Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
710/15.8T8VRL.G2
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: APELAÇÃO AUTÓNOMA
INSPECÇÃO AO LOCAL
REJEIÇÃO DE MEIO DE PROVA
EFEITOS DA PROCEDÊNCIA DO RECURSO SOBRE A SENTENÇA FINAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (elaborado pela relatora) :

1- A ratio da admissibilidade da apelação autónoma e imediata das decisões sobre os meios de prova, para lá do obviar a atrasos processuais, está na conveniência de evitar a prática de atos inúteis, atenuando-se os riscos de futura inutilização do processado;

2- Sendo revogada a decisão que rejeitou um meio de prova, tem de se produzir o meio de prova prejudicado pela rejeição e as diligências e os trâmites processuais não podem deixar de ficar sujeitos às vicissitudes do decidido;

3- Assim, a procedência do recurso de apelação do despacho que rejeita um meio de prova implica a inutilização e a repetição de todos os actos que sejam afectados por aquela procedência, entre eles a sentença final proferida (nº2, do artigo 195º, Código de Processo Civil, aplicável por analogia), ficando, consequentemente, prejudicado o recurso da sentença, anulada.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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I. RELATÓRIO

Recorrente: CONSELHO DIRECTIVO DOS BALDIOS X
Recorrida: FREGUESIA Y

O CONSELHO DIRECTIVO DOS BALDIOS X, com sede na Rua …, Montalegre, intentou a presente ação declarativa, com processo comum, contra a FREGUESIA Y, com sede em …, Montalegre, pedindo a condenação da Ré a reconhecer que são baldios os terrenos do Alto da Costa, onde estão implantados os aerogeradores AG1 e AG2, e que, com essa natureza, são os habitantes de X que sempre os usufruíram e usufruem exclusivamente e a restituir ao Autor os benefícios que haja recebido em resultado de qualquer contrato relativo à cessão de exploração dos aludidos montes baldios.

Alega, para tanto, que administra os terrenos baldios pertencentes aos moradores de X, que existe um terreno baldio, no Monte da Costa, onde estão implantados os aerogeradores AG1 e AG2, que descreve, que são os compartes de X que usam, fruem e gerem esses terrenos comuns, de forma pública, pacífica, sem oposição, ininterruptamente e de boa fé, há mais de 300 anos, convictos de que lhes pertencem em comum, pretendendo a Ré, sem fundamento, usufruir das rendas devidas pela instalação das referidas eólicas no cimo do Monte da Costa.
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Regularmente citada, a Ré contestou, defendendo-se por impugnação e por exceção, arguindo a exceção de caso julgado.
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A autora pronunciou-se pela improcedência da exceção invocada.
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Findos os articulados, foi proferido despacho saneador, tendo sido julgada procedente a exceção de caso julgado e absolvida a Ré da instância (cfr fls 178 e segs), decisão que foi objeto de recurso que obteve procedência, tendo sido revogado o despacho recorrido o ordenado o prosseguimento do processo – cfr fls 217 e segs.
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Foram fixados o objeto do litígio e os temas de prova.
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O Autor veio, a fls 246 e seg, requerer a ampliação do pedido, que foi deferida, no sentido de o primeiro dos pedidos formulados passar a ter a seguinte redação:

“Ser a ré condenada a reconhecer que são baldios os terrenos do Alto da Costa, onde estão implantados os aerogeradores AG1 e AG2 e que, com essa natureza, são os habitantes de X que sempre os geriram e gerem, usufruíram e usufruem exclusivamente”.
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Procedeu-se a audiência de julgamento, no decurso da qual (cfr fls 393) foi proferido o seguinte

