Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2416/15.9T8BCL-C.G1
Relator: RAQUEL TAVARES
Descritores: PROCESSO TUTELAR CÍVEL
INCUMPRIMENTO DO PROGENITOR
CONDENAÇÃO EM MULTA
INDEMNIZAÇÃO AO OUTRO PROGENITOR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – À luz do disposto no artigo 41.º, n.º 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível mantém-se válido o entendimento de que só o incumprimento grave e reiterado do progenitor remisso justifica a sua condenação em multa.

II – A aplicação de sanções pelo incumprimento do que tiver sido acordado quanto à regulação das responsabilidades parentais dependerá sempre da ponderação e análise dos factos concretos, pois só a análise das circunstâncias concretas em que incorreu esse incumprimento permite verificar se existe culpa e ilicitude por parte do progenitor incumpridor e se as mesmas revestem gravidade que justifiquem a condenação.

III – A actuação da mãe que reiteradamente priva o pai do contacto com o menor por diversos fins-de-semana seguidos nos meses de Fevereiro e Março de 2016 sem que para tal conduta conste qualquer justificação é de considerar culposa e ilícita, desde logo porque ocorreu sem causa justificativa, merecendo, por isso, um juízo de censura que justifica a sua condenação em multa ao abrigo do disposto no artigo 41.º, n.º 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.

IV – Para a condenação numa indemnização a favor do pai ou do menor nos termos do artigo 41.º, n.º 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível não basta que esteja demonstrada a situação de incumprimento, antes é necessário que se verifiquem os pressupostos da obrigação de indemnizar por factos ilícitos, pois a condenação em indemnização não é uma consequência automática decorrente do simples facto de se verificar o incumprimento, antes exige que se aleguem e provem factos integrantes da obrigação de indemnizar por factos ilícitos.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

J. C. intentou o presente Incidente de Incumprimento de Regulação das Responsabilidades Parentais contra S. L..
Para tanto e em síntese, alega que nos autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais foi homologado acordo nos termos do qual as responsabilidades parentais passaram a ser exercidas por ambos os progenitores, sendo o menor entregue à guarda e cuidados da mãe, ficando ainda estipulado no mesmo acordo quanto ao regime de visitas que o progenitor poderia visitar e conviver com o menor sempre que o desejasse, mediante aviso prévio à mãe, com a antecedência de 24 horas e sempre sem prejuízo dos períodos de descanso e de estudo do menor, tendo ainda ficado estipulado um regime quanto às festividades, férias e fins-de-semana, podendo o menor pernoitar com o pai das 21 horas de sexta-feira às 21 horas de domingo.
Mais alega que tentou por diversas vezes estabelecer contacto com o filho sendo-lhe tal contacto vedado pela Requerida, nomeadamente nos dias 7, 13, 20, 27 de Fevereiro de 2016, 5 e 12 de Março de 2016, bem como a 12 de Abril de 2016 e que a Requerida, apesar de previamente avisada, impediu o Requerente de estar com o menor na segunda semana de Páscoa.
Conclui pedindo que sejam ordenadas as diligências necessárias com vista ao cumprimento coercivo por parte da Requerida e a condenação em multa bem como em indemnização a favor do menor no montante de €2.500,00 e do progenitor no valor de €2.000,00.
Foi agendada conferência de pais nos termos previstos no art. 41º, nº 3 do RGPTC, tendo-se frustrado a possibilidade de acordo no seu âmbito, bem como, em momento ulterior, a resolução do litígio através da mediação e/ou audição técnica especializada.
Face à impossibilidade de obtenção de acordo foi determinada a notificação das partes para querendo alegarem e apresentarem prova.
Foi realizada a inquirição das testemunhas arroladas e foi proferida decisão nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva:
“Por tudo o exposto, decido julgar procedente o incidente de incumprimento suscitado pelo requerente, J. C., quanto ao regime de regulação das responsabilidades parentais no que toca ao regime de visitas, condenando a requerida, S. L., na multa de € 300,00 (trezentos euros).
Custas pela progenitora.
Registe e notifique”.
Inconformada, apelou a Requerida concluindo as suas alegações da seguinte forma:

“CONCLUSÕES

1. O presente recurso é da sentença que condenou a requerida pelo incumprimento das responsabilidades parentais.
2. O Douto Tribunal “A Quo” decidiu-se pela condenação da requerida com base, unicamente, na convicção da Meritíssima Juíza.
3. O Douto Tribunal “A Quo” valorou de forma diferente o depoimento das testemunhas, optando por valorar uns em detrimento de outros, quando o valorado não tem qualquer conhecimento directo das questões, nomeadamente, se o requerente avisou efectivamente a requerida de que pretendia visitar o menor, desvalorizando documentos de autoridades policiais que atestam que nos dias referidos pelo requerente nenhuma reclamação ou telefonema receberam a dar conta de um suposto incumprimento das responsabilidades parentais por parte da requerida.
4. O Douto Tribunal a Quo aceita como suficiente, dois autos de ocorrência relativos a dias que não constam do requerimento inicial, nem das alegações do requerente e sobre os quais a requerida não teve como se defender.
5. A testemunha do requerente E. C. que teve um depoimento sobrevalorizado refere “acabei de dizer não..ele disse-me que avisou”
6. Salvo o devido respeito, por opinião contrária e na nossa modesta opinião da análise do depoimento supra transcrito temos que a decisão do Douto Tribunal “A Quo” deve levar à absolvição da requerida, por não se terem provados os factos alegados no requerimento inicial de incumprimento e posteriormente confirmados nas alegações do requerente.
7. O Douto Tribunal “A Quo” devia ter absolvido a requerida, por não se trem
provados os factos constantes do requerimento inicial de incumprimento, nomeadamente o facto de o requerente ter avisado a requerida.
8. O Tribunal “A Quo” não fez aplicação prática dos Princípios “In Dubio Pro Reo”.
9. Não tendo o Douto tribunal logrado obter a certeza dos factos, tendo permanecido na dúvida, como acontece nos autos, na nossa modesta opinião, deveria ter decidido em desfavor do requerente, a quem competia provar os factos alegados, absolvendo a requerida.
10. Já que perante a prova produzida em audiência de discussão e de julgamento,
deve a aqui recorrente ser considerado absolvido por se ter violado o princípio in dubio pro reo, constitucionalmente fundado no princípio da presunção da inocência ate ao trânsito em julgado da sentença de condenação, previsto no art. 32º n. 2 da C.R.P.
11. Existe, assim, fundamento para recurso, nos termos do art. 629º, Código Processo Civil.
12. Houve contradição insanável da fundamentação, uma vez que perante quatro
depoimentos, valoram-se dois depoimentos de testemunhas que apenas sabem porque o requerente lhe disse e não se dá credibilidade aos documentos juntos pela autoridade que contradizem o alegado pelo requerente.
13. Foi valorizado pela Meritíssima Juíza “A Quo” dois autos de ocorrência de datas que não foram sequer suscitadas pelo requerente e cujo teor a requerida não se pode pronunciar para se defender.
14. A decisão do Douto Tribunal “A Quo” deveria ter sido a da improcedência do pedido do requerente e absolvição do requerida do peticionado
15. Foram violadas as normas do artigo 32º da C.R.P. artigo 607º, 609º ambos do C.P.C.”.
O Requerente contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso interposto pela Requerida e apelou também da decisão proferida na parte que julga improcedente a parte do pedido no que respeita à indemnização a favor do menor na quantia de €2.500,00 e na parte que respeita à indemnização a favor do progenitor no valor de €2.000,00, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

