Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2452/20.3T8GMR-B.G1
Relator: LÍGIA VENADE
Descritores: PLANO DE INSOLVÊNCIA
PERDÃO OU REDUÇÃO DE CRÉDITOS
AUTORIDADE TRIBUTÁRIA
SEGURANÇA SOCIAL
HOMOLOGAÇÃO DO PLANO
INEFICÁCIA
INEFICÁCIA DAS CLÁUSULAS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/20/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

I Apresentado plano de insolvência e tendo o credor Instituto de Segurança Social votado contra a sua homologação, invocando a violação da legislação tributária, cabia ao juiz apreciar e decidir a questão, ainda que entendesse que essa situação não se verificava e não se impunha conhecer ao abrigo do poder oficioso de controle da legalidade que resulta do artº. 215º do CIRE.
II Não o tendo feito, verifica-se a nulidade da sentença homologatória do plano por omissão de pronúncia –artº. 615º, nº. 1, d), do C.P.C..
III A verificação da legalidade do plano de insolvência, quer quanto ao dispositivo, quer quanto ao conteúdo, faz-se em primeiro lugar pela sua confrontação e conformidade com as regras do CIRE, designadamente com os artºs. 194º e 196º, no caso de falta de consentimento do credor visado por uma afetação da sua esfera jurídica.
IV Até à introdução do nº. 3 no artº. 30º da Lei Geral Tributária operada pela Lei nº. 55-A/2010 de 31/12, vinha-se entendendo que o artº. 196º, nº. 1, a), do CIRE, permitia o perdão ou redução (de capital e juros) de créditos sobre a insolvente titulados pela Autoridade Tributária ou pela Segurança Social, independentemente do respetivo consentimento.
V Com essa alteração, e face à indisponibilidade dos créditos fiscais e derivados de falta de contribuições à Segurança Social, há que sindicar à luz dos princípios da igualdade e legalidade tributárias, e concretamente perante as normas com caráter imperativo da legislação aplicável a todos os contribuintes e cidadãos, se as cláusulas do plano respeitantes a esses créditos são válidas.
VI Verificando-se violação não negligenciável (porque) de normas imperativas inderrogáveis aplicáveis ao conteúdo do plano, tal como mencionado no artº. 215º do CIRE, o juiz, ao invés de recusar a homologação do plano, deve, se mais nada se opuser, declarar a ineficácia das cláusulas violadoras ao respetivo titular do crédito sobre que incidem.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I RELATÓRIO (conforme consulta eletrónica dos autos principais e apensos).

M. G. veio requerer a declaração de insolvência de X, UNIPESSOAL, LDª., n.º de matrícula / NIPC n.º ………, sociedade comercial unipessoal por quotas, com sede na Rua … – Guimarães.
Foi ordenada a citação da requerida, nos termos do disposto nos artºs. 29º, nº. 1 e 30º, nº. 1, ambos do CIRE, tendo esta apresentado oposição.
No dia designado para a continuação da audiência de julgamento da oposição apresentada, a requerida confessou o pedido, assumindo que se encontra impossibilitada de cumprir as suas obrigações.

Nessa mesma data -14/7/2020- foi proferida a seguinte decisão julgando procedente a presente ação, e determinando o seu prosseguimento como processo especial de insolvência e, consequentemente:

“1 – Declaro a insolvência de X, Unipessoal, Lda., NIPC - ………, com sede na Rua … Guimarães.
2 - Fixo a residência à mesma na morada supra referida, nomeadamente, na Rua … Guimarães.
3 - Como Administradora da Insolvência nomeio a Drª J. P.;
4 – Nos termos do artº 66º, nº 2, e sem prejuízo do disposto no artº 67º, nº 1, não se procede à nomeação da Comissão de Credores;
5 – Determino que a insolvente proceda à entrega imediata à administradora da insolvência dos documentos a que aludem as alíneas do n.º 1 do art. 24º e que ainda não se mostram juntos aos autos (art. 36º, al. f);
6 - Ordeno a imediata apreensão de todos os bens da insolvente, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos (art. 36º, a. g);
7 - Não obstante ser desconhecido, por ora, o número total de credores (eventualmente a existir para além dos já indicados pelo próprio Insolvente), face à situação de Pandemia e actual estado de emergência em matéria de saúde pública decretado pela Organização Mundial de Saúde, e estado de emergência igualmente decretado em Portugal, tudo em razão da propagação de infeções do aparelho respiratório de origem viral, causadas pelo agente Coronavírus, como medida preventiva, e em obediência ao Plano de Contingência Interno da Comarca já activado, dispensa-se a realização da assembleia de credores a que alude o artº 156.º, do CIRE – artºs 36.º, nºs 1, al. n), e 2; e 236.º, nº 1, ambos do CIRE, devendo a insolvente e os credores pronunciar-se sobre o relatório, no prazo de 10 dias, contabilizados da notificação do relatório;
Em consequência determina-se que a Srº. Administradora de Insolvência, no prazo de quarenta e cinco dias (45) dias, apresente nos autos os elementos a que aludem os artºs 153.º; 154.º e 155º, do CIRE, pronunciando-se quanto ao desfecho dos autos, passando os prazos que no CIRE são contados por referência à data de realização da assembleia de apreciação do relatório a ser contados com referência ao 45º dia subsequente à data da prolação da presente sentença – artº 36.º, nºs 1, al. n), 4 e 5, do C.I.RE.
Proceda às notificações, à citação dos credores e notifique o Ministério Público nos termos do art. 37º do CIRE.
Publiquem-se anúncios, afixem-se editais, expeçam-se circulares e proceda-se aos registos, nos termos do art. 38º do CIRE.
Diligencie pela inclusão das informações respeitantes à declaração de insolvência e à identificação do administrador de insolvência na página informática do tribunal.
Comunique ao Fundo de Garantia Salarial nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 1 e 2º do DL nº. 59/2015, de 21 de Abril.
Determino a avocação de todos os processos de execução fiscal eventualmente pendentes, que serão apensados aos presentes autos (artigo 180.º do Código de Procedimento e Processo Tributário).
Notifique a Srª. Administradora da Insolvência com a advertência de que, para além do mais, deverá dar cumprimento ao disposto no artigo 181.º/1/2, do Código de Procedimento e Processo Tributário.
Nos termos conjugados do nº. 1 do artigo 60° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, artigo 22º, nº. 1 do artigo 23° e nºs. 1, 2 e 8 do artigo 29º da Lei nº 22/2013, de 26.02 - Estatuto do Administrador da Insolvência – e dos nºs 1 e 2 do artigo 3° da Portaria 51/05, de 20.01, dê pagamento à nomeada administradora, a adiantar pelo IGFEJ e a reembolsar pela massa insolvente logo que disponha de recursos:
Quantia correspondente a duas UC´s, a título de provisão para despesas, a pagar imediatamente após a nomeação (uma vez que tal é o valor previsto);
Nos termos conjugados do nº 1 do artigo 60° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, do nº 1 do artigo 23° e no nº. 2 do artigo 29° da Lei nº 22/2013, de 26.02 – Estatuto do Administrador da Insolvência – e do nº. 1 do artigo 1° da Portaria 51/05, de 20.01, dê pagamento à nomeada administradora, a adiantar pelo IGFEJ e a reembolsar pela massa insolvente logo que disponha de recursos:
 €1.000,00 a título da 1ª prestação da remuneração;
 a 2ª prestação, no mesmo montante, vence seis meses após a sua nomeação.
*/
Notifique a Srª. Administradora nomeada para vir aos autos, no prazo de 8 dias, confirmar a aceitação do cargo, e, para efeitos de ulterior processamento de remuneração, indicar o seu n.° de contribuinte fiscal e o regime de tributação a que está sujeita.
/*
Custas a cargo da massa insolvente – art. 304.º do C.I.R.E..
*/
A presente sentença foi proferida às 10h:15m..”
Em 19/3/2021 foi apresentada pela sr. Administradora da Insolvência a relação dos créditos reconhecidos ao abrigo do artº. 129º do CIRE.
Em 21/01/2021 a devedora veio, nos termos do disposto nos artigos 223º e seguintes do CIRE, requerer que a administração da massa insolvente seja assegurada pela mesma devedora, comprometendo-se elaborar e apresentar um plano de recuperação com vista à continuidade da exploração da empresa pela devedora.
Sobre esse pedido foi proferido despacho em 25/01/2021 em que se decidiu “(…)Assim tendo presente que a Assembleia de Credores foi dispensada face ao Estado Pandémico e o relatório deverá ser junto aos autos, nos próximos dias, determina-se que em 10 dias, sejam ouvidos todos os credores, a senhora A.I e a requerente da insolvência, para se pronunciarem sobre o pedido de administração da massa insolvente formulado, sendo certo que tendo a insolvência sido decretada no dia 14 de Dezembro de 2020, um eventual prazo de 30 dias após a mesma, já se mostra ultrapassado, não tendo sido junto, ainda que adiantada essa possibilidade, nenhum plano de insolvência.( o qual também tem prazo para a junção).
Em 27/01 a Sr A.I. apresenta relatório em que conclui: “(…) Com estes pressupostos, propõe-se que seja concedida à devedora a faculdade de apresentar um plano de insolvência, designando-se data para a realização da assembleia de credores, nos termos do nº 2 do artigo 36º do CIRE.
Desde já se faz consignar que a atribuição da administração ao devedor, deverá ser considerada condição indispensável para o prosseguimento dos presentes autos, com vista à aprovação de um plano de insolvência.”
Em 18/2 é proferido despacho que: “(…) Face a este parecer, ao requerimento da insolvente e à não oposição dos credores, notificados que foram do relatório e do nosso despacho e não se pronunciaram, este Tribunal:
 Concede a administração ao devedor, nos termos do disposto nos artigos 223º e seguintes do CIRE;
 Fixa o prazo de 30 dias para a apresentação de plano de insolvência, apesar do que se deixou consignado quanto ao prazo já ultrapassado para a apresentação do plano, que deveria ser 30 dias após sentença, uma vez que nenhum credor se opôs;
 Face ao actual Estado Pandémico e à Lei 4-B/2021 que desincentiva a realização de diligências presenciais, a discussão do plano e votação será efectuada por escrito, no período de 10 dias subsequente à sua apresentação.”
Em 22/4 é proferido o seguinte despacho: “Concede-se o prazo improrrogável de 10 dias para a junção aos autos do plano.
Relembra-se a devedora que não só não apresentou o plano, nos 30 dias posteriores à apresentação à insolvência, como também não o fez nos 30 dias que se concederam posteriormente.
Assim não o fazendo em 10 dias, será retirada a Administração pela Devedora e concedida à A.I a possibilidade de indicar a Liquidação ou Encerramento por insuficiência.”
Nesse mesmo dia 22/4 a devedora apresenta plano ao abrigo do artº. 192º, requerendo porém “se digne conceder à Requerida a possibilidade de, no prazo de 10 dias, proceder à junção dos elementos contabilísticos em apreço…”.
Em 16/5 é apresentado plano e documentação em anexo. Relativamente ao crédito à Segurança Social consta a sua liquidação em 150 prestações mensais, postecipadas e sucessivas, vencendo-se a primeira 30 dias após o trânsito em julgado da homologação do plano de insolvência e o perdão dos juros vencidos e vincendos.
Em 21/5 é proferido despacho em que, além do mais, consta: “Posto isto temos por verificado:
 A legitimidade para a apresentação do plano;
 A aprovação do plano pela assembleia de credores não se afigura inverosímel;
 O Plano não é manifestamente inexequível.
Deste modo e porque cabe na competência da assembleia de credores ao abrigo do art. 196.º, n.º1, als. a) e c) do CIRE, o perdão ou redução do valor dos créditos sobre a insolvência, quer quanto ao capital, quer quanto aos juros, bem como a modificação dos prazos de vencimento ou as taxas de juro, sejam os créditos comuns, garantidos ou privilegiados, admite-se a proposta de plano de insolvência apresentado.
Aguarde-se pela sua votação, a qual deverá ser realizada nos 10 dias subsequentes à notificação deste plano aos credores, por escrito, face à actual situação Pandémica, evitando-se a presença de tantos credores em Tribunal.”
Em 7/6 a devedora apresenta o plano alterado no que concerne aos créditos laborais.
Nessa mesma data as credoras/trabalhadoras apresentam nos autos votação favorável do plano.
Em 14/6 é proferido o seguinte despacho: “Ouçam-se os credores sobre o requerimento com a referência 11574979, relativamente à alteração do plano.”
Igualmente em 14/6 a Sr A.I. “vem juntar, nos termos do douto despacho proferido nos autos, os votos dos credores relativos ao plano de insolvência.
De acordo com a lista seguinte, pronunciaram-se 95,79 % dos credores; tendo-se abstido os restantes 4,21 %. (…).
Relativamente ao Instituto de Segurança Social consta: “Valor reconhecido: 49.887,03/€ 32,28%; votação: contra.”
Da í consta também o voto a favor de todas as outras credoras.
Do voto contra apresentado pela SS consta a deliberação nesse sentido e ainda o pedido de declaração de ineficácia do plano uma vez que não deu consentimento expresso á modificação e redução dos seus créditos, situação que viola a legislação específica da Segurança Social, bem como a legislação tributária, designadamente o artº. 30º da Lei Geral Tributária, que refere que os créditos da Segurança Social são indisponíveis.
Em 27/7/2021 é proferida a seguinte sentença sob recurso (negrito nosso): “Nos termos do art. 215º do CIRE homologa-se o plano de insolvência da devedora X, Unipessoal, Ldª aprovado pelos credores e com os efeitos previstos no art. 217º daquele diploma legal.
Notifique a Sra. A.I. para os efeitos previstos no art. 219º do CIRE.
Registe e Notifique.
*
Inconformados, veio o Centro Distrital de Braga do Instituto da Segurança Social, I. P., credor reclamante interpor recurso apresentando alegações com as seguintes
-CONCLUSÕES- (que se reproduzem)