DESPACHO

“Apesar de ter sido requerida a inspeção judicial, tendo em conta as provas produzidas constantes dos autos, o Tribunal entende que não é necessária essa diligência para a decisão da causa, pelo que a indefiro”.
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De tal despacho, que não admitiu a inspeção judicial requerida pelo Autor, interpôs este, a fls 394 e segs, recurso, o qual foi admitido a fls 426, como sendo de apelação, a subir em separado e com efeito meramente devolutivo (de acordo com a disposto nos arts 644º, nº2, al. d), 645º, nº2 e 647º, nº1, todos do CPC).
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Foi proferida sentença com a seguinte parte dispositiva:

“Por tudo o exposto, julgo a presente ação totalmente improcedente e, consequentemente, absolvo a ré dos pedidos.
Custas da ação a cargo do autor”.
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O Autor apresentou recurso de apelação, pugnando por que seja revogada a decisão e substituída por outra que julgue a ação inteiramente procedente, com as legais consequências, formulando as seguintes

CONCLUSÕES:

I- O Tribunal a quo incorreu em erro na fixação dos temas da prova, na medida em que não foram respeitados os efeitos produzidos entre as partes pela sentença transitada em julgado proferida no processo nº 2/12.4TBMTR que decidiu que a freguesia da Y e os seus habitantes, designadamente do lugar P., nunca utilizaram os terrenos nos quais estão implantados os aerogeradores identificados com os nºs 1 e 2, com as inscrições AG1 e AG2.
II- Assim sendo, na procedência da reclamação apresentada pelo recorrente, deve ser revogado o despacho proferido a 28.10.2016, referência CITIUS nº 30334571, com todas as legais consequências quanto aos atos subsequentes.
III- O Tribunal a quo indeferiu a inspeção judicial requerida pelo apelante.
Contudo, o objeto do litígio, a causa de pedir e os pedidos formulados por uma comunidade local, cuja até já viu declarado o seu direito sobre os mesmos terrenos baldios por decisão com trânsito em julgado – cfr. Acção de simples apreciação negativa (facto provado 4)- aconselhavam o deferimento de tal meio de prova.
IV- A defesa do direito de propriedade comunitário sobre um terreno baldio (assente que está a natureza de baldio dos terrenos em causa), seus limites e configuração, demandam uma perceção direta dos factos pelo Tribunal para melhor obter a perceção da realidade do alegado.
V- A decisão recorrida atenta contra o direito à prova do recorrente na medida em que, por um lado, não alude ao meio de prova requerido pelo recorrente e rejeitado – inspeção judicial – objeto de recurso autónomo;
por outro lado, conclui serem as provas carreadas pelo recorrente insuficientes e “pouco claras” para habilitarem o tribunal a decidir sobre a titularidade dos terrenos baldios em discussão.
VI- A sentença recorrida limita-se a descrever a prova, não a analisando criticamente.
VII- Com efeito, a decisão sobre os factos provados (FP) e não provados(FNP) é meramente descritiva. Não é feita qualquer associação entre a prova documental, a prova testemunhal, o depoimento de parte e as declarações de parte. Todos os referidos meios de prova são descritos em bloco e, sucessivamente, arredado o seu valor probatório. Não há correlação entre os diversos meios de prova em análise.
VIII- Se, como refere a Mmª Juiz a quo, as testemunhas do A. “confirmaram no essencial, a linha delimitativa dos baldios, indicada pelo autor” e se o documento de 1701 – sentença – “vai ao encontro da versão do autor”, não é só o seu depoimento que tem que ser tido em conta, mas ser ele corroborado pelo documento de 1701.
IX- Mesmo que os depoimentos das testemunhas do apelante não fossem convincentes, e são, restaria esse documento autêntico – sentença – junto aos autos para a procedência da acção, por fazer prova plena dos limites entre as duas aldeias (e freguesias) e seus baldios.
