Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
841/13.9TJVNF.G2
Relator: JOAQUIM BOAVIDA
Descritores: ACÇÃO DE DEMARCAÇÃO
EXTREMA
LINHA DIVISÓRIA
CRITÉRIOS DE DEMARCAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/13/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 – A demarcação é um dos poderes inerentes à propriedade imóvel, sendo configurado no artigo 1353º do Código Civil como um direito potestativo.

2 – O recurso à ação de demarcação pressupõe a indiscutibilidade do direito de propriedade sobre os prédios confinantes e a indefinição da linha divisória entre eles.

3 – Demonstrando-se que os prédios contíguos pertencem a proprietários diferentes e que existe desentendimento entre eles sobre a respetiva extrema, cabe concretizar a demarcação através dos critérios estabelecidos no artigo 1354º do Código Civil.

4 – O primeiro critério consiste em fazer a demarcação em conformidade com os títulos de cada um; na falta ou insuficiência dos títulos, recorre-se à posse em que estejam os confinantes ou segundo o que resultar de outros meios de prova; na falência de todos os outros critérios, a demarcação faz-se distribuindo o terreno em litígio por partes iguais.

5 – Desde que não haja usucapião, não existe predominância da posse sobre os outros meios de prova mencionados no artigo 1354º, nº 2, do Código Civil.

6 – Demonstrando-se através dos meios de prova produzidos qual a definição da linha divisória entre o prédio da Autora e o prédio dos Réus, a demarcação deve ser feita em conformidade com os factos reveladores da extrema entre os prédios.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – RELATÓRIO

1.1. S. P. intentou contra J. F. e mulher, C. F., e M. P. e marido, R. N., acção declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo que seja ordenada a demarcação dos prédios da Autora e dos Réus na parte em que confinam, com recurso ao estabelecimento duma linha divisória dos prédios no sentido Nascente-Poente que fique situada a 7 (sete) metros da extremidade mais a sul da ramada que existe no prédio da Autora e que a mesma linha divisória seja assinalada no solo pela colocação de dois marcos de pedra no solo, um em cada extremidade da linha que vier a ser estabelecida.

Para fundamentar a sua pretensão, alegou ser proprietária de um prédio que adquiriu por partilhas, mas que caso assim não se entendesse sempre teria adquirido por usucapião, e que os Réus são proprietários de outro prédio, que também adquiriram por partilha e que a Autora afirma ter a área de 3.200,00 m2 – área fixada na sequência da reclamação efectuada nos autos de inventário respectivo a qual não foi impugnada – mas que posteriormente os Réus rectificaram como sendo 3.672,96 m2 junto da Conservatória do Registo Predial, rectificação que não corresponde à realidade. Na sequência dessa incorrecta rectificação, os Réus desrespeitaram os marcos divisórios que separavam o prédio da Autora.
Conclui que as partes estão desentendidas quanto à linha divisória dos respectivos prédios.
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Contestaram os Réus, impugnando o alegado pela Autora e concluindo pela improcedência da acção.
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1.2. Teve lugar a audiência prévia, onde foi proferido despacho-saneador, identificou-se o objecto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.
Realizada a audiência de julgamento, proferiu-se sentença a julgar improcedente a acção e a absolver os Réus do pedido.

A Autora interpôs recurso, tendo esta Relação considerado que naquele se suscitavam as seguintes questões:

«1.ª Questão – Questão prévia – Omissão de pronúncia na fixação dos factos provados e não provados e saber se existe contradição entre o teor dos factos provados 5, 23, 24, 25, 26 e 27 e os factos não provados constantes das alíneas a) e i).
2.ª Questão – Saber se foi cumprido o ónus de impugnação da matéria de facto.
3.ª Questão Impugnação da matéria de facto – saber se devem ser alterados os pontos 17, 18, 23, 24, 25, 26 e 27 dos factos provados e os factos a), b), c), f), g), h), i), j), k), l) e m) não provados.
4.ª Questão – Impugnação jurídica – saber qual o tipo de acção em causa (reivindicação ou demarcação)».

O recurso foi julgado parcialmente procedente, tendo sido decidido anular parcialmente o julgamento e a sentença, determinando:

«a) A ampliação da matéria de facto, com vista a apurar a delimitação da parcela de terreno em litígio e;
b) A repetição do julgamento, apenas na parte necessária ao apuramento da nova matéria, com a realização pelo tribunal a quo de todas as diligências que se lhe afigure necessárias para alcançar esse desiderato, com vista ao cabal cumprimento do disposto no art. 1354º, n.º 2 do Código Civil».
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1.3. Repetido o julgamento, foi proferida nova sentença que decidiu nos seguintes termos:

«Pelo exposto, determino que a demarcação do prédio propriedade da A. (identificado no ponto 1) relativamente ao prédio propriedade dos RR. (identificado no ponto 5), se faça, por uma linha recta, no sentido Nascente-Poente, com início na Estrada (Avenida das ...) e fim no prédio propriedade de T. P., situada a 3,5 metros (três metros e cinquenta centímetros) da extremidade mais a sul da ramada que existe no prédio da A., na direcção do prédio dos RR.».
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1.4. Inconformados, os Réus interpuseram recurso de apelação da sentença e formularam, a terminar as suas alegações, as seguintes conclusões:

«1 – A testemunha, M. G., melhor identificada supra e cujos trechos do seu depoimento se encontram transcritos e aqui se dão integralmente por reproduzidos, afirmou perentoriamente que foi colocado um meco para fazer o alinhamento, que era ali o limite do terreno e que a ramada foi construída no alinhamento do meco;
2 – A testemunha, J. R., afirmou de forma segura e coerente que foram construídas ramadas para dividir os terrenos, que o limite era feito pela ramada e que havia uma cabrita pequena que foi colocada pelo marido da Autora;
3 – A testemunha, A. R., afirmou que havia um marco do lado do ... (confrontação poente), que do lado da avenida havia uma marca de tinta, que a ramada foi plantada pelo tio J. O. (marido da Autora) no alinhamento do marco com as marcas de tinta existentes na confrontação nascente, sendo a divisão dos terrenos feita pela ramada;
4 – Dos documentos de folhas 118 a 121, auto de notícia, 543 a 545, resposta à contestação do processo nº 1335/10.0TJVNF, do extinto 5º Juízo Cível de ..., 266 a 274 relatório pericial principal, 293 a 297, esclarecimentos prestados pelo perito, 512 a 516 relatório pericial complementar, 528, esclarecimentos prestados pelo perito, 560 e 561, carta conjugados com as fotografias de folhas 174, 175, 207, 244, 316, 396 e 397 resulta de forma clara que o limite do prédio da Autora é a ramada;
5 – Em face dos depoimentos das testemunhas conjugados com os documentos identificados deve a matéria de facto ser alterada, dando-se como provado a existência do marco na confrontação poente;
6 – O item 17 da matéria de facto provada padece de erro de apreciação de prova, devendo ser alterado, para que fique a constar que a ramada existente no prédio da Autora está alinhado com um marco, com as marcas de tinta lixiviada existentes na confrontação poente e com as marcas de tinta lixiviada existentes no muro de betão da confrontação nascente;
7 – Ao não ter sido dado como provado a existência do marco a douta sentença padece de erro na apreciação da prova;
8 – A Autora confirmou em depoimento de parte prestado na audiência de julgamento de 2/2/2016, que mandou construir a ramada, como consta da ata de audiência de julgamento de 2/2/2016;
9 – Ao ter sido dado como não provada esta matéria foi violado o princípio da prova plena, previsto nos artigos 358º do Código Civil e 463º do Código de Processo Civil, havendo assim erro na valoração da prova produzida;
10 - Existe há mais de 30 anos uma linha divisória que se confunde com a ramada que separa o prédio da Autora do prédio dos Recorrentes;
11 - Existem há mais de 30 anos sinais visíveis exteriores e permanentes, nomeadamente, o marco, as marcas de tinta lixiviada e a ramada que definem a estrema do prédio da Autora;
12 - Não há indefinição da linha divisória do prédio da Autora;
13 - O prédio da Autora confronta em toda a sua extensão com o prédio dos Recorrentes, como decorre da alínea i) da matéria de facto não provada;
14 – Pelo que, a linha reta no sentido nascente-poente tem início da Estrada (Avenida das ...) e fim no muro de pedra (confrontação poente –herdeiros de A. M.) e não no prédio da T. P.;
15 – Portanto, o prédio da Autora confronta do sul com um faixa de terreno, pertencente aos Recorrentes, existente entre a ramada e o prédio da T. P., que se encontra assinalada nos levantamentos topográficos de folhas 316, 317 e 318 dos autos;
16 –A delimitação do prédio nesta parte é feita pela ramada e não por uma linha a 7 metros para sul da ramada;
17 - Não é razoável à luz de um homem médio que o limite de um prédio rústico seja em parte uma ramada e noutra parte por uma linha a 7 metros (3,5m como foi decidido) para sul da ramada;
18 - A douta sentença ao considerar que a ramada não delimita o prédio contrariou todas as razões da lógica e dos usos na zona do Minho e, enferma do vício erro apreciação da prova;
19 - O marco e a tinta lixiviada são uma referência concreta e segura do limite do prédio da Autora;
20 – A douta sentença ao não considerar o marco existente na confrontação poente, como um título, fez errada aplicação do nº 1 do artigo 1354º do Código Civil;
21 – A douta sentença ao não considerar como outras provas o relatório principal e complementar, o auto de notícia resultante da participação feita pela Autora ao GNR, bem como, as marcas de tinta lixiviada existentes nas confrontações poente e nascente que se encontram no alinhamento da ramada, fez, errada aplicação do nº 1 do artigo 1354º do Código Civil;
22 - Não há fundamento factual e legal para a aplicação do nº 2 do artigo 1354º do Código Civil;
23 - A douta sentença ao dividir em partes iguais a alegada faixa de terreno fez errada aplicação da lei;
24 – O julgador a quo preteriu os documentos escritos juntos aos autos e identificados no item 4 destas conclusões e nessa medida fez uma errada apreciação da prova e uma errada aplicação da lei e, nessa medida deveria ter sido dado como provado que a ramada delimita o prédio da Autora do prédio dos Recorrentes;
25 - A douta sentença, no singelo entendimento dos Recorrentes, padece dos vícios de erro de apreciação da prova, de contradição explícita, de insuficiência de julgamento, de erro de julgamento e, de violação de lei;
26 - A douta sentença violou o disposto nos artigos 358º do Código Civil e o artigo 463º do Código de Processo Civil, bem como, os nº 1 e 2 do artigo 1354º do Código Civil e, também, alínea c) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.
27 - A douta sentença deve ser revogada e ação ser julgada totalmente improcedente.
Decidindo nesta conformidade farão a costumada Justiça».
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A Recorrida apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido.
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O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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1.3. QUESTÕES A DECIDIR

Em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nºs 2 a 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a área de intervenção do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial(1). Tal restrição não opera relativamente às questões de conhecimento oficioso, as quais podem ser decididas com base nos elementos constantes do processo. Em matéria de qualificação jurídica dos factos a Relação não está limitada pela iniciativa das partes - artigo 5º, nº 3, do CPC. Por outro lado, o tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes.

Neste enquadramento, são questões a decidir:

i) Apurar se a sentença padece de nulidade por contradição entre a matéria de facto provada e a matéria de facto não provada;
ii) Verificar se existiu erro no julgamento da matéria de facto;
iii) Quanto à matéria de direito, em consonância com a posição dos Recorrentes, saber se a linha divisória entre o prédio da Autora e o prédio dos Réus corresponde à ramada existente no prédio da Autora, alinhada, por um lado, com o marco e as marcas de tinta lixiviada existentes na confrontação poente e, por outro, com as marcas de tinta lixiviada existentes no muro de betão da confrontação nascente.
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II – FUNDAMENTOS

2.1. Fundamentos de facto

A) A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos, ou seja, «os que já constavam da primeira sentença proferida nos autos, que não foram afectados com a anulação parcial feita pelo Tribunal da Relação de Guimarães»:

1 – A Autora é dona e legítima proprietária e possuidora do prédio rústico constituído por terreno de cultura, com videiras em ramada, a confrontar, actualmente, de norte com M. A. e de sul com J. F. e M. P., nascente com Avenida das ... e do poente com herdeiros de A. M., sito no lugar de ... ou Quinta da ..., freguesia de ..., do concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...... e inscrito na matriz rústica sob o art. ....
2 – Por escritura de Dissolução, Liquidação e Partilha, celebrada em 11 de Dezembro de 2008, de fls. 144 a fls. 146, do Livro de Notas para Escrituras Diversas com o nº 86, do Cartório Notarial da Trofa a cargo do Notário J. R. foi adjudicado o prédio identificado em 1.
3 – Actualmente, a aquisição do direito de propriedade sobre o prédio identificado no número 1 encontra-se definitivamente registada em nome e a favor da Autora.
4 – A Autora, por si, ante-possuidores e ante-proprietários, sempre entrou e saiu no prédio identificado em 1, lavrando-o, semeando-o, plantando e tratando as videiras, conservando as ramadas, usufruindo de todos os seus frutos e rendimentos, ocupando-o e permitindo a sua ocupação, pagando as contribuições devidas, o que dura há mais de 10, 20 e 30 e mais anos, agindo como sua dona e na convicção de ter essa qualidade e de não lesar direito alheio, ininterruptamente, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja.
5 – Por sua vez, os Réus são, em comum e partes iguais, proprietários do prédio rústico a confrontar, actualmente, de norte com S. P., sul com Estrada Nacional, nascente com Avenida das ... e Poente com T. P., sito no lugar de ... de … ou ..., freguesia de ..., do concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ... e inscrito na matriz rústica sob o artigo ....
6 – Este prédio veio ao domínio dos Réus por lhes ter sido adjudicado em Partilhas, no Processo de Inventário instaurado por óbito de A. R. que com o nº 2037/10.2 TJVNF correu termos pelo 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de ....
7 – Neste processo de inventário, este prédio foi relacionado como verba nº 1 e, em 27.04.2012, foi proferido despacho, ordenando-se a rectificação da área deste prédio passando a constar como área 3.200 m2 e não de 3.672,96 m2 como constava da relação de bens, da descrição predial e caderneta predial e os Réus não reclamaram ou deduziram qualquer impugnação a tal despacho («esta redacção advém da alteração feita pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães»).
8 – Os Réus procederam junto do Serviço de Finanças de ... – 1 e da Conservatória do Registo Predial de ... à “rectificação” da área daquele prédio, alterando-a, novamente, para 3.672,96 m2.
9 – Por escritura celebrada no dia 9 de Setembro de 1982, a Autora, conjuntamente com, a sua mãe, A. R. e os seus irmãos, M. J., M. A., M. G., M. P. e J. F., procederam à partilha por óbito de seu pai, A. P..
10 – De entre os bens a partilhar faziam os seguintes prédios:
1) Prédio misto constituído por uma casa de habitação, com quintal e junto horta de verão, sito no lugar do ..., freguesia de ..., concelho de ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ... e inscrito na matriz sob os artigos ... urbano e ... rústico.
2) Prédio rústico denominado Campo da ..., sito no lugar de ..., freguesia de freguesia de ..., concelho de ..., a confrontar do norte com M. J. e outros, do sul com A. R., do nascente com Caminho Público e do poente com Herdeiros de A. M., que é parte do descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ... e inscrito na matriz sob o artigo ... rústico.
11 – O prédio identificado no número um, do ponto anterior foi adjudicado a A. R..
12 – E o prédio identificado no número dois foi adjudicado em comum à Autora, a M. A. e à Ré, M. P.,
13 – Que por escritura de 22 de Dezembro de 1993, lavrada no 2º Cartório Notarial de ... procederam à sua divisão.
14 – Tendo constituído três lotes, com a seguinte constituição:
Lote Um – Prédio rústico, de terra de cultura com videiras em ramada, com a área de quatro mil e oitocentos metros quadrados, situado no lugar de Quinta da ... ou ..., freguesia de ..., concelho de ..., a confrontar do norte com M. A., do nascente com Estrada, do sul com A. R. e do poente com A. M., Herdeiros, inscrito na matriz sob o artigo ... rústico (antigo artigo ...);
Lote Dois – Prédio rústico, de terra de cultura com videiras em ramada, com a área de quatro mil e novecentos metros quadrados, situado no lugar de Quinta da ... ou ..., freguesia de ..., concelho de ..., a confrontar do norte com M. P., do nascente com Estrada, do sul com S. P. e do poente com A. M., Herdeiros, inscrito na matriz sob o artigo 158º rústico (antigo artigo ...);
Lote Três – Prédio rústico, de terra de cultura com videiras em ramada, com a área de quatro mil e novecentos metros quadrados, situado no lugar de Quinta da ... ou ..., freguesia de ..., concelho de ..., a confrontar do norte com M. J., do nascente com Estrada, do sul com M. A. e do poente com A. M., Herdeiros, inscrito na matriz sob o artigo ... rústico (antigo artigo ...);
15 – Em consequência da divisão efectuada o lote número um foi adjudicado à Autora, o lote número dois foi adjudicado à M. A. e o lote número três foi adjudicado à Ré, M. P..
16 – Cada lote teria na confrontação com a Avenida das ... 50 metros.
17 – A ramada existente no prédio da Autora está alinhada com uma pedra de granito com a forma de paralelepípedo, com comprimento de 80 cm (60 cm enterrado) e com as marcas de tinta lixiviada existentes no local.
18 – Por escritura de 14 de Fevereiro de 2003 a referida A. R. vendeu a T. P., os seguintes bens:
1) Prédio urbano, destinado a habitação, com a área coberta de 90 m2 e quintal com 200 m2, sito no lugar das ... de Baixo ou ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ... e inscrito na matriz sob os artigos ... urbano;
2) Parcela de terreno com a área de 1.600 m2 a destacar do prédio rústico denominado ... de Baixo, sito no mesmo lugar das ... de … ou ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... com sendo a parte subsistente do número ... e inscrito no artigo ...º da na matriz rústica”.
19 – Parcela que se destina a ampliação do quintal do prédio inscrito no artigo ... urbano,
20 – E que se encontra devidamente demarcada e ficando a confrontar do norte, por onde mede 40 metros com o prédio de onde é destacada, do sul com o prédio urbano em que se vai integrar na extensão de 27,5 metros e, na extensão de 12,5 metros com a Estrada Nacional, do nascente onde mede 45,5 metros com o prédio de onde é destacado e do poente por onde tem igual medida com o prédio onde se vai integrar e com Herdeiros de A. M..
21 – Ficou, ainda, definido que a demarcação pelo nascente é definida por uma linha recta que se situa a 2 metros do poço ali existente, o qual fica pertença exclusiva do prédio vendido.
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B) Factos não provados:

O Tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos:

«a) O prédio identificado no artigo 1º da petição inicial possui área de 4.800 m2, confrontando a sul para além de J. F. com M. P. e T. P..
b) Este prédio da Autora, desde há mais de 30 anos, tem a área de 4.800 m2.
c) O lote da Autora tem a área de 4.552 m2.
d) O lote da M. A. a área de 4.544 m2.
e) E lote da Ré, M. P., a área de 4.544 m2.
f) Os prédios da Autora e Réus sempre tiveram a configuração e delimitação constantes do levantamento topográfico junto com a p.i. sob doc. nº 6.
g) E que sempre, por todos, foram respeitadas.
h) Os antecessores e ante-possuidores do prédio da Autora, bem como os ante–possuidores do prédio dos Réus sempre respeitaram esta linha divisória.
i) Ou seja, uma linha recta, no sentido Nascente-Poente, com início na Estrada (Avenida das ...) e fim no prédio propriedade de T. P..
j) Esta linha divisória situa-se a sete metros da ramada que faz parte integrante do prédio da Autora e para o lado do prédio dos Réus.
k) A Autora e seus antecessores sempre lavraram e semearam esta faixa de terreno com 7 (sete) metros de largura, desviada da sua ramada.
l) No início do corrente ano os Réus procederam à colocação de esteios em granito e arame mesmo junto e paralelamente à ramada da Autora.
m) Destruindo as plantações e sementeiras aí existentes e efectuadas pela Autora.
(alteração feita pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, que passou a considerar como não provados os seguintes factos):
n) A Autora fez as ramadas que delimitam os três lotes.
o) Os Réus por si e ante-possuidores sempre estiveram na posse do prédio até à ramada da Autora.
p) Plantando e semeando.
q) Ou permitiram que plantassem e semeassem.
r) Colhendo os produtos.
s) Ou permitiram que colhessem os produtos».

O Tribunal a quo considerou ainda que «C- Além dos factos referidos em A (Factos Provados) e em B (Factos não Provados), não se demonstraram nem se apuraram quaisquer outros factos de natureza instrumental não alegados pelas partes».
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2.2. Do objecto do recurso

2.2.1. Da «notória contradição entre a matéria provada e não provada»

Nas suas alegações, os Recorrentes argúem implicitamente a nulidade da sentença por haver «notória contradição entre a matéria provada e não provada».

Vejamos.

O artigo 607º, nº 4, do CPC obriga o juiz a declarar na sentença «quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados». Tal pronúncia visa atingir várias finalidades, desde logo a de permitir sindicar a decisão.
Porém, se o juiz julga não provado determinado facto daí não se pode inferir a ocorrência de quaisquer outros factos. Dessa consideração do ponto de facto como não provado apenas resulta que esse facto – no contexto factual a considerar – inexistiu, tudo se passando como se o facto não tivesse sido articulado.
Depois, em sede de subsunção jurídica, um facto não provado é um não-facto. É algo que inexiste na realidade processual.
Assim sendo, não é susceptível de haver contradição entre um facto provado e um facto não provado, assim como não há oposição entre uma realidade existente e outra que não existe. Não há incompatibilidade entre eles.
Termos em que improcede a arguição de nulidade da sentença com o aludido fundamento.
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2.2.2. Da impugnação da decisão da matéria de facto

2.2.2.1. Em sede de recurso, os Recorrentes impugnam a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal de 1ª instância.
Estão efectivamente atribuídos à Relação poderes de reapreciação da matéria de facto no âmbito de recurso interposto, que a transformam num tribunal de instância que também julga a matéria de facto, garantindo um duplo grau de jurisdição.
Os Recorrentes incidem a sua impugnação relativamente a quatro pontos de facto.
Por um lado, na conclusão 6ª das suas alegações sustentam que «O item 17 da matéria de facto provada padece de erro de apreciação de prova, devendo ser alterado, para que fique a constar que a ramada existente no prédio da Autora está alinhado com um marco, com as marcas de tinta lixiviada existentes na confrontação poente e com as marcas de tinta lixiviada existentes no muro de betão da confrontação nascente».