“A. Atenta a descrição factual dos elementos constantes do presente processo e explanados na fundamentação deste recurso, que antecede, é de concluir que deveria o tribunal a quo decidir pela não homologação do Plano relativamente aos créditos da Segurança Social ou, mantendo-se a decisão de homologação, sempre deveria esta ser considerada ineficaz relativamente ao ISS.
B. Consequentemente, ao não se pronunciar sobre o teor do n/requerimento (datado de 04.06.2021 – Ref.: 39078581 – Sentido de voto comunicado à Sra. Administradora), o tribunal a quo cometeu uma nulidade processual por omissão de pronuncia.
C. Nulidade que, expressamente se invoca, porquanto influi no exame ou na decisão da causa por manifestamente contrária às normas imperativas.
D. Caso se considere que a decisão a quo não padece do apontado vício, sempre deverá determinar-se a sua revogação, atenta a violação de disposições de direito substantivo porquanto o ISS, mesmo que não tivesse votado (que, no caso em apreço, votou expressando a inerente fundamentação) não autorizou o pagamento nos moldes peticionados.
E. A homologação do Plano nos exatos termos explanados constituiu, assim, uma violação de normas legais de direito público e de natureza imperativas que, por isso, não podem ser derrogadas ou afastadas pela vontade dos intervenientes, designadamente dos credores.
F. Por isso, dentro do quadro normativo vigente e atento o vasto entendimento jurisprudencial em situações similares, votou contra o plano e requereu atempadamente a não homologação do Plano por entender que o mesmo não se coaduna com as normas aplicáveis em matéria de regularização de dívidas ao Estado, e que não se harmoniza com o grau de disponibilidade dos créditos públicos.
ACRESCE
G. Com tal conteúdo, o Plano homologado afasta o regime geral de regularização de dívidas à Segurança Social, violando normas imperativas, nomeadamente da LGT, da Lei n.º 55-A/2010, de 31-12, LOE 2011 bem como o Código Contributivo. Pois, viola abertamente o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, previsto no artigo 30.º nº. 2 da LGT, com desrespeito pelos princípios da igualdade e da legalidade tributária. Principio que a LOE 2011 veio fortalecer, fazendo-o prevalecer sobre qualquer legislação especial, conforme se determina no artigo 30.º n.º 3 da LGT e no artigo 125.º da LOE. Assim sendo, fica claro que um plano de insolvência que regule a matéria dos créditos fiscais e da Segurança Social de forma diversa viola o disposto em normas imperativas, normas essa que não devem, pois, ceder perante a legislação especial contida no CIRE.
H. Ora, só em situações excecionais devidamente explicitadas e que respeitem a efeitos úteis dos mecanismos de viabilização acessíveis às empresas em recuperação, é que se permite a regularização de dívidas à Segurança Social através de pagamento prestacional, da isenção ou redução dos respetivos juros vencidos e vincendos, devidamente autorizados por deliberação do conselho diretivo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I. P. (IGFSS, I. P.), conforme previsto no artigo 190.º do Código Contributivo. E que, de acordo com o artigo 191.º do mesmo diploma legal, essas condições de regularização da dívida à Segurança Social não podem ser menos favoráveis do que o acordado para os restantes credores. Não pode o Plano homologado, por isso, invocar o interesse dos credores para legitimar a violação de normas imperativas que tutelam os créditos da Segurança Social, quando a sua indisponibilidade exige tratamento diferenciado dos restantes créditos, de acordo com a legislação específica que os regula.
I. À semelhança do que sucede com a relação tributária há, assim, uma dupla vinculação aos princípios da legalidade e igualdade, princípios esses que estão enunciados nos artigos 13.º, 103.º e 104.º, todos da CRP, e que têm como consequência a indisponibilidade dos direitos a ele conexos.
J. É ilegal a sentença de homologação do Plano por terem sido violadas normas imperativas e princípios constitucionais.
K. O crédito da Segurança Social é indisponível e o seu reconhecimento e posterior pagamento não pode ficar sujeito às condições de liquidação dos restantes credores, e muito menos a condições menos favoráveis.
L. Será de questionar, portanto, se a Segurança Social tem ou não que autorizar expressamente o pagamento fracionado do seu crédito de que depende a homologação do plano. A questão já mereceu apreciação jurisprudencial em termos que aderimos e que, com a devida vénia, aqui seguiremos de perto, designadamente o plasmado na sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Guimarães (proc. n.º 3336/12.4TBGMR) e pelo Tribunal Judicial de Braga (proc. n.º 5547/12.3 TBBRG a correr termos no 3.º juízo cível; e, curiosamente, no 4.º juízo cível no âmbito do proc. n.º 7661/12.6 TBBRG) que pugnaram, fazendo alusão a vasto entendimento jurisprudencial, pela não homologação do plano.
M. Ora, no caso em apreço, a Segurança Social não deu o seu consentimento ao deferimento do pagamento de tais débitos, o seu pagamento em prestações e o perdão dos juros propostos.
N. Pelo exposto, deveria ter sido oficiosamente declarada a não homologação do Plano por violação não negligenciável das normas aplicáveis ao seu conteúdo, designadamente, o artigo 196.º e, consequentemente, o artigo 215.º, ambos do CIRE.
O. Os credores, ainda que maioritários, no sentido do artigo 212.º, nº 1, não podem aprovar um plano que implique o pagamento fracionado, a redução ou extinção parcial, afetando créditos e contra a vontade da do ISS.
P. Não é legalmente possível, contra a vontade do ISS, homologar o plano, tanto mais que este tratamento desigual face a outros credores se justifica, pelo objeto da manutenção do regime previdencial – cfr. Acórdão do TRG de 29 de outubro de 2013.
Q. E, por isso, foi requerida a declaração de ineficácia, atempadamente.
R. Em conformidade, por ilegal, deverá a sentença de que ora se recorre ser substituído por outra que conheça da recusa oficiosa da homologação do Plano.
S. Ou mesmo que não se ponha em causa a homologação do plano, ainda assim esta homologação não deveria produzir efeitos em relação ao Recorrente, que não aderiu às medidas propostas no referido plano, sob pena de violação da lei – cfr. artigo 192.º, do CIRE e 190.º, do CRC. Isto é,
T. A homologação do plano deverá ser considerada ineficaz relativamente ao Recorrente, no seguimento do que foi decidido no AC da Relação de Coimbra de 20/11/2007 e na sentença proferida no Processo n.º 628/07.8TYLSB, publicada no DR, 2.ª Série, nº 69, de 8/04/2008.
U. Pelo exposto, conhecendo o pedido de recusa formulado pelo ISS, deverá ser oficiosamente declarada a não homologação do Plano por violação não negligenciável das normas aplicáveis ao seu conteúdo, designadamente, o artigo 196.º e, consequentemente, 215.º, ambos do CIRE;
V. Ou, se assim não se entender ser declarada a ineficácia do plano perante a Segurança Social, nos termos expostos.”
Pede a procedência do recurso e a revogação da sentença de homologação recorrida.
*
Não foram apresentadas contra-alegações.
***
O recurso foi admitido como de apelação, efeito devolutivo e subida imediata. Foi organizado o apenso de recurso.
Após os vistos legais, cumpre decidir.
Diremos apenas previamente que o recorrente veio invocar a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, relativamente à qual o Tribunal “a quo” não se pronunciou. Considera este Tribunal não ser indispensável essa apreciação (cfr. artº. 617º, nº. 5, C.P.C.).
***
II QUESTÕES A DECIDIR.

Decorre da conjugação do disposto nos artºs. 608º, nº. 2, 609º, nº. 1, 635º, nº. 4, e 639º, do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que se resultem dos autos.

Impõe-se por isso no caso concreto e face às elencadas conclusões decidir se:

-estamos perante uma nulidade se sentença por omissão de pronúncia;
-na afirmativa, qual a consequência;
-prosseguindo para decisão, se há violação não negligenciável de normas aplicáveis ao conteúdo do plano de insolvência;
-na afirmativa, se deve ser recusada a homologação do plano apresentado nos autos ou declarada a sua ineficácia perante a SS.
***
III NULIDADE DE SENTENÇA.

Dispõe o artº. 615º, nº. 1, do C.P.C., que é nula a sentença quando:

a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
As nulidades da sentença são vícios formais e intrínsecos de tal peça processual e encontram-se taxativamente previstos no normativo legal “supra” citado.
Os referidos vícios, designados como error in procedendo, respeitam unicamente à estrutura ou aos limites da sentença.
As nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento estes a sindicar noutro âmbito (cfr. Acórdão desta Relação de 4/10/2018 em que foi relatora a Exmª Srª Desembargadora Drª Eugénia Cunha, e do STJ de 17/10/2017, www.dgsi.pt).
Conforme Acórdão desta Relação relatado pela Exmª Srª desembargadora Drº Maria João Matos com a mesma data e igualmente publicado “As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas distintas causas (qualquer uma delas obstando à sua eficácia ou validade): por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respectiva consequência a sua revogação; e, como actos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º do C.P.C. (neste sentido, Ac. do STA, de 09.07.2014, Carlos Carvalho, Processo nº 00858/14, in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).”
O vício da sentença decorrente da omissão de pronúncia relaciona-se com o dispositivo do art. 608º do C.P.C., designadamente, com o seu nº 2, que estabelece as questões que devem ser conhecidas na sentença/acórdão.
Da conjugação das normas decorre que a nulidade da decisão com fundamento na omissão de pronúncia apenas se verifica quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão, sem que a sua resolução tenha sido prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras.
Porém questões não são factos, argumentos ou considerações. A questão a decidir está intimamente ligada ao pedido da providência e à respetiva causa de pedir. Relevam, de um modo geral, as pretensões deduzidas e os elementos integradores do pedido e da causa de pedir.
Neste sentido, pode consultar-se o Ac. do STJ, de 9/2/2012 (wwwdgsi.pt), segundo o qual “A nulidade resultante de omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (...), sendo certo que não se tem por verificada quando o tribunal deixa de apreciar algum ou alguns dos argumentos invocados pela parte tendo em vista a decisão da questão ou questões que a mesma submete ao seu conhecimento, só ocorrendo quando o tribunal deixa de se pronunciar sobre a própria questão ou questões que lhe são colocadas ou que tem o dever de oficiosamente apreciar, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte na defesa da sua pretensão.”
Dúvidas não há porém que o tribunal só pode apreciar questões que lhe forem suscitadas pelas partes (salvo as que forem de conhecimento oficioso) sob pena de, assim não sendo, cometer a nulidade no segmento inverso, ou seja, conhece de questões que não foram suscitadas.
*
No caso dos autos a apreciação da nulidade invocada será apreciada infra uma vez que depende e decorre da análise dos trâmites processuais da matéria relativa à apresentação do plano de insolvência que culmina com a prolação da sentença homologatória sob recurso.
***
IV MATÉRIA A CONSIDERAR.

A matéria relevante para a decisão consta do relatório supra.

