Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
589/15.0T8VNF-A.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: MÚTUO BANCÁRIO
AMORTIZAÇÃO
PRESTAÇÕES PERIÓDICAS
JUROS REMUNERATÓRIOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I- No mútuo bancário, em que o reembolso da dívida foi objecto de um plano de amortização, composto por diversas quotas, que integram uma parcela de capital e outra de juros remuneratórios, que se traduzem na existência de várias prestações periódicas, com prazos de vencimento autónomos, cada uma destas prestações mensais encontrar-se-á sujeita ao prazo prescricional privativo de cinco anos, previsto na al. g), do artigo 310º, do CC.

II- Mas sem em caso de incumprimento, o mutuante considerar vencidas todas as prestações, ficando sem efeito o plano de pagamento acordado, os valores em divida voltam a assumir em pleno a sua natureza original de capital e de juros, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: BCP-SA.

Recorrido: AA.

Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão – Juízo de Execução, J1.

AA., co executado na execução ordinária que BCP-SA moveu contra BB, veio intentar os presentes embargos de executado, invocando a excepção da prescrição dos juros e das quotas de amortização de capital, pagáveis com os juros, com fundamento no estatuído no art.º 310.º, al d) e e) do CC.

A embargada contestou, alegando que o prazo prescricional aplicável aos presentes anos é de 20 anos, nos termos do art.º 309.º do Código Civil.

Por se considerar reunir o processo todos os elementos necessários para ser proferida decisão, foi proferido despacho saneador no qual se decidiu nos seguintes termos:

- Julgo totalmente procedentes os presentes embargos de executados, determinando, em consequência, a extinção da execução de que estes autos constituem um apenso.

Inconformados com tal decisão, apela o Embargado, e, pugnando pela respectiva revogação, formula nas suas alegações as seguintes conclusões:

a) O aqui Recorrente/ Embargado “BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS SA.” Instaurou a execução nos autos de que estes são apensos contra a BB peticionado o pagamento do valor liquido de € 10.251,69 correspondente ao capital não amortizado dos empréstimos contraídos e peticionando o valor dependente de simples calculo aritmético de € 6.008,19 correspondente aos juros de mora á taxa convencionada de 6,935% acrescida da sobretaxa de 4% por causa da mora, juros de mora esses acrescidos do imposto de selo, devidos desde a data da constituição da mora, que conforme refere e alega no requerimento executivo corresponde para este efeito e para os fins da execução, à data em que o imóvel hipotecado foi adjudicado ao aqui exequente por conta da divida – 15 de Julho 2009 – e a data de entrada em juízo do requerimento executivo (16.01.2015).

Reclamou ainda os juros vincendos, á taxa e sobretaxa referidas, sobre o valor liquido indicado, com o acréscimo do imposto de selo e até efectivo e integral pagamento.

b) Na sequência da remessa do Tribunal da Relação dos autos à primeira instância, a fim do Tribunal a quo se pronunciar sobre a nulidade suscitada quanto á prescrição do capital e juros, o douto Tribunal “a quo” proferiu sentença que julgou os embargos de executado intentados por CARLOS MIGUEL FERREIRA DE ABREU, totalmente procedentes determinando, em consequência a extinção da execução de que estes autos constituem apenso.

c) A Meritíssima juiz a quo julgou procedente a invocada excepção peremptória da prescrição dos juros e capital, considerando aplicável a alínea d) e) do artigo 310 do C. C.

d) Decidiu a douta sentença recorrida que no caso vertente, o prazo prescricional de 5 anos aplicável quanto aos juros peticionados pela exequente, apenas foi interrompido com a citação do embargante que ocorreu em 04 de Abril de 2015

e) Não se concorda com a douta sentença recorrida quando determina estar prescritos os juros até a citação, pois a estarem prescritos seriam os juros peticionados para além dos cinco anos, ou seja, os juros peticionados de 15 de Junho de 2009 a 04 de Abril de 2010 e já não os peticionados desde esta data até á referida citação.