“CONCLUSÕES:

a) Toda a criança ou jovem tem o direito de estabelecer, reatar ou manter uma relação directa e continua com o progenitor a quem não foi confiada a sua guarda, devendo este direito ser exercido no interesse da criança ou do jovem
b) A criança ou jovem é o verdadeiro beneficiário do Direito de Visita.
c) Incumbe ao progenitor a quem foi confiada a guarda da criança as obrigações de não interferir nas relações da criança com o progenitor não guardião e de facilitar o direito de contacto e de relacionamento prolongado.
d) A questão que se coloca é a de saber se, em abstracto, a condenação em
indemnização a favor do menor e a favor do progenitor deverá ou não abarcar o Direito
de Visita por parte do progenitor não guardião.

e) O incumprimento do exercício das responsabilidades parentais tem uma sanção específica estatuída na Lei, nomeadamente no Artigo 41°, n.? 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC).
f) Resulta deste preceito legal que o progenitor remisso, que não cumpra o acordado ou decidido pelo Tribunal, pode ser condenado em multa e em indemnização a favor da criança, do progenitor requerente ou de ambos.
g) Este entendimento que tem vindo a ser reforçado ao nível europeu, quer pela
Doutrina, quer pela Jurisprudência, como forma de manter e preservar os laços afectivos
entre os filhos e o progenitor a quem não foi atribuída a guarda desses filhos.

h) A ratio deste entendimento tem como fundamento a natureza jurídica do Direito de Visita que se assume como um direito-dever e não como um direito subjectivo propriamente dito, como forma de o progenitor não guardião colaborar também no exercício das responsabilidades parentais.
i) O Direito de Visita funciona como uma forma de o progenitor não guardião
manifestar a sua afectividade para com o filho, estreitando os laços familiares,
partilhando emoções e ideias e transmitindo-lhe determinados valores e sentimentos
indispensáveis ao real crescimento do seu filho e ao seu desenvolvimento harmonioso
do ponto de vista psicológico.

j) Deste modo, o afastamento de um dos progenitores da vida do menor é uma situação que se configura em si mesma como contrária aos interesses da própria criança e, por consequência, é necessário salvaguardar tais situações.
k) O exercício deste Direito de Visita não pode ser assim restringido ou suprimido, a não ser que circunstâncias extremamente graves o justifiquem.
1) Neste contexto, é totalmente reprovável a conduta da Recorrida em querer impedir e restringir o Direito de Visita que assiste ao Requerente para com o seu filho menor,
m) Sendo que é manifesto que a Recorrida, nas circunstâncias e condições em que agiu, actuou ilicitamente ao não permitir o cumprimento do regime fixado judicialmente,
n) Pelo que foi, e a nosso ver correctamente, o pedido de reconhecimento do incumprimento julgado e decidido procedente.
o) Contudo, concretamente, o Tribunal a quo decidiu julgar improcedente o pedido na parte que diz respeito à indemnização a favor do menor na quantia de 2.500 euros e na parte que respeita à indemnização a favor do progenitor no valor de 2.000 euros.
p) In casu, verificou-se por parte da Recorrida um incumprimento culposo, reiterado e grave, sem qualquer motivo aparente e não desculpável, e não apenas uma mera situação ocasional ou pontual, ocasionada por motivos ponderosos alheios à sua vontade.
q) A Recorrida ao impedir as visitas do Recorrente ao seu filho menor agiu de forma intencional, tendo a consciência que estaria a incumprir o acordo quanto ao exercício das responsabilidades parentais relativo ao menor.
r) A Recorrida tem conhecimento, assim como ficou provado pelo Tribunal a quo no ponto 4 dos factos dados como provados, que “O menor R. C. nutre por ambos os progenitores muito carinho e manifesta vontade de estar com ambos, referindo de forma clara e inequívoca que gosta muito do pai, de estar na sua companhia, bem como da actual mulher deste.”
s) A Recorrida sabia que ao actuar daquela forma, estaria a impedir o menor de se relacionar com o seu pai, causando tristeza tanto ao menor, como ao progenitor.
t) Porém, a Recorrida não se coibiu de impedir as visitas, agindo como se o menor se tratasse de uma sua propriedade e não como um ser autónomo e sujeito de direitos, não atendendo assim ao interesse demonstrado pelo menor em querer estar com o seu pai.
u) Neste sentido, é totalmente reprovável a conduta da Requerida, pelo que, com o devido respeito, não se conforma o Recorrente com a decisão do Tribunal a quo na parte em improcedem os pedidos de indemnização.
v) Pelo que, no entender do Recorrente devem ser arbitrados os pedidos de indemnização a favor do menor na quantia de 2.500 euros e a favor do progenitor no
valor de 2.000 euros.”