Acresce, por consulta eletrónica ao apenso de reclamação de créditos, que consta da relação de créditos reconhecidos apresentada pela Sr. A.I. ao abrigo do artº. 129º do CIRE:
“Nº - 1
Nome – A. R.
Endereço - Rua … Guimarães.
Contribuinte – ………
Advogado – Dr. A. M., Rua … Guimarães.
Montante – 21.733,21 €
Capital – 21.733,21 €
Juros – 0,00 €
Fundamento - Crédito laboral. Reclama de indemnização pelo despedimento, a quantia de 18.100,35 €. Reclama a quantia de 1.681,81 € de retribuições, subsídios e férias não liquidados.
Reclama a quantia de 1.587,75 € pela inobservância do prazo de aviso prévio. Reclama a quantia de 363,30 € de formação contínua.
Natureza – Privilegiada.
Parecer - Aceita-se a quantia reclamada a título de salários, subsídios, inobservância do prazo de aviso prévio e formação contínua. Impugna-se a quantia reclamada a título de indemnização, reconhecendo-se apenas a quantia de 12.065,00 €, referente a 30 dias por cada ano ou fracção.
Valor reconhecido - 15.697,86 €
Nº - 2
Nome - Digna Magistrada do Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional
Montante – 6.794,27 €
Capital – 6.670,65 €
Juros - 123,62 €
Fundamento - Reclama o pagamento de IRS e respectivos juros de mora, no valor de 688,50 €.
Reclama o pagamento de IRC e respectivos juros de mora, no valor de 285,84 €. Reclama o pagamento de IVA e respectivos juros de mora, no valor de 4.273,36 €. Reclama, como créditos comuns, o pagamento de IRS, IUC, coimas, encargos de processo de contra-ordenação e custas, no valor de 1.546,57 €.
Natureza - A quantia de 5.247,70 € tem natureza privilegiada, nos termos do art.47, nº4, a) do
CIRE. Os restantes créditos reclamados, no valor de 1.546,57 €, têm natureza comum.
Parecer - Aceita-se o valor reclamado.
Valor reconhecido - 6.794,27 €
Nº - 3
Nome – E. P.
Endereço - Rua … - Guimarães.
Contribuinte – ………
Advogado – Dr. A. M., Rua … Guimarães.
Montante – 15.064,66 €
Capital – 15.064,66 €
Juros – 0,00 €
Fundamento - Crédito laboral. Reclama de indemnização pelo despedimento, a quantia de 11.431,80 €. Reclama a quantia de 1.681,81 € de retribuições, subsídios e férias não liquidados.
Reclama a quantia de 1.587,75 € pela inobservância do prazo de aviso prévio. Reclama a quantia de 363,30 € de formação contínua.
Natureza - Privilegiada
Parecer - Aceita-se a quantia reclamada a título de salários, subsídios, inobservância do prazo
de aviso prévio e formação contínua. Impugna-se a quantia reclamada a título de indemnização,
reconhecendo-se apenas a quantia de 7.620,00 €, referente a 30 dias por cada ano ou fracção.
Valor reconhecido - 11.252,86 €
Nº - 4
Nome - Instituto da Segurança Social, IP
Montante – 49.887,03 €
Capital – 46.961,25 €
Juros – 2.925,78 €
Fundamento - Reclama o pagamento de contribuições, referentes aos meses de Outubro de 2018 a Abril de 2019, no valor de 16.583,10 € de capital, acrescido de 1.511,34 € de juros.
Reclama o pagamento de contribuições, referentes aos meses de Maio de 2019 a Março de 2020 e de Julho de 2020 a Novembro de 2020, no valor de 29.884,72 € de capital, acrescido de 1.414,44 € de juros. Reclama o pagamento de custas, no valor de 493,43 €.
Natureza - Os créditos constituídos nos doze meses antes do início do processo de insolvência,
no valor de 31.299,16 €, têm natureza privilegiada, nos termos do art.97º, nº1, a) do CIRE. Os
restantes créditos reclamados, no valor de 18.587,87 €, têm natureza comum.
Parecer – Aceita-se o valor reclamado.
Valor reconhecido - 49.887,03 €
Nº - 5
Nome - M. G.
Endereço - Rua … Guimarães.
Contribuinte – ………
Advogado – Dr. A. M., Rua ... Guimarães.
Montante – 15.064,66 €
Capital – 15.064,66 €
Juros – 0,00 €
Fundamento - Crédito laboral. Reclama de indemnização pelo despedimento, a quantia de 11.431,80 €. Reclama a quantia de 1.681,75 € de retribuições, subsídios e férias não liquidados.
Reclama a quantia de 1.587,75 € pela inobservância do prazo de aviso prévio. Reclama a quantia de 363,30 € de formação contínua.
Natureza – Privilegiada. Na qualidade de requerente, beneficia do privilégio previsto no art.98º
do CIRE.
Parecer - Aceita-se a quantia reclamada a título de salários, subsídios, inobservância do prazo
de aviso prévio e formação contínua. Impugna-se a quantia reclamada a título de indemnização,
reconhecendo-se apenas a quantia de 7.620,00 €, referente a 30 dias por cada ano ou fracção.
Valor reconhecido - 11.252,80 €
Nº - 6
Nome – M. F.
Endereço - Rua … Guimarães.
Contribuinte – ………
Advogado – Dr. A. M., Rua ... Guimarães.
Montante – 14.920,41 €
Capital – 14.920,41 €
Juros – 0,00 €
Fundamento - Crédito laboral. Reclama de indemnização pelo despedimento, a quantia de 11.431,80 €. Reclama a quantia de 1.537,56 € de retribuições, subsídios e férias não liquidados.
Reclama a quantia de 1.587,75 € pela inobservância do prazo de aviso prévio. Reclama a quantia de 363,30 € de formação contínua.
Natureza – Privilegiada.
Parecer - Aceita-se a quantia reclamada a título de salários, subsídios, inobservância do prazo de aviso prévio e formação contínua. Impugna-se a quantia reclamada a título de indemnização,
reconhecendo-se apenas a quantia de 7.620,00 €, referente a 30 dias por cada ano ou fracção.
Valor reconhecido - 11.108,61 €
Nº - 7
Nome – M. L.
Endereço - Rua … Guimarães.
Contribuinte – ………
Advogado – Dr. A. M., Rua ... Guimarães.
Montante – 13.988,15 €
Capital – 13.988,15 €
Juros – 0,00 €
Fundamento - Crédito laboral. Reclama de indemnização pelo despedimento, a quantia de 8.891,40 €. Reclama a quantia de 3.463,25 € de retribuições, subsídios e férias não liquidados.
Reclama a quantia de 1.270,20 € pela inobservância do prazo de aviso prévio. Reclama a quantia de 363,30 € de formação contínua.
Natureza – Privilegiada.
Parecer - Aceita-se o valor reclamado.
Valor reconhecido - 13.988,15 €
Nº - 8
Nome – M. E.
Endereço - Rua … Guimarães.
Contribuinte – ………
Advogado – Dr. A. M., Rua ... Guimarães.
Montante – 15.064,66 €
Capital – 15.064,66 €
Juros – 0,00 €
Fundamento - Crédito laboral. Reclama de indemnização pelo despedimento, a quantia de 11.431,80 €. Reclama a quantia de 1.681,75 € de retribuições, subsídios e férias não liquidados.
Reclama a quantia de 1.587,75 € pela inobservância do prazo de aviso prévio. Reclama a quantia de 363,30 € de formação contínua.
Natureza - Privilegiada
Parecer - Aceita-se a quantia reclamada a título de salários, subsídios, inobservância do prazo de aviso prévio e formação contínua. Impugna-se a quantia reclamada a título de indemnização,
reconhecendo-se apenas a quantia de 7.620,00 €, referente a 30 dias por cada ano ou fracção.
Valor reconhecido - 11.252,80 €
Nº - 9
Nome – M. M.
Endereço - Rua … Guimarães.
Contribuinte - ………
Advogado – Dr. A. M., Rua ... Guimarães.
Montante – 23.638,51 €
Capital – 23.638,51 €
Juros – 0,00 €
Fundamento - Crédito laboral. Reclama de indemnização pelo despedimento, a quantia de 20.005,65 €. Reclama a quantia de 1.681,81 € de retribuições, subsídios e férias não liquidados.
Reclama a quantia de 1.587,75 € pela inobservância do prazo de aviso prévio. Reclama a quantia de 363,30 € de formação contínua.
Natureza - Privilegiada
Parecer - Aceita-se a quantia reclamada a título de salários, subsídios, inobservância do prazo de aviso prévio e formação contínua. Impugna-se a quantia reclamada a título de indemnização,
reconhecendo-se apenas a quantia de 13.335,00 €, referente a 30 dias por cada ano ou fracção.
Valor reconhecido - 16.967,86 €
Nº - 10
Nome – S. L.
Endereço - Travessa … Guimarães.
Contribuinte – ………
Advogado – Dr. A. M., Rua ... Guimarães.
Montante – 18.875,26 €
Capital – 18.875,26 €
Juros – 0,00 €
Fundamento - Crédito laboral. Reclama de indemnização pelo despedimento, a quantia de 15.242,40 €. Reclama a quantia de 1.681,81 € de retribuições, subsídios e férias não liquidados.
Reclama a quantia de 1.587,75 € pela inobservância do prazo de aviso prévio. Reclama a quantia de 363,30 € de formação contínua.
Natureza – Privilegiada
Parecer - Aceita-se a quantia reclamada a título de salários, subsídios, inobservância do prazo de aviso prévio e formação contínua. Impugna-se a quantia reclamada a título de indemnização,
reconhecendo-se apenas a quantia de 10.160,00 €, referente a 30 dias por cada ano ou fracção.
Valor reconhecido - 13.792,86 €
Nº - 11
Nome – M. J.
Endereço - Rua … Guimarães.
Contribuinte – ………
Advogado – Dr. A. M., Rua ... Guimarães.
Montante – 3.795,07 €
Capital – 3.795,07 €
Juros – 0,00 €
Fundamento - Crédito laboral. Reclama de indemnização pelo despedimento, a quantia de 2.857,95 €. Reclama a quantia de 550,40 € de retribuições, subsídios e férias não liquidados.
Reclama a quantia de 317,52 € pela inobservância do prazo de aviso prévio. Reclama a quantia
de 69,20 € de formação contínua.
Natureza – Privilegiada.
Parecer - Aceita-se a quantia reclamada a título de salários, subsídios, inobservância do prazo
de aviso prévio e formação contínua. Impugna-se a quantia reclamada a título de indemnização,
reconhecendo-se apenas a quantia de 1.905,00 €, referente a 30 dias por cada ano ou fracção.
Valor reconhecido - 2.842,12 €
Os créditos Nº 1, 3, 5, 6, 8, 9, 10 e 11 foram reconhecidos em termos diversos dos reclamados,
tendo sido avisadas as credoras reclamantes, nos termos do nº 4 do artº 129 do CIRE.
Por não existirem créditos não reconhecidos, não se junta a respectiva lista.”
*
Constata-se ainda da leitura do plano apresentado que este visa a recuperação da devedora e que prevê o pagamento em prestações de todos os créditos reconhecidos, bem como em todos eles o perdão de juros vencidos e vincendos.
Relativamente ao crédito da Fazenda Nacional consta o seu pagamento em 50 prestações mensais, postecipadas e sucessivas, vencendo-se a primeira 30 dias após o trânsito em julgado da homologação do plano de insolvência e o perdão dos juros vencidos e vincendos.
Relativamente aos créditos laborais as prestações nos mesmos termos são de 48.
Mais acrescenta-se que consta do relatório apresentado pela Sr A.I. ao abrigo do artº. 155º do CIRE que “No dia 25 de Março de 2020, não possuindo quaisquer encomendas em carteira, a gerente decidiu encerrar o estabelecimento, tendo despedido as suas oito funcionárias. Ainda assim, em Abril de 2020, a gerente decidiu reiniciar a sua actividade, desta vez para produzir máscaras comunitárias de protecção individual. Voltou a contratar três das suas funcionárias e reiniciou a sua actividade, mantendo-se a laborar desde essa data.”
Mais consta que labora em instalações arrendadas pagando € 400,00 de renda, não tem maquinaria nem bens próprios.
***
V O MÉRITO DO RECURSO.