f) Os juros peticionados de 04 de Abril de 2010 a 04 de Abril de 2015 não estão prescritos e são devidos.

g) A existir prescrição dos juros, para além dos cinco anos, então a divida, poderá ser reduzida, na parte em que excedeu os 5 anos.

h) A douta sentença Recorrida, declarou ainda a prescrição do Crédito do Banco/ Embargado ora Recorrente respeitante ao capital não amortizado, com os seguintes fundamentos:

“Foi dado como provado que com a adjudicação do bem imóvel na execução fiscal ficou parcialmente paga a quantia em divida, ficando por amortizar a quantia de capital de € 10.251,69.2

“ Resulta dos factos provados que, o montante em divida resulta de uma concessão de crédito titulada por três escrituras públicas, conforme se deu por assente e, que possibilitaram aos seus subscritores a aquisição de bens e serviços através do crédito concedido”.

“ A quantia mutuada deverá ser restituída em 336 prestações, a contar do dia 25 de Janeiro de 2005.”

“Sendo assim, o débito concretiza-se numa quota de amortização mensal e enquadra-se na previsão legal do disposto no artigo 310º al. e) do Código Civil, porquanto engloba capital e juros, tendo-se convertido em várias prestações periódicas mensais, de uma quantia global que foi fraccionada.”

i) Ora, s.m.o, a douta sentença recorrida, fez, assim, uma errónea aplicação do Direito aos factos. Vejamos,

j) Conforme acordado e convencionado nas alíneas b) das cláusulas nonas das escrituras de Mútuo com Hipoteca:

A presente Hipoteca poderá ser executada “ se o imóvel ora hipotecado vier a ser alienado, onerado, arrendado, objecto de arresto, execução ou de qualquer outro procedimento cautelar ou acção judicial, caso em que se consideram igualmente vencidas e exigíveis as obrigações que assegura”

k) Face á penhora e venda do imóvel hipotecado na execução fiscal, o banco exequente considerou vencida toda a divida, ficando sem efeito o plano prestacional acordado, voltando os valores em divida a assumir em pleno a sua natureza de capital e de juros e ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos – vide a este propósito o douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26/04/2016.

l) A obrigação exequenda não é subsumível à alínea e) do artigo 310º do Código Civil mas sim ao artigo 309º do C.C e 311º do C.C.

m) Serviu de Titulo executivo nos autos de execução de que estes são apensos as duas escrituras públicas de Contratos de Mútuo.

n) A alínea e) do artigo 310º, do código Civil não se aplica ao caso “sub judice”, pois estamos na presença de uma única obrigação (para cada contrato de empréstimo) que, embora passível de ser fraccionada e diferida no tempo, jamais se pode ser equiparada a uma prestação periódica, renovável e cuja constituição depende do decurso do tempo.

o) Os mútuo bancários, independentemente das várias formas que possam revestir – no caso em apreço um crédito á habitação -, nunca prescrevem antes de decorridos, pelo menos, 20 anos, é a chamada “prescrição ordinária “ (artigo 309 do Código Civil).

p) Não podemos confundir, a divida de capital, com a divida da remuneração do capital, os juros. A primeira prescreve no prazo de 20 anos e a segunda poderá na eventualidade da divida de juros ser superior a cinco anos, sofrer uma penalização que pode ocorrer para o credor/mutuante em relação à remuneração de capital, por não ter exercido o seu direito mais cedo, devido á arguição da prescrição.

q) No caso em apreço estando a divida incorporada em títulos executivos - escrituras públicas – documentos exarados por notário que importam a constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação (vide nº 1 alínea b) do artigo 703º do C.P.C., fica a mesma sujeita ao prazo ordinário de prescrição, nos termos do 311º nº 1 do C.C não se aplicando a alínea e) do artigo 310ºC.C .

r) E ainda, o Banco exequente ora Recorrente foi notificado da sentença de graduação de créditos proferida na execução fiscal, por carta datada de 12.11.2009

s) Em 14 de Janeiro de 2011, foram elaboradas as custas/ liquidação em jugado, tendo o Banco sido pago em 27.01.2011, ainda que parcialmente, pelo valor de 97.456,82, resultante do produto da venda/adjudicação do imóvel hipotecado.