O Digno magistrado do Ministério Público contra alegou pugnando pela confirmação da decisão proferida em 1ª Instância e concluindo da seguinte forma:
“Conclusões:

A) Recurso da progenitora

I) Das alegações de recurso da progenitora não resulta que a mesma tenha dado cumprimento aos ónus impostos pelo art.º 640.º do Código de Processo Civil, designadamente não foram especificados os meios de prova que conduziriam a uma decisão diferente.
II) Sem embargo, constata-se que a sentença recorrida encontra-se devidamente fundamentada, com exposição dos motivos de facto e de direito.
III) Na verdade, para além do auto de ocorrência de fls. 63 e 64, relativo ao dia 1 de abril de 2016 pelas 15h e 30 m (no qual consta que a progenitora terá recusado a entrega do menor porque este estava no ATL e que o dia não era para visitas entre pai e filho) e do auto de ocorrência de fls. 65 e 66, relativo ao dia 12 do mesmo mês (daí constando que não estava ninguém em casa da progenitora), o Tribunal deu relevância aos depoimentos de A. C., pai do requerente, e essencialmente de E. A., cunhado do requerente, que presenciaram as tentativas do progenitor para ver e estar com o filho e das diligências levadas a cabo nesse particular sem qualquer sucesso.
IV) Já quanto à sobrinha da requerida, T. L., o Tribunal concluiu que esta revelou total interesse no desfecho da lide, depondo de forma pouco espontânea e sem conhecimento direto da factualidade em causa, pelo que não deu relevo ao respetivo depoimento.
V) Da conjugação de tais elementos de prova não se suscitaram dúvidas ao Tribunal que, nos dias 7, 13, 20 e 27 de fevereiro e 5 e 12 de março de 2016, o requerente tentou estar com o filho e não o conseguiu, apesar de ter avisado a requerida previamente, tendo, pois, sido violado o acordo de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais.

B) Recurso do progenitor

VI) A atribuição de uma indemnização a favor da criança ou do progenitor afetado por uma situação de incumprimento (nos termos do art.º 41.º, n.º 1, do RGPTC) não funciona automaticamente.
VII) Só existirá incumprimento das responsabilidades parentais relevante para esse efeito, no que ao direito de visitas diz respeito, quando o incumpridor tiver criado intencionalmente uma situação culposa, reiterada e grave que permita assacar-lhe um efetivo juízo de censura.
VIII) No caso dos autos, para além das datas referidas, não consta que tenham existido outras situações de incumprimento de visitas, sendo certo que, presentemente, o menor está a conviver pacificamente com o pai.
IX) Por outro lado, não se fez prova de que, por causa dos incumprimentos comprovados nos autos, tenha sido afetada a estabilidade emocional do menor ou do progenitor”.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
***
II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC).
As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes, são as seguintes:

1 - Determinar se houve erro no julgamento da matéria de facto;
2 - Saber se houve incumprimento por parte da Requerida;
3 - Saber deve ser arbitrada alguma indemnização a favor do Requerente e do menor.
***
III. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos
Factos considerados provados em Primeira Instância:

1. R. C., nascido a 4 de Setembro de 2008, é filho de J. C. e de S. L..
2. No âmbito dos autos de divórcio nº 2416/15.9T8BCL foram reguladas as responsabilidades parentais mediante acordo homologado judicialmente por decisão datada de 10 de Dezembro de 2015 nos seguintes termos:
a. O menor R. C. fica à guarda e cuidados da mãe, exercendo esta as responsabilidades parentais relativas aos actos de vida corrente do filho, nos termos previstos no art.º 1907, n.ºs 1 e 2 do Código Civil;
b. As responsabilidades parentais relativas aos actos de particular importância para a vida do menor serão exercidas por ambos os progenitores, nos termos previstos no art.º 1907, n.º 3, do Código Civil;
c. O pai é livre de visitar e conviver com o menor sempre que o deseje, mediante prévio contacto com a mãe, com uma antecedência de 24 horas, e sempre sem prejuízo dos períodos de descanso e de estudo do menor;
d. Por forma a permitir uma reaproximação ao filho, durante dois meses, o pai pode ainda ver e estar com o filho, em fins-de-semana alternados, aos sábados e domingos das 09,00 horas às 21,00 horas.
e. Ao fim deste período de dois meses de contactos sucessivos, vigora o mesmo regime de fins-de-semana alternados, das 21,00 horas de sexta- feira às 21,00 horas de domingo, sendo que o menor passará a pernoitar com o pai.
f. Às terças e quintas-feiras o pai pode ir buscar o filho à escola findas as actividades escolares, ficando este responsável por entregá-lo na casa da mãe pelas 21,30 horas.
g. O dia de aniversário dos pais será passado na companhia do menor.
h. No próximo aniversário do menor que ocorrerá em 4 de Setembro de 2016, o menor passará o almoço na companhia da mãe e o jantar na companhia do pai, vigorando o regime alternado nos anos subsequentes.
i. Todas as férias escolares do menor serão passadas a meias na companhia de ambos os progenitores, sendo que tais períodos serão a combinar pelos mesmos, com 60 dias de antecedência.
j. No próximo dia 24 de Dezembro de 2015 o menor estará na companhia da mãe, no dia 25 de Dezembro de 2015 almoça na companhia do pai, no dia 31 de Dezembro de 2015 estará na companhia da mãe e no dia 01 de Janeiro de 2016, estará na companhia do pai, vigorando o regime alternado nos anos subsequentes.
k. As despesas médicas e medicamentosas extraordinárias, na parte não comparticipada, bem como as despesas escolares do início do ano lectivo serão suportadas por ambos os progenitores em partes iguais após a mãe remeter para o domicílio do progenitor comprovativo das mesmas através de carta registada com aviso de recepção, ficando o progenitor obrigado a efectuar metade do correspondente pagamento no prazo de 15 dias após a recepção do aviso de recepção.
l. O pai contribuirá a título de alimentos devidos ao filho, com a quantia mensal de €125,00 (cento e vinte e cinco euros), a pagar até ao dia 15 de cada mês, com início no presente mês de Dezembro através de depósito ou transferência bancária para conta da mãe do menor com o NIB …, quantia essa actualizável anualmente em Dezembro de 2016 de acordo com o índice de evolução de preços no consumidor publicado pelo I.N.E. aprovado para o ano anterior;

