sociedade Ré, requer que os relatórios de gestão, as contas dos exercícios e os demais documento de prestação de contas elaboradas por via pericial sejam examinadas por revisor oficial de contas independente e só então, em face desse relatório, do que mais dos autos constar e das diligências que entretanto se venham a ordenar, o tribunal decida aprovar ou recusar as contas apresentadas.

Determinou-se que as contas fossem examinadas por um revisor oficial de contas independente (fls. 1375).
O revisor oficial de contas emitiu o relatório de fls. 1460 a 1463, em que conclui que “…atendendo ao exposto, o relatório a emitir na data de hoje (…) consistiria numa escusa de opinião. Contudo, caso este Tribunal entenda diligenciar no sentido de suprir as situações elencadas, será produzida nova prova, a qual carecerá de nova análise por parte do Revisor Oficial de Contas, com os eventuais impactos em sede da sua opinião”.

Observado o contraditório em relação a este parecer, o Autor veio requerer que se ordene as diligências sugeridas pelo ROC nos pontos 3 e 4 do seu relatório e a notificação deste para, de forma o mais exaustiva e concretizada possível, elencar as diligências e ofícios que reputa como necessários e imprescindíveis à elaboração do seu relatório.

Ouvido o ROC, este prestou os esclarecimentos de fls. 1466 a 1469

Na sequência desses esclarecimentos, por despacho de 09/11/2018, ordenou-se às partes para que facultassem ao revisor oficial de contas todos os elementos por ele solicitados.

Em 29/01/2019, o revisor oficial de contas emitiu a certificação legal de contas de fls. 1471 a 1478, escusando a emissão de opinião quanto às contas apresentadas relativamente aos exercícios de 2009, 2010, 2011 e 2012, pelos fundamentos que aí enuncia.

A 2ª Ré veio então requerer que as contas fossem examinadas e aprovadas em função do relatório dos peritos de 16/11/2015 e 07/10/2016, sustentando que o relatório apresentado pelo revisor oficial de contas não contraria aquele relatório pericial, nomeadamente a demonstração de resultados, balanços individuais, balancetes financeiros, extratos de contas de conferência, contas e outros anexos efetuados pelos peritos.
Por sua vez, o Autor, para além de se opor ao requerido pela 2ª Ré, solicitou que o revisor oficial de contas prestasse os esclarecimentos de fls. 1481 a 1484.
Notificado o revisor oficial de contas para prestar os esclarecimentos solicitados pelo Autor, este veio, a fls. 1486 a 1489, prestar esses esclarecimentos, mantendo que, na sua perspetiva, a falta de informação que já tinha apontado “…não foi suprida recorrendo a métodos alternativos” e que “…as normas de auditoria exigem que o revisor obtenha garantia razoável de fiabilidade sobre se as demonstrações financeiras como um todo estão isentas de distorções materiais, quer devido a fraude quer a erro. A garantia de fiabilidade é um nível elevado de garantia. É conseguida quando o revisor tiver obtido prova de auditoria suficiente e apropriada para reduzir o risco de auditoria para um nível aceitavelmente baixo. Só assim é possível obter uma base para a emissão da sua opinião. Tal não se verifica no presente Processo de Inquérito (…). (…) as demonstrações financeiras dos exercícios em questão foram preparadas por um colégio de peritos, e que, conforme referido no relatório emitido, as mesmas se encontram incompletas (…)”.

Após, proferiu-se sentença, aprovando as contas da sociedade Ré relativas aos exercícios de 2009, 2010, 2011 e 2012, apresentadas no relatório de fls. 1181 a 1296 e nos quadros de fls. 1219, 1233, 1224, 1225, 1226, 1230, 1234, 1258, 1259 e 1260, que são anexos do mesmo, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva:

“Por todo o previamente exposto, o Tribunal decide:

A) Aprovar as contas da sociedade 1.ª R., “L. T. - Arquitecto, Lda.”, referentes aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, apresentadas no relatório de fls. 1181 a 1269 e nos quadros de fls. 1219, 1223, 1224, 1225, 1226, 1230, 1234, 1258, 1259 e 1260, que são anexos do mesmo;
B) Condenar o Requerente L. T. nas custas do processo, nos termos do disposto no art.º 1052.º, n.º 1, do C.P.C.”.

Inconformado com o assim decidido, o Autor interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões:

A) Falta de fundamentação da sentença – nulidade

1. O Tribunal entendeu aprovar as contas de fls. 1181 e seguintes por mera adesão genérica ao seu teor e conclusões, não fazendo qualquer apreciação substantiva da materialidade de tais contas, e portanto não especificando os fundamentos de facto que justificam tal decisão – incorrendo aqui, além do mais, na nulidade de sentença prevista pelo artigo 615º, nº 1, b) do CPC, que expressamente se invoca;
2. Não problematiza – nem contrapõe, por remissão para concretos meios de prova – as múltiplas reclamações carreadas pelo Requerente relativamente aos sucessivos relatórios;
3. Não efetua qualquer análise crítica à prova produzida em juízo – nomeadamente documental – que eventualmente confirme ou infirme as conclusões do relatório pericial, o que era exercício imprescindível para justificar tão genérica e indiscriminada adesão a um meio de prova a cuja força probatória o julgador não está, de todo, vinculado cfr. art. 489º e 607º, nº 5 do CPC.
4. Mais ainda quanto tal relatório pericial não é sequer unânime.
5. Há clamorosa e total ausência de análise crítica a toda a prova documental junta pelo Requerente após a elaboração da períciareq. de 27-6-17 – que não mereceu qualquer menção – tão-pouco valoração – no texto da decisão recorrida.
6. Também se mostra francamente insuficiente senão nula – a fundamentação e análise crítica do relatório pericial elaborado pelo Revisor Oficial de Contas nos autos, que aberta e perentoriamente afirma que as contas elaboradas pelo colégio pericial são impossíveis de certificar e validar: o Tribunal não cuidou aqui de aprofundar e analisar criticamente os fundamentos da escusa da ROC em negar-se a aprovar as contas elaboradas pelo Colégio pericial,
7. Competia ao Tribunal analisar criticamente esta posição e, rigorosamente, explicar porque é que tem entendimento diverso do ROC relativamente a esta matéria, isto é, porque é que entende que, afinal, os peritos colmataram de forma rigorosa e credível a clamorosa falta de elementos de que as contas padecem, por culpa de total inação do órgão de gestão.
8. A contraposição de dois elementos de prova pericial frontalmente contrastantes – o relatório do colégio pericial e os relatórios elaborados pela ROC – devia ter sido objeto de aturada ponderação e problematização por parte do Tribunal, e não o foi.
9. Não há na sentença recorrida “uma linha” de análise material e substantiva da prova produzida, de verificação e conferência de documentos contabilísticos com os saldos finais apurados nas várias rubricas das contas aprovadas, de conferência de efetiva prova documental de pagamentos e recebimentos com o seu pretenso reflexo contabilístico, reconciliação de contas bancárias, ou do mais que releva, nem o cumprimento do ónus de fundamentação se mostra cumprido com tão genéricas e parcas considerações como as que tece o Tribunal a quo.
10. Pelo exposto, incumpre frontalmente o Tribunal, na decisão recorrida, o ónus de fundamentação que para si decorre do artigo 607º, nº 4 do CPC, assim incorrendo, além do mais, na nulidade prevista pelo artigo 615º, nº 1, c) do CPC, a qual expressamente se invoca.

B) Os documentos juntos pelo Requerente em 27-6-2017

11. A sentença recorrida entende que as contas que aprova foram elaboradas de forma adequada “em termos de análise dos dados documentais a que foi possível ter acesso.”- o que não corresponde à verdade.
12. Em 27 de junho de 2017, quase um ano volvido sobre o relatório pericial do colégio, juntou aos autos vasta prova documental direta e materialmente relacionada com diversas rubricas das contas elaboradas.
13. Que se referem a comprovativos de pagamento e de destino das respetivas quantias (cópias de cheques, talões de depósito, segmentos de extratos bancários, troca de comunicações eletrónicas explicativas) relativamente aos clientes “X”, “SM.”, “PR.” – os mais relevantes em termos de contas-corrente de clientes nas contas aprovadas - ao cumprimento de obrigações fiscais da sociedade, à aquisição de um veículo automóvel pela sociedade à sócia-gerente e co-Ré, e desta ao stand de automóveis “Auto-…, Lda.”; as quantias transferidas da conta da sociedade Ré para a conta da sócia-gerente e co-Ré; a levantamentos em numerário feitos pela co-Ré gerente de valores que compunham o saldo da conta corrente titulada pela sociedade, etc.
14. Estes documentos são inegavelmente essenciais à descoberta da verdade material, e aptos a demonstrar a inverdade de muitas das conclusões a que chegaram os Srs. Peritos no seu relatório.
15. Não obstante, a sentença não faz qualquer referência a estes documentos, e nem sequer estes documentos foram presentes aos Srs. Peritos a fim de, após análise, se pronunciarem quanto a eventual necessidade de alteração das contas elaboradas, em conformidade, o que reduz a perícia que emanou do colégio a uma absoluta nulidade quanto à sua valia probatória já que ignora, nos seus pressupostos, parte substancial da prova documental relevante para as contas e carreadas para os autos.
16. Pelo que também “ferida de morte” está, necessariamente, a decisão da matéria de facto contida na douta sentença recorrida.

C) O relatório pericial elaborado pela Revisora Oficial de Contas

17. Dispõe o artigo 67º, nº 5 do CSC que o juiz, “em face do relatório deste, do mais que dos autos constar e das diligências que ordenar, aprovará as contas ou recusará a sua aprovação.”, donde resulta evidente a supremacia atribuída pelo legislador ao resultado do relatório do ROC, enquanto mecanismo de supervisão e controle do rigor técnico e contabilístico das contas elaboradas, cujo parecer se assume como peça soberana de suporte à decisão de aprovação ou recusa das contas elaboradas nos autos.
18. Não foi assim, no entanto, que o Tribunal interpretou e valorou o parecer emitido pela ROC nomeada nos autos, pese embora a contundência das conclusões a que chega no sentido de mostrar absolutamente inviável a aprovação das contas elaboradas pelo colégio de peritos.
19. A intervenção do ROC nos autos resume-se aos seguintes momentos, e às seguintes peças processuais nos autos que se têm como fulcrais para a decisão da factualidade aqui em causa e que, pela sua valia imprescindível para a decisão dos autos, se analisará detalhadamente: requerimento notificado às partes em 28 de junho de 2017, requerimento de 4 de outubro de 2018, relatório pericial com certificação legal das contas (escusa de opinião) e esclarecimentos de 11 de abril de 2019.
20. O conjunto de considerações tecidas pela Exma. ROC ao longo de todas as peças processuais supra citadas são eloquentes por si próprias e para aí se remete; mas elas traduzem uma evidência: as contas que o Tribunal decidiu sufragar encontram-se absolutamente inaptas para a sua aprovação, assentando em meras suposições e extrapolações, completamente omissas de elementos imprescindíveis para a sua rigorosa apreciação, incompletas, e traduzem resultados sem qualquer grau de fiabilidade quanto a eventuais distorções ou inconformidades,
21. O que é especialmente verdade no que tem a ver com “eventuais saldos existentes entre as partes, sócios e Sociedade.”
22. Resulta do exame da ROC que as faltas da elaboração, pelo colégio de peritos e gerência, de determinados instrumentos documentais essenciais à prestação de contas, e a consequente falta de informação é insanável e não foi suprida pelo colégio de peritos por recurso a métodos alternativos.
23. Tal incompletude tem de levar, inapelavelmente, à sua recusa.
24. O Tribunal não podia apodar o teor de tal parecer como “pouco compreensível” por “não ter em conta o circunstancialismo do processo e da própria sociedade”, “arrumando” assim com tudo o que de grande valia se concluiu com o trabalho de exame da ROC nestes autos: as contas nunca poderiam ter sido elaboradas pelo colégio de peritos, por total carência de múltiplos elementos essenciais da sua elaboração.
25. Donde se tem de concluir que, se o foram (efectivamente), o resultado das mesmas não está dotado de qualquer idoneidade, rigor, validade ou utilidade.
26. Sendo antes o resultado de um exercício de absoluta extrapolação e especulação sem fundamento em dados objetivos.
27. Assim, andou mal o Tribunal a quo ao decidir da matéria de facto que resulta das contas elaboradas pelo Colégio Pericial, quando na verdade se impunha, antes, dar-se como não provado o seu teor material e a sua consequente rejeição.

D) Dos vícios e deficiências das contas elaboradas pelo colégio pericial

28. A perícia colegial em que assentaram as contas aprovadas na sentença recorrida enferma de evidente erros de análise, vícios, omissões e lacunas na sua materialidade, bem como valoração distorcida da prova documental que, então, à data da elaboração, e sem prejuízo do que se disse em b), estava carreada para os autos.
29. Subscreve-se, naturalmente, tudo quanto aqui se disse em c) e foi atestado pela Exma. ROC quanto às contas elaboradas pelo colégio pericial.
30. Mesmo assim e sem conceder, importa também especificar os inúmeros vícios e faltas de rigor material de que padecem tais contas, em conformidade com as reclamações já apresentadas pelo Requerente nos autos.
31. As razões detalhadas para a discordância do Requerente são inúmeras de diversas natureza, reportam-se a questões de detalhe contabilístico, importam confrontações de variadíssimos documentos, como extratos bancários, cópias de cheques, recibos, faturas e outros afins.
32. Por respeito à necessidade de síntese que impera sobre o ónus de formulação de conclusões, é impossível ao Requerente aqui verter, mesmo resumidamente – e sob risco de as tornar ininteligíveis – todas as razões de detalhe que subjazem às críticas que dirige às contas periciais aprovadas – as mesmas são o resultado de um aturado processo de levantamento individual de rubricas das contas, plasmado nas suas sucessivas reclamações aos relatórios periciais.
33. Daí, vê-se o Requerente forçado a remeter, na íntegra, para a alínea d) das suas alegações, bem como para os seus articulados de reclamações aos relatórios periciais e sucessivos esclarecimentos prestados pelos peritos – como remete.
34. O objeto deste recurso deve passar pela aturada análise de todas as questões levantadas na alínea d) destas alegações, necessariamente.
35. Ainda assim se dirá
36. A ação do colégio de perito limitou-se a uma "adequação formal", ou mera regularização contabilística, de dados e informações sem qualquer confirmação documental.
37. Os Srs. Peritos não elencam especificadamente quais foram os documentos que constataram estar em falta, para que o Tribunal ou as partes (além dos próprios peritos, pela iniciativa que a lei lhes confere) pudessem diligenciar pela sua obtenção.
38. Em segundo lugar, e o que é mais importante, é a forma como os Srs. Peritos colmataram essas lacunas e omissões documentais: cingiram-se assim às meras declarações prestadas pela atual gerente, tendo-se conformado com a bondade das mesmas.
39. Para depois responder, sem reservas, a um sem número de questões da maior importância, como é a do destino dado a dinheiros alegadamente pagos à sociedade Ré, sem comprovação minimamente assente em elementos objetivos e documentais de valor probatório.
40. A perícia ora em apreço apenas se centrou na organização contabilística de informação, não comprovada, dada pela sua atual gerente.
41. O objeto desta perícia é a avaliação substancial da realidade financeira da empresa Ré, e não uma mera "arrumação" formal e contabilística de informações não comprovadas dada pela sua gerente.
42. Além do mais, os Srs. Peritos nunca responderam – antes se furtaram – a responder às inúmeras questões e esclarecimentos que lhes foram pedidos, todos eles vertidos em alegações e para os quais se remete, pela sua extensão.