O processo de insolvência é tido como um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores, ou pela forma prevista num plano de insolvência, ou, quando este se não se mostre possível, pela liquidação do património do devedor insolvente e repartição do produto obtido pelos credores –artº. 1º do DL nº. 53/2004 de 18/3 com as respetivas alterações (CIRE) que sucedeu ao anterior CPEREF.
Sobre a natureza deste “novo” diploma, Catarina Serra (“Regime Português da Insolvência”, 5ª edição, revista e actualizada à luz da Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, e do DL. nº. 178/2012, de 3/8, pag. 21), diz: “No Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo DL. nº 53/2004, de 18 de Março foi-se mais longe e, numa fase inicial, eliminou-se o primado da recuperação. Por este motivo, ainda em Projecto, o CIRE suscitou críticas cerradas.
Mas não ficaram por aqui as novidades. Além disto, eliminou-se o próprio processo de recuperação. Conforme resulta, ainda hoje (i.e., depois de todas as alterações legislativas), claramente do n.º1 do art. 1º a recuperação de empresas insolventes é apenas uma das finalidades do processo de insolvência, em alternativa à liquidação…”.
Na pag. 33, continua: “A grande novidade do CIRE é a supressão da dicotomia recuperação/falência [cfr. ponto7. do Relatório do Diploma Preambular que aprovou o CIRE (DL. nº53/2004, de 18 de Março)]. O processo de insolvência é agora um processo único.
Caracteriza-se por uma tramitação supletiva baseada na liquidação do património do devedor, existindo a possibilidade de os credores aprovarem um plano de insolvência (cfr. arts. 192.º e segs.), com o fim de prover à realização da liquidação em moldes distintos ou de recuperar a empresa. Mais precisamente, a lei define o processo de insolvência como um processo de execução universal com a finalidade de liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, mas admite que a satisfação dos credores venha a realizar-se por (outras) formas previstas num plano de insolvência, que pode, nomeadamente, passar pela recuperação da empresa compreendida na massa insolvente (cfr.art.1º. nº1).
Em suma, o processo de insolvência é um processo de liquidação e o plano de insolvência é o único mecanismo que pode ter como fim a recuperação da empresa insolvente [cfr. art. 1º, n.º1, e art. 195.º, n.º2, al. b)].” (…)”
A satisfação dos interesses dos credores pode por isso ser alcançada por uma de duas vias: a liquidação universal do património do devedor, concretizada de acordo com o modelo supletivo definido na lei e consequente repartição do produto obtido pelos credores; ou pela forma prevista num plano de insolvência por eles aprovado. O plano de insolvência constitui, pois, um meio alternativo de satisfação dos credores titulares de créditos sobre a insolvência. É, por isso, que só os credores da insolvência são admitidos a participar nas deliberações sobre propostas do plano (cfr. artºs. 72º e 73º) (Ac. da Rel. de Lisboa de 25/3/2010, relator Granja da Fonseca, www.dgsi.pt).
Note-se que no plano de insolvência e diferentemente de outras figuras previstas no CIRE (em que se procura um equilíbrio de interesses devedor/credor), o que se visa é de facto e primordialmente o interesse dos credores (sem prejuízo doutras considerações que mais à frente se farão).
É o artº. 47º do CIRE que estabelece o conceito de credores da insolvência, bem como as classes de créditos sobre a insolvência (garantidos e privilegiados, subordinados e comuns).
A proposta de plano de insolvência foi, no caso dos autos, apresentada pela própria devedora, como prevê o artº. 193º, nº. 1, do CIRE, mantendo-se (diríamos antes, retomando) a exploração da empresa –artº. 202º, nº. 1, CIRE.
A proposta foi admitida pelo juiz nos termos do artº. 207º do CIRE, conforme despacho de 21/5/2021. E determinou a sua votação por escrito, dando ainda conhecimento da alteração do plano apresentado.
Desde já cabe então fazer o seguinte destaque: a recorrente apresentou o seu voto contra, por escrito e nos termos determinados face à adaptação dos autos à situação pandémica. Não apresentou um pedido de não homologação ao abrigo do artº. 216º, nº. 1, do CIRE, o que implicava a alegação de uma das razões aí previstas, tão pouco está em causa uma situação elencada no nº. 3.
O voto contra pressupõe que não se pretende a homologação do plano; mas isso não basta como pedido de não homologação ao abrigo do artº. 216º do CIRE, a qual exige que se invoquem razões, tal como legalmente formuladas.
Todavia a recorrente chamou a atenção para um motivo de não homologação, e requereu a declaração de ineficácia do plano no que concerne aos seus créditos, alegando a violação da legislação específica da Segurança Social, bem como a legislação tributária, designadamente o artº. 30º da Lei Geral Tributária, que refere que os créditos da Segurança Social são indisponíveis.
Ora, a decisão de não homologação do plano, na falta de requerimento neste último sentido, podia decorrer dos poderes de oficiosidade previstos no artº. 215º. Ou seja, o Tribunal tinha de, verificando estar respeitada a maioria necessária à aprovação, negar ou conceder o seu “aval” à negociação levada a cabo pelos devedora e credores, funcionando como um controle da legalidade, atuando oficiosamente na prossecução desse desiderato.
De facto, compete ao juiz a não homologação oficiosa –artº. 215º CIRE – a qual terá lugar quando se verifique “violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os atos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação”.
Foi esta intervenção que a recorrente oportunamente (porque antes da aprovação e concomitantemente com a apresentação do seu voto) suscitou –o que obviamente pode fazer independentemente de se tratar de um poder/dever do juiz.
Pode pois neste caso colocar-se a questão: quanto à atuação ao abrigo do artº. 215º do CIRE, o juiz apenas tinha de se pronunciar expressamente se entendesse que alguma circunstância obstava à homologação? Ou, no caso, e face ao requerimento da recorrente, deveria pronunciar-se de qualquer modo?
A sentença homologatória do plano, não tendo de obedecer ao formalismo previsto no artº. 607º do C.P.C.; remete para os termos e para as condições no mesmo plano previstas e definidas.
Efetivamente, após a sua aprovação, o plano de insolvência deve ser homologado pelo juiz (cfr. artº. 214º do CIRE); o seu conteúdo é livremente fixado, devendo o juiz, quando atue oficiosamente, limitar-se a um controle da legalidade. Conforme Catarina Serra (pag. 333 da 2ª edição de “Lições de Direito da Insolvência”), “O poder mais significativo do juiz nesta sede é o de recusar a homologação do plano de insolvência com base na violação não negligenciável das regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo (cfr. art. 215.º), Trata-se de um poder oficioso, que só depende da iniciativa do juiz.”
Todavia, o facto de ser um poder oficioso, significa apenas que, caso o juiz entendesse que não havia motivo para não homologar, nada teria de dizer na sentença homologatória, pois que tacitamente assumiria isso mesmo; inclusive aceita-se que nada tivesse de dizer quanto à sua aprovação face ao artº. 212º se entender que se mostram respeitados os quóruns. Mas tendo sido suscitada uma questão por um credor, o facto de ser situar no âmbito de um poder oficioso, e ainda que entendesse que o “vício” apontado não se verificava, não dispensaria o juiz de o apreciar e assim concluir.
Em suma, relativamente a um suposto requerimento de não homologação, entendemos que não foi apresentado ao abrigo do artº. 216º, nº. 1, CIRE, pelo que nada havia para apreciar; já quanto à questão suscitada pela recorrente quando apresentou o seu voto contra o plano, o tribunal deveria ter apreciado a mesma; não o tendo feito ocorreu em omissão de pronúncia.
Note-se que o despacho proferido em 21/5 não apreciou em concreto esta matéria apesar da referência (genérica e abstrata) ao artº. 215º do CIRE, pelo que não constitui caso julgado.
A propósito e para ilustrar o que ficou dito, podemos ver o decidido no Ac. da Rel. de Évora de 7/6/2018 (relator Francisco Xavier, www.dgs.pt, destacado nosso a itálico que usaremos sempre nas citações de acórdãos), embora a questão esteja colocada em termos diferentes do nosso, para além do mais, porque a questão no caso aqui em apreço foi levantada em 1ª instância: “(…) não veio a ora recorrente suscitar a sua não homologação, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos, 215º e 216º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aplicáveis ao Plano Especial para Acordo de Pagamento, com as necessárias adaptações. Contudo a falta de tal invocação não constituía impedimento a que o tribunal recorrido se pronunciasse sobre a questão, porquanto o fundamento impeditivo invocado não se reconduz às causas de não homologação do acordo previstas nas alíneas do n.º 1 do artigo 216º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas [O juiz recusa ainda a homologação se tal lhe for solicitado pelo devedor, caso este não seja o proponente e tiver manifestado nos autos a sua oposição, anteriormente à aprovação do plano de insolvência, ou por algum credor ou sócio, associado ou membro do devedor cuja oposição haja sido comunicada nos mesmos termos, contanto que o requerente demonstre em termos plausíveis, em alternativa, que: a) A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano …; b) O plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar.], de que o tribunal só conhece “a solicitação” dos interessados, mas sim às causas de recusa de homologação oficiosa previstas no artigo 215º do mesmo código, por redundar numa violação não negligenciável de regras procedimentais relativas à votação e aprovação do acordo, consagradas em lei expressa, a que o tribunal tinha que atender aquando da decisão de homologação ou não do acordo de pagamento (cf. artigo 222º-F, n.º 5). (…) É verdade que em sede recurso tal questão surge como uma questão nova e, em regra, o tribunal ad quem não podia dela conhecer, porquanto os recursos visam apenas modificar as decisões recorridas e não apreciar questões não decididas pelo tribunal a quo. Contudo, trata-se de matéria sujeita a conhecimento oficioso, integrando o objecto do recurso, pelo que o tribunal ad quem tem que dela conhecer [veja-se, entre outros, o citado acórdão da Relação de Coimbra de 27/06/2017, onde se concluiu que “mesmo que o credor que se sinta prejudicado com o plano, contra o qual votou, não tenha oportunamente manifestado a sua oposição à aprovação do mesmo, goza ainda assim, se o tribunal o vier a homologar, do direito de impugnar a decisão por via de recurso, nos termos gerais”].”
Veja-se ainda o Ac. desta Relação de 9/7/2009 (relatora Rosa Tching, www.dgsi.pt): “(…) nada impede que este credor possa solicitar ao tribunal uma decisão não homologatória do plano de insolvência com fundamento na ocorrência de violação das normas aplicáveis ao seu conteúdo. É que, como ensinam Carvalho Fernandes e João Labareda, o facto do juiz, nestes casos, dever rejeitar oficiosamente a homologação não exclui que qualquer interessado possa, até à prolação da decisão, suscitar a questão ao tribunal, solicitando uma decisão não homologatória.”.
*
Declarando a nulidade ao abrigo do citado artº. 615º, nº. 1, d), 1ª parte, do C.P.C., cabe à Relação atuar como tribunal de substituição, e, sendo matéria de conhecimento oficioso apreciar a mesma sanando a nulidade (artº. 665º, nº. 1, C.P.C.). Note-se que não se mostra necessário cumprir o contraditório uma vez que as partes tiveram oportunidade de contra-alegar, se assim o entendessem. E como refere Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 4ª edição, pag. 322, “…a anulação da decisão (v.g por contradição de fundamentos ou por omissão de pronúncia) não tem como efeito invariável a remessa imediata do processo para o tribunal a quo, devendo a Relação proceder à apreciação do objeto do recurso, salvo se não dispuser dos elementos necessários. Só nesta eventualidade se justifica a devolução do processo para o tribunal a quo”.
*
Passamos então a apreciar o plano de insolvência face ao artº. 215º do CIRE, quer perante o suscitado em 1ª instância, por força da nulidade declarada, mas ainda que assim não fosse face ao invocado no recurso e à oficiosidade da matéria.
A recorrente não levanta qualquer questão relativamente à votação e à maioria necessária à aprovação do plano (cfr. artº. 212º do CIRE). Também não levanta qualquer questão no que diz respeito ao conteúdo do plano (artº. 195º do CIRE), nem suscita a violação de qualquer norma de procedimento. As regras procedimentais a que se refere o artº. 215º do CIRE são as que visam regular a forma como deverá desenrolar-se o processo.
Introduzimos a nossa apreciação mais uma vez citando Catarina Serra (“Lições…”, pag. 330 e 331): “Também os credores são susceptíveis de ser profundamente afetados pelo pano de insolvência. O plano de insolvência conduz, de facto, a uma compressão generalizada das faculdades típicas dos credores, prevendo-se que ele possa afectar a esfera jurídica dos interessados e interferir com direitos de terceiros independentemente do seu consentimento (desde que a lei o autorize expressamente) (cfr. art. 192.ª, n.º 2), sujeitar um credor a um tratamento mais desfavorável relativamente a outros credores sem necessidade do seu consentimento expresso (sendo suficiente o seu consentimento tácito) (cfr. art. 194.º, n.º 2, a silentio).
É compreensível que o plano de insolvência tenha este alcance extraordinário. Ele é uma convenção ou um negócio jurídico, mas uma convenção ou um negócio jurídico próprio do Direito da Insolvência, ao qual o legislador atribui uma força jurídica especial.” (eliminamos a nota 612 em que cita E. Santos Júnior, “Plano de insolvência –algumas notas”, cit. p.p. 140-141).
A previsão do artº. 215º a normas aplicáveis ao seu conteúdo refere-se às respeitantes à parte dispositiva do plano, e também as que fixam os princípios a que o plano deve obedecer imperativamente -Ac. da Rel. de Coimbra de 27/6/2017 (relator Isaías Pádua, www.dgsi.pt). Trata-se de vícios de natureza material que resultam da violação de regras, normas ou princípios a que o plano deve obediência.
Relativamente à recorrente o plano prevê a liquidação do seu crédito em 150 prestações mensais, postecipadas e sucessivas, vencendo-se a primeira 30 dias após o trânsito em julgado da homologação do plano de insolvência, e o perdão dos juros vencidos e vincendos.