Por outro lado, na motivação duas alegações, posteriormente desenvolvidas nas respectivas conclusões, afirmam que «o Tribunal a quo decidiu mal, salvo opinião melhor, incorrendo em erro na apreciação da matéria de facto, ao não dar como provado que:

1 – a delimitação do prédio da Autora com o prédio dos Recorrentes é feita pela ramada e, por isso, a alegada faixa de terreno de sete metros para norte fica dentro dos limites do prédio dos Recorrentes;
2 – que existe um marco no alinhamento da ramada;
3 - que foi a Autora que construiu a referida ramada».
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2.2.2.2. O Tribunal a quo exprimiu a motivação da decisão sobre a matéria de facto nos seguintes termos:

«A repetição do julgado visou averiguar os limites dos prédios de A. e RR..
Foi ordenado que o Sr. Perito completasse a sua perícia no sentido de esclarecer se há elementos que permitam fazer a demarcação dos prédios e concluir se a área em litígio está dentro dos limites do prédio da A. ou dos RR..
Na verdade, não há dúvidas de que o terreno em litígio consubstancia-se numa parcela situada entre a extremidade mais a sul da ramada do prédio da A. e uma linha situada a sete metros da mesma, na direcção do prédio dos RR.
O senhor perito veio no relatório complementar, junto a fls. 512 de 516, responder a tal questão, concluindo que “não foram identificados elementos no local da perícia que permitam responder com rigor.”
É certo que com o intuito de colaborar com o Tribunal, o senhor perito deixou algumas considerações que resultam da interpretação dos factos no local. Verificou o senhor perito que as marcas de tinta lixiviada existentes no muro de betão a nascente e no muro em pedra a poente alinham (alinhamento rectilíneo) com a ramada existente e o marco identificado no relatório principal.
Contudo, com referência à autoria destas marcas de tinta lixiviada, circunstâncias e altura em que as mesmas foram feitas, o Tribunal ficou com dúvidas sobre quem as fez, quando e porquê. Ou seja, não se provou que as mesmas tenham sido feitas para proceder à divisão dos prédios pelo alinhamento da ramada.
Na verdade, o depoimento das testemunhas M. G., irmã de A. e RR. e de A. R., sobrinha de A. e de RR. (filha do M. J., irmão de A. e RR.) não tiveram o alcance de comprovar que as referidas marcas de tinta lixiviada existentes no muro de betão a nascente e no muro em pedra a poente porque alinham (alinhamento rectilíneo) com a ramada existente e o marco identificado no relatório principal, mostram por onde se deve ser a divisão dos prédios.
Em contraponto, também os depoimentos de J. L., funcionário da autora, M. A., irmã da A. e dos RR. e F. O., filha da A., não lograram comprovar que a linha divisória seria os sete metros para além da ramada.
Com efeito, como referiu o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, a prova testemunhal não é segura, verificando-se um grande litígio resultante das partilhas entre os irmãos, pelo que houve divisão na prova consoante o “partido” das testemunhas pela A. ou pelos RR..
Por esse motivo, também não se logrou retirar qualquer convicção sobre a alegada existência de aterro no local em litígio (fotografa de fls. 174, fls. 121).
Também a testemunha J. R., não logrou convencer o Tribunal sobre a matéria em causa.
É certo que o senhor perito nos esclarecimentos prestados de fls. 521 a 523 e 528, refere que a tradição dos campos agrícolas da região do Minho e Douro Litoral é de que as ramadas eram deixadas nos limites da propriedade. Tal razão prende-se com a necessidade da existência de um caminho interno por onde pudessem ser transportadas as culturas, sendo que, não podendo os caminhos ser cultivados, eram feitos pelos limites da propriedade e aproveitados para a colocação de ramadas, debaixo das quais passavam os carros e alfaias agrícolas. Porém, nenhuma prova segura foi produzida que comprovasse que os limites eram feitos pela ramada.
Finalmente diga-se que essa prova não sobressai dos documentos juntos de fls. 560 a 562».
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2.2.2.3. Importa verificar se a discussão probatória fundamentadora da decisão corresponde à prova realmente obtida ou, ao invés, se a mesma se apresenta de molde a alterar a factualidade impugnada, nos termos invocados pelos Recorrentes.

Com vista a ficarmos habilitados a formar uma convicção autónoma, própria e justificada, procedemos à análise de todos os documentos juntos aos autos, do relatório pericial, do relatório complementar e respectivos esclarecimentos posteriores, e à audição integral da gravação dos depoimentos de parte da Autora S. P. e dos Réus J. F. e M. P., dos esclarecimentos prestados em audiência pelo Sr. Perito M. S. (engenheiro), e dos depoimentos das testemunhas M. A. (irmã da Autora e dos Réus J. F. e M. P.), J. L. (empregado da Autora), F. O. (arquitecta, filha da Autora), J. N. (é agricultor e cultivou o prédio referido em 10-2 – os lotes da Autora e das suas duas irmãs referidos em 14 – a partir de 1988/1989 durante cerca de “meia dúzia de anos”; não cultivou o prédio referido 10-1), R. Q. (engenheiro civil que a partir de uma planta que não estava à escala e das medições efectuadas no terreno fez uma nova planta; foi esta testemunha que elaborou o documento de fls. 173 a pedido da Autora), M. J. (irmão da Autora e dos Réus J. F. e M. P.), M. G. (irmã da Autora e dos Réus J. F. e M. P.), A. R. (filha de M. J. e sobrinha da Autora e dos Réus J. F. e M. P.) e J. R. (nasceu naquela zona, mora perto dos prédios em causa e conhece as partes).
Vejamos cada um dos quatro pontos que os Recorrentes pretendem que sejam considerados provados.
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2.2.2.4. Ponto 17 da matéria de facto provada

Os Recorrentes sustentam que «O item 17 da matéria de facto provada padece de erro de apreciação de prova, devendo ser alterado, para que fique a constar que a ramada existente no prédio da Autora está alinhada com um marco, com as marcas de tinta lixiviada existentes na confrontação poente e com as marcas de tinta lixiviada existentes no muro de betão da confrontação nascente».

Porém, sobre esse facto já incidiu o acórdão desta Relação de 01.06.2017, que apreciou então a impugnação da primitiva decisão sobre a matéria de facto e modificou-a, mas mantendo o então facto nº 18, o qual, em virtude de se ter dado como não provado o facto nº 17, passou a ter na sentença a numeração deste. O julgamento foi parcialmente anulado, com a manutenção da matéria de facto já provada, na qual figura o facto nº 17, determinando-se a «ampliação da matéria de facto, com vista a apurar a delimitação da parcela de terreno em litígio e; b) A repetição do julgamento, apenas na parte necessária ao apuramento da nova matéria, com a realização pelo tribunal a quo de todas as diligências que se lhe afigure necessárias para alcançar esse desiderato, com vista ao cabal cumprimento do disposto no art. 1354º, n.º 2 do Código Civil».