t) Ficando por pagar e amortizar € 10.251,69 correspondente ao capital não amortizado dos empréstimos contraídos

u) Pelo que, mesmo não considerando o prazo de prescrição ordinário de 20 anos aplicável ao caso sub judice - o que só por mera hipótese académica se coloca - sempre o facto de terem sido reclamados créditos com base nas garantias hipotecárias que os garantem – na execução fiscal, levam a que se tenha interrompido o prazo de prescrição.

v) Desta forma, a interrupção inutiliza para efeitos da prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo.

w) E dispõe o artigo 327º C.C., que se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.

x) A douta sentença recorrida, fez, assim, uma errónea aplicação do Direito aos factos, na parte que diz respeito á prescrição, pois a factualidade impunha ao Tribunal que a oposição fosse julgada nesta parte improcedente.

y) Defende também a douta sentença recorrida que a alegada prescrição aproveita os demais executados.

z) Ora não é claramente o que determina o artigo 303 do C.C. “ O tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extra judicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público”

aa) Apenas o Executado / recorrido BB, deduziu oposição à execução e invocou a prescrição, nenhum dos restantes executados deduziu oposição á execução ou invocou por qualquer forma a prescrição.

bb) Ora a prescrição para ser eficaz necessita de ser invocada e não o foi pelos restantes executados pelo que não aproveita os mesmos.

cc) Acresce que, nunca a douta sentença recorrida poderia julgar extinta a execução como o fez.

dd) Ao ter decidido como decidiu, a Meritíssima Juíza a quo violou, entre outras, as normas dos artigos 309º, 311º nº 1, 303º e 327º do Código Civil.

*

O Apelado apresentou contra alegações concluindo pela improcedência da apelação interposta.

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Colhidos os vistos, cumpre decidir.

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II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidendas são, no caso, as seguintes:

- Analisar da verificação da invocada excepção peremptória da prescrição dos juros e das quotas de amortização pagável com os juros em causa.

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III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

A- A factualidade dada como provada na decisão recorrida é a seguinte:

1 - Na execução de que estes autos constituem um apenso foi apresentada à execução uma escritura pública denominada “Transferência de Hipoteca e Fiança”, data de 10/01/2005, na qual a devedora BB se confessou devedora à exequente da quantia de € 68.298,33, e uma outra escritura da mesma data, em que se declarou devedora do valor de € 85.475,36, e uma outra escritura, também do mesmo dia, em que se declarou devedora da quantia de € 52.617,30.

2 - Foi interposta contra a executada uma execução fiscal n.º 0353, que correu termos no Serviço de Finanças de Barcelos e onde foi penhorado o imóvel hipotecado ao banco mutuante, aqui exequente.

3 - Em tal execução fiscal, a aqui exequente reclamou os seus créditos e, na sequência de venda judicial foi-lhe adjudicado o prédio, pelo valor de € 98.900,00.

4 - Com tal adjudicação ficou parcialmente paga a quantia em dívida, ficando por amortizar a quantia de capital de € 10.251,69.

5 – O imóvel foi adjudicado em 15 de Junho de 2009.

6 – Foram contabilizados juros, desde essa data, no valor de € 6.008, 19.

B- Foram aduzidos na decisão recorrida os seguintes fundamentos de facto e de direito:

(…)

Nos presentes embargos cumpre apenas apreciar se procede a invocada excepção peremptória da prescrição dos juros e das quotas de amortização pagável com os juros em causa, tendo por referência a data em que a aqui embargante/executada teve conhecimento da dívida remanescente e da inerente cobrança de juros oratórios.