Alega a recorrente que:
- a proposta de “perdão de juros vincendos” não apresenta enquadramento legal violando o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários;
- e, quando sugere o perdão de juros vencidos, não apresenta análise efetuada comprovando imprescindibilidade do mesmo, quando o valor de juros vencidos dividido pelas 150 prestações propostas seria de € 19,50;
- o número de prestações propostas (150) não permite acautelar o valor mínimo da prestação mensal mencionado na Orientação Técnica nº 01/06/2020, uma vez que o valor de capital a pagar em cada uma das prestações é de cerca de € 309,78.
Diz por isso que o plano viola normas legais de direito público e de natureza imperativas. Mais concretiza que “De facto, não tendo o ISS dado o seu acordo, é de concluir que o deferimento do pagamento de tais débitos, o seu pagamento em prestações e o perdão dos juros propostos violam o disposto nos art.ºs 30.º n.ºs 2 e 3 e 36.º n.º 3 da Lei Geral Tributária (LGT) (também aplicável às obrigações contributivas da Segurança Social), sem prejuízo da sua especialidade, por força do disposto nos seus art.ºs 1.º e 3.º n.º 2, assim como o disposto no art.º 196.º n.ºs 1 e 5 do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT) e o preceituado no art.º 1 e 2.º n.ºs 1 e 2 do DL 411/91, de 17 de Outubro (regime jurídico da regularização de dívidas à Segurança Social), todas normas de direito público e de natureza imperativa, que, por isso, não podem ser afastadas pela vontade das partes”. Há por isso violação da natureza indisponível do crédito.
O Instituto de Segurança Social, I.P., votou contra o plano de insolvência aprovado e não autorizou nem a redução do seu crédito nem o diferimento do seu pagamento em prestações, conforme decorre da sua posição.
O artº. 192 do CIRE tem como princípio geral que “1 - O pagamento dos créditos sobre a insolvência, a liquidação da massa insolvente e a sua repartição pelos titulares daqueles créditos e pelo devedor, bem como a responsabilidade do devedor depois de findo o processo de insolvência, podem ser regulados num plano de insolvência em derrogação das normas do presente Código. 2 - O plano só pode afectar por forma diversa a esfera jurídica dos interessados, ou interferir com direitos de terceiros, na medida em que tal seja expressamente autorizado neste título ou consentido pelos visados. 3 - O plano que se destine a prover à recuperação do devedor designa-se plano de recuperação, devendo tal menção constar em todos os documentos e publicações respeitantes ao mesmo. (negrito nosso)
Não tendo sido autorizada ou consentida a redução/modificação do crédito da recorrente, importa por isso verificar se o plano aprovado viola alguma regra do próprio CIRE, concretamente o disposto nos seus artºs. 194º e 196º.
Da leitura do plano ressalta o facto de todos os créditos, incluindo por isso o da recorrente, serem pagos em prestações mensais, postecipadas, iguais e sucessivas, a vencer em igual momento, e com perdão de juros vencidos e vincendos (sendo certo embora que os créditos laborais não incluem juros).
Não se encontra por isso qualquer indício de violação do princípio da igualdade previsto no artº. 194º do CIRE.
De facto, o número de prestações é diferente no que concerne aos créditos laborais (note-se que neste caso houve consentimento, e se desigualdade houvesse era entre estes credores, dados os diferentes valores respetivamente em causa), à Fazenda Nacional, e à recorrente, porque também os valores são diferentes; sendo mais elevado o valor a pagar á recorrente, maior é o número de prestações estabelecido, sem que a proporcionalidade tenha de ser rigorosa dado o diferente impacto que tem cada prestação, mais elevada que outra.
O artº. 196º dispõe, relativamente às providências com incidência sobre o passivo, no nº. 1, e na sua alínea a), que o plano pode conter o perdão ou redução do valor dos créditos sobre a insolvência, quer quanto ao capital, quer quanto aos juros, com ou sem cláusula “salvo o regresso de melhor fortuna”; na sua alínea b), diz que pode conter o condicionamento do reembolso de todos os créditos ou de parte deles às disponibilidades do devedor, e, na sua alínea c), que pode implicar a modificação dos prazos de vencimento ou das taxas de juro dos créditos. (…). E o nº. 2 diz que a faculdade de reduzir ou extinguir garantias reais e privilégios creditórios gerais acessórios só não procede em relação às que beneficiam créditos do Banco Central Europeu, bancos centrais dos Estados-Membros da União Europeia e participantes em sistemas de pagamentos como tal definidos na Directiva nº 98/26/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Maio, ou equiparável, em decorrência do funcionamento desse sistema.
Ora, tal como se concluiu naquele acórdão desta Relação de 9/7/2009 já mencionado, “…se assim é, então, há que considerar admissível, como se decidiu nos Acórdãos da Relação do Porto de 13.07.2006 e 31.01.2008 , que o plano de insolvência pode afectar os créditos de todos os credores, quer sejam públicos quer sejam privados e que, tal como se entendeu nos Acórdãos da Relação do Porto de 15-12-2005 e de 1.07.2008 e no Acórdão da Relação de Lisboa, de 17.07.2008, que o plano de insolvência aprovado pela assembleia de credores defina o conteúdo e prazos de pagamento dos créditos de que sejam titulares o Estado e a Segurança Social, ainda que contra o voto destes.” E, consequentemente, que as medidas em concreto previstas no plano de insolvência aprovado se inserem no âmbito das providências permitidas pelo nº. 1 do artº. 196º.
Portanto, independentemente do seu consentimento, não são as normas do CIRE que impedem a aprovação ou a eficácia do plano relativamente à recorrente.
Ora, a análise desta matéria foi objeto de diferentes posições ao longo do tempo, fruto de alterações legislativas.
Naquele Ac. já citado desta Relação de 9/7/2009 decidiu-se: “É que se é verdade que, segundo o disposto no art. 1º do citado DL nº 411/91, não é permitido autorizar ou acordar extrajudicialmente o pagamento prestacional de contribuições em dívida à segurança social, nem isentar ou reduzir, extrajudicialmente, os respectivos juros vencidos ou a vencer, também não é menos verdade contemplar o seu art. 2º, nº1 situações excepcionais para a regularização da dívida.
Do mesmo modo, se é certo estabelecer o art. 30º, nº 2 da LGT que “o crédito tributário é indisponível”, também não é menos certo prescrever este mesmo artigo a possibilidade de “fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária”.
E o art. 36º, nº3 da mesma lei, ao dispor que “a administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias”, também ressalva “os casos expressamente previstos na lei”, estabelecendo o seu art. 42º, nº1 que “ o devedor que não possa cumprir integralmente e de uma só vez a dívida tributária pode requerer o pagamento em prestações, nos termos que a lei fixar”. Mas, se assim é no que respeita ao processo de pagamento das obrigações tributárias, no âmbito da execução fiscal, por maioria de razão se compreende que, dada a natureza especial do processo de insolvência e o relevo que nele assumem o princípio da igualdade dos credores a que alude o art. 194º do CIRE e o princípio da auto-regulação da insolvência pelos credores consagrado no art.192º, nº 1 do mesmo diploma, na face executória da insolvência, o pagamento das dívidas fiscais do insolvente fique sujeito ao regime do CIRE. É que, como se salienta, no citado Acórdão da Relação do Porto, de 31.01.2008, em sede de processo de insolvência, não faz sentido conceder tratamento diferenciado na regularização dos créditos do Estado e da Segurança Social no confronto com os demais créditos da mesma espécie.
Aliás, diremos até que, o Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) ao estabelecer no seu art. 180º, que, uma vez declarada a insolvência, serão sustados os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes e todos os que de novo vierem a ser instaurados contra a mesma empresa, logo após a sua instauração ( nº1) e que o tribunal judicial competente avocará os processos de execução fiscal pendentes, mais não está do que a reconhecer a prevalência das normas do CIRE sobre as normas fiscais, as quais deixam de revestir natureza imperativa no âmbito do processo de insolvência.
Por tudo isto, julgamos admissível que o plano de insolvência aprovado pela assembleia de credores possa prever, quanto aos créditos de que seja titular a Segurança Social, a respectiva redução bem como o diferimento do seu pagamento em prestações, não se vendo que o disposto no art 1º do DL nº 411/91 de 17 de Outubro e nos arts. 30º, nº2 e 36º, nº3 da LGT possa constituir fundamento para recusar a homologação do plano.”
Em 2012, no Ac. da Rel. do Porto de 15/5/2012 (relator Ramos Lopes, www.dgsi.pt), dando conta de mudanças legais, foi esclarecido que: “Antes da entrada em vigor da Lei 55-A/2010, de 31/12 (Lei do Orçamento de Estado para 2011), vinha sendo maioritária a jurisprudência que entendia não existir impedimento à homologação do plano de insolvência, aprovado pela assembleia de credores, que previsse a redução ou o perdão de dívidas fiscais do insolvente, não havendo razões para concluir que a sentença homologatória de um tal plano padecesse dos vícios de violação do princípio da legalidade e da igualdade e de inconstitucionalidade por derrogação de normas imperativas[1]. Todavia, a partir de 1/01/2011, data da entrada em vigor da Lei 55-A/2010, a jurisprudência vem considerando, maioritariamente[2], a ‘validade dos princípios que informam o nosso sistema tributário no sentido de que a extinção dos seus créditos fiscais não podem ser perturbados contra a vontade do Estado’[3], que se os créditos da segurança social e os créditos fiscais podiam ser afectados pelo plano de insolvência até ao aditamento do nº 3 do art. 30º da LGT (D.L. 398/98, de 17/12) pela Lei 55-A/2010, a partir daí essa possibilidade foi pelo legislador expressamente afastada (com o referido preceito ficou arredada a interpretação de que a lei especial – o CIRE – derroga a lei geral – a Lei Geral Tributária (LGT) -, pelo que depende agora do acordo do Estado (Fazendo Nacional ou Segurança Social), em conformidade com as normas próprias da LGT e CPPT, a redução ou extinção dos seus créditos e/ou a concessão de moratória, pelo que tais créditos não podem ser afectados pelo plano de insolvência contra a sua vontade (impondo-se por isso, no caso de plano de insolvência que afecte, em tais termos, os seus créditos, a sua não homologação oficiosa, ao abrigo do art. 215º do CIRE)[4]. Argumenta-se que, relativamente aos processos de insolvência, se colhe por via interpretativa dos textos legais constantes dos nº 2 e 3 do art. 30º da Lei Geral Tributária, na redacção introduzida pela Lei 55-A/2010, conjugados com o disposto no art. 125º desta Lei, o sentido de que o ‘crédito tributário é indisponível’, prevalecendo tais normas sobre qualquer legislação especial, designadamente a concernente aos processos de insolvência, donde resulta serem inaplicáveis as normas em vigor (designadamente as previstas no CIRE) que prevejam a possibilidade de ocorrer o perdão ou a redução de créditos tributários[5].
Anteriormente à Lei 55-A/2010 considerava-se que o Estado, um credor da insolvente entre os demais, devia respeitar a deliberação tomada pela assembleia de credores, ponderando que o fim do processo de insolvência era (é) contribuir para a renovação da economia e das empresas, em vista da competitividade do mercado. Fundava-se tal entendimento na ‘especialidade da lei falimentar relativamente à lei geral tributária (a aplicar nas relações entre a administração fiscal e os contribuintes), segundo o princípio de que lex specialis derrogar legi generali, no princípio da igualdade dos credores (par conditio creditorum), quando em igualdade de situações, e da primazia da vontade destes na escolha da melhor forma de satisfação dos seus interesses na insolvência (incluindo pela aprovação de um plano de insolvência a que todos ficassem vinculados) – cfr. arts. 1º, 192º, 194º e 196º do CIRE – e na participação do Estado no esforço de solvência das empresas viáveis, assim contribuindo para a realização do interesse público do regular e saudável funcionamento do mercado e da actividade económica’, pois que, ‘normalmente, o peso das dívidas dos insolventes ao Estado e outros credores públicos, cuja falta de colaboração no esforço do plano, fazendo recair os encargos da insolvência apenas sobre os demais credores, acabaria por determinar a sua inviabilidade’[6].