Portanto, tal acórdão produziu efeito de caso julgado relativamente aos factos considerados provados, uma vez que se mostram abarcados pelo então decidido.
Por isso, esta Relação não pode conhecer da impugnação relativamente a tal facto, ressalvado o poder de suprir qualquer contradição que surja em consequência da apreciação da presente apelação de facto.
Nesta conformidade, no que respeita ao facto nº 17, vai indeferida a impugnação da decisão da matéria de facto.
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2.2.2.5. «Foi a Autora que construiu a referida ramada»

Os Recorrentes pretendem que se dê como provado que «foi a Autora que construiu a referida ramada».

Na acta da audiência final de 02.02.2016, depois de a Autora ter sido ouvida, o Tribunal a quo fez constar:

«Nos termos do artº 463º do C.P.C. aprovado pela Lei 41/2013 de 26/06, do depoimento de parte da autora resultou confessado que foi a autora que mandou fazer as ramadas que constam dos prédios».
Tal redução a escrito da parte em que houve confissão da depoente não foi objecto de reclamação.
Além disso, complementarmente a esta redução a escrito, procedemos à audição da gravação do depoimento e verificamos que em dois momentos a Autora confirmou que mandou fazer as ramadas. Fê-lo aos 7 minutos e 20 segundos e aos 23 minutos (a gravação surge na aplicação media studio dividida em duas partes; a dos 23 minutos surge na segunda fracção do depoimento).
Este meio de prova não consente qualquer margem de apreciação, gozando de força probatória plena, em conformidade com o disposto no artigo 358º, nº 1, do Código Civil.
Por isso, ao não dar como demonstrado aquele facto, a sentença violou uma regra de direito probatório material e não observou o disposto no nº 4 do artigo 607º do Código Civil, que impõe ao juiz que tome «em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito».

Assim, determina-se que seja aditado um ponto de facto com o seguinte teor:

22 – A Autora mandou fazer as ramadas que constam dos prédios referidos em 14, designadamente a ramada que existe no prédio da Autora identificado em 1.
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2.2.2.6. «Existe um marco no alinhamento da ramada»

Quanto ao marco, na conclusão 5ª das suas alegações, os Recorrentes sustentam que «Em face dos depoimentos das testemunhas conjugados com os documentos identificados deve a matéria de facto ser alterada, dando-se como provado a existência do marco na confrontação poente».

Alegam que a testemunha M. G. «afirmou perentoriamente que foi colocado um meco», que a testemunha J. R. afirmou «que havia uma cabrita pequena que foi colocada pelo marido da Autora» e que a testemunha A. R. afirmou que «havia um marco do lado do ... (confrontação poente)».

A questão que os Recorrentes colocam é de mera qualificação de um facto. Isto porque já se deu como demonstrado, no ponto 17, que existe «uma pedra de granito com a forma de paralelepípedo, com comprimento de 80 cm (60 cm enterrado)».

O referido marco observa-se nas fotografias juntas aos autos (v., por exemplo, a fls. 205, 264, 272 e 274) e, mais do que tudo, foi verificada a sua existência pelo Sr. Perito, que assim expressamente o qualifica. Também as testemunhas M. G., J. R. e A. R. confirmaram a sua existência e função (duas delas mencionaram quem é que o colocou no local, ainda em 1982). Aliás, já na primeira audiência tinha sido afirmada a sua existência, designadamente pela testemunha M. J.. A própria motivação da decisão sobre a matéria de facto dá por adquirida a existência do marco.

Enquanto facto instrumental, falta apenas explicitar, porque não consta do facto nº 17 e devia constar, onde se encontra localizado o aludido marco, pelo que se ordena o aditamento do seguinte facto:

23 – O marco referido em 17 encontra-se situado na confrontação poente do prédio da Autora.
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2.2.2.6. «A delimitação do prédio da Autora com o prédio dos Recorrentes é feita pela ramada e, por isso, a alegada faixa de terreno de sete metros para norte fica dentro dos limites do prédio dos Recorrentes»

O Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 01.06.2017, decidiu anular parcialmente o julgamento e determinou, por um lado, «a ampliação da matéria de facto, com vista a apurar a delimitação da parcela de terreno em litígio» e, por outro, «a repetição do julgamento, apenas na parte necessária ao apuramento da nova matéria».

Em bom rigor, em lado algum naquele acórdão se identificou, de forma expressa e concreta, qual era a “nova matéria a apurar”. E devia tê-lo feito, para delimitar o âmbito da repetição parcial do julgamento, uma vez que não se destinava a fazer um novo julgamento sobre toda a matéria mas apenas sobre a da dita ampliação, que importava saber em concreto qual era.

Em todo o caso, dois pontos podemos dar por adquiridos face ao teor do anterior acórdão:

a) Todos os factos já provados se mantêm intocados, não podendo sobre a matéria dos mesmos incidir nova prova;
b) Na repetição parcial do julgamento apenas estava em causa «apurar a delimitação da parcela de terreno em litígio».

Salvo o devido respeito, nenhuma dúvida existia sobre qual era “a delimitação da parcela de terreno em litígio”. Estava perfeitamente esclarecido que a parcela em litígio tinha sete metros de largura, contados da ramada existente no prédio da Autora, na direcção do prédio dos Réus. Enquanto a Autora sustenta que tal faixa de terreno integra o seu prédio, os Réus alegam precisamente o contrário. Ambas as partes reclamam que essa faixa de terreno é sua.
O que na verdade carecia de ser apurado é se a área de terreno em litígio está dentro dos limites do prédio da Autora ou do prédio dos Réus, o que só na motivação do acórdão constava.
E concluiu que «desta forma se decide reenviar o processo para a instância recorrida para que proceda à prova referida, mantendo-se a validade da já produzida e anulando-se em consequência a sentença recorrida».
Portanto, o que estava realmente em causa na repetição do julgamento era apurar como se podia fazer a demarcação dos dois prédios, através dos elementos carreados para os autos.

Ora, revistos todos os meios de prova produzidos, esta Relação está absolutamente convicta, e sem qualquer dúvida, que a delimitação do prédio da Autora com o prédio dos Réus é feita pela ramada identificada no ponto 17. Sabe-se exactamente quem colocou as marcas de tinta vermelha de cada um dos lados, quem fez a ramada, quem colocou o marco, o que foi acordado entre todos os herdeiros de A. P. e os elementos essenciais que conduziram à partilha do património. Não se pode fingir que se ignoram tais factos e alinhar numa criação artificial de uma “confusão” de estremas até recair na regra salomónica da distribuição do terreno em litígio em partes iguais.