Por remissão para a estrutura do próprio relatório:
“Primeira Questão “
43. Do quadro elaborado em alegações, em conjugação com os documentos juntos a que ali se aludiu, se constata que o Autor fez pagamentos de despesas da Ré no valor de € 6.329,21 (seis mil, trezentos e vinte e nove euros e vinte e um cêntimos).
44. Esta informação demonstra que, a este título, não só o Autor nada deve à empresa, mas antes é seu credor da quantia de € 1329,21 (mil trezentos e vinte e nove euros e vinte e um cêntimos), resultante da diferença entre o valor recebido e o valor despendido.
“Terceira Questão”
45. A questão que os Srs. Peritos colocam não era fidedignamente apurável com a mera pergunta às partes pela existência de mais contas em nome da sociedade.
46. Optaram, no entanto, por não promoverem os ofícios aptos a desfazer a sua dúvida, conformando-se com a informação da gerente de que: a sociedade só tem aqueloutra conta bancária; E com um extrato parcial dessa mesma conta.
47. Da resposta a esta questão também se constata que a gerente fez sua, de forma indevida, a quantia de € 2.200,00 resultante da venda de um veículo "propriedade" da sociedade, nunca foi a gerente expressamente notificada (pelos Srs. Peritos ou pelo Tribunal) para vir esclarecer aos autos as razões que a levaram a levantar e fazer seu o saldo da referida conta (produto da venda do automóvel), principalmente em data em que a sociedade devia (como deve) à Administração Tributária e ao IEFP as quantias que melhor se retiram da escrita da sociedade; se tal retirada de dinheiro foi computada por conta de adiantamento de lucros ou a que título ocorreu; se foi tributada por esse facto;
“Quarta Questão”
a) Quantia de € 15.730,00, em dívida pela "X" e referente à fatura nº 83;
48. É perfeitamente incompreensível que os Srs. Peritos tenham chegado à conclusão de que o Autor deve à sociedade a quantia de € 15.730,00, a este título, o que é falso e não conhece nenhum meio de prova que o sustente.
49. Os único elementos concretos e objetivos quanto a esta matéria são:
50. A factura nº 83, que data de 16 de Fevereiro de 2006, sem respaldo em qualquer recibo emitido pela sociedade ou qualquer comprovativo do pagamento desta quantia.
51. E ainda os documentos que o Autor veio a juntar aos autos após esta perícia em 27 de junho de 2016, identificados como docs. 1 a 5 e explicados na alínea a) de tal requerimento, para onde se remete expressamente,
52. Documentos esses que, como se disse em b) destas alegações, nunca foram sequer vistos pelos Peritos e não foram, de todo, considerados ou sequer mencionados na sentença de que agora se recorre.
53. Por outro lado, existem "informações" dadas pelos intervenientes que, para os Srs. Peritos, se afiguraram como bastantes para que, sem mais, se considerasse que o Autor deve €15.730,00 à sociedade Ré!
54. Quando na verdade, por um lado, a gerente não esclareça por que razão não fez constar da escrita da empresa, sua exclusiva responsabilidade, tal realidade (o alegado recebimento do pagamento daquela factura pelo Autor), lançando o respetivo débito do Autor para com a empresa, e porque é que não foi emitido o respectivo recibo à X.
55. E por outro, sejam valoradas declarações absolutamente incongruentes e contraditórias como as que presta ao Arq. Mogadouro: (cfr documento nº 7 junto ao relatório pericial, vem o gerente da X, em 3 de março de 2009, dizer que a fatura nº 83, a qual, recorde-se, tem o valor de €15.730,00, "foi liquidada directamente ao Sr. Arquiteto L. T. em 2005", dizendo ainda que "desde 2005 até agora, não foi estabelecido mais nenhum acordo de trabalho complementar nem existiu qualquer outro pagamento ou facturação.", quando a verdade é que a factura nº 83 data de 16 de fevereiro de 2006. No entanto, encontramos nos autos uma missiva assinada pelo mesmo gerente da X, que desta vez vem dizerem 15 de março de 2014, esta entidade veio a juízo alegar que nada deve a Ré sociedade, como aliás já havia esclarecido em 4 de agosto de 2013 - documentos juntos em 14 de Dezembro de 2015 como doc. nº 6 e 7.
56. Mais refere que "a única relação comercial estabelecida entre as partes correspondeu apenas a uma colaboração desenvolvida em 2006 e concluída em maio desse mesmo ano", mais juntando conta-corrente em anexo, e recibo assinado pelo Autor.
57. Ou seja, em contradição com o que havia alegado em 3-3-2009 e acima se transcreveu: que as empresas não tinham qualquer colaboração entre si desde 2005.
58. Atesta ainda que tal prestação ascendeu ao valor de € 6.500,00 (IVA incluído), pago em 6 de maio de 2006, afirmando que ainda não dispõe da respectiva fatura.
59. Finalmente, alega cabalmente que "desconhece a razão de ser da fatura nº 83, que não tem por base qualquer contrato ou acordo de prestação de serviço que a sustente ou valide",
60. Exatamente depois de afirmar, em 2009, que a tinha pago, e entregue o seu valor (€ 15.730,00) directamente ao Requerente!
61. Como tal, a única "prova" que existe de que o Autor recebeu este € 15.730,00 provém da mera alegação da atual gerência - sem qualquer dado ou elemento probatório/documental objetivo - e da mera alegação do próprio cliente (o devedor da quantia, note-se) que primeiro diz aos autos, março de 2009 (doc. nº 7 do relatório) que pagou a quantia da fatura nº 83 ao Autor, e que depois diz, em março de 2009 (doc. n º 6 ora junto e já nos autos) que tudo pagou à empresa foi a quantia de €6.500,00, juntando ainda conta corrente de onde não consta o lançamento da quantia da fatura nº 83 (€ 15.730,00), e muito menos a sua liquidação (seja ao Autor, seja a quem for).
62. Perante esta "informação" pejada de incongruências e contradição, não podiam, nem deviam os Srs. Peritos considerar o Autor devedor desta quantia, nem ter procedido ao lançamento contabilístico de tal dívida.
63. b) A quantia de €5.000,00 constante da contabilidade em dívida pelo cliente "SM."
64. Mais uma vez, os Srs. Peritos bastam-se com a alegação da gerência actual de que foi o Autor que ficou com este dinheiro, para a tomarem como boa e procederem ao respectivo lançamento contabilístico, como dívida do Autor à sociedade, quando não existe qualquer documento que comprove esta situação.
65. No entanto, o Autor conseguiu, entretanto, localizar cópia do cheque de €5.000,00 entregue à empresa pela "SM.": cfr. doc. nº 34 em anexo ao requerimento de 14 de dezembro de 2015 e docs. nº 6 e 7 do requerimento de 27 de junho de 2017 – e foi depositado em conta da Caixa ..., com término em "300", a qual é a conta-ordenado da Gerente.
66. Trata-se de €5.000,00 pertencentes à sociedade peritada que a Gerente depositou em conta pessoal e fez seus, e a que acabou por ser lançado pelos Srs. Peritos como estando em dívida pela Requerente à sociedade!
67. Mais se requereu fosse expedido ofício à referida empresa para vir comprovar documentalmente o pagamento da quantia em referência, bem como de todas as demais que eventualmente fez a favor da empresa e por conta de trabalhos e serviços por esta prestados – o que não sucedeu.
Quinta Questão“
68. Reitera-se o que se disse quanto à questão precedente, que evidentemente abrange também a resposta à presente, por dela ser desenvolvimento lógico.
69. “Oitava Questão
70. Mais uma vez, os Srs. Peritos bastam-se com a alegação da gerência atual de que foi o Autor que ficou com este dinheiro, para a tomarem como boa e procederem ao respetivo lançamento contabilístico, como dívida do Autor à sociedade, quando não existe qualquer documento que comprove esta situação.
71. Os Peritos referem aqui – como em várias outras instâncias – que “criaram a convicção de que o Autor era gerente de facto até janeiro de 2007”, em absoluta extravagância das suas funções.
72. O apuramento do destino dos cheques e identificação do verdadeiro destinatário estava perfeitamente ao alcance dos Srs. Peritos, dentro das suas atribuições processuais.
73. No entanto, consideraram os mesmos ser "escusado" proceder a tal averiguação, conformando-se a mera afirmação, pela Gerência, de que foi o Autor a fazer suas tais quantias.
74. Nenhuma força ou aptidão probatória deverá ser retirada destes documentos: são meras cópias da face dos cheques e não provam, sequer indiciariamente, o seu destinatário, nem o destino dado ao dinheiro.
“Décima Questão”
75. Também não pode o Autor conformar-se com a resposta dada a esta questão.
76. A Gerente, que é depositária dos bens em questão, deveria ter esclarecido cabalmente o paradeiro de tais bens, mas nada esclarece, como sempre, transferindo, de forma infundada, para o Autor a responsabilidade pelo paradeiro de bens da empresa.
77. Os bens em posse do Autor estavam na sua residência pessoal, como se retira do auto de penhora ora junto como docs. 30 a 32,
78. Ficaram assim na posse da Gerente, tendo assim a mesma que dar informação exacta da sua existência, destino e paradeiro, os bens mais bem elencados em alegações, para onde se remete.
79. Além disso, a sociedade contraiu uma dívida ao Instituto de Emprego no montante de € 614,63, reembolso depois retirado pela própria Gerente, sem qualquer justificação.
80. Foi o não reembolso desta quantia (que a Gerente fez sua), que deu origem à dívida e respetiva execução fiscal, a qual, em 31 de dezembro de 2008, se fixava já em € 3.240,65, e que hoje ascende a €4.580,18 e deu origem ao processo executivo com o nº 2348201001080377, que ocorreu a penhora de bens móveis da empresa a que o Autor se refere na resposta a esta questão.
Décima Quarta e Quinta Questões”
81. A informação pretendida pelos Srs. Peritos nesta questão não se podia bastar por mera "entrevista" às partes,
82. Os Srs. Peritos não realizaram qualquer diligência para dissipar a dúvida que existia quanto à utilização dos cartões bancários da empresa, tendo resolvido "salomonicamente" a questão, com aquilo a que chamam a "regularização dos levantamentos", ou seja - passaram a presumir que os levantamentos e demais movimentações a débito feitas a partir dos cartões o foi em igual medida pelo Autor e Gerente, dividindo as quantias pelas respetivas contas correntes em exata igual medida.
83. O Autor renunciou à gerência deixando um saldo bancário positivo de € 5.793,36; - depois dessa data, ainda foram creditados a favor da empresa, pelo menos, cheques nos valores de € 3.025,00 (Cheque nº 3654073903 do …, de 11-10-2006, da Fábrica da Igreja Paroquial de …; de € 3.795,80 (cheque nº 30204528.66 do Finibanco, de 6 de outubro de 2006; e de € 1.698,89, de 15 de novembro de 2006, 129,97 e 110,00, emitidos pelo Autor - o que perfaz um total de € 8.759,66 (cfr. documentos juntos em 14-12-2015 como docs. 27 a 29);
84. E mais ainda tal averiguação se impunha quando nos deparamos com outros movimentos a débito sobre as contas da sociedade, como aqueles que se reflectem nos documentos juntos em 14-12-2015 como docs. 23 a 26 e doc. nº 33.
85. Estes documentos, ora juntos, representam uma movimentação de um total de € 22.522,66 desde o património da sociedade para proveito próprio da Gerente.
86. E também não estão explicadas as razões pela qual a Gerente, além dos já referidos, (quer antes quer depois da renúncia do Autor à gerência) operou, por iniciativa própria, o depósito de inúmeros cheques e depósito de quantias em dinheiro, todos pertencentes à sociedade agora peritada, em conta pessoal sua, por si titulada e só por si movimentada, tudo num total de € 26.284,82 (tudo conforme documentos - incluindo espelho no extracto da referida conta – juntos em 14-12-2015 como docs. nº 13 a 22.
87. Não podiam passar incólumes ao escrutínio dos Srs. Peritos os movimentos da conta de empresa na CAIXA ... mais bem especificados em alegações, para as quais se remete, por confrontação com os documentos aí citados.
88. No total a Gerente é responsável por retirar da conta da empresa da CAIXA ... pelo menos o valor de 22.566,26€ durante o ano de 2006, tudo em proveito próprio, conforme documentos anexos: cfr. Doc. 23, 24, 25, 26 e 33 do requerimento de 14-12-2015.
89. Existem ainda avultados montante que foram depositados na conta pessoal titulada pela Gerente com origem em cheques endereçados à empresa "L. T. Arquitecto Lda" e transferência com origem na conta da empresa: cfr. Docs. 13 a 22 do requerimento de 14-12-2015.
90. Foram comprovadamente depositados na conta Banco … conta nº17148966 o valor total de 21.078,57€ com origem em cheques endereçados à empresa L. T. Arquiteto Lda. e em transferências da conta da empresa para a conta pessoal: cfr. Docs. 13 a 22 do requerimento de 14-12-2015.
91. Todos estes factos escaparam à análise dos peritos e à sindicância do Tribunal a quo.
92. Quanto às respostas aos quesitos e às inúmeras matérias que ficaram por esclarecer, o Requerente remete a sua enunciação para o corpo das suas alegações, por necessidade de economia e atenta extensão e multiplicidade.
93. Estas questões foram insistentemente colocadas aos Srs. Perito ao longo da tramitação dos autos, que nunca lhes responderam ou sequer fizeram menção.
94. Refugiaram-se os mesmos, sistematicamente, em subterfúgios, extrapolação e considerações de pendor completamente subjetivo e extravagantes das suas atribuições técnicas e processuais.
95. Os Srs. Peritos chegam mesmo a afirmar que “formaram a convicção” de que o Autor era gerente de facto da sociedade Ré – isto para além de qualquer atribuição ou poder (reservado aqui ao poder jurisdicional, mediante produção de prova e devido contraditório, para tais conclusões, que não passam de especulações),
96. Dizem ainda que “que prescreveu o direito daquela Autor à informação sobre os actos de gestão praticados no ano de 2006, bem como prescreveu o seu direito de impugnar aquelas contas e muito menos instaurar acção de “Inquérito Judicial à Sociedade” sobre actos e factos de gestão da Ré ocorridas até 31 de Dezembro.”
97. Os Srs. Peritos, para negarem ao Requerente o direito a ver aferida da continuidade material das contas da Sociedade desde 2006 até 2009 (primeiro ano de contas em juízo) – particular questão em que a ROC, sublinhe-se, lhe deu plena razão – alegam que prescreveu esse direito do Autor enquanto sócio… Em evidente abuso dos poderes e competências que lhe são atribuídos nestes autos e invadindo a esfera reservada ao poder jurisdicional nesta matéria.
98. O que, como tudo o demais aqui apontado, inquina irremediavelmente o resultado da perícia sob análise, e inviabiliza, de todo, a aprovação das respectivas contas.
99. Revogando-se, nessa medida, a integralidade da decisão sobre a matéria de facto – facto único elencado em sentença, que expressamente se impugna.
100. Ao decidir como decidiu, a sentença recorrida violou frontalmente, sem prejuízo de douto suprimento, as normas legais contidas nos artigos 154º, 607º, 489º, 986º, 987º, 1048º, 1049º e 1051º do CPC e 67º do CSC.

Por tudo quanto segue exposto, deve este Tribunal revogar a sentença recorrida, substituindo-a por decisão que recuse a aprovação das contas de fls. 1181 a 1269, 1219, 1223, 1224, 1225, 1226, 1230, 1243, 1258, 1259 e 1260., que esteja em conformidade com as conclusões supra-formuladas.

A apelada M. M. contra-alegou pugnando pela improcedência da apelação, concluindo as suas contra-alegações nos termos que se seguem:

1- No seguimento da douta sentença de 28/06/2013, foi elaborado o relatório pericial singular de 4/02/2014, e por douto despacho de 12/03/2014, ordenou-se que o senhor perito prestasse os esclarecimentos solicitados pelas partes (recorrente e recorrida), o qual veio dar cumprimento em 19/03/2014.
2- Por douto despacho de 2/04/2014 ordenou-se que o senhor perito prestasse as informações e esclarecimentos solicitados pelo requerente tendo em consideração a documentação que juntou, o qual veio dar cumprimento em 19/06/2014.
3- Por requerimento de 3/07/2014, o recorrente requereu a realização de uma segunda perícia colegial, que foi determinada por douto despacho de 8/10/2014, tendo sido fixado o objeto e averiguação dos mesmos factos que incidiu a primeira perícia.
4- Por requerimento de 20/01/2015, os senhores peritos solicitaram às partes informações com vista a elaborar o relatório pericial, sendo que, o requerente L. T. não forneceu os elementos nem prestou as informações solicitadas.
5- No relatório pericial de 16/11/2015 (fls. 1181 a 1269) os senhores peritos responderam aos pontos fixados a que estavam obrigados, no que concerne às questões que foram colocadas e aos quesitos que correspondem aos artigos 23º, 24º, 25º, 26º, 27º, 28º, 29º, 30º, 32º da petição inicial do requerente, procederam ao apuramento final e efetiva da situação da empresa, ajustando os balanços em função da prova recolhida e dos esclarecimentos prestados pelas partes, assim como, procederam à elaboração dos balanços, demonstração de resultados e extractos de contas de conferência e contas para os anos em questão que anexaram e fazem parte integrante do relatório pericial.
6- Por requerimento de 14/12/2015 o recorrente e sócio L. T. veio reclamar e solicitar esclarecimentos do relatório pericial da perícia colegial e juntou aos autos mais 34 documentos.
7- Os senhores peritos em 7/10/2016 (fls. 1329 a 1350), prestaram os esclarecimentos ao relatório de perícia, procedendo às correções dos valores, resultando que à data a sociedade Arquiteto L. T. Lda, é credora do sócio e requerente L. T. no valor de 32 785, 46 € e devedora à sócia M. M. no valor de 23 734, 27 € e ao IEFP no valor de 3 965, 55 €, e juntaram 10 documentos em anexo (documentos de extrato de contas de conferência, balancetes e demonstração de resultados dos anos em causa e determinados no âmbito da fixação da perícia (conforme fls. 1329 a 1359 dos autos).
8- O recorrente, notificado do relatório e esclarecimentos dos senhores peritos, para dele reclamar ou pedir esclarecimentos, não apresentou qualquer reclamação ou pedido de esclarecimentos.
9- Por douto despacho de 31/10/2016, foi ordenado que as partes procedessem à convocação da assembleia geral, com vista aprovação das contas, dando cumprimento ao disposto no art. 62 nº 2 do Cód. Soc. Comerciais.
10- Foi designada data para a realização da assembleia geral para aprovação das contas elaboradas no âmbito deste processo, conforme consta do requerimento da recorrida de 13/3/2017, e o recorrente não aprovou as contas, não apresentou qualquer argumento ou fundamento para não aprovar as contas nem apresentou qualquer documentação.
11- Por douto despacho de 28/04/2017, determinou-se que nos termos do artigo 67º nº 5 do Código das Sociedades Comerciais as contas do relatório pericial fossem examinadas por um revisor oficial de contas, independente.
12- O Revisor Oficial de Contas foi nomeado para examinar as contas não tendo como objetivo a elaboração de uma nova perícia, mas sim um exame à perícia das contas já elaboradas e apresentadas nos autos por perícia colegial, visando aprovação das contas apresentadas ou a sua recusa.
13- O exame das contas foi efetuada pelo Revisor Oficial de Contas independente, o qual emitiu um relatório de escusa de opinião, conforme fls. 1460 a 1463.
14- A douta sentença recorrida quanto à matéria de facto dada como provada, fundou e baseou a sua decisão no valor do relatório pericial colegial de fls. 1181 a 1269 e esclarecimentos de fls. 1329 a 1356, tendo considerado o seu valor acrescido em relação ao relatório singular de fls. 670 a 680.
15- A douta sentença considerou que o relatório pericial colegial se encontra devidamente justificado a nível da adequação, compreensão e legal para todas as opções e respostas dadas, e de todos os esclarecimentos obtidos junto das partes (sócios da sociedade) e da análise de toda a documentação obtida fundamentando a demonstração de resultados e balanços, encontrando-se perfeitamente esclarecidas e justificadas todas as respostas, e demonstrando com maior profundidade a análise de todos os elementos contabilísticos.
16- A douta sentença recorrida refere expressamente que o relatório da Revisora Oficial de Contas (ROC) em nada contribuiu para a decisão e análise das contas, pois que, não se pronunciou sobre a materialidade das contas elaboradas.
17- O relatório da Revisora Oficial de Contas (ROC) aponta a falta de um conjunto de elementos relativamente a outros anos que não são objeto do processo, pois que, os anos que estão em causa referem-se a 2009, 2010, 2011 e 2012, e a sociedade deixou de ter qualquer atividade desde inícios de 2007.
18- Sustentando a douta sentença recorrida que, estamos perante um processo de jurisdição voluntária, e tendo em consideração que já decorreram mais de 10 anos desde o primeiro ano de apresentação de contas, os sócios já demonstram falta de memória em alguns dos atos comerciais, e nos anos em causa e objeto de prestação de contas não houve atividade da sociedade de prestação ou aquisição de bens ou serviços, nem alterações no imobilizado corpóreo.
19- Concluindo a douta sentença que as contas elaboradas pelo colégio de peritos estão de acordo com a realidade processualmente alcançada, refletindo de forma credível e adequada a situação nos anos em causa.
20- Fundamentando ainda que, não se vislumbra que, na elaboração das contas, os senhores peritos tenham violado qualquer norma substantiva ou procedimental que permita objetar à sua aprovação.
21- Deste modo, a douta sentença recorrida encontra-se devidamente fundamentada, não padecendo de qualquer nulidade, devendo por isso, ser inteiramente confirmada.
22- O recorrente com o requerimento de 27/06/2017, juntou aos autos documentos que não integram o período temporal fixado e objeto de perícia, pois que, as contas dizem respeitam anos 2009, 2010, 2011 e 2012, sendo que, há documentos que já foram tidos em consideração nos relatórios periciais, pois que foram carreados para os autos pelas partes.
23- O documento nº 41 (cheque no valor de 18 0000, 00 €) junto com o requerimento de 14/12/2015, corresponde ao documento nº 23, junto com o requerimento de 27/06/2017; o documento nº 8 do requerimento de 14/12/2015 corresponde ao documento nº 8 do requerimento de 27/06/2017; o documento nº 11 do requerimento de 14/12/2015 corresponde ao documento nº 12 do requerimento de 27/06/2017 e o documento nº 7 do requerimento de 14/12/2015 corresponde ao documento nº 22 do requerimento de 27/06/2017.
24- Por outro lado, as questões suscitadas e os documentos juntos já foram tidos em consideração na elaboração do relatório pericial, e nas respostas dos senhores peritos aos esclarecimentos solicitados pelo requerente, nomeadamente aos requeridos no seu requerimento de 14/12/2015, que foram cabalmente respondidos e esclarecidos pelos senhores peritos.
25- Por douto despacho de 24/04/2018 refª 42583450, ordenou-se que se desse conhecimento ao ROC dos documentos juntos com o requerimento 27/06/2017, fls. 1385 verso a fls. 1408.
26- Os documentos foram entregues e analisados pela ROC, e os mesmos não tiveram qualquer influência na análise material das contas, uma vez que os mesmos não originaram qualquer alteração de resposta ou esclarecimento do relatório pericial colegial.
27- Os exercícios de 2006, 2007 e 2008 referidos pela ROC no seu relatório não foram determinados nem fixados na douta sentença de 28/06/2013, não tendo sido solicitados as contas desses anos aos senhores peritos, nem tão pouco foram requeridos pelo próprio Autor na petição inicial, extravasando assim o objeto deste processo.
28- As contas relativas ao ano de 2006 foram devidamente apresentadas e aprovadas pelos dois sócios, Autor e Ré, e a partir de início de 2007 a sociedade encontra-se completamente inativa, conforme pontos 1.6 e 2.7 dos factos provados da douta sentença de 28/06/2013.
29- Os senhores peritos no relatório pericial colegial cumpriram de forma cabal o que lhes foi ordenado na douta sentença de 28/06/2013, nomeadamente aos pontos fixados a que estavam obrigados nas questões colocadas, aos quesitos formulados pelas partes que correspondem aos artigos 23º, 24º, 25º, 26º, 27º, 28º, 29º, 30º e 32º da petição inicial do Autor, procederam ao apuramento final e efetivo da situação da sua empresa, ajustando os balanços em função da prova recolhida e dos esclarecimentos prestados pelas partes, elaboraram os balanços e demonstração dos resultados para cada um dos anos em questão (2009, 2010, 2011 e 2012).
30- Os senhores peritos foram efetuadas diligências bancárias relativamente às contas da sociedade junto do Banco de Portugal que serviram de suporte à elaboração do relatório e documentos anexos.
31- A ROC não se pronunciou nem alterou materialmente as contas apresentadas pelo senhores peritos, não emitindo qualquer opinião, não contrariando nem abalando desta forma o relatório pericial colegial dos senhores peritos, nomeadamente as respostas dadas, esclarecimentos e demonstrações dos resultados, balanços individuais, balancetes financeiros, extrato de contas de conferências, contas e outros anexos apresentados pelos senhores peritos em 16/11/2015 e 7/10/2016.
32- Deste modo, as contas devem ser aprovadas em função e tendo em consideração o relatório dos senhores peritos de 16/11/2015 e 7/10/2016 (fls. 1181 a 1269, 1329 a 1356), mantendo-se assim a douta sentença recorrida.
33- Conforme consta dos requerimentos de 20 de janeiro de 2015 (fls. 1143) e 23 de fevereiro de 2015, os senhores peritos antes da elaboração do relatório pericial, analisaram toda a documentação dos autos e recolherem toda a informação e elementos junto do gabinete de contabilidade da Ré Sociedade e dos dois sócios, colocando questões para esclarecimentos.
34- Na sequência do despacho de 30/04/215, a recorrida juntou em 8/05/2015 e 21/05/2015 os extratos das contas bancárias da Sociedade Ré, com vista à elaboração do relatório pericial.
35- O relatório pericial colegial foi apresentado pelos senhores peritos em 16/11/2015 (fls. 1181 a 1269) contando expressamente do mesmo que recolheram toda a documentação e informação que consideraram necessária, pois que, em 20 de janeiro e 23 de março solicitaram todas as informações e documentação necessária aos sócios (Autor e Ré), e informação no processo executivo nº 2348201001080377.
36- No relatório pericial os senhores peritos responderam a todas as questões e quesitos que lhe foram colocados e que foram solicitados pelo próprio Autor na petição inicial, fazendo parte do relatório a documentação relativa aos extratos da conta bancária da sociedade da Caixa ..., faturas, recibos, cópias de cheques, extractos de conta de conferência, demonstrações individuais dos resultados, balanços individuais, balancetes gerais, balancetes Razão Financeira.
37- O Autor, ora recorrente, em 14/12/2015 reclamou do relatório pericial e solicitou esclarecimentos tendo colocado todas as questões que foram suscitadas neste recurso, juntou cópias de cheques, cartas, emails, extrato de contas bancárias do Banco ... e da Caixa ...s.
38- Em 13 de fevereiro de 2016, os senhores peritos para responder à reclamação e esclarecimentos do Autor, por forma averiguar se a sociedade Ré, era titular de mais contas bancárias além do Depósito à ordem no Banco ... e na Caixa ..., requereram que se oficiasse o Banco de Portugal no sentido de informar todas as contas bancárias existentes em nome da Ré Sociedade.
39- O Banco de Portugal em 30 de junho de 2016 veio informar aos autos que as contas que existiam no Banco ... e na Caixa ...s já se encontravam encerradas.
40- No que concerne à primeira questão o cheque nº 3283526050 sacado sobre a conta de depósitos à ordem de que o R. sociedade é titular na Caixa ... de Viana do Castelo, com o nº 085214464793038 foi depositado em conta pessoal do Autor, ora recorrente, conforme consta do relatório pericial.
41- As despesas no valor de 6 329, 21€ foram tidas em consideração pelos senhores, conforme se alcança do relatório de 7/10/2016, pois que, os senhores peritos consideram que o cheque nº 3862879187 da Caixa ...s, do cliente SM. Lda., emitido em 15 de julho de 2006, no valor de 5.000,00€, que foi recebido e levantado pelo recorrente se destinou ao pagamento das referidas despesas no valor de 6 329, 21 €, creditando na conta do Autor esse valor, por débito da conta Caixa.
42- Tendo os senhores peritos corrigido o valor do crédito da sociedade Ré sobre o sócio L. T. de 37 768,92€ para 32 785, 46 €, conforme resulta do relatório de 7/10/2016, não podendo ser contabilizados duas vezes.
43- Quanto à terceira questão importa realçar que todas as contas da sociedade Ré foram identificadas no processo, nomeadamente a conta nº 085214564793038 da Caixa ... e nº 45373271737 do Banco..., e os respectivos extratos foram juntos aos autos, conforme já foi supra referido.
44- De facto, conforme consta expressamente do relatório pericial de 16/11/2015, no que toca a esta questão, o Autor (recorrente) veio dizer que a Ré sociedade possuía as contas nºs a conta nº 085214564793038 da Caixa ...s e nº 45373271737 do Banco..., e as contas em nome da Sociedade Ré foram indagadas junto do Banco de Portugal conforme informação de 21/03/2016.
45- De resto, o valor de 2226,00 € conforme resulta do relatório pericial foi tido em consideração na elaboração das contas, pois que o mesmo foi creditado a conta de caixa pelo valor de 2226, 00€ e debitado a conta de depósitos a ordem por igual valor.
46- Tendo sido debitado a conta Devedores e Credores da M. M. após divórcio pelas quantias de 200, 00 € e 2000, 00 € por crédito na conta depósitos à ordem.
47- Deste modo, os valores suscitados pelo recorrente nesta questão já entraram em contas e foram tidos em consideração nos saldos apurados de créditos e débitos à Sociedade Ré, L. T., Arquitecto, Lda..
48- Quanto às quarta e quinta questão a documentação junta com o requerimento de 27 de junho de 2016, já constava nos autos quando foi efetuado o relatório pericial e foi tida em consideração pelos senhores peritos e foi objeto de análise por parte da ROC, e em nada alterou ou abalou o relatório pericial dos senhores peritos.
49- Os montantes de 15 730, 00 € e 5000, 00 € foram lançados e constam na contabilidade da empresa, como trabalhos realizados e não recebidos pela sociedade.
50- Do relatório pericial consta o documento nº 7, em que prova que o valor de 15 730, 00 €, assim como o valor de 5000, 00 € foram recebidos pelo Autor e não entraram na conta bancária da sociedade.
51- No que toca à oitava questão o Autor respondeu que em 26 de outubro de 2006 ainda era gerente, e assumiu que os recibos 1 e 2 nos montantes de 16 940, 00 € e de 1 815, 00 foram subscritos e assinados por si.
52- Da prova dos autos e dos documentos nºs 12 e 13 (cópia de cheques) anexos ao relatório pericial resulta efetivamente que esses valores foram recebidos e recibados pelo próprio Autor, ora recorrente, a título pessoal.
53- Deste modo, os senhores e muito bem na contabilização dos recibos emitidos ao cliente PR. Lda,, debitaram tais valores à conta de devedores e credores do Autor L. T. por crédito da conta de caixa da Ré sociedade.
54- No que concerne à décima questão consta do relatório pericial que o Autor esclareceu e informou os senhores peritos que a impressora Plotter HP, 3 cadeiras, uma mesa, viatura automóvel SAAB, estavam na sua posse mas que tinham sido penhorados pela Autoridade Tributária.
55- Na douta sentença de 28/06/2013, no ponto 1.28, dos factos provados consta que: “Em novembro de 2006, o A. passou a exercer a sua atividade em novo gabinete de arquitetura, levando para o efeito mobiliário, equipamentos, projectos, contratos, documentos e outros bens e toda a carteira de clientes da 2ª requerida”.
56- Face à informação prestada pelo Autor os peritos na elaboração das contas procederam ao abate contabilístico do imobilizado constante na contabilidade da Ré sociedade no valor 5.031, 30 €, conforme página nº 2 do balancete documento nº 14 do relatório pericial de 16 de Novembro de 2015.
57- Tendo os senhores, para efeito, debitado a conta de devedores e credores do Instituto de Emprego e Formação Profissional pela quantia de 614, 63 €, por crédito da conta de alienação de imobilizado tangível.
58- Foi ainda debitado na conta de gastos pela menos valia da alienação do imobilizado tangível pela diferença, no montante de 4 416, 67 €.
59- O recorrente renunciou à gerência em 24/07/06, e o saldo da conta bancária nº 0852145647930 à data de 24/07/06 ascendia à quantia de 8 508, 61 €, conforme documento nº 16 anexo ao relatório de 16 de Novembro de 2015.
60- Conforme consta do relatório esse valor foi utilizado em pagamentos da sociedade que estão reflectidos na contabilidade- página 13 do relatório de 16 de Novembro de 2015.
61- De realçar que os valores e cheques referidos pelo recorrente nos pontos 83 e 84 das conclusão de recurso referem-se a um período que não é objecto de prestação de contas nestes autos.
62- Por outro lado, dos autos consta a acta número seis que constitui a acta de reunião da Assembleia Geral da Sociedade “L. T. – Arquitecto, Lda.”, o relatório de gestão, Balanço, Demonstração de Resultados líquidos e anexos relativo ao exercício findo em 31 de Dezembro de 2006, que foram aprovadas por unanimidade, ou seja, pelos dois sócios, documento nº 11 do relatório de 7 de Outubro de 2016.
63- No entanto, os senhores peritos referem na página 7 do relatório pericial de 7 de Outubro de 2016, no esclarecimento das questões Décima quarta e Décima Quinta no que toca aos cheques nº 7883525991 de 18 000, 00 € e nº 2083526019 de 3 987, 56 € foram depositados na conta de Depósitos à ordem do Banco... com o nº 00017148966, titulada pela recorrida M. M. e pelo Autor L. T., conforme documentos anexos e que fazem parte do relatório (documentos nºs 12, 13, 14, 15).
64- O autor não logrou provar nem resulta dos autos ou dos relatórios periciais que a recorrida se tenha apropriado de quaisquer quantias da sociedade.
65- Sendo de realçar que, resulta dos autos que as partes carrearam vária documentação, que foi analisada e tida em consideração pelos senhores peritos, que responderam e esclareceram de forma cabal todas as questões que foram colocadas.
66- Os senhores peritos tiveram o cuidado de ao longo da peritagem remeterem as sua respostas para documentação que consta dos autos e instruir e anexar no próprio relatório toda a documentação que serviu de suporte as suas respostas e cálculos.
67- Deste modo, não há qualquer razão de facto ou de direito que permita alterar a sentença recorrida devendo, assim, manter-se e confirmar-se na íntegra, aprovando-se as contas da sociedade 1ª Ré L. T. Arquitecto Lda, referente aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, apresentadas no relatório de fls. 1181 a 1269 e nos quadros de fls. 1219, 1223, 1224, 1225, 1226, 1230, 1234, 1258, 1259 e 1260 que são anexos aos mesmos.

TERMOS EM QUE deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo recorrente e manter-se a douta decisão recorrida.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo esta Relação conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.

No seguimento desta orientação, as questões que se encontram submetidas à apreciação do tribunal ad quem são as seguintes:

a- se a sentença recorrida é nula por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão de mérito nela proferida e/ou por ambiguidade ou obscuridade que torne essa decisão ininteligível;
b- a improceder a questão da invalidade da sentença, se essa sentença padece de erro de julgamento quanto à matéria de facto nela considerada provada e não provada pela 1ª Instância, a propósito do que se suscita a questão prévia de se saber se o apelante deu cumprimento aos ónus de impugnação do julgamento da matéria de facto previstos no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC; e
c- se a sentença padece de erro de direito quanto à decisão de mérito nela proferida e se se impõe rejeitar as contas elaboradas pelos peritos e cuja aprovação foi rejeitada na assembleia geral da sociedade Ré.
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A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A 1ª Instância considerou provados os seguintes “factos”:
1- Teor do relatório pericial de fls. 1181 a 1269 e esclarecimentos de fls. 1329 a 1356.
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E considerou como não provados o seguinte:

a- Teor do relatório pericial de fls. 670 a 680 e esclarecimentos de fls. 964 a 972 [provado apenas o que consta do facto provado 1].
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B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

B-1. Nulidade da sentença por falta de fundamentação e/ou por ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

Sustenta o apelante que a sentença sobre sindicância “padece de clamorosa falta de fundamentação da matéria de facto decidida, a qual consiste, unicamente em dar como verdadeiros os factos vertidos no relatório pericial (segunda perícia) e seus esclarecimento”, não se pronunciando nela a 1ª Instância “circunstanciadamente sobre os factos que julga como provados e que levaram à elaboração das conclusões e apuro de saldos concretos das contas elaboradas na perícia”, com o que imputa o vício da nulidade à sentença previsto na al. b), do n.º 1 do art. 615º do CPC, isto é, por falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão.

Advoga ainda o apelante que aquela sentença é nula uma vez que nela a 1ª Instância “não problematiza – nem contrapõe, por remissão para concretos meios de prova – as múltiplas reclamações carreadas pelo requerente relativamente aos sucessivos relatórios – que, desde o seu início, enfermaram de todos os vícios exaustivamente elencados e apontados pelo requerente nos seus articulados”, não efetuando “qualquer análise crítica à prova produzida em juízo – nomeadamente documental – que eventualmente confirme ou infirma as conclusões do relatório”, omitindo qualquer análise crítica a toda a prova documental por si junta aos autos após a elaboração da perícia, por requerimento de 27/06/2017, os quais não mereceram qualquer menção no texto da sentença, onde não se cuidou sequer em aprofundar e analisar criticamente os fundamento da escusa do ROC em negar-se a aprovar as contas elaboradas pelos peritos, o que tudo, na sua perspetiva, determina a nulidade da sentença, nos termos da al. c), do n.º 1 do art. 615º do CPC, isto é, por ambiguidade e/ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

Vejamos se assiste razão ao apelante para as críticas que assaca à sentença recorrida e se esta padece efetivamente dos vícios de invalidade que aquele lhe imputa.

B.1.2- Nulidade da sentença por falta de fundamentação.

Preceitua o art. 615º, n.º 1, al. b) do CPC, que a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, ou seja, quando aquela não se encontre fundamentada.
Este comando relaciona-se com o art. 607º do CPC, no qual se enuncia as regras a que deve obedecer a estrutura da sentença e onde se estabelece que nela o juiz tem de começar por identificar as partes e o objeto do litígio, enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre solucionar (n.º 2); seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final (n.º 2), devendo aquele, na fundamentação, declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência (n.º 3).
Estabelece-se neste normativo que na sentença o juiz tem de fundamentar de facto e de direito a decisão de mérito que nela profere e os moldes em que essa fundamentação se tem de processar.

Precise-se que o dever de fundamentação das decisões judiciais é uma decorrência do art. 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP), que os arts. 154º, n.º 1, 607º, n.ºs 3 e 4 e 615º, n.º 1, al. b) do CPC densificam, projetando-se esse dever em vários planos, desde logo, em sede de julgamento de facto e em termos de julgamento de direito.
Nos termos destes normativos, a fundamentação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos de facto e/ou de direito alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade (n.º 2 do art. 154º do CPC), mas antes impõe que o juiz exteriorize os fundamentos de facto e de direito que ancoram a decisão de mérito proferida, o que se compreende quando se atenta que destinando-se a decisão judicial a resolver um conflito de interesses (art. 3º, n.º 1 do CPC), esse conflito só logrará efetiva resolução e alcançar a restauração da paz social se o juiz “passar de convencido a convincente”, o que apenas se conseguirá se aquele, através da fundamentação, convencer “os terceiros da correção da sua decisão”(1).