Como bem acentua a embargante, o normativo chamado à colação para solucionar este caso é o art. 310º, al. d) e e) do C. Civil, cujo teor é o seguinte:

“ Prescrevem no prazo de cinco anos:

d) Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades”.

e) as quotas de amortização do capital, pagáveis com juros;

Como referem Antunes Varela e Pires de Lima (in “ Código Civil Anotado”, vol. I, pág. 280), «(…) tratam-se de prescrições de curto prazo, destinadas essencialmente a evitar que o credor retarde demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis, tornando excessivamente pesada a prestação a cargo do devedor (M. de Andrade, Teoria Geral, II, 1966, pág. 452)”.

Por outro lado, quanto aos juros, tal como acentuam os referidos autores, o prazo de cinco anos previsto pelo citado normativo começa a contar-se, segundo a regra do art. 306º (que estipula que o prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido), a partir da exigibilidade da obrigação as que no caso dos juros legais – como aqueles que estão em causa nesta decisão -, por não haver prazo fixado, se vão vencendo dia-a-dia.

Nessa linha de raciocínio, estão prescritos os juros legais que se tiverem vencido para além do prazo dos cinco anos traçado no referido normativo.

No caso vertente, verifica-se, pois, que o prazo prescricional de cinco anos quanto aos juros peticionados pela exequente apenas foi interrompido com a citação do embargante que ocorreu 04 de Abril de 2015.

Nesta medida, estão prescritos tais juros anteriores a essa data, sendo certo que a execução foi interposta já depois de decorridos cinco anos sobre a data de 15/06/2009.

Dado o embargante ter invocado essa prescrição, conclui-se que lhe assiste a razão, por estarem prescritos os juros de mora, pelo que o embargante não deve a quantia de € 6.008,19, circunstância que aproveita aos demais executados, sendo tal quantia reclamada a título de juros legais.

Note-se ainda que à matéria dos juros, por se tratar de créditos periodicamente renováveis, não é aplicável a doutrina do art. 311º, nº 1, do C.Civil, mas antes o previsto no nº 2 desse preceito legal por referência ao citado art. 310º, al. d), do mesmo código.

Destarte, os presentes embargos terão que ser julgados totalmente procedentes, nesta parte.

Vejamos agora a questão da prescrição das quotas de amortização de capital, pagáveis com juros.

Foi dado como provado que com a adjudicação do bem imóvel na execução fiscal, ficou parcialmente paga a quantia em dívida, ficando por amortizar a quantia de capital de € 10.251,69.

Alegou o embargante que tal quantia está também prescrita.

A embargada insurge-se contra a aplicação, no presente caso, do prazo prescricional de 5 anos previsto no art. 310º, nº 1, al. e) do Cód. Civil, sustentando que, diferentemente, se deverá atender ao prazo de 20 anos estabelecido no art. 309º do mesmo diploma.

O prazo ordinário de prescrição é de vinte anos, conforme decorre do art. 309º do Cód. Civil, mas na alínea e) do art. 310º do mesmo diploma estatui-se que prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros.

Me resulta dos factos provados, o montante em dívida resulta de uma concessão de crédito titulada por três escrituras públicas, conforme se deu como assente e, que possibilitaram aos seus subscritores a aquisição de bens e serviços através do crédito concedido.

A quantia mutuada deverá ser restituída em 336 prestações, a contar do dia 25 de Janeiro de 2005.

Sendo assim, o débito concretiza-se numa quota de amortização mensal e enquadra-se na previsão legal do disposto no art. 310º, al. e) do Cód. Civil, porquanto engloba capital e juros, tendo-se convertido em várias prestações periódicas, mensais, de uma quantia global que foi fraccionada.

A este propósito, decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26/01/2016 (disponível no sote www.dgsi.pt) que “Nos termos do art. 310º, al. e) do Cód. Civil prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização de capital pagáveis com os juros.

II - São indícios que revelam a existência de quotas de amortização do capital pagáveis com os juros: i) a circunstância de as quotas serem integradas por duas fracções – uma de capital e outra de juros, a pagar conjuntamente; ii) o facto de serem acordadas prestações periódicas, embora todas emergentes do mesmo vínculo fundamental, de que nascem sucessivamente e que se vencerão uma após outra.