Das alegações do Requerente:

3. Nos dias 7, 13, 20 e 27 de Fevereiro de 2016, 5 e 12 de Março de 2016 o requerente tentou estar com o filho e não conseguiu, apesar de ter avisado a requerida previamente.
4. Apesar da requerida ter sido avisada previamente impediu que o requerente estivesse com o filho na segunda semana da Páscoa.
Mais se provou que:
5. O menor nutre por ambos os progenitores muito carinho e manifesta vontade de estar com ambos, referindo de forma clara e inequívoca que gosta muito do pai, de estar na sua companhia, bem como da actual mulher deste.
***
Factos considerados não provados em Primeira Instância:

Das alegações da Requerida:

a. O progenitor das poucas vezes que leva o menor para a sua residência em Arcos de Valdevez deixa este em casa sozinho com os filhos menores da sua companheira, sem a vigilância de qualquer adulto, que o filho menor da companheira o fecha no quarto para não ser incomodado.
b. Que foi a irmã do progenitor quem levou o menor no dia de aniversário deste.
***
3.2. Da modificabilidade da decisão de facto

O nº 5 do artigo 607º do Código de Processo Civil preceitua que o “juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, o que resulta também do disposto nos artigos 389º, 391º e 396º do Código Civil, respectivamente para a prova pericial, para a prova por inspecção e para a prova testemunhal; desta livre apreciação do juiz o legislador exclui os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, aqueles que só possam ser provados por documentos ou aqueles que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes (2ª parte do referido nº 5 do artigo 607º).
Cumpre realçar que a “livre apreciação da prova” não se traduz obviamente numa “arbitrária apreciação da prova”, pelo que impõe ao juiz que identifique os concretos meios probatórios que serviram para formar a sua convicção, bem como a “menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto” (cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, p. 655).
“É assim que o juiz [de 1ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)” (Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 325).
“Destarte, o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª Instância” (Ana Luísa Geraldes, Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, pág. 591).
De facto, dispõe o n.º 1 do artigo 662º do Código de Processo Civil que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Sustenta a Recorrente/Requerida que houve erro no julgamento da matéria de facto não devendo ser considerados provados os factos alegados no requerimento inicial e posteriormente reiterados nas alegações do Requerente.
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto é admitida pelo artigo 640º, n.º 1 do Código de Processo Civil, segundo o qual o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios de prova, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essas questões de facto.
O legislador impõe por isso ao recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto tal ónus de especificar, sob pena de rejeição do recurso.
O Requerente nas contra alegações que apresenta entende que a Requerida nas suas alegações não deu cumprimento aos ónus impostos por aquele preceito, designadamente não especificando os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e nem os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, entendendo que o recurso deve ser rejeitado.
Também o Ministério Público veio sustentar, relativamente ao recurso da Requerida, que esta não deu cumprimento aos ónus impostos pelo artigo 640.º do Código de Processo Civil, designadamente não especificando os meios de prova que conduziriam a uma decisão diferente.
Analisadas as alegações da Recorrente e as conclusões que formula temos de concordar que a formulação das mesmas não é particularmente feliz tendo em vista o cumprimento dos referidos ónus.
Contudo, temos entendido que a Relação, chamada a reapreciar a prova, deve usar de alguma flexibilidade na interpretação da lei (note-se que o STJ tem vindo a alertar, nomeadamente no seu acórdão de 29/01/2015, disponível em www.dgsi.pt, para a necessidade de uma interpretação “em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade”).
Assim, e ainda que o não diga por referência expressa aos pontos da matéria de facto que questiona a verdade é que a Requerida, aceitando os pontos 1) e 2), alega que não devem ser considerados provados os factos alegados no requerimento inicial e posteriormente reiterados nas alegações do Requerente; considerando que a matéria de facto constante da decisão recorrida se encontra elaborada por referência às “alegações do Requerente” – pontos 3) e 4), e a matéria de facto não provada às “alegações da Requerida” – pontos a) e b), facilmente se conclui que os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados são os referidos pontos 3) e 4) da matéria de facto provada.
E quanto aos meios de prova que conduziriam a uma decisão diferente resulta também das alegações da Requerida que a mesma se insurge contra a valoração feita pelo tribunal a quo da prova testemunhal, designadamente da testemunha indicada pela Requerida, e documental (autos de ocorrência juntos aos autos), entendendo que em face de uma situação de dúvida ou incerteza o tribunal a quo deveria ter considerado não provados os factos alegados no requerimento inicial e posteriormente reiterados nas alegações do Requerente.
Entendemos por isso que, embora não sendo a formulação mais adequada, ainda assim, não será de rejeitar o recurso da Requerida quanto à reapreciação da matéria de facto, pelo que passamos a conhecer do mesmo.
Vejamos.
Incumbe à Relação, como se pode ler no acórdão deste Tribunal de 7/04/2016 (disponível em www.dgsi.pt) “enquanto tribunal de segunda instância, reapreciar, não só se a convicção do tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os outros elementos constantes dos autos revelam, mas também avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto”.
No entanto, não nos podemos aqui esquecer da aplicação dos princípios gerais da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, sendo certo que o juiz da 1ª instância, perante o qual a prova é produzida, está em posição privilegiada para proceder à sua avaliação, e, designadamente, surpreender no comportamento das testemunhas elementos relevantes para aferir da espontaneidade e credibilidade dos depoimentos que frequentemente não transparecem da gravação.
Assim, a alteração da matéria de facto só deve pois ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando este conclua, com a necessária segurança, que a prova produzida aponta em sentido diverso e impõe uma decisão diferente da que foi proferida em 1ª instância.
Como salienta Ana Luísa Geraldes (Ob. Cit. página 609) “Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte”).

