Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
248/07.7GAFLG.G1
Relator: MARIA AUGUSTA
Descritores: RELATÓRIO DA SENTENÇA
FACTOS PROVADOS
FACTOS NÃO PROVADOS
FACTOS RELEVANTES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/17/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO PROCEDENTE
Sumário: I) Do preceituado no artº 374º, nº 2 do CPP, não resulta exigível que os factos provados e não provados sejam ipsis verbis os da acusação ou da contestação.
II) E muito embora a lei não distinga entre a enumeração dos factos provados e não provados, a verdade é que enquanto relativamente aos primeiros é exigível a sua especificação minuciosa, já relativamente aos segundos nada impede que a sua indicação seja feita de forma mais genérica, desde que resulte inequívoco que o tribunal os apreciou.
III) Todavia o que importa é que os factos sejam relevantes para a decisão da causa. E relevantes serão todos os factos essenciais à caracterização do crime ou integradores de causas de exclusão.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães.

No processo comum singular nº248/07.7GAFLG, do 2º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Felgueiras, foi o arguido JOAQUIM M... condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artº143º, nº1 do C.P., na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 5,00.
Foi ainda condenado a pagar:
- ao ISSS a quantia de € 1 403,13, acrescida de juros de mora, vencidos desde 09/06/08 e até integral pagamento, á taxa anula de 4%;
- ao demandante Carlos P..., a quantia de € 2 824,21.


Inconformado, o arguido interpôs recurso, terminando a sua motivação com conclusões donde se extrai serem as seguintes as questões a decidir:
1. Saber se foi incorrectamente julgada a matéria de facto provada sob os nºs1 (parte final), 2, 3, 5, 9 e 10 e o §2º dos não provados;
2. Saber se o arguido agiu em legítima defesa;
3. Saber se assim se não entendendo, o arguido deve ser dispensado de pena;
4. Saber se o pedido civil de indemnização deve ser julgado improcedente.
*****

Admitido o recurso a ele respondeu o MºPº que conclui pela sua improcedência.

*****

A Exmª Procuradora–Geral Adjunto nesta Relação pronunciou-se no mesmo sentido.

*****

Foi cumprido o disposto no artigo 417º n.º 2 do C.P.P..

*****

Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre decidir:


Antes de iniciar o conhecimento das questões levantada no recurso e acima enunciadas, começaremos pela apreciação de uma questão prévia, de conhecimento oficioso que é a da nulidade da sentença nos termos do nº1 al.a) do artº379º do C.P.P.:
Nos termos do artº374º nº2 do C.P.P., a sentença começa por um relatório, ao qual se segue a fundamentação ...que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.” (sublinhado nosso).
A fundamentação compõem-se de três partes distintas:
- a enumeração dos factos provados e não provados;
- a exposição dos motivos que fundamentam a decisão;
- a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal Cfr. Germano Marques da Silva – Curso de Processo Penal – Vol.III, pág.292..
Quanto aos factos provados e não provados, devem indicar-se todos os que constam da acusação e da contestação, “quer sejam substanciais quer instrumentais ou acidentais, e ainda os não substanciais que resultarem da discussão da causa e que sejam relevantes para a decisão e também os substanciais que resultarem da discussão da causa, quando aceites nos termos do art.359º, nº2”. O que importa é que os factos sejam relevantes para a decisão da causa. E relevantes serão todos os factos essenciais à caracterização do crime ou integradores de causas de exclusão. Como é óbvio, os factos inócuos não têm que fazer parte dessa indicação e os conceitos de direito e as conclusões de facto, quer constem da acusação quer da contestação, não podem dela fazer parte.
Não é, obviamente, exigível que os factos provados e não provados sejam ipsis verbis os da acusação ou da contestação.
Acresce que embora a lei não distinga entre a enumeração dos factos provados e não provados, entendemos que enquanto relativamente aos primeiros é exigível a sua especificação minuciosa, já relativamente aos segundos nada impede que a sua indicação seja feita de forma mais genérica, desde que resulte inequívoco que o tribunal os apreciou.
Ora, no caso, quanto aos factos não provados a MMª Juiz consignou o seguinte:
Não se provaram quaisquer outros factos constantes do pedido cível do ofendido que estejam em contradição com os assentes e que tenham relevância para a decisão da causa, designadamente:
- que o ofendido perdesse de remuneração 1.294,87 euros.
- que o arguido ao agredir o ofendido tivesse em vista evitar uma agressão deste.
- que o arguido não desferisse o pontapé na mão do queixoso.

A indicação dos factos não provados é feita especificadamente em relação a uns e de forma genérica relativamente aos demais mas apenas os relativos ao pedido civil de indemnização do ofendido e não também aos da contestação.
Nada haveria a criticar a que a indicação dos factos não provados fosse feita de forma genérica se resultasse inequivocamente que o tribunal apreciou, para além dos alegados no pedido de indemnização civil, todos os factos integradores de causa de exclusão alegados na contestação. Mas não. Apesar de sob os nºs7, 9, 10, 11 e 12 desta peça se alegarem factos relevantes para a decisão da causa, não resulta inequivocamente que o Tribunal a quo os apreciou Atente-se, designadamente, a fundamentação de facto..
Dado tais factos se mostram essências para a decisão, a sentença é nula, nos termos do artº379º nº1 al.a) do C.P.P..
O suprimento da apontada nulidade poderá bastar-se com a reformulação da sentença nos termos acima indicados – especificando se os factos referidos ficaram ou não provados.
Contudo, é à MMª Juiza a quo que competirá decidir se para suprir a apontada nulidade precisa ou não de repetir o julgamento ou se ainda está na posse dos elementos que lhe permitam fazê-lo sem a tal recorrer.


*****

DECISÃO:
Pelo exposto e em conclusão, julga-se procedente o recurso, embora com fundamento diferente do invocado pelo recorrente e, consequentemente, anula-se a sentença recorrida para que o Tribunal a quo reformule a decisão da matéria de facto, completando-a com a dos factos indicados como tendo ficado provados ou não provados ou, caso entenda necessário, a realização de novo julgamento.
Sem tributação.

*****
Guimarães, 17/05/2010