Primeiro, não podemos ignorar que foi detalhadamente explicado em audiência a forma como em 1982, na sequência do falecimento de A. P., a sua mulher, A. R., e os seus filhos, M. J., M. A., M. G., M. P. e J. F., procederam à partilha, a qual foi solicitada pela viúva por entender que não conseguia cultivar todos os terrenos e tomar conta dos mesmos (v., em especial, o depoimento de M. J. nos quatro primeiros minutos da gravação). Conforme explicaram as testemunhas M. G. e M. J., em primeiro lugar, os cinco irmãos decidiram reservar para a sua mãe, com o acordo desta, o prédio identificado em 10–1 (prédio misto constituído por uma casa de habitação, com quintal e junto horta de verão, sito no lugar do ..., freguesia de ..., concelho de ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ... e inscrito na matriz sob os artigos ... urbano e ... rústico). Antes de procederem à partilha dos restantes imóveis, os referidos irmãos decidiram dividi-los em lotes. Assim, na parte relevante para os autos, decidiram dividir o prédio identificado em 10-2 (prédio rústico denominado Campo da ..., sito no lugar de ..., freguesia de freguesia de ..., concelho de ..., a confrontar do norte com M. J. e outros, do sul com A. R., do nascente com Caminho Público e do poente com Herdeiros de A. M., que é parte do descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ... e inscrito na matriz sob o artigo ... rústico), que se situava ao lado do que ficou para a mulher do falecido, em três lotes para depois serem sorteados. Antes de se proceder ao sorteio, o filho mais velho, M. J., acompanhado de J. F. e de M. G. foram medir esse prédio e dividiram-no fisicamente em três, com mais ou menos 50 metros de frente na parte que dava para a Av. das ... (segundo as testemunhas M. G. e M. J.; a própria testemunha M. A. confirmou tal procedimento, bem como a constituição dos lotes e o sorteio); segundo declarou a testemunha M. J., o início do lote um foi por si marcado a cerca de três metros do coberto existente no prédio referido em 10-1. Previamente ao sorteio, a testemunha M. J. tomou a iniciativa de apor nas extremas marcas de tinta vermelha viva que concretamente delimitavam entre si cada um dos três lotes, bem como delimitando o lote um do prédio da mãe. Foi acompanhado nessa tarefa pelo seu irmão J. F.. Depois de colocadas essas marcas nos prédios e, portanto, não havendo dúvidas sobre a delimitação de cada um dos prédios entre si, procedeu-se ao sorteio, tendo a testemunha A. R., então com cerca de 9 anos de idade, retirado os papelinhos.
Para que não haja dúvidas, a existência das marcas vermelhas para delimitação dos prédios foi constatada na altura pela testemunha J. R., pessoa que é estranha ao conflito entre as partes e que prestou um depoimento que se afigura isento. Também a testemunha J. N. (conhecido por “P.” – v. depoimento de M. J.), que nenhum interesse tem no assunto dos autos e se limitou a afirmar o que viu sem tecer qualquer consideração de índole subjectiva (resulta do que se ouve na gravação que é um homem terra-a-terra, simples e humilde), agricultor que cultivou os lotes durante aproximadamente seis anos, a partir mais ou menos de 1988/1989, verificou a existência de tais marcas vermelhas nas paredes/muros laterais e bem como o alinhamento das ramadas com as mesmas.

Segundo, apesar do prédio referido em 10-2 se encontrar indiviso, a Autora e os seus irmãos entraram na posse das respectivas partes especificadas do prédio e vieram a proceder à divisão por escritura de 22 de Dezembro de 1993, em consonância com o que lhes tinha sido atribuído e passado a possuir. Nenhuma alteração foi então introduzida, designadamente na delimitação entre os prédios, a partir de então autónomos, tudo se mantendo como até aí. Sobre isto não há um único depoimento dissonante.

Terceiro, logo que entrou na posse do lote um, correspondente ao prédio referido em 1, o marido da Autora (entretanto falecido), J. O., mandou colocar o marco referido em 17 alinhado com a marca de tinta vermelha aí existente do lado poente (do lado do ...). Este facto foi confirmado, além do mais, pelas testemunhas M. G., A. R., M. J. e J. R..

Quarto, conforme a própria Autora confessou durante o seu depoimento, foi ela que mandou fazer as ramadas, tendo-se apurado a pessoa que em concreto as executou (o Sr. C., segundo a Autora) e quem acompanhou (fiscalizou, no dizer da testemunha M. J.) a execução da obra (o marido da Autora, conforme esclareceu desde logo a testemunha M. J., em conformidade com o que havia dito a Autora durante o seu depoimento de parte, sendo que antes de se fazerem as ramadas o marido da Autora mandou proceder à terraplanagem do terreno). Várias testemunhas descreveram onde e como foram feitas as ramadas e a respectiva função, designadamente M. G., A. R., M. J. e J. R.. Essas ramadas ficaram alinhadas com as delimitações dos prédios. Em concreto, na parte que releva para os autos, a ramada da Autora ficou alinhada com as marcas de tinta vermelha existentes de cada um dos lados; do lado poente ficou alinhada não só com a marca vermelha mas também com o marco que estava no seu enfiamento. O alinhamento da ramada com as marcas de tinta vermelha e o marco foi directamente constatada pelo Sr. Perito («este marco alinha com as marcas de tinta lixiviada e com a ramada existente»; «atenta a rocha (granito), a textura, a forma geométrica e a posição, afigura-se que este marco foi colocado em simultâneo com os esteios da ramada existente. Verificou-se ainda que ao retirar a terra à volta do marco com a forma de paralelepípedo em granito (identificado no esquema com a letra “M”) existiam bastantes raízes de plantas o que indicia que não foi colocado recentemente»; No relatório complementar fez constar expressamente que «as marcas de tinta lixiviada existentes no muro de betão a nascente e no muro de pedra a poente alinham (alinhamento retilíneo) com a ramada existente e o marco identificado no relatório principal»), M. G., A. R., M. J. e J. R.. A testemunha J. N., que não foi inquirido sobre o marco, confirmou o alinhamento da ramada que hoje é da Autora com as marcas de tinta vermelha existentes em cada um dos lados. Também nas fotografias é possível apreender tal realidade (as fotografias de fls. 174, 175, 204, 205, 206, 207, 244, 271, 272, 274, 261, 393, 394, 395 e 396 são elucidativas sobre a definição e caracterização da delimitação entre os dois prédios), mas ela parece-nos evidente face ao que consta do relatório pericial principal, relatório complementar e respectivos depoimentos, e ao que afirmaram as testemunhas acabadas de citar.

Quinto, sendo os apontados elementos de prova, através dos sinais objectivos referidos, enfáticos sobre o facto de a delimitação entre os prédios se fazer pela ramada da Autora vejamos agora se ainda é possível reforçar em sede argumentativa (apenas com a finalidade de tentar convencer os destinatários desta decisão) tal conclusão - que a nós nos parece inequívoca só pelos elementos já mencionados - com recurso a outros elementos recolhidos durante a produção de prova.

Esses elementos, em rigor já desnecessários, também existem nos autos. Vamos apenas apontar quatro.

Desde logo, a generalidade das testemunhas afirmou que no Minho e Douro Litoral, e em especial na zona onde se inserem os prédios, é tradição as ramadas serem efectuadas nos limites das propriedades, com os braços das ramadas virados para a propriedade à qual pertencem, sem deixar faixas para lá das ramadas, na direcção do prédio vizinho. Recordam-se aqui em particular, no apontado sentido, os depoimentos de M. G., A. R., M. J., J. N. e J. R.. Nenhuma das outras testemunhas ou depoentes negou directamente a existência daquela tradição, ou seja, o que é habitual acontecer. Também o Sr. Perito confirmou a existência da apontada tradição ao dizer: «Assim, e atenta a tradição dos campos agrícolas da região do Minho e Douro Litoral, as ramadas eram deixadas nos limites das propriedades. Tal razão prende-se com a necessidade da existência de um caminho por onde pudessem ser transportadas as culturas sendo quem não podendo os caminhos ser cultivados, eram feitos pelos limites da propriedade e aproveitada para a colocação de ramadas debaixo das quais passavam os carros e alfaiais agrícolas». Quer isto dizer que os usos, as tradições daquela zona, no que respeita à demarcação, estão em conformidade com os elementos de prova referidos em quarto.