X- Daqui resulta que a Mmª Juiz não fez qualquer exame crítico das provas, como a lei lho impunha, nem se serviu do documento autêntico, da sentença, donde resulta com clareza que já desde 1701 o monte da Costa era utilizado ou usado pelos habitantes de X, desprezando, pois, essa prova documental que corrobora os depoimentos das testemunhas do A.
XI- A julgadora a quo negou à parte prova requerida e nada diligenciou para adquirir outra prova.
XII- Analisando criticamente as provas produzidas, como o devia ter feito a Mmª Juiz a quo , poderá concluir-se que a matéria de facto e a sentença devem ser alteradas como defende o apelante.
XIII- Impõe-se, no caso concreto, redobrada ponderação da valoração dos depoimentos testemunhais prestados e dos documentos apresentados pelo recorrente, considerando que a análise das provas na acção declarativa nº 245/10.5TBMTR coube à Mma Julgadora da presente ação; que no saneador-sentença são tecidas as seguintes considerações: “ Diga-se, ainda, que o autor, embora não tivesse sido parte naquela ação, teve conhecimento da mesma prova produzida, sendo nossa convicção, como fizemos constar da decisão proferida que intentou a ação 2/12.4TBMTR com a finalidade de influir naquela decisão” e que na presente é feito mais um comentário/considerando final sobre as “cruzes”, cujo não deixa de traduzir uma convicção pré-formada da julgadora, aliás traduzida na decisão final que proferiu na referida ação nº 245/10.5TBMTR, à qual começou por ser atribuída autoridade de caso julgado para os presentes, entendimento que esse douto Tribunal censurou, mas que, salvo melhor entendimento, perdura na mente da Mma. Juiz.
XIV- O julgamento de facto ignorou a matéria alegada e provada pelo recorrente a respeito das rendas recebidas pela recorrida (cfr. artigo 23º da p.i.), relativas a terrenos onde se encontram implantados os aerogeradores AG1 e AG2, aliás objeto do tema da prova nº 3, não constando a mesma dos factos provados ou não provados.
XV- Com efeito, tendo a recorrente alegado tal matéria, tendo a este respeito formulado o competente pedido de restituição, tendo tal matéria sido incluída nos temas da prova, tendo sido objeto de diligências probatórias que o próprio tribunal determinou (cfr. atas de audiência de julgamento supra referidas), tendo resultado documentalmente provado o recebimento do montante de 128.551,55€, cabe ao Tribunal ad quem suprir a manifesta omissão desta factualidade na sentença recorrida, dando como provado que a ré recebeu o montante 128.551,55€, (cento e vinte e oito mil quinhentos e cinquenta e um euros e cinquenta e cinco cêntimos) relativo a “rendas dos terrenos situados no Alto da Costa onde se situam os aerogeradores AG1 e AG2”.
XVI- Deve, em conclusão, ser aditado aos factos provados (FP) o seguinte:
A ré recebeu da empresa que explora o parque eólico o montante de 128.551,55€ (cento e vinte e oito mil quinhentos e cinquenta e um euros e cinquenta e cinco cêntimos) relativo a rendas retroativas desde a implantação dos aerogeradores AG1 e AG2 nos terrenos baldios situados no Alto da Costa e recebe seis mil euros por ano por cada aerogerador ou 1,5% da produção anual.
XVII- Os concretos meios probatórios, constantes do processo que impunham esta alteração são os seguintes: cheques comprovativos do recebimento das rendas pela ré de fls 345, 346 e 360; depoimento de parte do legal representante da ré (cfr supra referido segmento da motivação de facto; minutos 0:52:18 a 0: 52: 24 da gravação áudio).
XVIII- Da conjugação dos factos 1º, 10º e 11º, atenta a confissão do representante legal da R. a respeito das rendas recebidas, resulta provado que entre 28.02.2006 (data da celebração do contrato de cessão de exploração entre a Junta de Freguesia W e a empresa C, depois sucedida pela sociedade anónima Eólica TF S.A) e 12.03.2010 (data da constituição dos órgãos de gestão dos baldios pelos moradores de X) as rendas relativas aos terrenos onde se encontram implantados os aerogeradores AG1 e AG2 foram recebidas pela Junta de Freguesia W; após 12.03.2010, foi o autor quem passou a receber as ditas rendas.
XIX- Deve, pois, ser aditado aos factos provados (FP) o seguinte:

Entre 28.02.2006 (data da celebração do contrato de cessão de exploração entre a Junta de Freguesia W e a empresa C, depois sucedida pela sociedade anónima Eólica TF S.A) e 12.03.2010 (data da constituição dos órgãos de gestão dos baldios pelos moradores de X) as rendas relativas aos terrenos onde se encontram implantados os aerogeradores AG1 e AG2 foram recebidas pela Junta de Freguesia W. Após 12.03.2010, foi o autor quem passou a recebê-las.
XX- Assim sendo, contrariamente ao decidido, pelo menos nesse período de tempo (28.2.2006- 12.03.2010) impõe-se ser dado como provado o uso, fruição e gestão dos baldios constituídos pelos terrenos onde se encontram implantados os aerogeradores AG1 e AG2 pelos moradores de W/X.
XXI- Face a estes factos provados, concluir-se que “o autor também não logrou provar o uso e fruição da comunidade” é um manifesto erro de julgamento, senão uma nulidade da sentença ao abrigo do disposto no artigo 615º, nº 1 al. c) do CPC .
XXII- O depoimento das testemunhas da ré versou sobre matéria já assente entre as partes (que os habitantes de P. nunca usaram o baldio do monte da Costa onde se encontram implantados os AG 1 e AG 2) e o respetivo depoimento mereceu credibilidade igual à dos depoimentos das testemunhas do A./apelante.
XXIII- Ora, tal conclusão não pode aceitar-se, já que as testemunhas em causa nunca poderiam depor, c-como fizeram, sobre factualidade considerada provada na sobredita ação de simples apreciação negativa – os habitantes de P. nunca usufruíram os terrenos do Alto da Costa, onde se situam os aerogeradores AG1 e AG2.
XXIV- Tal matéria, ao invés de indagada de novo, deverá ser dada como provada.
XXV- Assim sendo, deverá constar como provada tal facticidade enquanto tal, devendo, por isso, ser aditado aos factos provados o seguinte:
A freguesia da Y e os seus habitantes, designadamente do lugar P. nunca usufruíram os terrenos do Alto da Costa, onde se situam os aerogeradores AG1 e AG2.
XXVI - Atenta a prova produzida nos autos – testemunhal, documental, depoimento de parte - nomeadamente a supra referida no corpo das alegações, pelas razões aí expostas, aqui dadas como reproduzidas, deve, quanto à demais matéria de facto:
- Dar-se como provados os factos 1 a 10 dos “Factos não provados” (sem numeração na sentença e correspondentes aos artigos 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 17º e 18º da petição inicial), passando os mesmos a constar dos factos provados.
XXVII- Os concretos meios de prova que impõem a alteração são os seguintes:

1- certidão de sentença e acórdão do Tribunal da Relação do Porto que a confirmou, proferidos no processo que com o nº 2/12.4TBMTR opôs as partes em litígio nos presentes - fls 13 a 17, 26 a 84 e resposta à matéria de facto desta mesma ação junta na audiência de julgamento;
2- certidão parcial e transcrição certificada de um tombo e sentença de tombo (de atombação) de 1701 de fls 282 a 306;
3- certidão parcial de um tombo datado de 1549 , que a sentença nem refere;
4-certidão contendo parecer da GEOJUSTIÇA, – Soluções Geográficas de Apoio à Justiça, Lda, Spinoff da Universidade do Minho, sobre a CAOP de fls 157 a 1612;
5- depoimentos das testemunhas do autor Custódio, Senhor Juiz Conselheiro3, José, Manuel, João, P. G., D. G., J. B., Joaquim e J. L. (1).
XXVIII - Sem divergências a assinalar, todas as testemunhas do A. referiram que a linha do limite dos baldios de P. e X lhes foi transmitida, ensinada pelos pais e avós; todos por lá tendo andado ao mato, à lenha, ao estrume, aos tordos.
XXIX- Todas as testemunhas do apelante fizeram referência à existência de cavadas de X, algumas para lá do Alto da Costa (vide depoimentos de P. G., minutos 0:18:25, 0:18:38 e 0:18:42;
do J. B., do D. P., do Padre Manuel), para nascente do Monte da Costa (vide depoimento de J. B., minutos 0:05:17).
XXX - Conjugando os depoimentos das testemunhas do A. que atestam os limites defendidos pelo A. e os usos dos baldios dentro desses limites, como a Sra Dra Juiz a quo reconhece, com o documento/sentença de 1701 que também confirma os usos e limites definidos pelos compartes de X, dúvidas não restam que à matéria de facto provada ( FP) deve ser aditada a seguinte:

1- A freguesia da Y e os seus habitantes, designadamente do lugar P. nunca utilizaram os terrenos nos quais estão implantados os aerogeradores identificados com os n.ºs 1 e2, com as inscrições AG1 e AG”;
2- A ré recebeu da empresa que explora o parque eólico o montante de 128.551,55€ (cento e vinte e oito mil quinhentos e cinquenta e um euros e cinquenta e cinco cêntimos) relativo a rendas retroativas desde a implantação dos aerogeradores AG1 e AG2 nos terrenos baldios situados no Alto da Costa e recebe seis mil euros por ano por cada aerogerador ou 1,5% da produção anual.
3-Entre 28.02.2006 (data da celebração do contrato de cessão de exploração entre a Junta de Freguesia W e a empresa C, depois sucedida pela sociedade anónima Eólica TF S.A) e 12.03.2010 (data da constituição dos órgãos de gestão dos baldios pelos moradores de X), as rendas relativas aos terrenos onde se encontram implantados os aerogeradores AG1 e AG2 foram recebidas pela Junta de Freguesia W.
4. São e sempre foram os habitantes da aldeia de X quem usufrui o terreno em causa,
5. Entre estas duas aldeias e no que toca ao objecto desta acção, o limite, provindo de Norte, passa pelo Monte da Mangueira, a Norte do monte da Costa, pela regueira que aí existe junto a uma fonte denominada fonte da Costa que P. canalizou para a sua aldeia, entre aquele monte e o cabeço dos penedos da Costa, seguindo para Sul.
6. O limite entre as duas aldeias passa pelo meio da encosta Nascente do Monte da Costa, pertencendo a X o meio da encosta Nascente, o Alto da Costa e a encosta Poente, Sul e Norte;
7. Os terrenos situados a Poente dessa delimitação, designadamente os do alto do monte da Costa, onde se encontram implantados os aerogeradores AG1 e AG2 estão, desde tempos imemoriais, há mais de 300 anos, desde 1549 e 1701, afectos ao uso e fruição dos habitantes de X que deles retiram as suas utilidades, apascentando gado, roçando estrume, recolhendo mato e lenha, melhorando caminhos.
8. Todos estes actos foram sempre praticados à vista de toda a gente, designadamente dos habitantes da povoação de P., convictos de que o faziam em terrenos integrados na povoação de X, freguesia de W, e destinados ao uso e fruição das pessoas e moradores dessa localidade, sem oposição de quem quer que fosse.
9. Os aludidos terrenos são usados, fruídos e geridos pelos habitantes/compartes da aldeia de X, representada pelos órgãos para o efeito constituídos – Assembleia de Compartes e Conselho Directivo.
10. Os aerogeradores AG1 e AG2 encontram-se assim implantados a Poente dessa linha delimitativa e nunca os habitantes de P. (Y) utilizaram o respectivo terreno, sendo, antes, os compartes de X, e seus antecessores, quem, desde tempos imemoriais, que ultrapassam a memória dos vivos, no local onde se encontram implantadas as eólicas referidas, apascentam gado (a monte e pastoreado), cortam mato e lenha, recolhendo pedras, estrume e saibro, cultivam cereais nas “cavadas”, no interesse e proveito comum e com a consciência do exercício de um direito comunal, com excepção de outrem, com o reconhecimento das comunidades e moradores contíguos, sem que os vizinhos de P., ou qualquer outrem, se tivesse oposto;
11. Sendo esse mesmo local a continuação dos montes de X;
12. Havendo apenas a ele acesso, antes da implantação das eólicas, por caminhos provindos da aldeia de X, designadamente o que passa no Monte de Selares e na garganta entre os montes da Portela da Forca e do Monte da Costa, dando acesso ao seu cume, inexistindo qualquer outro caminho, para aceder ao cimo do monte, que fosse ou pudesse ser utilizado pelos habitantes da Y, designadamente pelos de P..
XXXI- Do reexame das provas produzidas na primeira instância impõe-se alterar a decisão de facto também por ofensa do direito material probatório, designadamente do disposto nos artigos 347º, 369º, 370º, 371º do Código Civil, conquanto o Tribunal a quo não considerou/atendeu aos meios de prova produzidos, não os valorou de acordo com aqueles.