Os pontos da matéria de facto em causa são os seguintes:

“Das alegações do Requerente:

3. Nos dias 7, 13, 20 e 27 de Fevereiro de 2016, 5 e 12 de Março de 2016 o requerente tentou estar com o filho e não conseguiu, apesar de ter avisado a requerida previamente.
4. Apesar da requerida ter sido avisada previamente impediu que o requerente estivesse com o filho na segunda semana da Páscoa.”
Relembramos aqui, e antes de mais, a motivação do tribunal a quo a este propósito:

IV – A convicção do Tribunal baseou-se no seguinte:

- desde logo, quanto aos factos provados sob o ponto 1) e 2) na análise dos autos principais de divórcio mais propriamente nos assentos de nascimento de fls. 6 e 7 e na decisão contida a fls. 18 e ss. que regulou o exercício das responsabilidades parentais;
- relativamente à demais factualidade desde logo na análise dos auto de notícia de fls. 63 e 64 – relativo ao dia 1 de Abril de 2016 pelas 15h30m (no qual consta que a progenitora terá recusado a entrega do menor porque este estava no ATL e que o dia não era para visitas entre pai e filho); no auto de fls. 65 e 66 – relativo a ocorrência datada de 12 Abril de 2016 (daí constando que não estava ninguém em casa da progenitora), em conjugação com os depoimentos de A. C., pai do requerente, e essencialmente de E. A., cunhado do requerente, sendo este relevante na medida em que nos dias em causa presenciou as tentativas do progenitor para ver e estar com o filho e das diligências levadas a cabo por forma a que tal sucedesse sem qualquer sucesso.
Já o depoimento de T. L., sobrinha da requerida, revelou-se totalmente interessado no desfecho da lide, depondo de forma pouco espontânea e sem conhecimento directo da factualidade em causa, pelo que não foi relevado.
As declarações do menor apenas foram relevadas quanto aos sentimentos que o mesmo nutre por ambos os progenitores e à vontade de estar com ambos, referindo de forma clara e inequívoca que gosta muito do pai, de estar na sua companhia, bem como da actual mulher deste. Quanto aos concretos dias em que não privou com o progenitor nada revelou saber, o que bem se compreende dada a sua tenra idade.”
Analisando a motivação exposta pelo tribunal a quo, e desde já antecipando a nossa decisão, entendemos não assistir razão à Apelante sendo que as razões invocadas pela mesma radicam no essencial na sua discordância relativamente à convicção do Tribunal a quo, designadamente quanto à valoração das declarações da testemunha E. A., e ainda no facto de entender que face a uma situação de dúvida e incerteza os factos em causa deveriam ter sido considerados como não provados.
A este propósito invoca a Recorrente não só o artigo 355º do Código de Processo Penal, como o principio in dúbio pro reu, e o artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, citando ainda doutrina respeitante ao Direito Processual Penal.
Cumpre começar por referir que no caso concreto não estamos no âmbito de processo de natureza penal e nem de processo onde tenham aplicação, ainda que a título subsidiário, as regras do processo penal.
De facto, estamos no âmbito de um incidente de incumprimento de regulação das responsabilidades parentais, processo de jurisdição voluntária, regulado pelo Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC) aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de Setembro.
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 33.º deste diploma legal (“Direito subsidiário”) nos casos omissos são de observar, com as devidas adaptações, as regras de processo civil que não contrariem os fins da jurisdição de menores.
Assim, a primeira nota a salientar é que não tem aqui aplicação o principio in dúbio pro reu invocado pela Recorrente pelo que nenhuma censura se pode fazer ao Tribunal a quo por não ter aplicado tal princípio.
Temos pois que, conforme supra referimos, o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, identificando os concretos meios probatórios que serviram para formar essa convicção, e as razões justificativas da sua opção.
O Tribunal a quo equacionou toda a prova testemunhal produzida bem como a prova documental constante dos autos, e fê-lo de forma crítica e fundamentada, esclarecendo através de raciocínio lógico a forma como formou a sua convicção, especificando os fundamentos decisivos para a formação da sua convicção e justificando os motivos da sua decisão, designadamente porque deu credibilidade às declarações de E. A., cunhado do Requerente, em detrimento das declarações de T. L., sobrinha da Requerida.
E de facto, a testemunha E. A. demonstrou conhecimento directo dos factos por ter acompanhado o Requerente diversas vezes, e em fins-de-semana seguidos, quando este se dirigiu à casa da Requerida para ir buscar o filho. E a testemunha A. C., pai do Requerente, embora nunca o tivesse acompanhado, confirmou que o filho passava sempre em sua casa depois de ir à casa da Requerida buscar o filho e que não levava o neto dizendo que a Requerida o não entregava.
É certo que ambas as testemunhas referiram, aliás de forma espontânea, quanto ao facto do Requerente avisar a Requerida, que apenas sabiam o que aquele lhes transmitia.
Mas, se atentarmos nas declarações da testemunha T. L., concluímos que esta, apesar de afirmar que os problemas só surgiram por o Requerente ir buscar o menor nos fins-de-semana da Requerida (facto este que apenas sabia por lhe ser dito pela Requerida), não deixa de confirmar que a Requerida não entregou o menor ao Requerente (ainda que invocando o fundamento de não ser o fim de semana deste), e ainda que presenciou a GNR a ir lá e que o Autor mandava mensagem à Requerida a dizer que ia buscar o filho, que era forma como comunicava com a Requerida.
E quanto aos autos de ocorrência juntos aos autos pela GNR reportam-se os mesmos a factos ocorridos em 01 e 12 de Abril de 2016 (sendo que o requerimento inicial do presente incidente deu entrada no dia 15/04/2016), mas tal não contraria que nas datas referidas no ponto 3) dos factos provados o Requerente tenha tentado estar com o filho e não o tenha conseguido.
Alega a Recorrente que o Tribunal a quo valorizou dois autos de ocorrência e que “não teve como se defender” sobre tais autos e “cujo teor não se pode pronunciar”.
Tendo em atenção que à Requerida foi dado conhecimento do teor de tais autos e que decorreu o prazo para poder exercer o contraditório relativamente aos mesmos sem que nada tenha dito nos autos, não se alcance o sentido da afirmação da mesma de que “não teve como se defender” e “cujo teor não se pode pronunciar”.
De todo o modo aproveitamos para relembrar aqui que está em causa um processo de jurisdição voluntária (cfr. artigo 12º do RGPCT) e de acordo com as regras do artigo 986º e seguintes do Código de Processo Civil, o Tribunal pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes e não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna (cfr. o seu artigo 987º).
A Requerida invoca por último a existência de “contradição insanável da fundamentação”, alegando que perante quatro depoimentos valoraram-se dois de testemunhas que apenas sabem porque o Requerente lhes disse e não foi dada credibilidade aos documentos juntos pela autoridade que contradizem o alegado pelo Requerente.
Não podemos deixar de salientar não se perceber bem a posição da Recorrente, pois por um lado refere que o Tribunal a quo valorizou os dois autos de ocorrência invocando (ponto 13 das suas Conclusões) não se ter podido pronunciar sobre os mesmos (o que já vimos não ser assim) e, por outro lado, alega que o tribunal não deu credibilidade aos documentos juntos pela autoridade (ponto 12) das suas Conclusões).
Mas conforme já referimos não entendemos que os autos de ocorrência contrariem que nas datas referidas no ponto 3) dos factos provados o Requerente tenha tentado estar com o filho e não o tenha conseguido. E quanto à invocada “contradição insanável da fundamentação” não a vislumbramos, sendo certo que em face da alegação da Requerida estaria em causa não qualquer contradição na fundamentação mas mais uma vez a sua discordância quanto à forma como a prova foi valorada pelo Tribunal a quo, questão essa sobre a qual já nos pronunciamos.
Ouvidos pois os depoimentos das testemunhas A. C., E. A. e T. L., conjugados com a demais prova produzida, e analisados à luz das regras da experiência comum, entendemos que não se verifica erro de julgamento, inexistindo fundamento para que seja alterada a matéria de facto no sentido pretendido pela Requerida.
Pelo exposto, por nenhuma censura merecer a decisão a esse respeito proferida pela 1ª instância, conforme com a prova constante dos autos, mantêm-se inalterada a matéria de facto fixada pela 1ª instância.
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3.3. Reapreciação da decisão de mérito da acção