Depois, como mero reforço argumentativo de que assim é na situação dos autos, temos o auto de notícia de 25.08.2011 (folhas 118 a 121), elaborado pela Guarda Nacional Republicana, na sequência de denúncia da Autora, a afirmar que havia sido feito um aterro no prédio que era comproprietária, com aplicação de resíduos de demolição e de construção, facto que veio a ser confirmado directamente por aquela entidade e deu origem à aplicação de uma coima (de € 498) ao responsável, no caso o irmão das partes, M. J.. Está em causa o facto de a Autora ter invocado que era comproprietária do prédio. Como se observa, além do mais, nas fotografias que acompanham o referido auto (que menciona que foram fornecidas pela Autora), o aterro ocupa grande parte da faixa de sete metros que a Autora reclama como sua no âmbito desta acção. A Autora era à data um dos herdeiros da sua falecida mãe, em cujo património hereditário se integrava o prédio que agora é dos Réus, pelo que nesse sentido mais comum era “comproprietária”. Ora, se o aterro ocupava parte substancial da faixa em litígio e ia quase até à ramada, o natural seria, se estivesse convencida que a faixa integrava o seu prédio, a Autora ter invocado que era proprietária do prédio. Ao afirmar que era comproprietária admitiu que a faixa em discussão integrava o prédio dos Réus.

Acresce a tudo isto a carta de fls. 560 e 561, de 14.01.2012, escrita numa altura em que não se sabia a quem ia ser adjudicado o prédio que é agora dos Réus, em que M. J. comunica à sua irmã S. P. (Autora): «Aproveito a ocasião para ter dizer que para não haver confusão dos limites do campo que era da nossa mãe com o teu deves deixar de fabricar a faixa de terreno de mais ou menos três metros que fica a sul dos esteios e videiras da tua ramada, pois essa faixa não te pertence nem nunca te pertenceu e começaste a fabricá-la sem o meu consentimento e dos outros nossos irmãos. Deixa livre essa faixa que sempre pertenceu ao campo da mãe e agora é de todos para não haver chatices com quem vier a ficar com o campo».

Finalmente, como mero elemento lateral e secundário, e apenas levado em conta no âmbito da livre apreciação da prova não vinculada, a Autora no processo nº 1355/10.0TJVNF do então 5º Juízo Cível de ... assumiu a posição de autora e demandou, além do mais, T. P., que por escritura pública de 14.02.2003 tinha adquirido a A. R., mãe da Autora e dos demais irmão referenciados, um prédio urbano e uma parcela de terreno destacados do prédio referido em 10-1 (do qual restou o prédio rústico referido em 5, actualmente dos Réus). Na resposta à contestação, que foi junta por cópia a folhas 363 a 365 (2), a Autora, naturalmente pela pena da aí sua mandatária, afirmou o seguinte: «Jamais existiu, pelo menos facticamente, qualquer destacamento de uma parcela “ideal” de quarenta metros a norte da propriedade dos Réus dado que a delimitação entre a propriedade da referida A. R. e da Autora sempre foi feita através de uma ramada existente no local, o que se mantém» (sublinhado e negrito nossos). Nesta acção, a Autora, quando foi confrontada com aquele documento, alegou, por requerimento de 15.02.2016, junto a fls. 375 e 376, que: «1 O alegado no documento em apreço, é do desconhecimento total da aqui Autora. 2 Já que é da autoria e exclusiva responsabilidade da mandatária subscritora do mesmo. 3 O alegado pela mandatária não foi aceite especificadamente pela parte contrária no processo judicial onde foi junto o documento/resposta, 4 Pelo que a aqui Autora retira essa confissão, até porque não corresponde, na sua versão, à verdade. Termos em que não se aceita o teor do documento junto, no que se refere à sua delimitação pelo lao Sul, mantendo-se tudo quanto consta na petição inicial dos presentes autos de demarcação». Apesar de a Autora dizer que tal documento é da exclusiva responsabilidade da sua mandatária, por um lado, em termos de experiência comum, é pouco habitual um advogado carrear para os autos factos tão específicos à revelia do seu representado e, por outro, constata-se que a versão constante do documento coincide precisamente com aquilo que se demonstrou nestes autos.

Sexto, é observável nas fotografias que ao longo dos anos foram tiradas aos prédios que a partir de determinada altura, já nesta década, começaram a aparecer outros sinais nas paredes/muros onde já estavam há muitos anos as marcas de tinta vermelha. Tratou-se de uma operação de mistificação – para alicerçar a tese de confusão de limites dos prédios - que é bem perceptível, uma vez que quem a realizou viu frustrado o seu objectivo por existirem elementos objectivos anteriores à colocação desses sinais. Tal situação ainda mais reforça a convicção sobre o facto de a delimitação se fazer pela ramada, não se podendo deixar apagar todo o historial que esteve na base da fixação das extremas entre os dois prédios. As extremas não são realidades fluídas, antes realidades tendencialmente imutáveis. Tendo num determinado momento sido feita a delimitação entre dois prédios, a mesma passa a ser vinculativa para os respectivos proprietários.

Por todo o exposto, na procedência da apelação de facto, decide-se aditar um ponto à matéria de facto provada com o seguinte teor:

24 - A delimitação do prédio da Autora com o prédio dos Réus é feita pela ramada mencionada em 17, a qual está alinhada com um marco e as marcas de tinta lixiviada existentes na confrontação poente e com as marcas de tinta lixiviada existentes no muro de betão da confrontação nascente.
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2.2.2. Da reapreciação de Direito

Já no anterior acórdão desta Relação se abordou a questão da distinção da acção de demarcação face à acção de reivindicação e se concluiu que aqui estava em causa a demarcação, pelo que não se justifica voltar ao assunto.
Desaparecidas as anteriores acções de arbitramento (3), no Código de Processo Civil a demarcação efectiva-se agora através de uma acção declarativa de processo comum.
Porém, os termos essenciais da acção de demarcação estão condicionados pelas disposições da lei substantiva, que no caso é o Código Civil.
A demarcação é um dos poderes inerentes à propriedade imóvel, sendo configurado no artigo 1353º do Código Civil como um direito potestativo. Com efeito, o proprietário pode obrigar os donos dos prédios confinantes a concorrerem para a demarcação das extremas entre o seu prédio e os deles.
A demarcação pressupõe o reconhecimento do domínio sobre os prédios confinantes e a indefinição da linha divisória entre eles. No fundo, o direito de propriedade é pressuposto do direito de demarcação.

No caso dos autos, a Autora exerce o direito potestativo de marcação contra os Réus, pretendendo ver definitivamente fixada a extrema entre os respectivos prédios de que são proprietários.
A Autora é proprietária do prédio rústico constituído por terreno de cultura, com videiras em ramada, a confrontar, actualmente, de norte com M. A. e de sul com J. F. e M. P., nascente com Avenida das ... e do poente com herdeiros de A. M., sito no lugar de ... ou Quinta da ..., freguesia de ..., do concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...... e inscrito na matriz rústica sob o artigo ....
Por sua vez, os Réus são, em comum e partes iguais, proprietários do prédio rústico a confrontar, actualmente, de norte com S. P., sul com Estrada Nacional, nascente com Avenida das ... e Poente com T. P., sito no lugar de ... de … ou ..., freguesia de ..., do concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ... e inscrito na matriz rústica sob o artigo ....