III - O débito que se concretiza no pagamento de 12/13 prestações mensais de 170,00€ cada uma, referentes ao capital de 1.956,88€, e que também englobam juros, enquadra-se no prazo de prescrição previsto no art. 310º, al. e) do Cód. Civil”.

Concluindo, considerando a situação dos autos subsumível ao prazo prescricional de cinco anos previsto no art. 310º, al. e) e também na al. d) do Cód. Civil, esta respeitante aos juros.

(…)

Fundamentação de direito.

Como e bem se expende na decisão recorrida o que está em causa nos presentes autos é a questão de saber se procede a invocada excepção peremptória da prescrição dos juros e das quotas de amortização pagável com os juros em causa, tendo por referência a data em que a aqui embargante/executada teve conhecimento da dívida remanescente e da inerente cobrança de juros oratórios.

De harmonia com o disposto no art. 310º, al. d) e e) do C. Civil, “prescrevem no prazo de cinco anos os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades” e as quotas de amortização do capital, pagáveis com juros, sendo certo que, quanto aos juros, o prazo de cinco anos previsto nesta disposição começa a contar-se, segundo a regra do art. 306º (que estipula que o prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido), a partir da exigibilidade da obrigação, sendo que, no caso dos juros legais – como aqueles que estão em causa nesta decisão -, por não haver prazo fixado, se vão vencendo dia-a-dia.

E com este fundamento entende a decisão recorrida estarem prescritos os juros legais que se tiverem vencido para além do prazo dos cinco anos traçado no referido normativo, ou seja, e reportando à situação vertente, considera que o prazo prescricional de cinco anos quanto aos juros peticionados pela exequente apenas foi interrompido com a citação do embargante que ocorreu 04 de Abril de 2015, razão pela qual entende estarem prescritos os juros anteriores a essa data, sendo que a execução foi interposta já depois de decorridos cinco anos sobre a data de 15/06/2009.

Ora, sendo certo que os juros anteriores à aludida data em que foi interrompida a prescrição se encontram prescritos, como inelutável resulta igualmente que, como e correctamente salienta o Recorrente, a estarem prescritos serão os juros peticionados para além dos cinco anos, ou seja, os juros peticionados de 15 de Junho de 2009 a 04 de Abril de 2010 e já não os peticionados desde esta data até á referida citação, ou seja, os juros peticionados de 04 de Abril de 2010 a 04 de Abril de 2015 não estão prescritos e são devidos, devendo, por isso, os juros em dívida ser reduzidos na parte em que excedeu os 5 anos.

No que concerne à prescrição das quotas de amortização de capital, pagáveis com juros, considerou-se na decisão recorrida que estando-se perante débito que se concretiza numa quota de amortização mensal, enquadra-se na previsão legal do disposto no artigo 310º, al. e) do Cód. Civil, que estatui-se que prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros, porquanto engloba capital e juros, tendo-se convertido em várias prestações periódicas, mensais, de uma quantia global que foi fraccionada.

Ora, na presente situação, resultou demonstrada a seguinte factualidade:

- Na execução de que estes autos constituem um apenso foi apresentada à execução uma escritura pública denominada “Transferência de Hipoteca e Fiança”, data de 10/01/2005, na qual a devedora BB se confessou devedora à exequente da quantia de € 68.298,33, e uma outra escritura da mesma data, em que se declarou devedora do valor de € 85.475,36, e uma outra escritura, também do mesmo dia, em que se declarou devedora da quantia de € 52.617,30.

- Foi interposta contra a executada uma execução fiscal n.º 0353301532626, que correu termos no Serviço de Finanças de Barcelos e onde foi penhorado o imóvel hipotecado ao banco mutuante, aqui exequente.

- Em tal execução fiscal, a aqui exequente reclamou os seus créditos e, na sequência de venda judicial foi-lhe adjudicado o prédio, pelo valor de € 98.900,00.

4 - Com tal adjudicação ficou parcialmente paga a quantia em dívida, ficando por amortizar a quantia de capital de € 10.251,69.