Mantendo-se inalterado o quadro factual julgado provado pelo Tribunal a quo importa agora indagar se é de manter a decisão jurídica da causa, que julgou procedente o incidente de incumprimento quanto ao regime de regulação das responsabilidades parentais no que toca ao regime de visitas e condenou a Requerida em multa, sendo certo que o Requerente veio recorrer da decisão proferida na parte em que não condenou a Requerida em indemnização a seu favor e a favor do menor.
Analisemos primeiro o regime jurídico a aplicar no caso concreto.
Os factos em análise ocorreram nos dias 07, 13, 20 e 27 de Fevereiro de 2016 e 05 e 12 de Março de 2016.
Nessa data vigorava já a Lei n.º 141/2015, de 8 de Setembro, que veio aprovar o Regime Geral do Processo Tutelar Cível, revogando a Organização Tutelar de Menores, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro.
O artigo 41.º nº. 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível veio prever que “Se, relativamente à situação da criança, um dos pais ou a terceira pessoa a quem aquela haja sido confiada não cumprir o que tiver sido acordado ou decidido, pode o tribunal, oficiosamente, a requerimento do Ministério Público ou do outro progenitor, requerer, ao tribunal que no momento for territorialmente competente, as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até vinte unidades de conta e, verificando-se os respectivos pressupostos, em indemnização a favor da criança, do progenitor requerente ou de ambos”.
À semelhança do anterior artigo 181.º da Organização Tutelar de Menores (que dispunha que: “Se, relativamente à situação do menor, um dos progenitores não cumprir o que tiver sido acordado ou decidido, pode o outro requerer ao tribunal as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa de €249,90 e em indemnização a favor do menor, ou do requerente ou de ambos”) continua a prever-se a condenação em multa e em indemnização.
À luz do regime previsto na Organização Tutelar de Menores era entendimento, que julgamos uniforme, que apenas o incumprimento grave e reiterado do progenitor remisso justificava a condenação, havendo, assim, de verificar se o comportamento do incumpridor é ilícito e culposo (neste sentido, entre outros, os Acórdãos desta Relação de 25/11/2013 e de 23/02/2017, ambos em www.dgsi.pt).
Não vemos, face à redacção do actual artigo 41.º nº. 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, motivos para alterar tal entendimento.
Assim, e no que ao regime de visitas concerne, a recusa ou o atraso na entrega do menor, só assumirão relevância se forem significativos e se, pela sua gravidade, demonstrem uma verdadeira ruptura na relação que habitualmente a criança tem com os seus progenitores.
E quanto à culpa devemos por isso considerar que “só releva o dolo no incumprimento, ou seja, as situações em que o incumpridor quis realizar o facto ilícito (dolo directo); ou, não o querendo realizar directamente, o previu como uma consequência necessária da sua conduta mas, apesar disso, não a alterou (dolo necessário); ou ainda, não querendo realizar directamente o facto ilícito, previu-o como uma consequência possível (dolo eventual), mas, mesmo assim, aceitou-o” (Acórdão desta Relação de 23/02/2017, já citado).
Para aferir da gravidade do comportamento do progenitor remisso deverá ter-se como critério primordial o interesse da criança.
É pois o superior interesse da criança que deve nortear a conduta dos pais, mas também que deve estar subjacente à decisão a proferir pelo julgador.
Já o Princípio 2º da Declaração dos Direitos da Criança de 1959 consagrava o superior interesse da criança como constituindo a preocupação fundamental na elaboração das leis, dispondo que “A criança gozará de protecção especial e deverão ser-lhe dadas oportunidades e facilidades através da lei e outros meios para o seu desenvolvimento psíquico, mental, espiritual e social num ambiente saudável e normal e em condições de liberdade e dignidade. Na elaboração das leis com este propósito, o superior interesse da criança constituirá a preocupação fundamental.”
Também o n.º 1 do artigo 3.º da Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança dispõe que “todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas, ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridade administrativa ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança”.
E o artigo 18.º da Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança impôs aos Estados Partes o dever de diligenciarem “de forma a assegurar o reconhecimento do princípio segundo o qual ambos os pais têm uma responsabilidade comum na educação e no desenvolvimento da criança”, mas deixou bem expresso que “o interesse superior da criança deve constituir a preocupação fundamental” dos pais.
E é esse superior interesse da criança que deve presidir na regulação das responsabilidades parentais mas também no exercício das mesmas.
Não há uma definição legal do que é o interesse do menor, mas o mesmo deverá ser entendido “…em termos suficientemente amplos de modo a abranger tudo o que envolve os legítimos anseios, realizações e necessidade daquele e dos mais variados aspectos: físico, intelectual, moral, religioso e social. E esse interesse tem de ser ponderado casuisticamente em face de uma análise concreta de todas as circunstâncias relevantes”(cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 01/04/2004, citado no Acórdão da mesma Relação de 08/07/2008, disponível em www.dgsi.pt.).
Trata-se, conforme escreve Maria Clara Sottomayor (Regulação do Exercício do Poder Paternal nos casos de Divórcio, página 42 e seguintes) de um conceito “vago e genérico utilizado pelo legislador, de forma a permitir ao juiz alguma discricionariedade, bom senso e alguma criatividade, e cujo conteúdo deve ser apurado no caso concreto”, somente podendo “ser encontrado em função de um caso concreto, situado no tempo e no espaço, através de uma perspectiva sistémica e disciplinar (…) já que o processo de desenvolvimento é uma sucessão de estádios, com características e necessidades próprias”.
Em idêntico sentido Celso Manata (“…no superior interesse da criança”, Seminário Direitos Das Crianças E Intervenção Que Competências ?, 24 de Abril de 2008, in http://www.cnpcjr.pt/preview_pag.asp?r=2259) concluía que como já se estabelecia na Declaração dos Direitos da Criança, o interesse superior do menor deve ser entendido como o direito deste ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade. Tal interesse só pode ser encontrado em função de um caso concreto, situado no tempo e no espaço, através de uma perspectiva sistémica e multidisciplinar e que não pode nunca esquecer e deixar de ponderar o grau de desenvolvimento sócio psicológico do menor, já que o processo de desenvolvimento é uma sucessão de estádios, com características e necessidades próprias.