Acresce que a fundamentação constitui igualmente fundamento legitimador do poder soberano constitucionalmente atribuído aos tribunais para em nome do povo, administrar a justiça, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos pelos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos públicos e privados (art. 202º, n.º 1 da CRP).
Na verdade, não possuindo os tribunais uma legitimidade direta, mas antes indireta, que lhes advém da constituição, essa legitimidade apenas será assegurada se, através da fundamentação, os tribunais lograrem demonstrar e convencer que as decisões que proferem não são meros atos arbitrários, mas antes a concretização da vontade abstrata da lei aplicada ao caso concreto, contendo-se dentro dos limites constitucionalmente fixados para a atuação do poder judicial e que legitima o poder soberano que lhe é atribuído.
Acresce que fundamentação é igualmente requisito de autocontrolo do julgador, ao obrigá-lo a ponderar nos diversos fundamentos fácticos e jurídicos que estribam a decisão de facto e de mérito a proferir, obstando a eventuais decisões imponderadas.
A fundamentação constituiu também fator de salvaguarda dos direitos de ação e de defesa das partes, assegurando-lhes que conheçam da razão ou razões do decaimento das suas pretensões, designadamente, a fim de ajuizarem da viabilidade de utilizarem os meios legalmente previstos para impugnar essas decisões, quer em sede de julgamento da matéria de facto, quer em sede de julgamento da matéria de direito.
Por último, a fundamentação é requisito para que os tribunais superiores possam controlar as decisões dos tribunais inferiores, posto que à semelhança do que acontece com as partes, as instâncias superiores carecem de conhecer os concretos fundamentos de facto e de direito em que o tribunal que proferiu a decisão que está a ser sindicada ancorou a mesma a fim de poderem cabalmente reapreciar esses fundamentos e ajuizar do bom ou mau fundamento da decisão proferida (2).
Deste modo, é que a sentença tem de ser motivada através da exteriorização dos fundamentos de facto e de direito que estribam a decisão de mérito nela proferida.
De acordo com o art. 607º do CPC, em sede de fundamentação de facto impende sobre o juiz o ónus de: a) discriminar os factos que considera provados; b) declarar quais os factos que julga provados e não provados; e c) fundamentar a decisão sobre a matéria de facto.
A discriminação dos factos que considera provados imposta pelo n.º 3 do art. 607º do CPC, respeita aos factos essenciais e/ou aos factos complementares que tenham sido alegados pelas partes (3), ou quanto aos complementares, que apesar de não terem sido alegados, em relação aos quais se verifiquem preenchidos os requisitos legais previstos na al. b), do n.º 2 do art. 5º do CPC, isto é, cuja prova resulte da instrução da causa e quando tenha sido observado quanto aos mesmos o princípio do contraditório.
Note-se que quanto aos factos essenciais e aos complementares que o tribunal julgue provados, essa prova tanto poderá resultar da prova produzida nos autos quando aqueles factos estejam sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova, como quanto aos que “estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito” e que, por isso, se encontrem subtraídos àquele princípio da livre apreciação da prova, sendo a respetiva prova (ou não prova) o mero resultado da aplicação de normas sobre prova vinculado que não deixam ao juiz qualquer margem de subjetivismo em sede de julgamento da matéria de facto.
Quanto aos factos essenciais (alegados) e aos complementares (ainda que não alegados, mas em relação aos quais se verifiquem preenchidos os requisitos da al. b) do n.º 2 do art. 5º do CPC) que o tribunal considere como provados, o juiz tem de os identificar e, acrescidamente, de os discriminar na sentença (n.º 3 do art. 607º do CPC), o que significa que estes devem ter uma referência própria e autónoma na sentença.
Acrescente-se que na sentença, para além de julgar como provados os factos essenciais e os complementares (estes, relembra-se, desde que alegados pelas partes ou independentemente dessa alegação, quando em relação aos mesmos se encontrem preenchidos os requisitos da al. b) do n.º 2 do art. 5º do CPC), o juiz deve também julgar como provados os factos instrumentais que tenham sido alegados pelas partes ou que não tendo sido alegados, desde que resultem da instrução da causa (al. a), do n.º 2 do art. 5º do CPC).
No entanto, enquanto em relação aos factos essenciais e aos complementares que considere como provados, o juiz, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do art. 607º do CPC, tem o ónus de os identificar e discriminar em sede de julgamento da matéria de facto, já em relação aos factos instrumentais (4), estes, ainda que alegados ou quando não tendo sido alegados, quando a respetiva prova resulte da instrução da causa (al. a), do n.º 2 do art. 5º do CPC), atenta a função secundária que desempenham nos autos, destinando-se a fazer prova dos factos essenciais e/ou dos complementares, tais factos instrumentais não devem ser objeto, ao menos, em regra, de um juízo probatório específico, pelo que o tribunal não os deve julgar, em princípio, como provados (ou não provados) em sede de julgamento da matéria de facto, mas antes considerá-los como provados (quando a prova produzida aponte para a respetiva prova) na motivação do julgamentos de facto que realize em relação aos factos essenciais ou complementares (5).
No plano dos factos, o dever de fundamentação impõe que, na sentença, o juiz identifique e discrimine os factos essenciais e complementares que julgue como provados.
Os factos julgados como provados, que se cingem, reafirma-se, aos factos essenciais que tenham sido alegados pelas partes (pelo que quanto aos factos essenciais, continua a vigorar, sem qualquer entorse, no âmbito do atual vigente CPC, o princípio do dispositivo) e, bem assim, aos factos complementares que tenham sido alegados pelas partes ou quando não tendo sido alegados, em relação aos quais se verifiquem preenchidos os pressupostos do art. 5º, nº 2, al. b) do CPC (o que significa que no atual vigente CPC os factos complementares e os instrumentais não carecem de ser alegados pelas partes), os mesmos têm de ser identificados e discriminados na sentença, o que significa, reafirma-se, que os factos julgados como provados devem ter uma referência própria e autónoma na sentença, nisto consistindo a discriminação dos factos provados imposta pelo n.º 3 do art. 607º (6).
Já os factos julgados como não provados (que se reportam exclusivamente aos factos essenciais ou complementares que tenham sido alegados pelas partes), nos termos do n.º 4 do art. 607º do CPC, estes apenas têm de ser indicados/declarados na sentença, mas não têm de aí ser discriminados.
Precise-se que para além de em sede de fundamentação da matéria de facto se impor que o juiz, na sentença, discrimine os factos que considera provados e declare quais os factos que considera provados e não provados, é-lhe ainda imposto, nos termos do n.º 4 do art. 607º que fundamente a decisão sobre a matéria de facto, o que significa que o juiz tem de motivar, na sentença, o julgamento de facto que nela realize, exteriorizando e identificando as concretas razões que o levaram a julgar como provada determinada facticidade e a julgar como não provada outra.
Este dever de motivação exige que o juiz proceda à análise crítica das provas produzidas, com a indicação das ilações tiradas dos factos instrumentais e a especificação dos demais fundamentos decisivos para a sua convicção, tudo nos termos daquele n.º 4 do art. 607º.

Claro está que este dever de motivação é especialmente válido quanto à matéria de facto julgada provada ou não provada pelo tribunal em relação à qual vigore o princípio da livre apreciação da prova.
Quanto ao julgamento da matéria de facto excluída do princípio da livre apreciação da prova, como referido, a prova ou não prova dessa concreta facticidade é o mero resultado da aplicação aos factos em discussão de normas sobre prova vinculada, que não deixam ao juiz qualquer margem de subjetivismo, em que o julgamento da matéria de facto se reconduz, por isso, à aplicação pelo juiz das regras de direito probatório material a esses factos submetidos a julgamento e a julgá-los provados ou não provados concordantemente com essas regras.
Deste modo, sempre que o juiz, nesse julgamento de facto, atribua força probatória plena a meios de prova que dela são destituídos ou desrespeite essa força probatória, julgando determinados factos como não provados, quando aqueles se encontrem plenamente provados por documento, acordo ou confissão, está-se perante um erro de direito que se projeta no julgamento da matéria de facto e que justifica que o Tribunal da Relação ou o STJ interfiram, mesmo oficiosamente, nesse julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal a quo quando no âmbito da apelação ou da revista se apercebam da infração dessas regras de direito probatório material, devendo alterar esse julgamento da matéria de facto por forma a torná-lo conforme a essas regras de direito probatório material aplicáveis e infringidas.
A motivação do julgamento da matéria de facto impõe-se, assim, com especial acuidade nos casos em que a matéria de facto submetida a julgamento se encontre sujeita ao princípio da livre apreciação da prova, sendo quanto a ela que se dirige em particular o comando do n.º 4 do art. 607º do CPC, uma vez que quanto à facticidade que se encontra subtraída desse princípio, em sede de motivação do julgamento da matéria de facto, o juiz apenas terá de discriminar o meio de prova que considerou, a regra de direito probatório que aplicou (identificando-a e interpretando-a) por forma a considerar provada ou não provada aquela concreta facticidade, indicando, nomeadamente, se essa facticidade foi julgada como provada ou não provada com fundamento em acordo, confissão ou em documento junto aos autos, por forma a alcançar-se as razões de direito que levaram o juiz a julgar essa facticidade como provada ou não provada.
Tratando-se de matéria de facto sujeito ao princípio da livre apreciação da prova, porque livre apreciação da prova não equivale a arbitrariedade, por força do enunciado princípio constitucional que impõe ao juiz o dever de fundamentar as decisões judiciais, nos termos do n.º 4 do art. 607º do CPC, este tem o ónus de motivar os factos julgados como provados e não provados com as já acima enunciadas finalidades – facilitar o reexame pelo tribunal superior, reforçar o autocontrolo do julgador e como elemento fundamental na transparência da justiça (7).
Esse dever de motivação implica que o juiz tenha de identificar “fundamentos suficientes, para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correção da sua decisão (…)” (8).
Decorre do que se vem dizendo que a obrigação de fundamentação em sede de julgamento da matéria de facto, implica que o julgador exteriorize quais os concretos meios de prova que considerou e quais as razões objetivas e racionais pelas quais tais meios probatórios obtiveram no seu espírito credibilidade, de molde a compreender-se o itinerário cognoscitivo seguido para a consideração de determinado facto como provado ou não provado (9).
“É assim que o juiz explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim que, por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, as hesitações que não teve (ou teve), a naturalidade e a tranquilidade que teve (ou não). Enfim, o juiz deverá objetivar e exteriorizar o modo como a sua convicção se formou, impondo-se a identificação precisa dos meios probatórios concretos em que se alicerçou a convicção do julgador” e ainda a menção das razões justificativas da opção feita pelo julgador entre os meios probatórios de sinal oposto relativos ao mesmo facto (10).
Em sede de mérito, nos termos do n.º 3 do art. 607º, o juiz terá, em sede de fundamentação, de concretizar quais as específicas normas e institutos jurídicos que aduz para subsumir os factos que considerou provados e não provados e a interpretação que deles fez (n.º 3 daquele art. 607º), de molde a alcançar o resultado de mérito a que chegou e que explana na parte dispositiva da sentença.
Precise-se que não obstante a importância angular da fundamentação, de acordo com a doutrina e a jurisprudência, só a falta, em absoluto, de fundamentação de facto e/ou de direito determina a nulidade da sentença a que se reporta a al. b) do n.º 1 do art. 615º do CPC, designadamente, a falta de discriminação dos factos provados e não provados em que se estriba a decisão de mérito proferida na sentença ou a genérica referência a toda a prova produzida, ou conclusivos juízos de direito, e não apenas a mera deficiência da mesma (11).
Deste modo, importa distinguir entre erros de atividade ou de construção da sentença, geradores de nulidade a que se reporta aquele art. 615º, n.º 1, dos erros de julgamento, atacáveis em vias de recurso e não determinativos daquela invalidade.
O vício determinativo da nulidade da decisão proferida com fundamento na falta de especificação dos fundamentos de facto e/ou de direito apenas ocorrerá quando se esteja perante uma total e absoluta omissão de indicação dos fundamentos de facto e/ou de direito em que se estriba a decisão de mérito proferida na sentença quanto às diversas questões que foram submetidas pelas partes à apreciação do tribunal.
A incompletude ou a deficiente análise crítica da materialidade fáctica apurada e não apurada e/ou a deficiente enunciação das normas aplicáveis a essa factualidade ou a deficiente enunciação da interpretação que dessas normas ou institutos jurídicos foi feita ou o saber-se se essas normas ou institutos jurídicos são ou não aplicáveis ao caso concreto ou se a interpretação que dessas normas ou institutos foi feita está ou não correta, não constitui omissão de fundamentação, determinativa de nulidade da sentença, mas erro de julgamento, atacável e sindicável em via de recurso (12).
De resto, apesar de atualmente, na sequência da revisão ao CPC operada pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, o julgamento da matéria de facto se conter na sentença final e de, por conseguinte, os vícios da sentença não se autonomizarem dos vícios da decisão sobre a matéria de facto, diversamente do que antes sucedia (cfr. arts. 668º e 653º, n.º 4 do CPC de 1961), os vícios da decisão da matéria de facto, não constituem, pelo menos, como regra, causa de nulidade da sentença, designadamente, por omissão de pronúncia ou por falta de fundamentação, uma vez que a matéria de facto encontra-se sujeita a um regime de valores negativos – a deficiência, a obscuridade ou a contradição dessa decisão ou a falta da sua motivação -, a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação, não constituindo, em regra, causa de nulidade da sentença à luz do disposto no art. 615º do CPC, mas antes sendo suscetíveis de dar lugar à atuação pela Relação dos poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto operada pela 1ª Instância, nos termos do disposto no n.º 1 e da al. c), do n.º 2 do art. 662º do CPC (13).

Deste modo, não estando a sentença devidamente fundamentada (motivada) em relação à matéria de facto nela julgada provada e/ou não provada, nos termos do disposto no art. 662º, n.º 2, al. d) do CPC, tal vício de julgamento da matéria de facto, não determina a nulidade da sentença, mas dá lugar à remessa dos autos à 1ª Instância para que esta fundamente devidamente esses factos que julgue provados ou não provados, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
Por outro lado, omitindo o tribunal a quo pronúncia (não os julgando como provados, sequer como não provados) quanto a factos essenciais ou complementares que tenham sido alegados pelas partes ou, quanto aos complementares, quando apesar de não alegados, se encontrarem em relação aos mesmos preenchidos os requisitos da al. b), do n.º 2 do art. 5º do CPC, como tribunal de substituição que é, o Tribunal da Relação deve responder a esses factos quando do processo constem todos os elementos de prova que lho permitam fazer (art. 662º, n.º 1 do CPC). De contrário, deverá ordenar a ampliação da matéria de facto a esses factos, anulando a sentença recorrida (art. 662º, n.º 2, al. c) do CPC).
Na verdade, permitindo o art. 662º, n.º 2, al. c) a anulação da sentença proferida pela 1ª Instância quando a decisão de facto seja deficiente, obscura ou contraditória, por maioria de razão tê-lo-á de permitir quando aquela seja absolutamente omissa quanto a determinada matéria de facto essencial integrativa da causa de pedir ou das exceções invocadas pelas partes ou quando seja omissa quanto a factos complementares alegados pelas partes ou em relação aos quais se verifiquem preenchidos os requisitos legais do art. 5º, n.º 2, al. b) do CPC (14).

Deste modo, o vício determinativo da nulidade da sentença por falta de fundamentação a que alude a al. b), do n.º 1 do art. 615º do CPC, verifica-se naquelas situações em que em sede de julgamento da matéria de facto o tribunal a quo omita, total e absolutamente, a indicação dos factos que julgou como provados e não provados, não discriminando, em absoluto, os factos que considerou como provados ou quando omita totalmente os fundamento de direito da decisão de mérito proferida.
Os casos de incompletude ou de deficiente indicação dos factos julgados provados ou não provados e de incompletude ou deficiente discriminação dos factos julgados provados, assim como os vícios ocorridos ao nível da motivação do julgamento da matéria de facto realizado, bem como a incompletude ou a deficiente enunciação dos fundamentos de direito que foram aplicados a esses factos considerados provados e não provados e em que assenta a decisão de mérito nela proferida, não constituem causa determinativa de nulidade da sentença, mas trata-se antes de vícios atacáveis em via de recurso, onde esses vícios terão de ser solucionados mediante recurso aos mecanismos enunciados no art. 662º do CPC.

Note-se que as premissas que se acabam de enunciar são aplicáveis aos processos de jurisdição contenciosa.
Essas premissas carecem naturalmente de sofrer as restrições e as derrogações decorrentes dos presentes autos de inquérito judicial consubstanciarem um processo de jurisdição voluntária e como tal neles prevalecer o princípio do inquisitório sobre o princípio do dispositivo (n.º 2 do art. 986º do CPC), prevalecer o critério da equidade na decisão neles a ser proferida sobre o critério da legalidade estrita (art. 987º do CPC) e pela revogabilidade da decisão nele a ser proferida em face de circunstâncias supervenientes (art. 988º do CPC).

Com efeito, nos processos de jurisdição voluntária existe um interesse fundamental tutelado pelo direito e que ao juiz cumpre regular nos termos mais convenientes, isto é, não de acordo com os critérios rígidos de normas gerais e abstratas, mas antes de acordo com critérios de razoabilidade das pessoas, em que a função exercida pelo juiz não é tanto de intérprete e de aplicador da lei, mas antes de verdadeiro gestor de negócios, que a lei coloca sob a fiscalização do estado através do poder judicial (15).

Note-se que não obstante, nos presentes autos, como processo de jurisdição voluntária que são, o tribunal não se encontre sujeito a critérios de legalidade estrita, sendo lícito ao juiz usar alguma liberdade na condução do processo e na investigação dos factos, não vendo a sua atividade estritamente cingida aos factos essenciais que tenham sido alegados pelas partes, mas podendo ampliá-la a outros factos essenciais, ainda que não alegados por aquelas, sequer estando estritamente cingido aos meios de prova requeridos pelas partes, mas podendo coligir oficiosamente provas que repute essenciais às finalidades concretas do processo e tendo a liberdade de prescindir de atos ou de provas que repute de inúteis ou de difícil obtenção, sequer estando limitado ao pedido deduzido pelas partes, mas podendo adotar em cada caso a solução mais conveniente e oportuna, isso não significa, sequer pode significar, que lhe seja lícito abstrair, em absoluto, do direito positivo vigente, como se ele não existisse e como se acima das normas legais estivesse o critério subjetivo do julgador ou os interesses individuais das partes (16).

Assim é que não obstante nos processos de jurisdição voluntária vigorar o princípio do inquisitório no que respeita à investigação dos factos e ao coligir das provas, em sede de impulso processual, esse impulso tem de ser das partes, pelo que neles se mantém estritamente o princípio do dispositivo quanto a este aspeto (17).

Acresce que conforme se pondera no aresto da Relação do Porto de 12/04/2011 (18), apesar do poder/dever conferido ao juiz de investigar livremente os factos, esse poder é muito relativo e está longe de ter a amplitude conferida às entidades policiais ou ao Ministério Público; em termos realistas, a um juiz de julgamento não se pode pedir mais que uma atividade complementar do poder dever de alegação da matéria de facto por parte dos requerentes.

Finalmente, embora nos processos de jurisdição voluntária os critérios de legalidade estrita não se imponham totalmente ao tribunal quando lhe é solicitada a adoção de uma resolução e, bem assim, assista ao juiz o poder/dever de investigar os factos, isso não significa, sequer pode significar, sob pena de subversão do princípio fundamental e estruturante do processo civil que impõe ao juiz o dever de fundamentar as decisões que profere e da inerente inconstitucionalidade material de que necessariamente enfermaria semelhante entendimento, que o tribunal fique dispensado de fundamentar de facto e de direito as suas decisões (19).

Deste modo, é apodíctico que não obstante a natureza de processo de jurisdição voluntária dos presentes autos, que neles o juiz continua a ter o ónus de, na sentença, discriminar os factos que considera provados, de nela indicar/declarar os factos que julga como provados e não provados e, bem assim, o ónus de motivar o julgamento da matéria de facto que realize.
Assente nestas premissas, advoga o apelante que a sentença recorrida é nula por falta de fundamentação em virtude de nela se assistir a uma “clamorosa falta de fundamentação da matéria de facto decidida”, uma vez que o tribunal se limitou a “dar como verdadeiros os factos vertidos no relatório pericial (segunda perícia) e seus esclarecimentos, aderindo absoluta mas genericamente a tal relatório”, sem se pronunciar “circunstanciadamente sobre os factos que julga provados e que levaram à elaboração das conclusões e apuro dos saldos das contas na perícia”, o que, na sua perspetiva, determina a nulidade da sentença por total falta de fundamentação de facto em que se estribou a decisão de mérito nela proferida, o que, antecipe-se desde já, com total razão.

Na verdade, conforme se extrai da sentença, em sede de factos provados a 1ª Instância limitou-se a dar como provado o “teor do relatório pericial de fls. 1181 a 1269 e esclarecimentos de fls. 1329 a 1356”, ou seja, o teor do relatório pericial realizado em sede de segunda perícia e os esclarecimentos prestados pelos peritos na sequência do pedido de esclarecimentos solicitados pelo apelante em relação a essa segunda perícia.