Veio entretanto a Lei 55-A/2010 aditar ao art. 30º da LGT (que previa, no seu nº 1, sobre os créditos que integral a relação jurídica tributária, e que estabelecia, no seu nº 2, serem tais créditos indisponíveis, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária) um nº 3, no qual se estabeleceu que o disposto no número 2 do preceito prevalece sobre qualquer disposição especial, vindo ainda o art. 125º da Lei 55-A/2010 estabelecer que o disposto no nº 3 do art. 30º da LGT é aplicável, designadamente, aos processos de insolvência que se encontrem pendentes e ainda não tenham sido objecto de homologação.
O sentido útil da alteração legislativa levada a cabo pela Lei 55-A/2010 só pode ser o de arredar, nos processos de insolvência, as normas em vigor que prevejam as situações de perdão e/ou redução de créditos tributários, como se justifica no citado Ac. R. Coimbra de 17/01/2012, ou também qualquer diversa da prevista na lei tributária para o pagamento prestacional.
Tal conclusão vale também para os créditos da Segurança Social, pois que independentemente da sua qualificação jurídica, ‘não há dúvida que são contribuições impostas coactivamente por lei, com a finalidade de financiar o direito à segurança social, que constitui um direito constitucional’, constituindo pois ‘uma espécie do género «tributo»’, caindo no âmbito do nº 2, parte final, do art. 3º da LGT[7].
Impõe-se, pois, concluir não ser possível, depois da vigência da Lei 55-A/2010, por vontade dos credores, reduzir ou extinguir, em plano de insolvência, créditos tributários ou da segurança social.
Tal modificação legislativa operada pela referida lei é aplicável nos presentes autos – a sentença homologatória do plano de insolvência aprovado pela assembleia de credores foi proferida já no corrente ano de 2012.
O plano aprovado (com os votos contra da Segurança Social e da Fazenda Nacional) pela assembleia de credores comporta não só a redução dos juros de créditos tributários e da segurança social como o pagamento de tais créditos em prestações em termos que a administração, de acordo com a lei, não pode conceder (arts. 36º e 196º do Código do Procedimento e Processo Tributário), além de não prever a prestação de garantia idónea (em contrário do previsto no art. 199º do CPPT), mantendo a gerência (ao arrepio do previsto no art. 196º, nº 3 do CPPT).
Assim, por violação não negligenciável de normas aplicáveis ao seu conteúdo[8], deveria – e deve agora – ser oficiosamente recusada, nos termos do art. 215ºdo CIRE, a homologação do plano de insolvência aprovado na assembleia de credores.
Notas: [1] Assim, v. g., os Acórdãos S. T. J. de 4/06/2009 (Álvaro Rodrigues) e de 13/01/2009 (Fonseca Ramos), os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 5/02/2009 (Manuel Gonçalves) e de 22/03/2011 (Anabela Calafate) e os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 13/07/2006 (José Ferraz), de 30/09/2008 (Marques Castilho), de 6/11/2008 (Carlos Portela), de 02/02/2010 (Canelas Brás), de 09/02/2010 (Rodrigues Pires) e de 16/03/2010 (Anabela Dias da Silva), todos no sítio www.dgsi.pt. Em contrário, sustentando a impossibilidade dos créditos fiscais serem objecto de redução, extinção ou plano de pagamento, no âmbito de um processo de insolvência, atenta a indisponibilidade dos direitos a eles conexos e imperatividade das normas fiscais, o acórdão da Relação do Porto de 30/06/2008 (Caimoto Jácome), no mesmo sítio. [2] Contra, o Ac. T. R. Guimarães de 18/10/2011 (Catarina Gonçalves), no sítio www.dgsi.pt. [3] Ac. S.T.J. de 15/12/2011 (Silva Gonçalves), no sítio www.dgsi.pt. [4] Assim se entendeu nesta Relação Porto na Decisão Sumária de 14/11/2011 (Rui Moura) e no Acórdão de 4/07/2011 (Anabela Luna de Carvalho), no sítio www.dgsi.pt. [5] Ac. R. Coimbra de 17/01/2012 (Alberto Ruço), no sítio www.dgsi.pt. [6] Ac. R. Porto de 7/07/2011 (José Ferraz), no sítio www.dgsi.pt., que conclui, também, que face às alterações introduzidas pela Lei 55-A/2010, não são eficazes relativamente à Fazenda Nacional as modificações dos créditos tributários resultantes de plano de insolvência aprovado pela assembleia de credores, com oposição do Estado. [7] Cfr., mais uma vez, o citado Ac. R. Coimbra de 17/01/2012. [8] Não são negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza – Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, reimpressão, 2009, p. 713 (nota 5 ao art. 215).
Ainda mais recentemente foi proferido o Ac. da Rel. de Lisboa de 22/9/2020 (relatora Amélia Sofia Rebelo, em que foi 2º adjunto o aqui 1º adjunto, www.dgsi.pt, e a que voltaremos mais à frente), proferido embora no âmbito do PER.
Dúvidas não há portanto que com a introdução do nº. 3 ao artº. 30º citado houve uma mudança de paradigma no que respeita a esta matéria.
Mais uma vez recorrendo a Catarina Serra (“Regime…”, pags. 147 e 148), introduzindo as notas no local respetivo: “Tem-se discutido, em particular, a categoria das dívidas fiscais e das dívidas à Segurança Social: pergunta-se se é possível que o plano de insolvência preveja perdões, reduções de valor, moratórias ou outros condicionamentos ao pagamento destas dívidas.
No que toca às dívidas fiscais, está em causa por um lado, o carácter imperativo dos arts. 30º, n.º2, e 36.º, n.ºs 2 e 3, da Lei Geral Tributária (LGT) e do art. 196.º, n.ºs 1 e 5, do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT).
Estão em causa, por outro lado, principalmente, os preceitos do art. 196.º, n.º1, e ainda do art. 197º do CIRE, na parte em que este último se refere à “ausência de estatuição expressa em sentido diverso constante do plano de insolvência” e da qual decorre o seu carácter supletivo.”
Para o esclarecimento da questão contribuíram significativamente as decisões de alguns juízes do Supremo Tribunal de Justiça, que se pronunciaram no sentido de que não existe nestes casos, violação de normas fiscais imperativas por vontade das partes ou dos credores mas sim a necessidade de observar um regime especial criado pelo próprio legislador, sendo, por isso, legítimas quaisquer alterações aos créditos do Estado mesmo sem o consentimento deste[4] Cfr. os Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Janeiro de 2009 (Relator: Fonseca Ramos), de 4 de Junho de 2009 (Relator Álvaro Rodrigues) e de Março de 2010 (Relator: Silva Salazar) disponíveis em www.dgsi.pt..
O que sucede é que, no final de 2010, a Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, veio aditar um n.º3 à norma do art. 30.º da LGT, afirmando expressamente a prevalência do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários mesmo nos casos de legislação especial (cfr. art. 123.º).
Veio ainda, em sede de “disposições transitórias no âmbito da Lei Geral Tributária, estender aplicabilidade da norma aos “processos de insolvência que se encontrem pendentes e ainda não tenham sido objecto de homologação” (cfr. art. 125.º).
O legislador queria provavelmente referir-se, não aos processos de insolvência, como por precipitação se refere, mas aos planos de insolvência dado que são eles que são objecto de homologação judicial.
Não há dúvida que, com estas alterações, o legislador pretendeu alargar o alcance da protecção aos créditos tributários. E, sem dúvida, atingiu um dos argumentos principais da jurisprudência: a cedência da lei geral (a lei tributária) perante a lei especial (a lei da insolvência), havendo já consideráveis sinais de uma inversão de sentido nas decisões dos tribunais portugueses sobre esta matéria […].”
E continua (pag. 249): “Depois da introdução do n.º3 do art. 30º da LGT, a situação agravou-se consideravelmente, sendo, como se referiu, dos próprios juízes que parte a inflexão. Em favor da manutenção da tese da modificabilidade dos créditos pelo plano de insolvência resta, em todo o caso, um argumento de peso imanente à disciplina do plano de insolvência e o argumento da unicidade do sistema jurídico.
A regra de que havendo contradição entre o que resulta da interpretação do texto expresso de uma norma jurídica e aquilo que resulta do silêncio de outra ela se resolve com a sobreposição da primeira norma à segunda não deve ser mantida sempre que isso acarrete perturbações intoleráveis da harmonia do sistema jurídico. Tudo indica ser este o caso.”.
De facto, com a Lei nº. 55-A/2010, de 31/12, e com o art. 125º (norma transitória), o legislador afastou por forma expressa, a interpretação de que a lei especial (CIRE) derroga a aplicação da lei geral (LGT) –cfr. artº. 7º, nº. 3, do C.C..
Nos Acs. do STJ de 13/11/2014 e 18/12/2014 (relator Fonseca Ramos, www.dgsi.pt) dando conta da incongruência (palavra nossa) do sistema, adota-se uma posição que assume uma interpretação restritiva e teleológica das normas de modo a compatibiliza-las.
Ora, continua válida a posição do Ac. da Relação do Porto que citamos e por isso, de acordo com a redação que pelo art. 123º da Lei nº 55-A/2010 (Lei do Orçamento de Estado para 2011) foi conferida ao nº 3 do artº. 30º da LGT (“O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial.”), e conforme os Acs. do S.T.J. a que aquele alude de 15/12/2011 bem como no de 10/5/2012, impõe-se a natureza indisponível dos créditos do Estado.
Alguma jurisprudência adota a posição de que não é possível o pagamento em prestações das dívidas ao Estado, tão pouco a cedência dos juros, face a essas disposições, e por isso o plano que o considere sem o acordo do credor não pode ser homologado, sem necessidade de análise mais detalhada. Neste sentido pode ver-se o Ac. da Rel. de Lisboa de 9/7/2017 (relator Roque Nogueira, www.dgsi.pt): “A Lei nº110/2009, de 16/9, que aprovou o citado Código e que, entre outros, revogou o DL nº411/91, de 17/10, prevê, no seu art.190º, situações excepcionais para a regularização da dívida.
Assim, resulta do disposto nos seus nºs 1 e 6, que o pagamento prestacional da dívida à segurança social, bem como a isenção ou redução dos respectivos juros vencidos e vincendos, só é permitida nos termos daquele artigo e mediante autorização concedida por deliberação do conselho directivo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. (IGFSS, I.P.).
Ora, tal autorização não foi concedida, sendo certo que competia àquele conselho directivo averiguar e apurar se se verificavam, no caso, os respectivos requisitos, previstos no citado Código (cfr. os seus arts.190º e segs.), para, em caso afirmativo, deliberar no sentido da autorização do pagamento prestacional da dívida à segurança social.
Acresce que o ISS, I.P., votou contra o plano, onde se previa, além do mais, tal pagamento prestacional. Sendo que, estamos perante normas que têm, claramente, um carácter público e imperativo, não podendo, pois, ser afastadas pela vontade dos credores maioritários, que aprovaram o plano.
Nem competindo ao tribunal, segundo cremos, até por falta de elementos, decidir se o pagamento prestacional previsto no plano se adequa ao estabelecido no citado art.190º e se a garantia prevista é idónea, nos termos do art.203º, do mesmo Código, aprovado pela Lei nº110/09, para, depois, se concluir que inexiste vício não negligenciável que justifique a recusa oficiosa da homologação do plano, como se decidiu no Acórdão da Relação de Guimarães, de 11/7/13, disponível in www.dgsi.pt.”.
O S.T.J. no Ac. de 18/2/2014 (relator Fonseca Ramos, www.dgsi.pt), conclui que, atualmente “(…) não é de excluir que no plano da insolvência, ao abrigo do art. 196º, nº 1, als. a) e c) do CIRE, cabe o perdão ou redução do valor dos créditos da AT ou da Segurança Social sobre o passivo do devedor, quer quanto ao capital, quer quanto aos juros, bem como a modificação dos prazos de vencimento ou das taxas de juro, sejam os créditos comuns, garantidos ou privilegiados, aprovado o plano que respeitou o quórum estabelecido no artigo 212°, desde que a intervenção nos créditos do Estado credor não evidencie uma redução injusta e desproporcional, tendo em conta o somatório dos créditos dos particulares e a medida em que deles abdicam, visando a recuperação da empresa pré-insolvente.”.