Ora, como evidente resulta que em face á penhora e venda do imóvel hipotecado na execução fiscal, o Exequente considerou vencida toda a divida, ficando sem efeito o plano prestacional acordado, voltando os valores em divida a assumir em pleno a sua natureza de capital e de juros.

Entende o Recorrente não ser subsumível a presente situação à previsão contida na alínea e) do artigo 310º, do código Civil, uma vez que estamos na presença de uma única obrigação (para cada contrato de empréstimo) que, embora passível de ser fraccionada e diferida no tempo, jamais se pode ser equiparada a uma prestação periódica, renovável e cuja constituição depende do decurso do tempo, sendo que, os mútuo bancários, independentemente das várias formas que possam revestir, nunca prescrevem antes de decorridos, pelo menos, 20 anos, ou seja, estão sujeitos “prescrição ordinária “ (artigo 309 do Código Civil).

A propósito de uma questão idêntica à que agora nos ocupa refere-se no Acórdão da Relação de Coimbra, de 26/04/2016 o seguinte:

(…)

A sentença recorrida julgou igualmente prescrita a obrigação de capital, por integração na alíneas e) – as quotas de amortização de capital pagáveis com os juros – e g) – quaisquer outras prestações periodicamente renováveis –, do artigo 310º, solução com a qual discordamos.

O artigo 310º consagra uma prescrição de curto prazo (encontramo-nos ainda dentro das prescrições extintivas), encontrando a sua razão de ser na protecção do devedor, pela acumulação da sua dívida que, de dívida de anuidades, pagas com os seus rendimentos, se transformaria em dívida de capital susceptível o arruinar, se o pagamento lhe pudesse ser exigido de um golpe ao cabo de um número demasiado de anos] Adriano Vaz Serra, “Prescrição Extintiva e Caducidade”, BMJ nº 106, Maio 1961, pág. 107, nota 675, citando Planiol, Ripert e Tissier.

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Abrangendo tal norma os juros (quaisquer juros, convencionais ou legais, moratórios ou remuneratórios), que constituem a prestação que mais fortemente levou os legisladores a criar o prazo de prescrição de cinco anos, considerou-se que com os mesmos devem prescrever as quotas de amortização de capital, se deverem ser pagas como adjunção aos juros, pois se assim não fosse, poderia dar-se uma acumulação de quotas de amortização, se ter pretendido suavizar o reembolso do capital e trata-lo como juros Adriano Vaz Serra, artigo e local citados, pág. 113 e 114..

A previsão normativa da alínea e) abrange, pois, as hipóteses de obrigações periódicas, pagáveis em prestações sucessivas e que correspondam a duas fracções distintas: uma de capital e, outra, de juros em proporção variável, a pagar conjuntamente. Cada quota de amortização corresponderá, assim, ao valor somado do capital e dos juros correspondentes, pagáveis conjuntamente ] Ana Filipa Morais Antunes, “Algumas Questões sobre Prescrição e Caducidade”, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Sérvulo Correia, III Vol., pág. 44..

Resultando as quotas de amortização do capital, da estipulação, entre as partes, de um plano de reembolso gradual e periódico de capital, que visa facilitar e agilizar o pagamento através do fraccionamento da dívida em parcelas do capital – e em que cada prestação é composta por uma parcela de capital e outra de juros –, faz sentido a existência de um prazo prescricional de curta duração aplicável a cada prestação que se vença, considerada individualmente, como obrigação autónoma Ana Filipa Morais Antunes, “Algumas Questões (…)”, pág. 45, e ainda “Prescrição e Caducidade, Anotação aos Artigos 296º a 333º do Código Civil”, pág. 128.

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No caso em apreço, a livrança foi entregue como garantia de cumprimento de um contrato de financiamento/empréstimo, sob a forma de “crédito ao consumo”, formalizado em 14.01.2002, pagável em 36 meses, em prestações sucessivas de capital e juros.