Já em sede de factos julgados como não provados, a 1ª Instância limitou-se a considerar como “factos não provados” o “teor do relatório pericial de fls. 670 a 680 e esclarecimentos de fls. 964 a 972”, acrescentando: “provado apenas o que consta do facto provado 1)”, isto é, considerou como não provado o teor do relatório pericial elaborado em sede de primeira perícia e os esclarecimentos prestados pelo perito que realizou essa primeira perícia na sequência do pedido de esclarecimentos solicitados pelo apelante e pela apelada M. M., à exceção dos factos que constam do “teor do relatório pericial de fls. 1181 a 1269 e esclarecimentos de fls. 1329 a 1356”, estes considerados provados.

Acontece que os relatórios periciais, cujo teor se considerou como provado e não provado na sentença, não consubstanciam “factos”, mas o documento elaborado e assinado pelos peritos em que os mesmos explanam as conclusões da perícia de que foram incumbidos pelo tribunal e que nessa sequência elaboraram (20).

Por sua vez, a prova pericial constitui um dos meios de prova legalmente admissíveis (arts. 388º, 389º do CC e 467º a 489º do CPC), a par de outros meios de prova, como é o caso da prova por confissão (arts. 352º a 361º do CC e 452º a 466º do CPC), da prova documental (arts. 362º a 387º do CC e 423º a 451º do CPC), da prova testemunhal (arts. 392º a 396º do CC e 495º a 526º do CPC), da prova por inspeção judicial (arts. 390º, 391º do CC e 490º a 493º do CPC) e da prova por apresentação de coisas (art. 416º do CPC) (21).
As provas, nos termos do art. 341º do CC, têm por função a demonstração da realidade dos factos.
A expressão “prova” que vem utilizada neste preceito, tanto pode ser tomada na aceção de atividade processual adstrita aos fins da instrução, como na de meios ou instrumentos através dos quais se procura determinar a convicção do julgador (22).
Por sua vez, os “factos” são acontecimentos externos ou internos suscetíveis de serem percecionados pelos sentidos (23), ou dito por outras palavras, “factos” são as ocorrências concretas da vida real, bem como o estado, a qualidade ou a situação real das pessoas ou das coisas, englobando não apenas o acontecimento do mundo exterior, mas também os do foro interno, da vida psíquica, sensível ou emocional do indivíduo (24).
Segundo Manuel Andrade, os “factos” que podem ser objeto de prova tanto podem ser: estados ou acontecimentos que, direta ou indiretamente, sirvam de pressuposto às normas legais aplicáveis, como os factos acessórios, que tocam apenas à admissibilidade dum meio probatório (ex: à capacidade duma testemunha) ou à sua autoridade (exs.: autenticidade dum documento, a credibilidade de uma testemunha); como podem ser factos do mundo exterior (factos externos: uma convenção oral ou escrita, um choque de viaturas, a morte duma pessoa, etc.), como os da vida psíquica (factos internos: o dolo, o conhecimento de dadas circunstâncias, uma certa intenção, etc.); como podem ser os factos reais (segundo a respetiva afirmação da parte) como os chamados factos hipotéticos (lucros cessantes, vontade hipotética ou conjetural das partes, para efeitos, v.g., de redução ou conversão de negócios jurídicos, etc.); como factos nus e crus (se verdadeiramente os há); como os juízos de facto (a impossibilidade de se produzir um certo facto, etc.) (25).
Logo, os “meios de prova”, como é o caso da prova pericial, não são “factos”, mas antes os instrumentos que o legislador coloca ao dispor das partes e do tribunal através dos quais se procura demonstrar a realidade (a verificação) dos enunciados acontecimentos externos ou internos suscetíveis de serem captados pelos sentidos, que são os “factos”, ou dito por outras palavras, trata-se dos meios legalmente fixados a que as partes ou o próprio tribunal podem recorrer para formar a convicção do julgador sobre a ocorrência ou não dos “factos”.
A prova pericial é um meio de prova, ou seja, um meio ou atividade processual desenvolvida no âmbito de determinado processo através da qual, tal como acontece com os restantes meios de prova, se procura determinar a convicção do julgador acerca da verificação (ou não) de determinados “factos”, isto é, sobre a verificação ou não das tais realidades ou acontecimentos internos ou externos suscetíveis de serem captados pelos sentidos.
Precise-se que a prova pericial tem de específico em relação aos restantes meios de prova legalmente admissíveis a circunstância de a perceção ou a apreciação dos “factos” exigir conhecimentos especiais que os julgadores não possuem ou quando aqueles factos sejam relativos a pessoas e não devam ser objeto de inspeção judicial e a consequente necessidade de se recorrer a peritos (art. 388º, n.º 1 do CC).
Deste modo, em face da lei substantiva e adjetiva nacional, a prova pericial tem de específico e como pressuposto para a admissibilidade deste concreto meio de prova, a perceção de factos presentes (verificação material), acompanhada normalmente da sua apreciação, por meio de pessoa(s) idónea(s) - “o(s) perito(s)” -, quando a perceção desses factos não possa ser direta e exclusivamente realizada pelo juiz, por necessitar de conhecimentos científicos, técnicos ou artísticos especiais, ou por motivos de decoro ou de respeito pela sensibilidade legítima da pessoa em que se verifiquem esses factos, e/ou quando na apreciação de quaisquer factos (na determinação das ilações que deles se possam tirar acerca doutros factos desconhecidos) sejam necessários aqueles conhecimentos especiais, não acessíveis ao juiz, por não fazerem parte da cultura geral ou experiência comum, que pode e deve presumir-se no juiz, como na generalidade das pessoas instruídas e experimentadas (26).
Por conseguinte, ao limitar-se a dar como “factos provados” na sentença recorrida o “teor do relatório pericial de fls. 1181 a 1269 e esclarecimentos de fls. 1329 a 1356” e ao limitar-se a nela a dar como “factos não provados”, o “teor do relatório pericial de fls. 670 a 680 e esclarecimentos de fls. 964 a 972 (provado apenas o que consta do facto provado 1)”, é indiscutível que a 1ª Instância se limitou a dar como reproduzido o teor de um meio de prova, isto é, de um instrumento que serve para motivar/demonstrar os factos que lhe incumbe declarar como provados e não provados na sentença, em obediência ao comando legal do n.º 4 do art. 607º do CPC, e que, inclusivamente, nos termos do seu n.º 3, lhe impõe o ónus de discriminar os factos que considera como provados.
Na verdade, o relatório pericial, assim como os restantes meios de prova, nomeadamente, documental, reafirma-se, não são “factos”, mas antes meios de prova, isto é, os elementos considerados aptos pelo legislador para demonstrar a verificação ou não dos “factos” e que, como tal, apenas servem (podem servir) para motivar os factos que se dão como provados ou não provados, não podendo, eles próprios, servir de factos, ou seja, figurar como factos provados e não provados.
Precise-se que mesmo que se dê como reproduzido o meio de prova e se considere como provado ou não provado este, como acontece no caso, em que a 1ª Instância, na sentença recorrida, considerou como “factos provados” o “teor do relatório pericial de fls. 1181 a 1269 e esclarecimento de fls. 1329 a 1356” e considerou como “factos não provados” o “teor do relatório pericial de fls. 670 a 680 e esclarecimentos de fls. 964 a 972”, uma vez que o tribunal a quo nada explicitou quanto ao conteúdo daqueles relatórios e respetivos esclarecimentos que considerou como provado e não provado, o mesmo limitou-se a estabelecer a existência desses relatórios periciais e respetivos esclarecimentos, mas não a fixar os concretos factos que desses relatórios e esclarecimentos se podem retirar (e que retirou) como estando provados e não provados.
Deste modo, a forma de indicar os factos provados e não provados na sentença recorrida, para além de confundir “factos” com “meios de prova” e de postergar o comando legal dos n.ºs 3 e 4 do art. 607º do CPC, que impõe ao juiz o ónus de declarar, na sentença, quais os concretos factos que julga provados e quais os que julga não provados e, bem assim o ónus de discriminar os factos que considera provados, o que como dito, lhe impõe o ónus de operar uma referência própria e autónoma desses concretos factos que julga como provados, não pode constituir uma forma segura para a prolação de uma decisão de direito, uma vez que perante a ausência daquela indicação sobre quais os concretos factos que considerou como provados e não provados e de ausência de discriminação dos julgados como provados, é de todo inseguro saber qual a base factual de que partiu a 1ª Instância para aplicar o direito aos factos, sabendo-se que o juízo sobre a concreta aplicação das normas legais se torna impossível de fazer se a matéria de facto apurada não for suficientemente inteligível.
Aliás, porque assim é, essa forma de proceder da 1ª Instância não só impede as partes de impugnarem o julgamento da matéria de facto que aquela operou, por desconhecerem, em absoluto, com um mínimo de segurança exigível, quais os concretos factos que a partir do relatório pericial e esclarecimentos (cujo teor se deu por reproduzido e que se considerou como provado) a 1ª Instância julgou efetivamente como provados, e quais aqueles que julgou realmente como não provados, como é bem demonstrativo a circunstância da 1ª Instância ter considerado como “factos não provados o teor do relatório pericial de fls. 670 a 680 e esclarecimentos de fls. 964 a 972”, mas logo ter tido necessidade de esclarecer que dessa não prova ficavam excluídos “o que consta do facto provado 1”, como impede que este tribunal de recurso possa entrar na sindicância da impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelo apelante, uma vez que ficamos numa situação de dúvida sobre se determinado facto cujo julgamento de facto vem impugnado pelo apelante por pretensamente ter sido considerado provado ou não provado ter sido efetivamente considerado provado ou não provado pela 1ª Instância, até porque, reafirma-se, esse apuramento de factos provados e não provados apenas se alcançará pela contraposição do teor do relatório pericial de fls. 1181 a 1269 e esclarecimentos de fls. 1329 a 1356 (estes julgados provados), com o teor do relatório pericial de fls. 670 a 680 e esclarecimentos de fls. 964 a 972 (estes julgados como não provados).
Por conseguinte, no caso, assiste-se a uma insuficiente inteligibilidade dos factos provados e não provados pela 1ª Instância.
Esta forma de indicar os factos provados e não provados realizada pela 1ª Instância impede outrossim que as partes e as tribunais superiores possam apreciar a decisão de mérito, uma vez que não existe uma base factual segura para a subsunção dessa base factual ao direito que eventualmente lhes possa ser aplicado.
Porque assim é, assiste total razão ao apelante quando sustenta que, no caso, se assiste a uma total e absoluta ausência de indicação dos factos julgados como provados e não provados pela 1ª Instância na sentença recorrida, o que nos termos do disposto no art. 615º, n.º 1, al. b) do CPC, determina inapelavelmente a respetiva nulidade, por total omissão de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão de mérito nela proferida (27).
Essa nulidade implica que se anule a sentença recorrida e se determine a baixa dos autos à 1ª Instância para que, nos termos do disposto nos arts. 662º, n.º 2, al. c) e 607º, n.º s 3 e 4 do CPC, seja proferida nova sentença, em que declare quais os concretos factos que julga provados e quais os que julga não provados e proceda à discriminação dos factos julgados provados, seguindo-se a motivação do julgamento de facto que realize e a posterior subsunção jurídica desses factos (considerados provados e não provados) ao direito aplicável, com a prolação de novo dispositivo.
No entanto, porque analisado o processado, designadamente, as múltiplas reclamações e requerimentos que foram apresentados pelas partes ao longo do processo, em particular, pelo apelante, verificamos que aquelas (e, reafirma-se, em particular, o apelante) incorreram numa série de equívocos a propósito do objeto dos presentes autos, equívocos esses em que o apelante persiste nas suas alegações de recurso, ao que não foi imune o próprio tribunal a quo, que não cuidou em prontamente esclarecer esses equívocos e em reconduzir os presentes autos ao seu verdadeiro objeto, urge enunciar qual é o concreto objeto dos presentes autos, até para se evitar que se persista nesses múltiplos equívocos, nomeadamente, em sede de facticidade sobre a qual se impõe que o tribunal a quo se debruce, julgando-a como provada ou não provada na nova sentença a proferir.
Nesta sede diremos que o processo de inquérito judicial a sociedade é um processo especial, de jurisdição voluntária, para o exercício de direitos sociais, que se encontra regulado nos arts. 1048º a 1052º do CPC e ao qual são aplicáveis as disposições dos arts. 292º a 295º do mesmo Código, por força do n.º 1 do art. 986º do CPC.
Precise-se que no art. 1048º do CPC estão previstos dois processos especiais de inquérito judicial, a saber: a) o inquérito judicial à sociedade previsto no n.º 1 do art. 1048º do CPC e b) o inquérito judicial à sociedade previsto no art. 67º, do Cód. Soc. Com (CSC) – n.º 3 do art. 1048º do CPC (28).
A primeira das enunciadas modalidade de inquérito judicial à sociedade (o inquérito previsto no art. 1048º, n.º 1 do CPC), segundo o Cód. Soc. Com. (CSC) pode fundar-se na deliberação ilícita de distribuição de bens aos sócios (art. 31º, n.º 3 do CSC), na recusa, incompletude ou falsidade de informação prestada àqueles (arts. 292º, 181º, n.º 6, 450º, 216º e 292º, n.ºs 2 e 6 do CSC) ou na redução da remuneração dos gerentes (art. 255º, n.º 2 do CSC).
Cingindo-nos ao inquérito à sociedade com fundamento na recusa, incompletude ou falsidade de informação prestada aos sócios, já que os restantes fundamentos para a realização desse inquérito judicial à sociedade Ré não se encontram manifestamente em discussão nos presentes autos, dir-se-á que no âmbito do direito societário, o sócio tem a faculdade de obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato social (art. 21º, n.º 1, al. c) do CSC).
O direito dos sócios à informação encontra-se contemplado genericamente no enunciado art. 21º, n.º 1, al. c) do CSC e é desenvolvido, no que respeita à sociedade por quotas, como é caso da sociedade aqui Ré, no art. 214º do CSC, para as informações não prestadas em assembleia geral, e no art. 290º, n.º 1 ex vi n.º 7 do art. 214º, para as informações solicitadas em assembleia geral.
Nas sociedades por quotas qualquer sócio pode requerer informações sobre a gestão da sociedade e pode consultar a respetiva escrituração, livros e documento (art. 214º, n.ºs 1 e 4 do CSC), sem ter que justificar ou motivar essa sua pretensão, o que se justifica uma vez que o art. 259º do mesmo Código condiciona o desenvolvimento da gerência à vontade dos sócios (29).
Esse direito à informação dos sócios cinge-se à informação relativa à gestão da sociedade.
Tal como acontece nas sociedades em nome coletivo, o titular do direito à informação é o sócio não gerente, tal como decorre do texto do art. 214º, n.º 1, onde se refere que «os gerentes devem prestar a qualquer sócio que o requeira informação…», bem como da utilização da expressão “sócio” utilizado por esse normativo para estabelecer a titularidade das diversas faculdades incluídas no direito à informação (30).
Esse direito à informação sobre a gestão da sociedade é concedido, nas sociedades por quotas, a todos e cada um dos sócios, sem qualquer discriminação, não estando, por isso, dependente do sócio ser titular de uma percentagem mínima do capital social, sequer daquele ter de justificar o seu requerimento para que lhe seja prestada essa informação.