Temos para nós como inquestionável que o contacto do menor com o progenitor a quem não foi confiada a sua guarda, e a manutenção com este de uma relação continua, se enquadra no superior interesse do menor, assumindo por isso o regime de visitas uma importância primordial no crescimento equilibrado da criança.
O direito de visita impõe a salvaguarda do interesse do próprio menor em manter com o progenitor, a quem não foi confiada a guarda, a relação de grande proximidade a que se alude no artigo 1906° n.° 7 do Código Civil, possibilitando, na prática, por essa via, ao progenitor não guardião dos menores, que o conteúdo das responsabilidades parentais inserido nos artigos 1877° e seguintes do Código Civil alcance expressão real e faça todo o sentido (Acórdão da Relação de Lisboa de 26/01/2017, in http://www.pgdlisboa.pt/jurel/jur_mostra_doc.php ?codarea=58&nid=5194).
O n.º 7 do referido artigo 1906° prevê efectivamente que “O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles”.
Assiste pois ao progenitor a quem não foi confiada a guarda o direito de ver e estar com o filho, e também de acompanhar a sua educação e crescimento, sendo que a tal direito corresponde também um dever: o de efectivamente receber o filho e estar com ele.
No caso concreto foram reguladas as responsabilidades parentais, no âmbito dos autos de divórcio nº 2416/15.9T8BCL, mediante acordo homologado judicialmente por decisão datada de 10 de Dezembro de 2015.
Nos termos de tal acordo o menor R. C. ficou à guarda e cuidados da mãe, exercendo esta as responsabilidades parentais relativas aos actos de vida corrente do filho, nos termos previstos no artigo 1907, n.ºs 1 e 2 do Código Civil, sendo as responsabilidades parentais relativas aos actos de particular importância para a vida do menor exercidas por ambos os progenitores, nos termos previstos no nº. 3 do referido artigo 1907.
E quanto ao regime de visitas, na parte que aqui nos interessa, ficou acordado que:
- o pai é livre de visitar e conviver com o menor sempre que o deseje, mediante prévio contacto com a mãe, com uma antecedência de 24 horas, e sempre sem prejuízo dos períodos de descanso e de estudo do menor;
- por forma a permitir uma reaproximação ao filho, durante dois meses, o pai pode ainda ver e estar com o filho, em fins-de-semana alternados, aos sábados e domingos das 09,00 horas às 21,00 horas;
- findo este período de dois meses de contactos sucessivos, vigora o mesmo regime de fins-de-semana alternados, das 21,00 horas de sexta- feira às 21,00 horas de domingo, sendo que o menor passará a pernoitar com o pai.
- às terças e quintas-feiras o pai pode ir buscar o filho à escola findas as actividades escolares, ficando este responsável por entregá-lo na casa da mãe pelas 21.30 horas;
- todas as férias escolares do menor serão passadas a meias na companhia de ambos os progenitores, sendo que tais períodos serão a combinar pelos mesmos, com 60 dias de antecedência.
Nos dias 07, 13, 20 e 27 de Fevereiro de 2016 e 05 e 12 de Março de 2016 o Requerente tentou estar com o filho e não conseguiu, apesar de ter avisado a Requerida previamente e esta, apesar de ter sido avisada previamente, impediu que o Requerente estivesse com o filho na segunda semana da Páscoa.
Temos pois de concluir, conforme consta da decisão recorrida, que a Requerida incumpriu de forma reiterada o que ficara acordado quanto à regulação das responsabilidades parentais, não tendo resultado demonstrada qualquer razão que justificasse que privasse o Requerente dos contactos com o filho.
Tal conduta da Requerida justifica a aplicação da sanção (multa) prevista no artigo 41º nº. 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível conforme consta da decisão recorrida?
Pensamos que sim.
É certo que a aplicação de sanções pelo incumprimento do que tiver sido acordado quanto à regulação das responsabilidades parentais dependerá sempre da ponderação e análise dos factos provados em cada caso concreto, pois perfilhamos o entendimento de que só a análise das circunstâncias concretas em que incorreu esse incumprimento permite verificar se existe culpa e ilicitude por parte do progenitor incumpridor e se revestem de gravidade que justifique a condenação.
Retornando ao caso em análise é evidente que o comportamento da Requerida é reiterado, privando o Requerente do contacto com o menor por diversos fins-de-semana seguidos nos meses de Fevereiro e Março de 2016.
E para tal conduta reiterada por parte da Requerida não consta qualquer justificação.
Temos pois de concluir, que a actuação da Requerida foi culposa e ilícita, desde logo porque ocorreu sem causa justificativa, merecendo, por isso, o juízo de censura que lhe é feito na decisão recorrida e a condenação da Requerida em multa, por estarem verificados os pressupostos referidos no artigo 41.º, n.º 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.
Quanto ao pedido de indemnização formulado pelo Requerente o Tribunal a quo julgou-o improcedente por considerar não verificados os necessários pressupostos, designadamente no que toca a danos que considerou não terem sido alegados e concretizados.
Não temos também como não concordar com a decisão recorrida.
Conforme resulta expressamente do referido artigo 41.º, n.º 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível o tribunal pode condenar o progenitor remisso em multa até vinte unidades de conta e, verificando-se os respectivos pressupostos, em indemnização a favor da criança, do progenitor requerente ou de ambos.
Assim, para a condenação numa indemnização a favor do pai ou do menor não basta que esteja demonstrada a situação de incumprimento, é necessário que se verifiquem os pressupostos da obrigação de indemnizar por factos ilícitos.
A condenação em indemnização não é uma consequência automática decorrente do simples facto de se verificar o incumprimento, antes exige que para além da situação de incumprimento se aleguem e provem factos integrantes da obrigação de indemnizar por factos ilícitos.
E um dos pressupostos da obrigação de indemnizar é a existência de dano, o que deve resultar dos factos provados; devem pois desde logo ser alegados e demonstrados factos de onde se conclua que por via do incumprimento do progenitor remisso o menor ou o outro progenitor ficaram lesados, seja do ponto de vista patrimonial ou não patrimonial (também neste sentido os Acórdãos da Relação de Lisboa de 08/02/2007 e desta Relação de 25/11/2013, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
No caso dos autos, analisando a matéria dada por provada, verifica-se não existirem efectivamente factos susceptíveis de integrarem a obrigação de indemnizar por parte da Requerida, razão pela qual será também aqui de manter a decisão recorrida, improcedendo a apelação do Requerente.
Em face do exposto, improcedem ambos os recursos.
***