Assim sendo, tendo o reembolso da dívida sido objecto de um plano de amortização, composto por diversas quotas, que compreendem uma parcela de capital e outra de juros remuneratórios, que se traduzem na existência de várias prestações periódicas com prazos de vencimento autónomos, cada uma destas 36 prestações mensais encontrar-se-ia sujeita a um prazo prescricional privativo de cinco anos Cfr., neste sentido, Acórdão do TRP de 24-03-2014, relatado por Correia Pinto, disponível in www.dgsi.pt.

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Contudo, dos elementos constantes dos autos resulta que não é essa a dívida que aqui se executa – tendo sido pagas unicamente as duas primeiras prestações das 36 acordadas para a restituição integral do capital (abrangendo cada uma delas os juros remuneratórios, comissões, etc.), o capital que aqui se pede, e que foi aposto na livrança – no valor de 10.329,75 € –, não corresponde à soma de cada uma das restantes 34 prestações, mas, sim, à totalidade do capital em dívida à data do incumprimento, 15.03.2002.

Com efeito, a exequente, socorrendo-se do acordado sob o ponto 8 das Condições Gerais do contrato (fls. 78 v), e em conformidade com o disposto no artigo 781º do CC, e face ao não cumprimento atempado da 3ª prestação, terá considerado vencidas todas as restantes, com a “obrigatoriedade de pagamento imediato de todas as prestações em falta acrescidas de juros de mora à taxa de 2%”.

O vencimento imediato das prestações restantes, significa que o plano de pagamento escalonado anteriormente acordado deixa de estar em vigor, ocorrendo uma perda do benefício do prazo de pagamento contido em cada uma das prestações: desfeito o plano de amortização da dívida inicialmente acordado, os valores em dívida voltam a assumir a sua natureza original de capital e de juros. Desfeita a ligação anteriormente contida em cada uma das prestações entre uma parcela de capital e outra a título de juros, nenhuma razão subsiste para sujeitar a dívida de capital e a dívida de juros ao mesmo prazo prescricional: os juros que se forem vencendo prescreverão no prazo de cinco anos, e o capital, no valor de 10.329,75 €, encontrar-se-á sujeito ao prazo ordinário de prescrição de 20 anos.

Concluindo, apenas os juros se encontram sujeitos ao prazo de prescrição de cinco anos”.

Destarte, e como se conclui neste Acórdão, “em caso de incumprimento, o mutuante considerar vencidas todas as prestações, ficando sem efeito o plano de pagamento acordado, os valores em divida voltam a assumir em pleno a sua natureza original de capital e de juros, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos”, pois que, efectivamente, não teria qualquer justificação que, em situações como a presente, uma vez desfeito o plano de amortização da dívida, por incumprimento do devedor, os valores em dívida não voltassem a assumir a sua natureza original de capital e de juros – pois até se convencionou que Hipoteca poderia ser executada “ se o imóvel ora hipotecado vier a ser alienado, onerado, arrendado, objecto de arresto, execução ou de qualquer outro procedimento cautelar ou acção judicial e se consideram igualmente vencidas e exigíveis as obrigações que assegura -, e, por decorrência, que a dívida de capital e a dívida de juros ficassem sujeitas ao mesmo prazo prescricional.

E não se verificando a prescrição da divida relativa ao capital e a parte dos juros, nos termos supra exposto, obviamente que ela se não verifica com relação a todos os obrigados ou executados.

Assim sendo e pelo exposto, na parcial procedência da apelação, revoga-se a decisão recorrida, e, julgando-se os embargos parcialmente procedentes, determina-se o prosseguimento da execução pelo valor do capital em dívida e pelo valor dos juros não prescritos.

IV- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, e, julgando-se os embargos parcialmente procedentes, determina-se o prosseguimento da execução pelo valor do capital em dívida e pelo valor dos juros não prescritos.

Custas pela Apelante e Apelado na proporção do respectivo decaimento.

Guimarães, 16/ 03/ 2017.

Processado em computador. Revisto – artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.

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Jorge Alberto Martins Teixeira.

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José Fernando Cardoso Amaral.

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Helena Gomes de Melo.