Enuncie-se que não é pacífico o entendimento de se saber se o direito à informação reconhecido pelo art. 214º do CSC ao sócio é ou não extensível ao gerente, havendo uma corrente que considera que os gerentes são titulares do mesmo direito à informação que assiste ao sócio por via daquele dispositivo, e uma outra corrente que rejeita semelhante entendimento.
Nesta esteira, segundo Raul Ventura, não faz sentido que a “lei instituísse o dever de os gerentes prestarem informação a outros sócios e, por outro lado, forçasse o gerente a dirigir-se a um colega quando aquele pretendesse, para si próprio, uma informação”, argumentando que “o sócio gerente não necessita deste direito porque a sua função dentro da sociedade envolve o poder de conhecer diretamente todos os factos sociais e tem pessoalmente ao seu alcance aquilo que o sócio não gerente necessita de obter por meio daquele direito”(31).
De acordo com este autor, caso se suscite algum conflito entre gerentes a propósito do direito à informação, esse conflito há-de ser solucionado através de outros processos, nomeadamente, através dos arts. 259º e 252º, n.º 1 do CSC, mediante o processo de investidura em cargo social, por forma a ser assegurado ao gerente o direito de acesso a toda a documentação da empresa que lhe permita satisfazer o dever de informar os sócios sobre a gestão da sociedade.
Secundando este entendimento, Carlos Maria Pinheiro Torres propugna que “ao gerente tem de se lhe atribuir a possibilidade de, em quaisquer circunstâncias e em qualquer momento, aceder aos elementos de informação necessários para conhecer a gestão da sociedade, uma vez que sendo da sua competência a prática «dos atos que forem necessários ou convenientes para a realização do objeto social» (cfr. os artigos 259º e 252º, n.º 1), não pode sofrer esse acesso senão a limitação que a realização do objeto social impõe – pode falar-se, aqui, com propriedade, sublinhe-se, não num direito do gerente à informação mas num direito de acesso à informação, este de maior amplitude que aquele e que, por isso, torna o primeiro desnecessário, por insuficiente para satisfazer a exigência de informação do gerente. (…). Há, assim, uma informação que deve ser do conhecimento dos gerentes e não deve ser do conhecimento dos sócios, o que revela diferentes graus de informação, a do gerente e a do sócio, a impossibilitar a previsão de uma tutela comum. Os argumentos aduzidos bastam para fazer concluir ser irrefutável a ideia de que tem de existir uma tutela própria do direito do gerente de aceder à informação de que necessitar, que não se pode restringir à tutela do sócio à informação. Não impressiona, os argumentos de que um gerente pode ser impedido de aceder à informação da sociedade e de que pode a informação pretendida não se enquadrar no âmbito dos poderes que lhe foram conferidos. No primeiro caso, dir-se-á que vedarem o acesso de um gerente à informação é situação que merece o mesmo tratamento que se aplicaria caso o impedissem de entrar na sede social ou de retirar a sua remuneração. No segundo caso, de duas uma: ou a informação não é necessária para o exercício das suas funções de gerente, e então, tendo aceite a repartição de funções, não pode pretender a intromissão em esfera de competência alheia; ou é necessária e, não lhe sendo fornecida, estamos caídos na hipótese anterior: exigência da prestação da informação pelos meios próprios, mas nunca pelo simples recurso ao direito à informação previsto no art. 214º para os sócios. O interesse protegido com a atribuição do direito à informação previsto no art. 214º bem como no art. 181º é, assim, o do próprio sócio e não o do gerente, sócio ou não, que é objeto de uma tutela específica, traduzida na possibilidade de exigir condições para o pleno exercício das funções e da competência que, por lei, lhe cabem (cfr. arts. 259º e 252º, n.º1)” (32).
Divergentemente, para Abílio Neto o direito à informação que se encontra reconhecido aos sócios pelo art. 214º do CSC é extensível aos próprios gerentes, argumentando em abono desta sua tese com “os numerosos casos de gerentes que só o são de nome, ou que são impedidos pelos outros gerentes do acesso às informações e aos livros e documentos da sociedade”, ou ainda com o facto de “as informações de que necessita (o sócio gerente) pode(re)m não se enquadrar no âmbito dos poderes que lhe forem conferidos” (33).
Por sua vez, abstraindo da informação solicitada em assembleia geral para permitir ao sócio formar opinião fundamentada sobre os assuntos sujeitos a deliberação (em que o art. 290º, n.º 2 ex vi art. 214º, n.º 7 do CSC., faz impender a obrigação de prestar essa informação sobre o “órgão da sociedade que para tal esteja habilitado”), a obrigação de prestar a informação fora da assembleia geral recai sobre o órgão encarregado da administração da sociedade e da condução dos negócios sociais: a gerência, a administração ou a direção, ou seja, no que tange às sociedades por quotas, essa obrigação de prestação de informação sobre a gestão da sociedade que seja solicitada pelo sócio recai sobre os gerentes (art. 214º, n.º 1 do CSC), por serem estes que, regra geral, estão em melhor situação para prestar as informações sobre assuntos sociais, por serem quem melhor conhece o que pode interessar aos sócios (34).
Acresce precisar que o direito à informação, como direito dos sócios, isto é, co-natural à sua condição de sócios, desdobra-se num direito daqueles a: a) obterem informações, b) consultar os livros e documentos da sociedade, e c) a inspecionar os bens da sociedade.
O direito dos sócios a obterem informações encontra-se previsto para as sociedades por quotas nos n.ºs 1 a 3 do art. 214º e consiste grosso modo, na possibilidade de qualquer sócio solicitar aos gerentes esclarecimentos, dados, elementos, notícias, descrições sobre factos, atuais e futuros, que integrem a gestão da sociedade.
Essa informação a prestar aos sócios deve ser verdadeira, completa e elucidativa e deve ser dada por escrito, se assim for solicitada (n.º 1 do art. 214º).
Este direito dos sócios à informação sobre a gestão da sociedade pode ser regulamentado e restringido pelo contrato de sociedade, mas com as limitações do n.º 2 do art. 214º.
O direito de consulta dos livros e documentos da sociedade encontra-se previsto para as sociedades por quotas nos n.ºs 1, 2 e 4 do art. 214º, em função dos quais essa consulta tem de ser feita pessoalmente pelo sócio na sede da sociedade, que se pode fazer assistir de revisor oficial de contas ou de perito.
Nesta vertente de consulta dos livros e documentos, o direito à informação do sócio pode ser restringido pelo contrato de sociedade, nos termos do n.º 2 do art. 214º, mas com os limites consignados neste n.º 2.
O direito de inspeção dos bens sociais encontra-se expressamente previsto no n.º 5 do mesmo art. 214º, onde se estabelece que o sócio pode inspecionar os bens sociais nas condições referidas nos n.ºs anteriores.
Como dito, a informação a prestar pelos gerentes aos sócios tem de ser verdadeira, completa e elucidativa, de molde a ser-lhe transmitido o real conhecimento de um facto da vida social.
Pelo requisito de que a informação transmitida ao sócio tem de ser “verdadeira” quer-se significar que essa informação não pode conter elementos inexatos ou não conformes com a realidade, nem, no seu conjunto, induzir o sócio em erro acerca da existência ou do conteúdo dos factos a que respeita”. Essa veracidade da informação deve ser aferida segundo o juízo que um homem de cultura média formaria em presença da sua efetiva prestação.
Pelo requisito de que essa informação deve ser “completa”, impõe-se que a mesma contenha “… os elementos necessários para corresponder a toda a amplitude da respetiva solicitação”, pelo que para se aferir da completude ou incompletude da informação prestada ao sócio tem, por um lado, de se atender ao requerimento, verbal ou escrito, em que o sócio solicita a informação e, por outro, aos preceitos legais que delimitam o seu direito a obter essa informação, os quais, no que tange às sociedades por quotas, fora da assembleia geral, se cinge à “gestão da sociedade” (art. 214º, n.º 1), e quanto às informações requeridas em assembleia geral, aos “assuntos sujeitos a deliberação” (arts. 290º, n.º 1 e 214º, n.º 7).
Por último, com o requisito de que a informação a prestar ao sócio tem de ser “elucidativa”, quer-se significar que a mesma tem de ser clara, perceptível e apta a remover e esclarecer as dúvidas ou o desconhecimento acerca dos factos ou razões ou justificações para a sua prática, de acordo com a solicitação feita pelo sócio, segundo o juízo de um homem de cultura média.
Note-se que com relevância para os presentes autos, o direito do sócio à informação não abrange a discussão da informação que lhe é prestada pela gerência, não existindo da parte desta um dever de discutir essa informação com o sócio, que se limita a rececioná-la.
Deste modo, não tendo o sócio direito a discutir essa informação que lhe é prestada com a gerência, aquele apenas poderá reagir contra essa informação, nos termos da lei, nos casos em que esta não seja verdadeira, completa e elucidativa (35).
Esse meio de reação é o inquérito judicial (art. 216º, n.º 1 do CSC).
Note-se que o art. 216º, n.º 1 do CSC equipara a denegação de prestação de informação pelo órgão competente para a respetiva prestação, face a uma solicitação feita por um ou mais sócios, nas condições de legitimidades estabelecidas na lei, ou no contrato, quando admissíveis, e nos limites fixados (recusa de informação stricto sensu), aos casos em que a informação prestada pelo órgão competente – a gerência - não seja verdadeira, completa ou elucidativa.
Em todos esses casos em que ao sócio seja recusada a informação ou que tenha recebido informação presumivelmente falsa, incompleta ou não elucidativa, fica conferido àquele, nos termos do n.º 1 do art. 216º, o direito a requerer ao tribunal inquérito à sociedade.
Esse inquérito encontra-se regulado nos arts. 292º do CSC, 1048º, n.ºs 1 e 2, 1049º a 1052º do CPC.
Diferentemente desse inquérito é o previsto nos arts. 1048º, n.º 3 do CPC e 67º do CSC, o qual não se funda já na recusa de prestação de informação pela gerência ao sócio que a solicitou sobre a gestão da sociedade (recusa strictu sensu) ou na circunstância da informação prestada pela gerência àquele ser falsa, incompleta ou não elucidativa, mas na não apresentação pontual do relatório de gestão, contas do exercício e demais documentos de prestação de contas.
Na verdade, nos termos dos arts. 18º, 29º e 62º do Cód. Com., a sociedade enquanto comerciante está obrigado a prestar contas.
Este dever de prestação de contas encontra-se especificamente previsto para as sociedades comerciais em geral no art. 65º, n.º 1 do CSC, e subdivide-se em dois deveres: a) o dever dos membros da administração de elaborarem anualmente o relatório de gestão, as contas do exercício e os demais documentos de prestação de contas previstos na lei, relativos a cada exercício anual; e b) o dever daqueles de submeterem aos órgãos competentes para a respetiva aprovação esses documentos.
Deste modo, o órgão de administração da sociedade comercial deve prestar, periódica e regularmente, aos sócios contas da atividade desenvolvida, para que estes, com base no conhecimento das mesmas, possam avaliar a qualidade e o resultado do desempenho daqueles a quem entregaram a gestão da sociedade. Para o efeito, o órgão de administração encontra-se obrigado a elaborar as contas e o balanço de cada exercício e a produzir o relatório de gestão, em que relate a situação da sociedade relativamente a esse exercício, com o conteúdo mínimo prescrito no art. 66º do CSC, em que descreva e sintetize, em termos genéricos, os principais aspetos da vida societária no decurso daquele exercício social e em que mencione os factos relevantes ocorridos desde o respetivo termo até à data da conclusão desse relatório, com a finalidade da situação da sociedade ser conhecida dos sócios e dos demais stakeholders e, bem assim, a submeter esses documentos à aprovação dos sócios para apreciação e aprovação (36).
Precise-se que mediante a obrigação de prestação de contas o legislador quis garantir que toda a informação sobre a situação patrimonial da sociedade e sobre a forma como é feita a sua gestão, seja elaborada e fornecida aos interessados, quer internamente, aos sócios, quer externamente, nomeadamente, ao Estado e aos credores sociais, pelo que o interesse protegido com a imposição destas obrigações não é apenas o dos sócios, mas também o dos terceiros, designadamente, os interesses dos credores e dos potenciais futuros sócios da sociedade, mas também, o interesse público do Estado, designadamente, em termos fiscais.
O dever de prestação de contas encontra-se sujeito a um conjunto de princípios gerais, que se encontram enunciados naquele art. 65º do CSC, a saber: a periodicidade, de acordo com o qual o relatório de gestão e as contas do exercício e os demais documentos de prestação de contas devem ser preparados pela administração da sociedade com uma regularidade anual (n.º 1); a legalidade, em função do qual a elaboração daqueles documentos deve obedecer ao disposto na lei, que o contrato de sociedade pode complementar, mas não derrogar (n.º 2); a subscrição, de acordo com o qual o relatório de gestão e as contas do exercício devem ser assinados por todos os membros da administração, devendo a recusa de assinatura por qualquer deles ser justificada no documento a que respeita e explicada pelo próprio perante o órgão competente para a aprovação, ainda que já tenha cessado as suas funções (n.º 3); e a tempestividade, nos termos do qual o relatório de gestão, as contas de exercício e os demais documentos de prestação de contas devem ser apresentados ao órgão competente para a respetiva aprovação e por este apreciados dentro dos prazos legalmente estabelecidos para o efeito (n.º 5) (37).
O dever de prestar as contas do exercício anual e, consequentemente, o ónus de elaborar o relatório de gestão, as contas do exercício e dos demais documentos de prestações de contas e de apresentar esses documentos ao órgão competente para a respetiva aprovação recai, como dito, nos termos do n.º 1 do art. 65º do CSC, sobre os membros da administração da sociedade, isto é, no que tange às sociedades por quotas, sobre os respetivos gerentes.
Para o efeito, regra geral, os gerentes encontram-se obrigados a elaborar o relatório de gestão, as contas do exercício e demais documentos de prestação de contas e a apresentar esses documentos ao órgão competente para apreciar e aprovar esses documentos, no prazo de três meses a contar do encerramento de cada exercício anual (n.º 5 do art. 65º do CSC), isto é, até 31 de março, e caso não o façam nos dois meses seguintes até ao termo daquele prazo, ou seja, até 31 de maio, fica conferido a qualquer sócio o direito a requerer que se proceda a inquérito judicial à sociedade (art. 67º, n.º 1 do CSC).
Por sua vez, o órgão competente para apreciar e aprovar o relatório de gestão, as contas do exercício e demais documentos de prestação de contas é a assembleia geral de sócios (art. 246º, n.º 1, al. e) do CSC), que para o efeito terá de ser convocada pelos gerentes, regra geral, até 31 de março.
O dever de prestar contas é correlativo ao direito dos sócios e é independentemente do direito daqueles à informação, à consulta da escrituração, livros ou documentos societários e à inspeção dos bens sociais a que alude o art. 214º do CSC.
Deste modo, nas sociedades por quotas, os gerentes encontram-se obrigados ao dever de relatar a gestão e a apresentar as contas e, bem assim, a convocar a assembleia geral de sócios com vista à aprovação dessas contas dentro do prazo previsto no n.º 5 do art. 65º do CSC.
A falta de apresentação de contas pelos gerentes nos dois meses seguintes ao termo do prazo fixado no n.º 5 do art. 65º do CSC, isto é, em regra, até 31 de maio, confere a qualquer sócio o direito de requerer ao tribunal que se proceda a inquérito com vista a ser fixado um prazo adequado, segundo as circunstâncias, para que as contas sejam apresentadas, inquérito esse que segue os termos previstos no art. 67º do CSC ex vi art. 1048º, n.º 3 do CPC (38).
Precise-se que não obstante o inquérito judicial à sociedade fundado na recusa pelos gerentes de prestarem ao sócio informação sobre a gestão da sociedade que aquele lhes solicite ou de lhe prestarem informação falsa, incompleta ou não elucidativa e, bem assim o inquérito à sociedade com fundamento na não apresentação tempestiva das contas do exercício pela gerência à assembleia geral de sócios para que esta as aprecie a aprove tenham pressupostos distintos – o primeiro, funda-se na recusa strictu sensu da gerência em prestar ao sócio a informação que este lhe solicitou sobre a gestão da sociedade ou de lhe prestar informação a esse propósito falsa, incompleta ou não elucidativa, enquanto o segundo se funda na circunstância de não ter sido apresentada pela gerência à assembleia geral de sócios, em princípio, até 31 de maio, as contas do exercício do ano transato – e sigam um processo de inquérito judicial distinto, esses processos de inquérito tem duas fases diferentes, em que a primeira fase é comum a ambas as modalidades de inquérito judicial e em que apenas a segunda fase é distinta.
A primeira fase destina-se à apreciação pelo juiz dos fundamentos invocados pelo requerente para peticionar o inquérito judicial e, após contraditório, haja ou não resposta dos requeridos, decidir se há ou não motivo para se proceder a esse inquérito (art. 1048º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Trata-se de uma fase que, como referido, é comum a ambas as modalidades de inquérito judicial, em que é sobre o requerente, isto é, no caso, sobre o apelante, que impende o ónus da alegação e da prova dos factos integrativos dos fundamentos que invocou como fundamento do inquérito que requer (39).
Assim se o requerente fundamentar o pedido de inquérito judicial à sociedade na circunstância de lhe ter sido recusada ilicitamente informação sobre a gestão da sociedade que tenha solicitado à gerência desta, ou de lhe ter sido prestada pela gerência informação falsa, incompleta ou não elucidativa, é sobre o mesmo que impede não só o ónus da alegação de factos concretos de que decorra a insatisfação injustificada do seu direito à informação, como o ónus da prova dessa factualidade, com vista a obter a procedência da sua pretensão (40).
Se ao invés, o pedido de inquérito judicial se fundar na circunstância de não ter sido apresentada pela gerência o relatório de gestão, das contas do exercício e dos demais documentos de prestação de contas à assembleia geral dentro do prazo fixado pelo nº 1 do art. 67º do CSC, impende sobre o requerente do inquérito o ónus da alegação e da prova da factualidade concreta demonstrativa dessa não apresentação desses documentos à assembleia geral de sócios, incluindo a respeitante ao decurso do prazo fixado pelo citado normativo para a apresentação desses documentos à assembleia geral de sócios.
Ultrapassada esta primeira fase do processe de inquérito e proferida sentença em que o juiz conclua que existe fundamento legal para o requerente ter peticionado o inquérito judicial à sociedade (como foi o caso dos presentes autos), passa-se à segunda fase do processo de inquérito, a qual apresenta especificidades próprias consoante se trate de inquérito judicial fundado na não prestação de informação (n.º 1 do art. 1048º do CPC) ou na não apresentação pontual do relatório de gestão, das contas do exercício e demais documentos de prestação de contas (n.º 3 do art. 1048º do CPC).
Com efeito, tratando-se de inquérito judicial com fundamento na recusa strictu sensu de prestação ao sócio (requerente do processo de inquérito) de informação por ele solicitada à gerência da sociedade sobre a gestão desta ou na prestação àquele, pela gerência, de informação solicitada a propósito dessa gestão falsa, incompleta ou não elucidativa, o juiz pode determinar que a informação pretendida pelo requerente seja prestada, ou ordenar a realização de inquérito à sociedade, devendo, neste caso, fixar os pontos que a diligência deve abranger, nomeando o perito ou peritos que devem realizar a investigação, aplicando-se o disposto quanto à prova pericial. Se, no decurso do processo, houver conhecimento de factos alegados que justifiquem a ampliação do objeto do inquérito, pode determinar que a investigação em curso os abranja, salvo se da ampliação resultarem inconvenientes graves (art. 1049º, n.ºs 1, 2 e 4 do CPC). Concluído o inquérito e observado o contraditório quanto àquele e realizadas as demais diligências probatórias necessárias, o juiz profere decisão, apreciando os pontos de facto que constituíram fundamento do inquérito e fixando a matéria de facto, podendo as partes requerer, no prazo de quinze dias, que o tribunal ordene quaisquer diligências que caibam no âmbito da jurisdição voluntária (n.ºs 1 e 2 do art. 1051º do CPC).
Já tendo o inquérito como fundamento a não apresentação pontual do relatório de gestão, contas do exercício e demais documentos de prestação de contas, esta segunda fase, nos termos do n.º 3 do art. 1048º do CPC, segue os termos previstos no art. 67º do CSC., na qual o juiz, consideradas infundadas as razões para a não apresentação das contas pela gerência da sociedade, pode determinar à gerência da sociedade que, dentro de determinado prazo, preste essas contas e, uma vez prestadas estas, convoca a assembleia geral de sócios para as apreciar e aprovar, ou nomeia um gerente à sociedade, exclusivamente encarregue de, no prazo que lhe fixa, elaborar o relatório de gestão, as contas do exercício e dos demais documentos de prestação de contas, previstos na lei, e de os submeter à apreciação e aprovação do órgão competente da sociedade, que, no caso, é a assembleia geral de sócios da sociedade Ré (n.º 2 do art. 67º do CSC), que para o efeito deverá convocar.
Submetidos estes documentos à assembleia geral de sócios, caso esta não os aprove, o gerente nomeado pelo tribunal pode submeter, nos próprios autos de inquérito em curso, a divergência ao juiz, para decisão final de aprovação ou de rejeição (art. 67º, n.º 3 do CSC).
Assentes nestas premissas, revertendo ao caso em análise, o apelante instaurou a presente ação de inquérito à sociedade, alegando que apesar de ser gerente de direito da sociedade Ré até 31/01/2007, que esta sociedade foi sempre gerida de facto e de direito pela 2ª Ré M. M. e pugnou pela realização daquele inquérito judicial com dois fundamentos, a saber: a) a não prestação pela última das informações que identifica nos arts. 23º a 26º, 28º a 30º e 32º da petição inicial; e b) a não apresentação por aquela gerente de facto (e de direito) das contas do exercício dos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, pelo que o mesmo cumulou no âmbito do presente processo a realização de inquérito à sociedade Ré com fundamento na não prestação de informação e, bem assim, na não prestação de contas.
Por sentença transitada em julgado, proferida a fls. 394 a 407, encontra-se em definitivo provado que contrariamente ao que tinha sido alegado pelo apelante, a gerência de facto e de direito da sociedade Ré foi exercida por aquele e pela 2ª Ré e apelada M. M. até julho de 2006, passando essa gerência de facto e de direito, a partir de julho de 2006, a ser exclusivamente gerida pela apelada M. M. (pontos 1.7 e 1.8 dos factos provados), que a partir do mês de janeiro de 2007, não deu, sequer a sociedade Ré, qualquer satisfação, explicação ou informação ao apelante sobre os negócios e a vida da sociedade, não tendo este acesso a toda a sua documentação e escrituração legal contabilística e bancária, apesar deste lhos ter solicitado (pontos 1.12 e 1.13 dos factos provados).