XXXII- A força probatória dos documentos quinhentista e setecentista só poderia ser ilidida através de prova da falsidade dos factos que integram o seu conteúdo, o que não foi feito pela recorrida, como lhe competia (artigo 372º do CC).
XXXIII- Assim sendo, estão plenamente provados, por documentos e testemunhas, os factos articulados pelo autor quanto aos usos e limites do seu baldio que, como refere a sentença recorrida, encontram eco no documento de 1701 de fls. 282 a 306 e “onde se refere um limite que vai ao encontro da versão do autor”.
XXXIV- Tal limite foi reconhecido por sentença de atombamento/atombação usualmente designada por tombo, ordenado por provisão régia, cujos efeitos se impõem à decisão impugnada – artigo 628º do CPC.
XXXV - Um tombo revestido das solenidades exigidas no Alvará Régio (cfr início do documento original) tem força probatória como um acto judicial, servindo de prova plena quanto ao domínio, no caso de terrenos particulares e maninhos.
XXXVI- O Tribunal recorrido configurou a ação como de demarcação, conquanto considerou ser de decidir a linha de demarcação, os limites das duas unidades de baldios, com o ónus probatório a impender sobre o autor.
XXXVII - A ser a presente uma ação de demarcação (são estas as ações que visam saber onde se localiza a linha de demarcação entre baldios), sempre a ré estaria obrigada a concorrer para a demarcação do respetivo baldio, o que in casu, não sucedeu.
XXXVIII- Sendo a presente uma ação de reivindicação e estando suficientemente demonstrado que os compartes do A. usam e sempre usaram os terrenos baldios até à vertente nascente do Monte da Costa (“águas vertentes”), que os compartes da R. nunca usaram os baldios do Alto da Costa (objeto do litígio), a demarcação que houver sempre se fará por essa linha.
XXXIX- Por aplicação do contrário contraditório resulta que são os moradores de X que sempre utilizaram esses baldios, pelo que a condenação peticionada nesta acção está implícita e abrangida pelo caso julgado definido na acção de simples apreciação negativa mencionada (processo nº 2/12.4TBMTR).
XL- Nesta acção a R. não poderia voltar a alegar, e o Tribunal apreciar, que usufrui o baldio onde foram instalados os aerogeradores porque isso contradiz o decidido na ação de simples apreciação negativa em que intervieram as mesmas partes aqui em confronto.
XLI- A decisão recorrida viola as seguintes normas:
1) da Constituição da República Portuguesa -artigos 204º e 280º ao coarctar o direito à prova do apelante
2) do Código Civil
- artigo 8º, nºs 1 e 3 ao não respeitar os comandos normativos das normas de direito material probatório quanto ao valor probatório de documento autêntico contendo sentença judicial (cfr. Tombo de 1701), de sentença judicial transitada em julgado (cfr. decisão judicial proferida nos autos 2/12)
- artigos 347º, 369º, 370º, 371º do Código Civil, conquanto o Tribunal a quo não considerou/atendeu aos meios de prova produzidos, não os valorou de acordo com aqueles
- artigo 390º ao negar a prova por inspeção
3) da Lei dos Baldios
- art 1º, nº1, ao não reconhecer os usos dos terrenos maninhos pelos moradores de X
4) do Código de Processo Civil
- artigo 410º, na medida em que não teve em conta factos provados;
- art 596º, nº 3 do CPC
- artigo 607º, nºs 3, 4 e 5 na medida em que não teve em conta a prova produzida por acordo, de força vinculada, não analisou criticamente a prova, desconsiderando prova documental de força vinculada, e não impugnada pela ré, como é o caso da certidão do aludido Tombo de 1701 ordenado por provisão régia, cujos efeitos se impõem à decisão impugnada.
- art 628º na medida em não reconhece um limite reconhecido por sentença de atombamento/atombação.
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A Ré apresentou contra alegações pugnando por que seja negado provimento à Apelação, concluindo:

1 – O Apelante fundamenta o Recurso essencialmente em duas questões que ao longo das suas longas Alegações vai avançando para acabar por voltar sempre ao mesmo.
São elas da “importância” capital que pretende dar quer à acção meramente declarativa, quer ao documento ou tombo de 1701:
2 – Quanto à acção meramente declarativa de apreciação negativa, acabou por ser aceite como tal, e onde não foi reconhecida a prova da Ré, o que determinou que se mantivesse a Declaração peticionada por falta de provas.
Mas o próprio Senhor Juiz que proferiu essa Sentença teve o cuidado de esclarecer que “não se sabendo na verdade o que se passa, a lei manda proceder como tudo se passasse de acordo com a versão do Autor – Assim, nada garante que a decisão reproduza fielmente a realidade de facto, apenas se podendo garantir que a Decisão respeita a Lei”.
E na nota nº 4 do Art. 10º do CPC de Abílio Neto, (já citada no corpo destas contra alegações), se conclui que a Decisão das acções meramente declarativas não são exequíveis.
Ora o Apelante, conforme já se alegou, tenta transformar essa acção e Decisão numa Decisão de Condenação, chegando a alegar que o facto meramente declarativo ficou provado e que na presente acção a Ré já não podia produzir qualquer prova (como contraprova), nem sequer deviam ser ouvidas as testemunhas da Ré.
Ou seja, o Apelante constrói uma argumentação falaciosa, sustentando uma ilegalidade e até um absurdo que seria poder ele propor uma acção contra a Ré, mas onde não podia caber a discussão nem o contraditório.
3 – A outra questão é o do tombo de 1701. Esse documento, ou tombo como o Autor pretende, é de caracter religioso e destinado a demarcar os domínios paroquiais sujeitos ao dízimo devido ao Convento de Santa Clara.
A Apelada não pôs em causa que tais domínios poderiam nessa data coincidir com os limites das aldeias sujeitas a esse vínculo, demarcando-as com as aldeias vizinhas.
O problema, porém, não é esse: a questão é que o Autor Apelante faz uma interpretação dos termos desse documento diferente da interpretação feita pela Apelada. E a divergência começa logo no facto do documento denominar um monte por Monte Grande, e nunca nenhuma das partes antes de ser conhecido esse tombo, invocou tal denominação. O Apelante por mera dedução de exclusão diz que o Monte é aquele que actualmente se chama Monte da Mangueira. Mas o documento diz que o limite passa por cima do Monte, e o próprio Autor na petição alega que o limite passa pelo sopé do Monte da Mangueira (Art. 9º da Petição).
Depois o documento também diz que do meio do aí denominado Monte Grande o limite segue a direito e passa no cabeço dos penedos da Costa. E aí a Ré, pelos depoimentos das testemunhas, conclui que a interpretação do Autor não tem sentido porquanto o cabeço dos penedos da Costa fica na crista do Monte a que actualmente chamam monte da Costa, já depois da parte mais alta do monte; e do meio do Monte da Mangueira (que o Autor diz ser o Monte Grande) até àquele cabeço tinha de a linha divisória descer toda a Mangueira para o seu lado Poente e subir o Monte da Costa até ao cabeço dos penedos da Costa, onde se situam afinal as duas eólicas, a nascente do cabeço e a cerca de um quilómetro do cimo e meio do Monte da Mangueira.
Por outro lado, foi junto pela Ré apelada um documento oficial emitido pelos Serviços Cartográficos do Estado que contem os Mapas onde vem assinalado o limite entre X e P. e os próprios dois aerogeradores claramente do lado de P..
Tal documento não carece de ser interpretado e constitui um elemento probatório muito mais seguro e rigoroso que o Tombo de 1701.
A sentença expressa todavia que apesar disso não significaria que quer este documento quer o outro fixassem os limites entre os terrenos baldios.
Seja como for, uma coisa é certa, o documento de 1701 não pode servir do apoio probatório que o apelante lhe quer atribuir.
4- No mais, a prova testemunhal, a declaração de parte do representante do Autor, e o depoimento de parte do representante da Ré, segundo a convicção da Sra. Juíza, não lhes encontrou motivo para descredibilizar quer uns quer outros, e, por expressarem posições antagónicas, ao julgar a matéria de facto não provada, não fez mais do que cumprir a lei (artigos 342º nº 1 e 346º do C. Civil).
5- Reitera-se aqui o requerimento deduzido na parte final do corpo das alegações, de, subsidiariamente, serem apreciadas as nulidades ai invocadas ao abrigo do nº 2 do artigo 636º do C.P.C..
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Foi o recurso do referido despacho que indeferiu a inspeção judicial julgado procedente, revogado o despacho recorrido e admitida a inspeção judicial requerida pelo Autor – cfr Acórdão deste Tribunal de fls 28 a 31 do apenso B.
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Após ter baixado, na sequência de tal Acórdão, foi proferido, a fls 810, o seguinte