Quanto à posição desta Relação, retomamos o que ficou dito no Ac. de 15/10/2015 (relatora Eva Almeida, www.dgsi.pt) e que mantém atualidade: “Com a nova redacção do artº 30º pôs-se fim à querela jurisprudencial acima referida, prevalecendo o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários sobre o princípio da igualdade dos credores no referido processo [ver Acs. do STJ de 10.05.20012 (Álvaro Rodrigues), proc. 368/10.0TBPVL-D.G1.S1 e de 15.12.2011, (Silva Gonçalves) proc. 467/09.1TYVNG-Q.P1.S1]. No seguimento desta alteração legislativa, tem prevalecido nesta Relação de Guimarães o entendimento de que a homologação de um plano de recuperação que não respeite o regime previsto nos artigos 1º e 2º do DL nº 411/91, de 17.10 e no artigo 30º, nºs 2 e 3 da LGT, por contemplar a redução dos juros e a concessão de pagamento a prestações do crédito do Instituto da Segurança Social sem a sua autorização, é ineficaz relativamente a este credor, contra ele não produzindo quaisquer efeitos - entre outros os Acs. do TRG de 16.04.2015 (3499/12.9TBGMR-D.G1); de 06.03.2014 (643/13.2TBBCL-A.G1) e de 15.10.2013 (8604/12.2TBBRG.G1); de 18.06.2013 (4021/12.2TBGMR.G1) in dgsi.pt, entre outros não publicados. Semelhante entendimento é acolhido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24.03.2015 (Proc. 664/10.7TYVNG.P1.S1), em cujo sumário se pode ler: «O plano de insolvência aprovado mesmo contendo propostas contrárias ao preceituado nos arts. 30.º, n.ºs 1, 2, 3, 36.º, n.ºs 2 e 3, da LGT, e 190.º, n.ºs 1, 2 e 6, do CRCSPSS, não deve o mesmo ser objecto de recusa de homologação judicial, por nulidade do mesmo, antes enfermando de mera ineficácia, sendo, por isso, inoponível, relativamente ao Instituto de Segurança Social». Consequentemente, é hoje ponto assente não ser possível, contra a vontade do Estado (ou da Segurança Social), reduzir ou extinguir créditos tributários ou da Segurança Social, ou conceder moratória mediante o pagamento em prestações que se prolonguem por período superior ao previsto no Código Contributivo.
Assim sendo, impõe-se uma análise casuística das medidas constantes do plano para efeitos de verificação da sua legalidade, face às normas aplicáveis em sede tributária/contributiva.
A orientação daquele Ac. da Rel. de Lisboa de 22/9/2020 segue esta via, quando aí se diz: “Porém, da citada solução legal, jurisprudencialmente realizada, não resulta como inevitável a ilegalidade do Plano (ou das medidas por ele previstas para os créditos do Estado) sempre que este seja votado desfavoravelmente pela Segurança Social ou pela Autoridade Tributária; apenas e tão só quando não respeite os requisitos ou limites da extinção ou redução das dívidas fiscais ou contributivas nos termos em que estas são legalmente autorizadas, independentemente do sentido de voto - favorável ou desfavorável - daqueles credores. (…) Relevante é aferir se as medidas previstas pelo Plano de Recuperação (…) violam os limites dos requisitos atinentes com a regularização de dívidas ao Estado, conforme normas que se transcrevem (…).”.
Não se discute que os créditos da segurança social, sendo contribuições impostas coactivamente por lei, com a finalidade de financiar o direito à segurança social, que é um direito constitucional, constituem uma espécie do género «tributo», caindo, pois, no âmbito do nº2, parte final, do art. 3º, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo DL nº398/98 (LGT), de 17/12 (cfr. o citado Acórdão da Relação de Guimarães, e, ainda, o Acórdão da mesma Relação, de 18/6/13, e da Relação de Coimbra, de 17/1/12, este último também disponível in www.dgsi.pt, bem como o Acórdão do STA, de 3/12/97, in BMJ, 472º-283, todos invocados no Ac. de Lisboa de 9/7/2014 -relator Roque Nogueira, www.dgsi.pt.). A Lei Geral Tributária (LGT) é subsidiariamente aplicável aos créditos da segurança social, nos termos preceituados pelo artº. 3º, a), do Código aprovado pela Lei nº. 110/2009 de 16/9 (CRCSPSS).
Isso posto, há então que verificar em que medida em que o artº. 196º se coaduna com as normas da Lei Geral Tributária (D.L. nº. 398/98 de 17/12), Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social (Lei nº. 110/2009 de 16/9) e sua Regulamentação (Decreto Regulamentar 1-A/2011 de 3/01), e do Código de Procedimento e de Processo Tributário (D.L. nº. 433/99 de 26/10), e concretamente os artigos a que nos formos referindo.
O artº. 30º, nº. 2 da L.G.T., afirma que o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se em condições para a sua redução ou extinção com o respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária. O nº. 3 do artº. 36º da L.G.T. determina que “A administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei”.
A apreciação feita nesses termos respeita os princípios constitucionais no âmbito da matéria tributária. O princípio da legalidade tributária, previsto no artº. 103.º da Constituição da República Portuguesa, significa que os impostos são criados por lei, sendo por lei que se determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais, as garantias dos contribuintes. O princípio da igualdade tributária implica que os cidadãos tenham igual oportunidade de cumprimento das suas obrigações –cfr. artºs. 13º e 266º, nº. 2, da Constituição). Refere-se no Ac. da Rel. do Porto de 21/10/2013 (relator Carlos Querido, www.dgsi.pt), que “…o princípio da equidade fiscal, particularmente num momento de emergência nacional, pressupõe o sacrifício de todos, e tal princípio seria violado, isso sim, pela interpretação dos normativos legais em apreço que permitisse excluir do esforço colectivo apenas alguns contribuintes, pelo simples facto de se encontrarem em situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente”. E acrescenta, conforme jurisprudência constitucional, que o princípio da igualdade também se concretiza no tratamento de forma diferente, de realidades diferentes. Neste enquadramento temos os artºs. 194º, nº. 1, e 97º do CIRE.
Não se verifica a violação do princípio da igualdade considerando que a indisponibilidade dos créditos fiscais é oponível a todos os devedores, enquanto dever fundamental de pagar impostos legalmente constituídos, inerente à incontornável natureza de “Estado fiscal” do nosso Estado de direito democrático –Ac. da Rel. de Coimbra de 5/12/2012 (relator Teles Pereira, www.dgsi.pt). E as oportunidades concedidas a uns são também concedidas a outros, respeitando porém a especifica situação de cada um.
Assim temos de considerar, de modo a sermos respeitadores desses princípios:
-o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (CRCSPSS) –Lei nº. 110/2009 de 16/9:
-artº. 189º: Pagamento em prestações
1 - O diferimento do pagamento da dívida à segurança social, incluindo os créditos por juros de mora vencidos e vincendos, assume a forma de pagamento em prestações.
-artº. 190º: Situações excecionais para a regularização da dívida
1 - A autorização do pagamento prestacional de dívida à Segurança Social, a isenção ou redução dos respetivos juros vencidos e vincendos, só é permitida nos termos do presente artigo, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte e das regras aplicáveis ao processo de execução fiscal.
2 - As condições excecionais previstas no número anterior só podem ser autorizadas quando, cumulativamente, sejam requeridas pelo contribuinte, sejam indispensáveis para a viabilidade económica deste e desde que o contribuinte se encontre numa das seguintes situações:
a) Processo de insolvência, de recuperação ou de revitalização;(…).
3 - Para efeitos do disposto no número anterior, o incumprimento do pagamento das contribuições mensais desde a data de entrada do requerimento constitui indício da inviabilidade económica do contribuinte.
(…).
6 - Sem prejuízo das competências próprias das instituições de segurança social nas Regiões Autónomas, a autorização a que se refere o n.º 1 do presente artigo é concedida por deliberação do conselho directivo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I. P. (IGFSS, I. P.) (…)
-artº. 191º: Condição especial da autorização
As condições de regularização da dívida à segurança social não podem ser menos favoráveis do que o acordado para os restantes credores.
-aa Regulamentação do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social -aprovado pelo Decreto Regulamentar nº 1-A/2011 de 03/01, com as sucessivas alterações):
-artº. 81º: Pagamento em prestações
1 - O diferimento do pagamento da dívida à segurança social, incluindo os créditos por juros de mora vencidos e vincendos, assume a forma de pagamento em prestações mensais, iguais e sucessivas, com o limite máximo de 150.
2 - O número de prestações autorizado para o pagamento depende
a) Da capacidade financeira do contribuinte;
b) Do risco financeiro envolvido;
c) Das circunstâncias determinantes da origem das dívidas;
d) Do grau de liquidez da garantia.
3 - A taxa de juros vincendos a aplicar no âmbito de pagamentos prestacionais autorizados pode ser reduzida em função da idoneidade da garantia. (…).
-o Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) -D.L. nº. 433/99 de 26/10:
-artº. 196º: Pagamento em prestações e outras medidas
1 - As dívidas exigíveis em processo executivo podem ser pagas em prestações mensais e iguais, mediante requerimento a dirigir, até à marcação da venda, ao órgão da execução fiscal.
2 - O disposto no número anterior não é aplicável às dívidas de recursos próprios comunitários e às dívidas resultantes da falta de entrega, dentro dos respectivos prazos legais, de imposto retido na fonte ou legalmente repercutido a terceiros, salvo em caso de falecimento do executado.
3 - É excepcionalmente admitida a possibilidade de pagamento em prestações das dívidas referidas no número anterior, sem prejuízo da responsabilidade contra-ordenacional ou criminal que ao caso couber, quando:
a) O pagamento em prestações se inclua em plano de recuperação no âmbito de processo de insolvência ou de processo especial de revitalização, ou em acordo sujeito ao regime extrajudicial de recuperação de empresas em execução ou em negociação, e decorra do plano ou do acordo, consoante o caso, a imprescindibilidade da medida, podendo neste caso haver lugar a dispensa da obrigação de substituição dos administradores ou gerentes, se tal for tido como adequado pela entidade competente para autorizar o plano; ou
b) Se demonstre a dificuldade financeira excecional e previsíveis consequências económicas gravosas, não podendo o número das prestações mensais exceder 24 e o valor de qualquer delas ser inferior a 1 unidade de conta no momento da autorização.
4 - O pagamento em prestações pode ser autorizado desde que se verifique que o executado, pela sua situação económica, não pode solver a dívida de uma só vez, não devendo o número das prestações em caso algum exceder 36 e o valor de qualquer delas ser inferior a 1 unidade de conta no momento da autorização.
5 - Nos casos em que se demonstre notória dificuldade financeira e previsíveis consequências económicas para os devedores, poderá ser alargado o número de prestações mensais até 5 anos, se a dívida exequenda exceder 500 unidades de conta no momento da autorização, não podendo então nenhuma delas ser inferior a 10 unidades da conta.
6 - Quando, para efeitos de plano de recuperação a aprovar no âmbito de processo de insolvência ou de processo especial de revitalização, ou de acordo a sujeitar ao regime extrajudicial de recuperação de empresas do qual a administração tributária seja parte, se demonstre a indispensabilidade da medida, e ainda quando os riscos inerentes à recuperação dos créditos o tornem recomendável, a administração tributária pode estabelecer que o regime prestacional seja alargado até ao limite máximo de 150 prestações, com a observância das condições previstas na parte final do número anterior. (…).
-artº. 198º: Requisitos do pedido
(…)
3 - Caso o pedido de pagamento em prestações obedeça a todos os pressupostos legais, deve o mesmo ser objecto de imediata autorização pelo órgão considerado competente nos termos do artigo anterior, notificando-se o requerente desse facto e de que, caso pretenda a suspensão da execução e a regularização da sua situação tributária, deve ser constituída ou prestada garantia idónea nos termos do artigo seguinte ou, em alternativa, obter a autorização para a sua dispensa.
4 - Caso se apure que o pedido de pagamento em prestações não obedece aos pressupostos legais de que depende a sua autorização, o mesmo será indeferido de imediato, com notificação ao requerente dos fundamentos do mesmo indeferimento.
5 - É dispensada a prestação de garantia para dívidas em execução fiscal de valor inferior a (euro) 5000 para pessoas singulares, ou (euro) 10 000 para pessoas coletivas.