Mais se encontra provado naquela sentença, que:

- em 24 de julho de 2006, a conta titulada pela sociedade Ré na Caixa ... identificada no ponto 1.14 dos factos provados naquela sentença, apresentava um saldo credor de 8.508,61 euros, ignorando o apelante o destino que foi dado a esse saldo (ponto 1.14 dos factos provados);
- o apelante entregou em mãos à segunda Ré M. M., que os recebeu, no final do ano de 2006, os dois cheques identificados no ponto 1.15, emitidos por clientes da sociedade Ré, para pagamentos dos respetivos honorários e serviços prestados, no valor global de 6.820,86 euros, ignorando o apelante se esses cheques foram ou não depositados em conta bancária da Ré sociedade e refletidos na contabilidade desta (ponto 1.15 dos factos provados);
- em 15 de novembro de 2006, o apelante entregou à segunda Ré M. M., o cheque identificado no ponto 1.16, sacado da sua conta pessoal e emitido a favor da sociedade Ré, no valor de 1.698,84 euros, ignorando o apelante se tal valor foi depositado em conta bancária daquela sociedade e ou se se encontra lançado na contabilidade da sociedade e aí processado, nomeadamente, como suprimento de sócio (ponto 1.16 dos factos apurados);
- em 14 de fevereiro de 2007, o apelante entregou o cheque identificado no ponto 1.17, no valor de 4.530,00 euros, sacado da sua conta pessoal, para pagamento de IVA em débito da sociedade Ré pelo exercício da atividade desta, correspondente ao último trimestre de 2006, no valor de 4.5232,86 euros, desconhecendo o apelante se tal valor se se encontra lançado na contabilidade daquela sociedade e aí processado, nomeadamente como suprimento de sócio (ponto 1.17 dos factos apurados);
- durante o ano de 2006, vários clientes da sociedade Ré, designadamente os identificados no ponto 1.18 dos factos apurados, procederam ao pagamento de serviços prestados pela última, num valor total superior a 40.000,00 euros, ignorando o apelante se tais cobranças e recebimentos de clientes se encontram refletidos e processados na contabilidade da sociedade Ré (pontos 1.18 e 1.18 dos factos apurados);
- a sociedade Ré é proprietária dos veículos e restantes bens identificados no ponto 1.20 e o apelante ignora o paradeiro desses bens (pontos 1.20 e 1.21 dos factos apurados);
- a 2ª Ré não apresentou até à presente data o relatório de gestão, as contas do exercício e os demais documentos de prestação de contas da sociedade Ré respeitantes ao exercício dos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012 (ponto 1.24 dos factos apurados); e
- em 31 de março de 2007 foi realizada a assembleia geral anual ordinária da sociedade Ré, constituída pelo apelante e pela segunda Ré M. M., em que aprovaram as contas do exercício findo em 31/12/2006 e aprovaram a proposta de distribuição de resultados de 2006 (ponto 1.26 dos factos apurados).
Com fundamento nesta facticidade assim julgada como provada, encontra-se, por sentença transitada em julgado, determinado que a sociedade Ré e a apelada M. M. prestem, por escrito, as informações solicitados pelo apelante e que este identifica nos artigos 23º a 26º, 28º a 30º e 32º da petição inicial, no prazo de dez dias e, bem assim, nomeou-se pessoa idónea para elaborar o relatório de gestão, das contas do exercício e os demais documentos de prestações de contas da sociedade Ré respeitantes ao exercícios dos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012 (cfr. fls. 394 a 395).
Por sua vez, compulsados aqueles pontos 23º a 26º, 28º a 30º e 32º da petição inicial verifica-se que as informações que o apelante pretendia e que viu serem reconhecidas que lhe fossem prestadas pela sociedade Ré e pela apelada M. M. reconduzem-se em saber:
a- qual o destino que foi dado ao saldo credor de 8.508,61 euros, que a conta da sociedade Ré aberta junto da Caixa ... apresentava em 24/07/2006 (art. 23º da p.i.);
b- se os dois cheques que se encontram identificados no art. 24º da p.i., emitidos em, respetivamente, 11/10/2006, pela Igreja Paroquia de …, titulando a quantia de 3.025,00 euros, e em 06/10/2006, por J. T., Lda., titulando a quantia de 3.795,86 euros, ambos a favor da sociedade Ré, para pagamento de serviços prestados àqueles pela última, se se encontram depositados em conta bancária dessa sociedade e refletidos na contabilidade desta (art. 24º da p.i.);
c- se o cheque entregue pelo apelante à apelada M. M., em 15/11/2006, sacado sobre uma conta do primeiro, titulando a quantia de 1.698,84 euros, sacado a favor da sociedade Ré, foi ou não depositado em conta bancária da última e se se encontra lançado na contabilidade desta e aí processado, nomeadamente, como suprimento de sócio (art. 25º da p.i.);
d- se o cheque entregue pelo apelante em 14/02/2007, titulando a quantia de 4.530,00 euros, sacado sobre uma conta pessoal do primeiro, para pagamento de IVA em débito pela sociedade Ré respeitante ao exercício da atividade desta no último trimestre de 2006, se se encontra lançado na contabilidade da sociedade Ré e aí processado, nomeadamente, como suprimento de sócio (art. 26º da p.i.);
e- se as quantias pagas pelos clientes da sociedade Ré, nomeadamente, por J. T., Lda., PR., Lda., Centro Social Paroquial ... e pela SM., Lda., durante o ano de 2006, por serviços prestados pela sociedade Ré a esses clientes, se se encontram lançados e processados na contabilidade daquela sociedade (art. 28º da p.i.);
d- o paradeiro do veículo automóvel de matrícula OB, dos quatro computadores, estantes de escritório que se encontram identificados no art. 30º da p.i.; e
f- se a sociedade Ré é devedora de outros débitos a outras entidades e/ou terceiros, além do débito para com a administração fiscal identificado no art. 31º da p.i., identificando-se, no caso positivo, a identidade desses credores, o montante do respetivo débito e origem (art. 32º da p.i.).
Naturalmente que os factos a considerar como provados e não provados na sentença a proferir pelo tribunal a quo reportam-se, única e exclusivamente, àquelas concretas questões.
Note-se que estando provado, na sentença proferida a fls. 394 a 407, que a sociedade Ré, em 24/07/2006, apresentava, na Caixa ..., o saldo credor de 8.508,61 euros (cfr. ponto 1.14 dos factos provados), os factos a indagar pelo tribunal e que aquele terá de julgar como provados ou não provados, perante as informações prestadas pela apelada M. M. a fls. 409 e seguintes, cinge-se ao destino dado a esse saldo de 8.508,61 euros, após 24/07/2006, designadamente, se esse saldo foi ou não utilizado para pagamentos dos débitos dessa sociedade para com terceiros que vêm alegados pela apelada a fls. 416 a 417 e se se encontram refletidos na contabilidade da sociedade Ré, designadamente, nas contas do exercício do ano de 2006, aprovadas em assembleia geral de 31 de março de 2007 ou em eventuais contas do exercício dos anos de 2008 e 2009 aprovadas nessa assembleia.
Por outro lado, estando apurado na dita sentença que o apelante entregou à apelada M. M. os dois cheques supra identificados em b) – ponto 1.15 dos factos provados -, os factos a indagar pelo tribunal e que aquele terá de considerar como provados ou não provados cingem-se em saber se esses cheques foram ou não depositados em conta bancária da sociedade Ré e se se encontram ou não refletidos na contabilidade desta, conforme vem alegado pela apelada a fls. 409 e seguintes, designadamente, nas contas do exercício do ano de 2006, que o apelante e a apelada aprovaram em 31 de março de 2007 ou em eventuais contas do exercício dos anos de 2008 e 2009 aprovadas nessa assembleia.
Já encontrando-se apurado na mesma sentença que o apelante entregou à apelada M. M. os cheques identificados supra em c) e d) – pontos 1.16 e 1.17 dos factos provados -, os factos a indagar cinge-se em saber se esses cheques foram ou não depositados em conta bancária da sociedade Ré e se se encontram refletidos ou não na contabilidade desta sociedade, designadamente, a título de suprimentos, nomeadamente, nas contas do exercício do ano de 2006, aprovadas na assembleia geral de sócios de março de 2007 ou em eventuais contas do exercício dos anos de 2008 e 2009 aprovadas nessa assembleia.
Estando apurado que durante o ano de 2006, os clientes da sociedade Ré fizeram pagamentos à última, por serviços prestados por esta (ponto 1.18 dos factos provados), os factos a indagar são que concretos pagamentos foram feitos à sociedade Ré pelos clientes, nomeadamente, por J. T., Lda., PR., Lda., Centro Paroquial ... e SM., Lda. durante o ano de 2006, mais concretamente, a partir de julho de 2006, data em que o apelante deixou de exercer as funções de gerente de facto e de direito da sociedade Ré, respetivos montantes e datas de pagamento e se esses pagamentos se encontram ou não processados na contabilidade da sociedade Ré, nomeadamente, nas contas do exercício do ano de 2006, aprovadas pela assembleia geral de sócios em março de 2007, ou em eventuais contas do exercício dos anos de 2008 e 2009 aprovadas nessa assembleia geral de sócios.
Note-se que contrariamente àquela que parece ser a posição do apelante, tanto assim que nas suas alegações de recurso vem acusar o tribunal a quo de ter desconsiderado os documentos juntos aos autos pelo mesmo em 27 de junho de 2017 (fls. 1382 a 1409), parte dos quais se referem a factos ocorridos em data anterior a julho de 2006, dos factos ocorridos em data anterior a julho de 2006 não cuidam os presentes autos de inquérito, uma vez que as informações que aquele solicitou que lhe fossem prestadas por lhe terem sido negadas pela sociedade Ré e pela apelada M. M. e que o mesmo viu deferidas nos termos constantes da sentença proferida a fls. 394 a 407, transitada em julgado, reportam-se exclusivamente às informações supra e infra referidas, respeitantes ao período de julho de 2006 em diante, data a partir do qual aquele deixou de exercer a gerência de facto da sociedade, passando esta a ser exclusivamente exercida pela apelada M. M..
Quanto aos factos ocorridos até julho de 2006, como referido, a gerência de facto e de direito da sociedade Ré era exercida pelo apelante e pela apelada M. M. (cfr. ponto 1.7 dos factos provados na sentença), pelo que o apelante nem sequer dispõe de legitimidade para requerer inquérito judicial em relação à informação relativa aos factos ocorridos até julho de 2006, uma vez que essa informação lhe era não só acessível, como aquele é, inclusivamente, juntamente com a apelada M. M., responsável por essa informação, designadamente, por eventuais violações das regras contabilísticas aplicáveis ou por eventuais desvios de património da sociedade Ré ou confusões ocorridas ao nível do património social e do património pessoal dos sócios (do apelante e da apelada M. M.) ocorridos até julho de 2006, conforme se encontra indiciado nos presentes autos ter acontecido, facto esse que, inclusivamente, vem mencionado pelo ROC, designadamente, a fls. 1471, onde escreve: “tendo por base a informação constante do processo, constatamos que era prática da empresa efetuar movimentos financeiros relacionados com a sua atividade através das contas bancárias pessoais dos sócios gerentes”.
Note-se que se é certo que esses desvios ou confusões entre património social e pessoal dos sócios-gerentes podem ter inquinado as contas do exercício que foram aprovadas pelos mesmos relativamente ao exercício do ano de 2006 (bem como, as eventualmente aprovadas em relação aos exercícios dos anos de 2007 e 2008) e/ou as contas dos exercícios dos anos anteriores a 2006 da sociedade Ré, até porque as contas de um exercício anual, nomeadamente, os lucros ou perdas desse exercício anual transitam para o exercício da sociedade Ré do ano subsequente, pelo que, naturalmente, se fruto dessa confusão de patrimónios entre património pessoal e societário as contas de um determinado exercício anual estiverem inquinadas, esse facto não deixará de inquinar as contas dos exercícios dos anos posteriores.
Porém, contrariamente ao que parece ser a posição do apelante, os presentes autos de inquérito judicial à sociedade Ré não se destinam a invalidar a deliberação da assembleia geral de sócios que aprovou as contas do exercício de 2006 (e eventualmente as deliberações daquela assembleia que aprovou as contas de exercício dos anos de 2007 e 2008), sequer a invalidar a deliberação dessa assembleia que aprovou as contas dos exercícios anteriores a 2006, ou a corrigir as contas desses exercícios aprovadas em sede de assembleia geral de sócios que aquele e a apelada M. M. aprovaram, expurgando-as de eventuais ilegalidades ou incorreções de que padeçam, mas unicamente a prestar ao apelante as informações identificadas nos arts. 23º a 26º, 28º a 30º e 32º da petição inicial, respeitantes ao período de julho de 2006 em diante, data a partir do qual aquele deixou de exercer a gerência de facto da sociedade Ré, passando essa gerência de facto a ser exclusivamente exercida pela apelada M. M. e, bem assim, a serem prestadas as contas dos exercícios dos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012.
A competência para a elaboração do relatório de gestão, as contas do exercício e demais documentos de prestação de contas, conforme já demonstrado, pertence aos gerentes da sociedade Ré e, por conseguinte, ao apelante e à apelada M. M. no período em que ambos exerceram as funções de gerentes de facto e de direito da sociedade Ré, ou seja, até julho de 2006, e a competência para avaliar e aprovar essas contas pertence à assembleia geral daquela sociedade, composta, no caso, exclusivamente pelo apelante e pela apelada M. M..
Logo, tendo essas contas respeitantes aos exercícios de 2005 e anos anteriores sido elaboradas por apelante a apelada M. M., na qualidade de gerentes de facto e de direito da sociedade Ré, que as aprovaram em sede de assembleia geral de sócios, não se destinando os presentes autos a invalidar a deliberação da assembleia geral dos sócios que as aprovaram, essas contas aprovadas mantém-se vigorantes na ordem jurídica enquanto não forem invalidadas na competente ação instaurada para o efeito (naturalmente, caso o vício que as afete – a ser o de anulabilidade - não se tenha consolidado, ficando suprido e, no caso negativo ou tratando-se de vício de nulidade, as partes ainda estejam em tempo para instaurar a referida ação de invalidação das deliberações da assembleia geral de sócios que aprovaram essas contas dos exercícios anteriores ao ano de 2006 e disponham de legitimidade para instaurar essa ação invalidatória das contas que os próprios, enquanto gerentes, elaboraram e submeteram à assembleia geral de sócios, em que as aprovaram) ou enquanto não forem corrigidas, por iniciativa própria, pela gerência da sociedade Ré e aprovadas pela respetiva assembleia geral de sócios.
Deste modo, as contas aprovadas em sede de assembleia geral de sócios da sociedade Ré relativas aos exercícios anteriores ao ano de 2005, não deixam de se projetar nas contas do exercício dos anos posteriores, pelo que o resultado das contas aprovadas em assembleia geral referente ao exercício do ano de 2005 tem de ser consideradas nas contas do exercício de 2006, o resultado do exercício de 2006 tem de ser considerado nas contas do exercício de 2007, e assim sucessivamente.
Caso nessas contas se tenha verificado a apontada confusão entre património pessoal dos sócios e social, esse facto não deixará de se projetar nas contas dos exercícios anuais da sociedade Ré dos anos subsequentes, assim como as contas do exercício do ano de 2006, aprovadas em assembleia geral de sócios em março de 2007, não deixam de se projetar nas contas do exercício do ano de 2006 e assim sucessivamente.
No entanto, reafirma-se, porque os presentes autos não se destinam a anular as deliberações da assembleia geral de sócios que aprovaram essas contas, caso durante esses exercícios tenha ocorrido a mencionada confusão entre património social e património pessoal dos sócios ocorridos nesses exercícios anteriores, esse facto poderá inviabilizar que perante o diferendo surgido entre os sócios na assembleia geral que teve lugar com vista à apresentação e à aprovação das contas dos exercícios dos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, que foram elaboradas pelos peritos nos presentes autos em sede de segunda perícia, que estas possam ser aprovadas.
Quanto às contas do exercício do ano de 2006, apesar de ao apelante assistir o direito a que lhe sejam prestadas as informações identificadas nos arts. 23º a 26º, 28º a 30º e 32º da petição inicial, respeitantes ao período que se estende a partir de julho de 2006, tudo conforme foi determinado na sentença proferida a fls. 394 a 407, transitada em julgado, uma vez que é à assembleia geral de sócios que, nos termos do disposto no art. 246º, n.º 1, al. e) do CSC, incumbe aprovar as contas do exercício, tendo o apelante e a apelada M. M., únicos sócios da sociedade Ré aprovado as contas de exercício desta do ano de 2006, em assembleia geral que teve lugar em 31 de março de 2007 (ponto 1.26 dos factos provados na sentença de fls. 394 a 407), prestadas aquelas informações identificadas nos arts. arts. 23º a 26º, 28º a 30º e 32º da petição inicial, respeitantes ao período que se estende a partir de julho de 2006, porque os presentes autos não se destinam, reafirma-se, a invalidar a deliberação da assembleia geral de sócios que aprovou aquelas contas do exercício do ano de 2006, sequer a corrigir essas contas (e ao que tudo indica, as contas dos exercícios de 2007 e 2008, que também terão sido aprovadas pelo apelante e pela apelada M. M. em sede de assembleia geral de sócios, tanto assim que aquele apenas acusa a última de não ter apresentado as contas dos exercícios dos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012), prestadas essas informações, aquela confusão de patrimónios poderá inviabilizar a aprovação das contas dos exercícios de 2009, 2010, 2011 e 2012.
Deste modo, todas as ilegalidades que eventualmente ocorreram nas contas aprovadas em assembleia geral da sociedade Ré referente ao exercício do ano de 2006 (e eventualmente nas também aprovadas em assembleia geral de sócios relativos aos exercícios dos anos de 2007 e 2008) e/ou nos exercícios dos anos anteriores a 2006, decorrente das eventuais confusões entre património social e património pessoal dos sócios poderão impedir e, em princípio, impedirão que se possa aprovar as contas dos exercícios dos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, mas não constituem fundamento legal para que no âmbito dos presentes autos se ignore aquelas deliberações que aprovaram as contas dos exercícios anteriores e que se projetem nestas, e muito menos, que se corrija as contas desses exercícios anteriores, aprovadas em assembleia geral.
Avançando. Estando apurado que a sociedade Ré é titular do veículo automóvel de matrícula OB, dos quatro computadores e das estantes de escritório que se encontram identificados no art. 30º da p.i. (ponto 1.20 dos factos provados na sentença transitada em julgado, de fls. 394 a 407), os factos a indagar pelo tribunal a quo e a julgar como provados ou não provados, perante a informação prestada pela apelada M. M. a fls. 409 e segs., prende-se apenas com a determinação do paradeiro desses bens.

Note-se que contrariamente ao que é a posição do apelante, que a propósito do identificado veículo automóvel, acusa a apelada M. M. de ter vendido este por um valor irrisório, originando uma menos valia fiscal de 7.149,00 euros e uma mais valia fiscal de apenas 4.649,00 euros, e quanto à dívida ao IEFP, acusa a última de fruto da sua atuação enquanto gerente de facto e de direito da sociedade Ré ter deixado aumentar essa dívida e que acabasse por ser instaurada execução fiscal contra a sociedade Ré, no âmbito do qual vieram a ser penhorados os bens identificados no ponto 1.20 dos factos provados na sentença de fls. 394 a 407, da eventual violação das obrigações legais e/ou contratuais pela apelada M. M. enquanto gerente da sociedade Ré não cuidam os presentes autos, pelo que que tudo o quanto alegado vem pelo apelante a propósito dessas pretensas condutas ilícitas da apelada M. M. enquanto gerente da sociedade Ré não faz parte do objeto dos mesmos, devendo aquele, querendo, exercer os seus direitos ou os da sociedade Ré contra a apelada M. M. noutra sede, que não os presentes autos, designadamente, no âmbito das ações a que aludem os arts. 71º e segs. do CSC que eventualmente venha a instaurar, se naturalmente estiver em tempo e disponha de legitimidade para tal.