SUMÁRIO (artigo 663º n º7 do Código do Processo Civil):

I – À luz do disposto no artigo 41.º, n.º 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível mantém-se válido o entendimento de que só o incumprimento grave e reiterado do progenitor remisso justifica a sua condenação em multa.
II – A aplicação de sanções pelo incumprimento do que tiver sido acordado quanto à regulação das responsabilidades parentais dependerá sempre da ponderação e análise dos factos concretos, pois só a análise das circunstâncias concretas em que incorreu esse incumprimento permite verificar se existe culpa e ilicitude por parte do progenitor incumpridor e se as mesmas revestem gravidade que justifiquem a condenação.
III – A actuação da mãe que reiteradamente priva o pai do contacto com o menor por diversos fins-de-semana seguidos nos meses de Fevereiro e Março de 2016 sem que para tal conduta conste qualquer justificação é de considerar culposa e ilícita, desde logo porque ocorreu sem causa justificativa, merecendo, por isso, um juízo de censura que justifica a sua condenação em multa ao abrigo do disposto no artigo 41.º, n.º 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.
IV – Para a condenação numa indemnização a favor do pai ou do menor nos termos do artigo 41.º, n.º 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível não basta que esteja demonstrada a situação de incumprimento, antes é necessário que se verifiquem os pressupostos da obrigação de indemnizar por factos ilícitos, pois a condenação em indemnização não é uma consequência automática decorrente do simples facto de se verificar o incumprimento, antes exige que se aleguem e provem factos integrantes da obrigação de indemnizar por factos ilícitos.
***
IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedentes os recursos, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas de cada um dos recursos pelos respectivos Recorrentes.


Guimarães, 26 de Outubro de 2017
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária


(Raquel Baptista Tavares)
(Margarida Almeida Fernandes)
(Margarida Sousa)