Os prédios são contíguos. O prédio da Autora confronta pelo lado sul com o prédio dos Réus.
Também é inequívoco que as partes não se entendem sobre onde fica a extrema entre os respectivos prédios. Para a Autora, a extrema situa-se a sete metros a sul da ramada de videiras existente no seu prédio, enquanto os Réus sustentam que a extrema coincide com a linha traçada pela referida ramada.
Estando reunidos os pressupostos da acção de demarcação (prédios contíguos pertencentes a proprietários diferentes e desentendimento entre eles sobre a respectiva extrema), cabe agora concretizar a demarcação através dos critérios estabelecidos no artigo 1354º do Código Civil.
Para determinar o modo de proceder à demarcação importa percorrer um encadeado de critérios, só se passando para o seguinte se o anterior se revelar inapropriado para concretizar a demarcação.
O primeiro critério consiste em fazer a demarcação em conformidade com os títulos de cada um.
Na falta ou insuficiência dos títulos, recorre-se à posse em que estejam os confinantes ou segundo o que resultar de outros meios de prova. Não existe predominância da posse sobre os outros meios de prova mencionados no artigo 1354º, nº 2, do Código Civil. Como assinalam Pires de Lima e Antunes Varela (4), fez-se «uma referência expressa a outros meios de prova ao lado da presunção resultante da posse, por se entender que, podendo esta ser arbitrária ou abusiva, não devia funcionar como um elemento decisivo de prova. Quer dizer que, não obstante existir posse da faixa, ou de parte dela, pode o tribunal, com base noutros meios de prova, que podem ser simples presunções (desde que não haja usucapião, é evidente), chegar a uma conclusão contrária à revelada pela posse» (5).
Como critério residual, na falência de todos os outros, resta a aplicação da regra salomónica, em que a demarcação faz-se distribuindo o terreno em litígio por partes iguais.
Revertendo os aludidos conceitos à situação dos autos, constatamos que os títulos de aquisição da propriedade não contêm quaisquer elementos que permitam a determinação dos limites dos respectivos terrenos. Nenhum elemento útil resulta dos mesmos que nos permita fixar a linha divisória entre os dois prédios.
Por isso, há que recorrer ao segundo critério, previsto no nº 2 do artigo 1354º. Nada se provou sobre a posse sobre a faixa de terreno em litígio, pelo que a questão não pode ser resolvida em consonância com a mesma.
Porém, a definição das extremas resulta de outros meios de prova, tal como se exarou na apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

Com relevo para a demarcação, provou-se que:

22 - A Autora mandou fazer as ramadas que constam dos prédios referidos em 14, designadamente a ramada que existe no prédio da Autora identificado em 1;
17 - A ramada existente no prédio da Autora está alinhada com uma pedra de granito com a forma de paralelepípedo, com comprimento de 80 cm (60 cm enterrado) e com as marcas de tinta lixiviada existentes no local;
23 – O marco referido em 17 encontra-se situado na confrontação poente do prédio da Autora;
24 - A delimitação do prédio da Autora com o prédio dos Réus é feita pela ramada mencionada em 17, a qual está alinhada com um marco e as marcas de tinta lixiviada existentes na confrontação poente e com as marcas de tinta lixiviada existentes no muro de betão da confrontação nascente.
Os limites dos prédios encontra-se assim concretamente definidos.
Por isso, estamos em condições de proceder à demarcação, definindo de uma vez por todas a extrema entre o prédio da Autora e o prédio dos Réus.
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2.3. Sumário

1 – A demarcação é um dos poderes inerentes à propriedade imóvel, sendo configurado no artigo 1353º do Código Civil como um direito potestativo.
2 – O recurso à acção de demarcação pressupõe a indiscutibilidade do direito de propriedade sobre os prédios confinantes e a indefinição da linha divisória entre eles.
3 – Demonstrando-se que os prédios contíguos pertencem a proprietários diferentes e que existe desentendimento entre eles sobre a respectiva extrema, cabe concretizar a demarcação através dos critérios estabelecidos no artigo 1354º do Código Civil.
4 – O primeiro critério consiste em fazer a demarcação em conformidade com os títulos de cada um; na falta ou insuficiência dos títulos, recorre-se à posse em que estejam os confinantes ou segundo o que resultar de outros meios de prova; na falência de todos os outros critérios, a demarcação faz-se distribuindo o terreno em litígio por partes iguais.
5 – Desde que não haja usucapião, não existe predominância da posse sobre os outros meios de prova mencionados no artigo 1354º, nº 2, do Código Civil.
6 – Demonstrando-se através dos meios de prova produzidos qual a definição da linha divisória entre o prédio da Autora e o prédio dos Réus, a demarcação deve ser feita em conformidade com os factos reveladores da extrema entre os prédios.
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III – DECISÃO

Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a sentença e determinar que a demarcação da extrema entre o prédio da Autora (identificado no ponto 1) e o prédio dos Réus (identificado no ponto 5) se faça por uma linha recta, no sentido Nascente-Poente, com início na Avenida das ... e fim no prédio propriedade de T. P., definida pela ramada que existe no prédio da Autora, devendo a linha divisória ser assinalada no solo pela colocação de dois marcos no solo, um em cada extremidade da linha.
Custas pela Recorrida.
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Guimarães, 13.06.2019

(Acórdão assinado digitalmente)
­ Joaquim Boavida (relator)
Paulo Reis (1º adjunto)
Joaquim Espinheira Baltar (2º adjunto)


1. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, 2018, pág. 115.
2. Mais tarde, os Réus vieram a juntar um documento semelhante ao referido, a fls. 543/544, tendo a Autora, por requerimento de fls. 549-540, tomado a seguinte posição relativamente ao mesmo: «1 O documento ora junto é a repetição (embora não assinado e com redacção ligeiramente diferente) dos já apresentados em 25.02.2016 (Ref.ª 21957458) e na sessão de audiência de julgamento. 2 Tal como já se alegou anteriormente e se repete, o documento em apreço é do desconhecimento total da aqui Autora, 3 Já que é da autoria e exclusiva responsabilidade de quem o redigiu, que não Autora. 4 O teor deste documento não foi aceite pela Autora nem é aceite especificamente pela parte contrária no pretenso processo judicial onde se diz que foi junto. 5 Pelo que a aqui Autora retira essa eventual confissão, até porque não corresponde à verdade. 6 Por todos estes motivos impugna-se o teor do documento ora junto, bem como a sua autenticidade. Termos em que não se aceita o teor do documento junto, no que se refere à delimitação do prédio da Autora pelo seu lado sul, mantendo-se tudo quanto consta na petição inicial dos presentes autos de demarcação e no Acórdão proferido». Note-se que a Autora apenas pôs em causa a autenticidade do documento de fls. 543/544. Relativamente ao documento 363 a 365 a posição da Autora foi a que está descrita no texto.
3. V. artigos 1052º, nº 1, e 1058º do CPC anterior à Reforma de 95/96.
4. Código Civil Anotado, vol. III, 2ª edição, Coimbra Editora, pág. 201.
5. Acrescentam ainda que a «simples posse, não havendo o tempo necessário para a usucapião (caso em que o problema que se suscita é outro), não deve ter o relevo bastante para se sobrepor a qualquer outra prova, designadamente à prova testemunhal obtida com o depoimento de pessoas que tiveram conhecimento directo das causas que ocasionaram as dúvidas sobre as extremas dos prédios. A posse pode ser arbitrária ou abusiva. Ela será assim um elemento que, tal como quaisquer outros elementos, ajuda a fixar a convicção do tribunal».