-artº. 199º: Garantias
(…) 13 - Os pagamentos em prestações ao abrigo de plano de recuperação no âmbito de processo de insolvência ou de processo especial de revitalização ou em acordo sujeito ao regime extrajudicial de recuperação de empresas em execução ou em negociação que decorra do plano ou do acordo não dependem da prestação de quaisquer garantias adicionais. (…).
Posto isto temos que quanto aos juros na falta de acordo da recorrente (inclusive conforme deliberação junta), as regras que imperativamente se impõem impedem o seu perdão, quer quanto aos vencidos, quer quanto aos vincendos, já que sendo um crédito indisponível nenhuma das normas permite a sua extinção -artº. 190º, nºs. 1 e 6, do CRCSPSS e artº. 30º, nºs. 2 e 3, da LGT.
Da leitura conjugada das normas e face ao destacado por nós a negrito, não se verifica porém outro óbice à aprovação da cláusula de pagamento do valor devido em prestações, nomeadamente quanto ao número de prestações, e à dispensa de garantia, resultando que a medida é indispensável à viabilidade da empresa dos elementos descritivos constantes do plano.
Já no que concerne à alegada violação de Orientação Técnica que fixa o valor mínimo da prestação, tal não constitui norma imperativa pelo que a sua eventual violação não releva para este efeito. Não se ultrapassando o valor mínimo previsto nas normas citadas e que é de 1UC não se verifica aqui também qualquer objeção à sua consideração.
Concluímos por isso, que os termos do plano no que respeita ao crédito da recorrente, concretiza violação não negligenciável de normas imperativas inderrogáveis aplicáveis ao conteúdo do plano -artº. 215º do CIRE- apenas no que se refere à cláusula relativa ao perdão de juros. Por isso cabia ao juiz no âmbito dos seus poderes oficiosos recusar a homologação do plano, ou pelo menos declarar a ineficácia daquela cláusula em relação à recorrente.
*
Esta última afirmação prende-se com a consequência a retirar do facto constatado: deve o juiz recusar a homologação do plano (no sentido que só pode homologar ou recusar a homologação Ac. da Rel. de Lisboa de 9/7/2017 -relator Roque Nogueira-, e voto de vencido apresentado por Aristides Rodrigues de Almeida no Ac. da Rel. do Porto de 12/7/2017, ambos em www.dgsi.pt):, ou declarar a sua ineficácia ou inoponibilidade em relação ao credor cujo crédito está afetado pelo vício (o que pressupõe a validade do plano)? Ou ainda optar pela nulidade das cláusulas ilegais nos termos do artº. 280º do C.C. (o que pressupõe a nulidade parcial do plano), com a consequência da sua exclusão do plano face á possibilidade de redução de negócios jurídicos nos termos do artº. 292º do C.C., presumindo-se que a vontade hipotética ou conjectural das partes é no sentido de conservar o plano?
Uma outra tese possível foi seguida no Ac. da Rel. de Évora de 4/2/2016 (relator Bernardo Domingos, www.dgsi.pt) em que se decidiu que a sentença que homologou o plano deve ser revogada, e que caberá ao Tribunal “a quo” fixar prazo para a elaboração de novo plano por forma a obter o consentimento da entidade (nesse caso a Autoridade Tributária) para modificações que estejam em conformidade com a lei. Essa solução pressupõe porém a prévia conclusão, de que estava-se perante uma violação negligenciável dos princípios da indisponibilidade e da legalidade tributária, designadamente do disposto nos art.ºs 196º, n.º5 e 199º, ambos do CPPT, que tal irregularidade pode ser suprida facilmente (…).
A jurisprudência não vinha sendo unânime nesta resposta, citando Catarina Serra os vários acórdãos proferidos (pag. 445 de “Lições…”).
Pensamos ser de ponderar alguns fatores na posição a tomar. Em primeiro lugar estamos perante um negócio jurídico, um contrato ainda que atípico. Depois, o facto do plano ter obtido o acordo de mais de 2/3 dos votos emitidos (cfr. a exigência do quórum representativo, para além do deliberativo, tal como decorre do artº. 212º do CIRE) significa que essa fatia de credores acredita na viabilidade da recuperação da devedora, a que a mesma se propõe no nosso caso. O facto de, mantendo a empresa em laboração, se manter também os postos de trabalho -3 dos 8 iniciais. O facto de a devedora não ter bens a liquidar, apenas eventuais créditos sobre terceiros, o que torna muito difícil, a mostrar-se inviável a concretização do plano, a liquidação do passivo (ainda assim sem prejuízo da responsabilidade do gerente nos termos legais). É verdade que paga uma renda e que não tem máquinas próprias, além de que a atividade que (re)iniciou ter que ver com uma situação conjuntural (questão das máscaras comunitárias) cujo contexto não sabemos se se vai manter (-mas também não sabemos se vão surgir outras oportunidades, fruto de alguma recuperação económica).
Estes fatores pesam a favor de uma posição que permita a aplicação do plano, na parte do mesmo que pode ser homologada.
É verdade que esta posição não tem acolhimento expresso na lei. Mas também não resulta a sua exclusão legal e coaduna-se com a natureza negocial do plano.
Desse modo, num balanço e ponderação de interesses, cremos que a posição da declaração de ineficácia em relação ao crédito/credor que o plano não pode abranger por violação de normas imperativas é a que se deve procurar aplicar.
É esta a posição do STJ que consta do citado acórdão de 13/11/2014 e que se consolidou na jurisprudência deste Tribunal Superior. Este Acórdão vem proferido já na sequência do de 18/2/2014 do mesmo relator e do de 25/3/2014 (relator Fernandes do Vale, também em www.dgsi.pt).
Concorda-se com o argumento dado no Ac. da Rel. de Lisboa de que optar pela não homologação do plano na sua globalidade seria, pelo simples facto de os credores públicos terem emitido voto desfavorável, atribuir-lhes voto de qualidade, que não tem fundamento legal.
Aí se conclui, como aqui, que “…a nulidade ou a ineficácia abrange apenas essas concretas medidas ilegais, permanecendo no demais válido e eficaz relativamente a todos os credores, incluindo os de natureza publica.”, citando ainda nesse sentido, entre outros, acórdãos do STJ de 10/05/2012, 24/03/2015, 02/06/2015, e 17/04/2018 e 10/5/2018. Acrescentamos um dos mais recentemente proferidos, em 10/5/2021 (relator: F. Pinto de Almeida, todos em www.dgsi.pt).
*
O nosso caso pede ainda uma outra ponderação.
Muito embora este argumento não tenha sido suscitado, e porque se trata igualmente de matéria que se pode conhecer oficiosamente, temos de dizer que os óbices que se levantam quanto à aceitação da parte do plano que incide sobre o crédito da recorrente, levantam-se também no que diz respeito ao crédito da Fazenda Nacional: a impossibilidade de perdão dos juros, não constando que a AT tenha aceite a medida, a qual não decorre do seu silêncio já que se exige para o efeito uma tomada de posição (e no caso absteve-se na votação do plano). Significa isto que também quanto a este crédito verifica-se violação não negligenciável das normas aplicáveis ao seu conteúdo, que faria incorrer em idêntica declaração de ineficácia.
Introduzindo aqui uma questão processual diríamos que não se mostra necessário o cumprimento do contraditório prévio ao conhecimento do vício desta cláusula relativa aos juros da Fazenda Nacional, uma vez que nos situamos na mesma questão de direito levantada no recurso –a aplicação do artº. 215º do CIRE, tendo a questão do crédito da Fazenda Nacional sido mesmo expressamente abordado nas alegações de recurso-, e a nível de dispositivo, pedindo-se a não homologação de todo o plano, então sempre estaria abarcado o crédito (global) da Fazenda Nacional caso o recurso fosse procedente nesses termos; sendo noutros termos –declaração de ineficácia no que concerne à clausula relativa a juros da recorrente/SS e da Fazenda Nacional- ainda assim a convolação é possível –corresponde, no caso da SS à procedência parcial do pedido subsidiário do recurso, e no caso da AT acaba por ser uma consequência menor do que estava requerido a título principal no recurso da SS; os efeitos prático jurídicos de uma e outra das opções são idênticos para a Fazenda Nacional e mais favoráveis para a devedora e demais credoras, já que se mantém válido o restante conteúdo do plano. (cfr. interpretação do âmbito do artº. 609º, nº. 1, C.P.C.).
*
Assim sendo, e sobrelevando o interesse da satisfação dos credores, ele atinge-se determinando-se como consequência a ineficácia das medidas relativas aos créditos da SS e da Fazenda Nacional relativos aos juros e respetivamente.
Em palavras simples, diríamos que os credores –todos- terão maior probabilidade de ver satisfeitos os seus créditos com esta solução, do que com a que leve à inviabilidade total do plano.
Esta posição da declaração de ineficácia, parte da premissa da viabilidade da empresa –cfr. Ac. da Rel. de Coimbra de 13/01/2015 (relator Moreira do Carmo, www.dgsi.pt)-, o que também não pode ser descurado no atual panorama económico.
Por outro lado não cremos que essa solução conduza ou introduza fatores de desigualdade entre os credores, respeitando ainda o princípio da proporcionalidade (artº. 18º, nº. 2, da Constituição).
Note-se que no acórdão da Relação de Lisboa de 22/9/2020 ponderou-se que se imporia previamente indagar junto do devedor, e para que o compromisso seja por este expressamente assumido, se a modificação do plano que resulta da ilegalidade da medida prevista para o crédito da recorrente é suscetível ou não de comprometer a execução/eficácia/cumprimento do plano. Esta dificuldade que naquele acórdão foi ultrapassada apelando ao conteúdo das contra-alegações, não pode por nós ser aqui ser do mesmo modo resolvida. Todavia, uma vez que o que está em causa é manifestamente inferior ao que permanece eficaz, atentos os contornos do caso que já enunciamos, concluímos nesse sentido.
Pode ver-se a propósito das dificuldades que a jurisprudência encontra e como tenta ultrapassá-las o Ac. do STJ de 3/11/2015 (relator Salreta Pereira, como voto de vencido de Fonseca Ramos, e sendo uma posição semelhante á adotada no Ac. da Rel. de Évora de 4/2/2016); e ainda o Ac. da Rel. do Porto de 12/7/2017 (relator Filipe Caroço, com voto de vencido de Aristides Rodrigues de Almeida, ambos em www.dgsi.pt).
*
Face à argumentação do recurso, diremos ainda que não se vislumbra que esta solução que adotamos viole o princípio da igualde de credores, pelo contrário, respeita a posição (diferente) de cada um no âmbito do negócio jurídico em que se consubstancia o plano, aceite por uns mas não por outros, na parte que a lei impede que se ultrapasse.
Retomando a jurisprudência, no Ac. do STJ de 24.03.2015 (relatora Ana Paula Boularot, www.dgsi.pt), diz-se no seu sumário: “(…) III. A noção ampla de ineficácia, contempla a ineficácia próprio sensu e a nulidade, instituto esse que não se destina apenas a titular direitos de terceiros que não podem ser afectados pela vinculação jurídica em causa, mas também se dirige a proteger o titular de direitos subjectivos, de expectativas e/ou de interesses legitimamente protegidos que eventualmente possam vir a ser afectados directamente pelo comportamento de outrem.”.
*
Tudo o exposto resulta por isso, em primeiro lugar na declaração de nulidade da sentença homologatória proferida; em segundo lugar passa pela prolação de decisão que declara a ineficácia das cláusulas respeitantes ao perdão de juros no que respeita respetivamente à recorrente e à Fazenda Nacional, constantes do plano de insolvência apresentado pela devedora, por violação não negligenciável de normas imperativas aplicáveis ao seu conteúdo (nesses pontos).
***
VI DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, conceder parcial provimento à apelação e
-declarar nula a decisão recorrida;
-em substituição declarar a ineficácia, relativamente ao Recorrente Centro Distrital de Braga do Instituto da Segurança Social I.P. e também à Fazenda Nacional, da medida relativa ao respetivo perdão de juros vencidos e vincendos do Plano de Insolvência, homologando o restante conteúdo do plano.
Custas a cargo da recorrente e da massa insolvente na proporção de 1/10 para a primeira e 9/10 para a segunda (artº. 527º, nºs. 1 e 2, do C.P.C.).

Os Juízes Desembargadores
Relator: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade
1º Adjunto: Fernando Barroso Cabanelas
2º Adjunto: Eugénia Pedro
(A presente peça processual tem assinaturas eletrónicas)
*
Guimarães, 20 de janeiro de 2022.