Finalmente, pretendendo o apelante ser informado se a sociedade Ré é devedora de outros débitos a outras entidades e/ou terceiros, os factos que incumbirá à 1ª Instância indagar e que, por conseguinte, terá de julgar como provados ou não provados na sentença a proferir, face às informações prestadas pela apelada M. M. a fls. 409 e segs., respeitam unicamente se ocorrem ou não os débitos identificados pela apelada, qual o respetivo montante e origem e se os mesmos se encontram ou não inscritos na contabilidade da sociedade Ré, nomeadamente, nas contas dos exercício do ano de 2006 ou exercícios dos anos anteriores ou posteriores, cujas contas tenham sido apresentadas e aprovadas em assembleia geral de sócios daquela sociedade. A tratar-se de débitos da sociedade Ré surgidos em exercícios anuais posteriores à aprovação das contas pela assembleia geral, se dos autos consta o necessário suporte documental que permita dar como provados esses pretensos débitos da sociedade Ré para com esses pretensos credores.

Quanto às contas do exercício dos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, essas contas foram elaboradas pelos peritos, a mando do tribunal, na sequência da sentença proferida a fls. 394 a 395.

Conforme referido, o relatório de gestão, as contas do exercício e os documentos de prestação de contas carecem de ser aprovados por deliberação dos sócios (art. 246º, n.º 1, al. e) do CSC), devendo para o efeito, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 67º, a pessoa nomeada pelo tribunal para elaborar aquelas contas convocar a assembleia geral da sociedade Ré para apreciar e aprovar as mesmas.

No caso dos autos, a assembleia geral de sócios da sociedade Ré não foi convocada pelos peritos que realizaram a segunda perícia, mas pela apelada M. M., por determinação do tribunal (cfr. despacho de fls. 1357), sem que daqui se extraia qualquer ilegalidade, designadamente, face à natureza de processo de jurisdição voluntária dos presentes autos.

As contas dos exercícios de 2009, 2010, 2011 e 2012 que foram submetidas à apreciação e aprovação da assembleia geral de sócios da sociedade Ré foram as que constam dos relatório pericial elaboradas pelos peritos em sede de segunda perícia e esclarecimentos por estes prestados.
Acontece que tendo o apelante recusado aprovar essas contas na assembleia geral da assembleia da sociedade Ré que teve lugar no dia 01 de março de 2017, acabando as mesmas por não ser aprovadas, a questão sobre a qual incumbe a 1ª Instância debruçar-se e julgar como provada ou não provada a pertinente factualidade, prende-se em saber se os fundamentos de facto aduzidos pelo apelante para recusar a aprovação dessas contas dos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012 na assembleia geral, procedem ou improcedem, relembrando-se que dos factos ocorridos até julho de 2006, data até à qual a gerência de facto e de direito da sociedade Ré era exercida pelo apelante e pela apelada M. M., não cuidam os presentes autos que as contas que tenham sido aprovadas em relação ao exercício do ano de 2006, aprovadas em março de 2007 (e as que eventualmente tenham sido aprovadas naquela assembleia geral em relação aos exercícios anuais dos anos posteriores, designadamente, de 2007 e 2008) se projetam necessariamente nos exercícios anuais subsequentes, não podendo, por isso, ser ignoradas nos presentes autos, sequer neles ser corrigidas pelos peritos, pelo que qualquer ilegalidade que as afete e que se projete nas contas dos exercícios dos anos de 2009, 2010, 2011 e/ou 2012, designadamente, fruto da eventual confusão entre o património da sociedade e o pessoal dos sócios, impedirá, em princípio, a respetiva aprovação.

Reafirma-se, os presentes autos de inquérito judicial não se destinam a invalidar as deliberações das contas dos exercícios que tenham sido aprovadas pela assembleia geral da sociedade Ré, sequer a discutir eventuais incumprimentos das obrigações legais e/ou contratuais da apelada M. M. enquanto gerente de facto e de direito exclusiva da sociedade Ré a partir de julho de 2006.

Nos presentes autos não é função dos senhores peritos, na elaboração do relatório de gestão, das contas do exercício e dos demais documentos de prestação de contas respeitantes aos exercícios dos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, ignorarem as contas do exercício do ano de 2008 que tenham sido aprovadas pela assembleia geral de sócios da sociedade Ré (ou dos exercícios anteriores) que se projetem naquelas, ou perante a constatação de que as contas do exercício do ano de 2008 (e/ou dos exercícios dos anos anteriores), aprovadas em assembleia geral de sócios, padecem de eventuais ilegalidades decorrentes, designadamente, da eventual confusão ocorrida entre patrimónios social e pessoal dos sócios gerentes, procederem à correção dessas contas dos exercícios do ano de 2008 (e/ou dos exercícios dos anos anteriores), aprovadas em assembleia geral, substituindo-se a essa assembleia geral de sócios, com vista a que essas ilegalidades não transitem para as contas dos exercícios dos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, como que ignorando que é à assembleia geral de sócios da sociedade Ré que incumbe aprovar as contas e que os presentes autos não se destinam a invalidar as deliberações dessa assembleia que aprovaram aquelas contas relativas aos exercícios dos anos anteriores, sequer a corrigir essas deliberações.

Aqui chegados e esclarecidos que estão, a nosso ver, os múltiplos equívocos em que incorreram as partes, principalmente, o apelante a propósito do objeto dos presentes autos, impõe-se concluir pela procedência da presente apelação, anulando-se a sentença recorrida por total ausência de fundamentação da matéria de facto e determinar a baixa dos presentes autos à 1ª Instância para que, nos termos do disposto nos arts. 662º, n.º 2, al. c) e 607º, n.ºs 3 e 4 do CPC, profira nova sentença, em que declare quais os concretos factos que julga provados e quais os que julga não provados, proceda à discriminação dos factos julgados provados, seguindo-se a motivação do julgamento de facto que realize e a posterior subsunção jurídica desses factos provados e não provados ao direito aplicável, com a prolação de novo dispositivo.
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Decisão:

Nestes termos, os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a presente apelação procedente e, em consequência:

- anulam a sentença recorrida por total ausência de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão de mérito nela proferida (de aprovação das contas) e determinam a baixa dos presentes autos à 1ª Instância, para que, nos termos do disposto nos arts. 662º, n.º 2, al. c) e 607º, n.º s 3 e 4 do CPC, profira nova sentença, onde declare quais os concretos factos julgados provados e quais os que julga não provados e proceda à discriminação dos factos considerados provados, seguindo-se a motivação do julgamento de facto que realize e a subsequente subsunção jurídica desses factos (provados e não provados) ao direito aplicável, com a prolação de novo dispositivo.
*
Custas pela apelada M. M. (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Notifique.
*
Guimarães, 23 de janeiro de 2020
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores:

Dr. José Alberto Moreira Dias (relator)
Dr. António José Saúde Barroca Penha (1º Adjunto)
Dr. José Manuel Alves Flores (2º Adjunto)



1. Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, pág. 348.
2. Lebre de Freitas, “A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 3ª ed., Coimbra Editora, pág. 332.
3. Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Código Processo Civil”, Lex, 1997, págs. 70 a 75, onde se pondera serem “factos essenciais” aqueles “que integram a causa de pedir ou o fundamento da exceção e cuja falta determina a inviabilidade da ação ou da exceção”, tratando-se daqueles factos que “permitem individualizar a situação jurídica alegada na ação ou na exceção”. “Os factos essenciais são necessários à identificação da situação jurídica invocada pela parte e, por isso, relevam, desde logo, na viabilidade da ação ou da exceção. (…). É por isso que, quando respeitante ao autor, a falta de alegação dos factos essenciais se traduz na ineptidão da petição inicial por inexistência de casa de pedir”. Por sua vez, são “factos complementares ou concretizadores aqueles cuja falta não constitui motivo de inviabilidade da ação ou da exceção, mas que participam de uma causa de pedir ou de um exceção complexa e que, por isso, são indispensáveis à procedência dessa ação ou exceção”. (…) “…a ausência de um facto complementar não implica qualquer inviabilidade ou ineptidão, mas importa a improcedência da ação”.
4. Teixeira de Sousa, in ob. cit., pág. 72, em que pondera serem “factos instrumentais” aqueles que “são utilizados para realizar a prova indiciária dos factos principais, isto é, esses factos são aqueles de cuja prova se pode inferir a demonstração dos correspondentes factos principais. Portanto, o âmbito de aplicação dos factos instrumentais coincide com o da prova indiciária, pelo que esses factos não possuem qualquer relevância na prova histórica ou representativa. (…) se, pelo contrário, o autor requerer a prova pericial para determinar, em função do estado em que ficou a veículo, a velocidade a que ele circulava no momento do acidente, aquela parte utiliza um facto instrumental (que é o estado do automóvel depois do acidente) para demonstrar o objeto da prova (que é o referido excesso de velocidade)”.
5. Abrantes Geraldes, “Sentença Cível”, janeiro de 2014, pág. 12.
6. Paulo Pimenta, “Processo Civil Declaratório”, 2014, Almedina, pág. 321, onde se lê: “… a sentença tem de indicar tanto os factos provados como os factos não provados, o que releva até para a eventual impugnação da decisão da decisão sobre a matéria de facto: nisso consiste a declaração a que alude o n.º 4 do art. 607º. O que sucede é que os factos provados a declarar como tal devem ter uma referência própria e autónoma: aí reside a discriminação dos factos provados imposta pelo n.º 3 do art. 607º. Quer isto significar que o elenco dos factos provados vale, em simultâneo, como resultado do julgamento de facto e como a fundamentação de facto da própria sentença”.
7. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., pág.707.
8. Miguel Teixeira de Sousa, ob. cit., pág. 348.
9. Ac. RG. de 22/03/2007, Proc. 173/07-1, in base de dados da DGSI.
10. Paulo Pimenta, ob. cit., pág. 325.
11. Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, vol. II, Almedina, pág. 370; Lebre de Freitas, in ob. cit., pág. 332; Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., Janeiro de 2014; pág. 736; e a título exemplificativo, Acs. STJ. de 14/11/2006, Proc.06A1986; de 17/04/2017, Proc. 07B418; R.C. de 16/10/2012, Proc. 127963/11.1YIPRT.C1; RE. de 03/07/2014, Proc. 569/13.0TTFAR.E1; RG. de 14/05/2015, Proc. 853/13.2TBGMR.G1, todos in base de dados da DGSI.
12. Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI.
13. Ac. RC de 20/01/2015, Proc. 2996/12.0TBFIG.C1, in base de dados da DGSI, onde se lê: “Apesar de atualmente o julgamento da matéria de facto se conter na sentença final, há que fazer um distinguo entre os vícios da decisão de matéria de facto e os vícios da sentença, distinção de que decorre esta consequência: os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença, considerando além do mais o caráter taxativo da enumeração das situações de nulidade deste último ato decisório. Realmente a decisão da matéria de facto está sujeito a um regime diferenciado de valores negativos – deficiência, obscuridade ou contradição – a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação: qualquer destes vícios não é causa de nulidade da sentença, antes é suscetível de dar lugar à atuação pela Relação dos seus poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto da 1ª Instância”. No mesmo sentido Ac. RL. de 29/10/2015, Proc. 161/09.3TCSNT.L1-2, na mesma base de dados da DGSI. Também Ac. STJ, de 24/02/2005, Proc. 04B4594, na mesma base: “A fundamentação a que alude o n.º 2 do art. 653º do CPC não se confunde com a fundamentação a que alude o art. 659º, n.ºs 2 e 3 do mesmo Código, sendo certo que as consequências para a sua omissão num caso e noutro são também diferentes: - no 1º caso, poderá a Relação ordenar a baixa do processo, (…), nos termos e para os fins do n.º 5 do art. 712º do CPC; - no 2º caso, se a falta de fundamentação for absoluta, ocorrerá a nulidade prevista na al. b) do art. 668º do CPC”. Ainda José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 3ª ed. Almedina, págs. 707 e 708: “.. a deslocação da decisão de facto e da sua fundamentação para a sentença não afasta a distinção entre o que interessa à fundamentação da decisão final (os factos principais que hajam sido provados, os quais têm de ser discriminadamente descritos) e o que interessa à fundamentação da (logicamente) anterior decisão de facto (as razões da íntima convicção judicial, com a explicação da inerente passagem da prova dos factos instrumentais à prova dos factos principais da causa, bem como a justificação da falta de prova dos factos não provados, sem necessidade de os referir discriminadamente)…Sendo a decisão de facto deficiente, obscura ou contraditória, a Relação, em recurso, oficiosamente ou a requerimento da parte, conhece o vício, anulando a decisão (art. 662-2-c); havendo falta de fundamentação, a Relação determina que o tribunal de 1ª instância fundamente a decisão (art. 662º-2-d), …”, acrescentando a fls. 733 e 734, que “…atualmente a sentença contém tanto a decisão sobre a matéria de direito como a decisão sobre a matéria de facto (cfr. o art. 607-4), pelo que os vícios da sentença não se autonomizam hoje dos vícios da decisão sobre a matéria de facto, diversamente do que antes sucedia. Esta circunstância, se não justifica a aplicação, sem mais, do regime do art. 615º à parte da sentença relativa à decisão sobre a matéria de facto – desde logo porque a invocação de vários dos vícios que a esta dizem respeito é feita nos termos do art. 640º e porque a consequência desses vícios não é necessariamente a anulação do ato (cfr. os n.ºs 2 e 3 do art. 662º) -, obriga, pelo menos, a ponderar, caso a caso, a possibilidade dessa aplicação”.
14. Neste sentido Ac. RC. de 19/02/2013, Proc. 618/12.9TBTNV.C1, in base de dados da DGSI. No mesmo sentido Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 293 a 295, em que escreve: “Outras decisões podem revelar-se total ou parcialmente deficientes, obscuras ou contraditórias, resultante da falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares, da sua natureza ininteligível, equívoca ou imprecisa ou reveladora de incongruências, de modo que conjugadamente se mostre impedido o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso. Verificado algum dos referidos vícios, para além de serem sujeitos a apreciação oficiosa da Relação, esta poderá supri-los a partir dos elementos que constam do processo ou da gravação(…). Pode ainda revelar-se uma situação que exija a ampliação da matéria de facto (…). Todavia, considerando que a reavaliação da pertinência é feita agora pela Relação, a possibilidade de anulação do julgamento para ampliação da matéria de facto deve ser encarada com rigor acrescido e reservada para os casos em que se revele indispensável. Não basta que os factos tenham conexão com alguma das “soluções plausíveis da questão de direito”. Considerando a fase em que agora nos encontramos, a Relação deve ponderar o enquadramento jurídico em face do objeto do recurso ou de outros elementos a que oficiosamente puder atender, contando também com o que possa esperar-se de uma intervenção do Supremo ao abrigo do disposto no art. 682º, n.º 3. Por outro lado, tal como sucede com as anteriores situações, a anulação da decisão da 1ª instância apenas deve ser decretada se não constarem do processo todos os elementos probatórios relevantes. Ao invés, se estes estiverem acessíveis, a Relação deve proceder à sua apreciação e introduzir na decisão da matéria de facto as modificações que forem consideradas oportunas. Em qualquer dos casos, a anulação do julgamento deve ser sempre uma medida de último recurso, apenas legítima quando de outro modo não for possível superar a situação, por forma a fixar com segurança a matéria de facto provada e não provada (…)”.
15. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, págs. 69 e 70.
16. Ac. RC. de 01/02/2000, CJ, t. 1º, pág. 16.
17. Ac. RC. de 2/12/2008, CJ., t. 5º, pág. 28.
18. Ac. RP. de 12/04/2011, Proc. 941/07.4TMPRT-B.P1, in base de dados da DGSI.
19. Ac. RL. de 15/04/1999, CJ. T. 2º, pág. 106.
20. Ana Prata, “Dicionário Jurídico”, vol. I, 5ª ed., Almedina, pág.1272.
21. Teixeira de Sousa, ob. cit. “Estudos…”, págs. 324 a 333.
22. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, pág. 305.
23. Ac. STJ. de 03/04/1963, Proc. 058690, in base de dados da DGSI.
24. Ac. RP. de 24/09/2012, Proc. 1011/08.3TTVFR.P1, in base de dados da DGSI.
25. Manuel Andrade, ob. cit., pág. 194.
26. Manuel Andrade, ob. cit., pág. 262.
27. Acs. RG. de 31/10/2019, Proc. 33627/18.4YIPRT.G1; RL. de 08/06/2011, Proc. 227/09.0TTCDL.L1-4; RP de 24/09/2012, Proc. 1011/08.3TTVFR.P1; TCAN de 30/04/2013, Proc. 00944/04.0BEPRT, todos in base de dados da DGSI.
28. Ac. RG. de 31/10/2018, Proc. 32/18.2T8BCG.G1, in base de dados da DGSI; no mesmo sentido Ac. RL. de 17/12/1992, CJ., t. V, págs. 148 a 150.
29. Paulo Olavo da Cunha, “Direito das Sociedades Comerciais”, 7ª ed., Almedina, págs. 391 e 392.
30. Carlos Maria Pinheiro Torres, “Direito à Informação nas Sociedades Comerciais”, Almedina, 1998, pág. 174.
31. Raul Ventura, “Sociedade por Quotas”, I, pág. 305.
32. Carlos Maria Pinheiro Torres, ob. cit., págs. 178 e 179. Na jurisprudência, Ac. RL. 07/02/2002, Proc. 0002348; RP de 2/12/2002, Proc. 0251491, in base de dados da DGSI.
33. Abílio Neto, “Notas Práticas ao Código das Sociedades Comerciais”, pág. 305. Neste sentido Ac. RL. de 02/12/1992, CJ. T. 5º, págs.129 a 131.
34. Carlos Maria Pinheiro Torres, ob. cit., págs. 199 e 200.
35. Carlos Pinheiro Torres, ob. cit., págs. 207 a 210.
36. Paulo Olavo da Cunha, ob. cit., págs. 946 a 954.
37. Tese de Mestrado de Cláudia Sofia Monteiro Pereira, intitulada “A Prestação de Contas e o Regime Especial da Invalidade das Deliberações”, julho de 2014, in internet.
38. Ac. RL. de 18/06/2019, Proc. 4701/18.3T8LSB.L1-1, in base de dados da DGSI.
39. Acs. RG. de 23/01/2014, Proc. 114/12.4TBPTL.G1; de 31/10/2018, Proc. 32/18.2T8BCG.G1; RP, de 22/01/2001, Proc. 00029859, in base de dados da DGSI.
40. Paulo Olavo da Cunha, “Direito das Sociedades Comerciais”, 7ª ed., Almedina, pág. 411.