DESPACHO

“Encerrada a audiência, o juiz pode, se não se julgar suficientemente esclarecido, ordenar a reabertura da audiência – art. 697º, nº1, do CPC.

Nos presentes autos, contudo, foi já proferida sentença, a qual foi objeto de recurso que também já foi admitido.

Ora, nos termos do disposto no artigo 613º, do CPC, proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.
Por esse motivo, apesar da decisão proferida no processo de recurso em separado que se mostra apensado, e onde doutamente se decidiu que o tribunal deve proceder à inspeção ao local que havia sido indeferida, entendo que não é permitido ao tribunal, neste caso, reabrir a audiência para o efeito.

De facto tal diligência de prova destina-se a contribuir para a decisão da matéria de facto a julgar, matéria que, contudo, foi já julgada na sentença proferida, mostrando-se, assim, esgotado o poder jurisdicional quanto a essa matéria.

Pelo exposto, devem os autos subir ao Tribunal da Relação de Guimarães que doutamente decidirá.
Notifique”.
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A fls 815, foi proferido despacho a manter o decidido por o despacho de fls 810 ser claro “no sentido de a nossa vontade ser proceder à diligência probatória determinada pelo Tribunal da Relação. Contudo, a lei existe e a interpretação que fazemos da mesma é a que consta do despacho proferido”.
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O Autor, notificado do despacho de fls. 810, confirmado pelo despacho de fls 815, veio dos mesmos interpor recurso pugnando por que se revoguem os despachos recorridos, formulando, para tanto, as seguintes

CONCLUSÕES:

I- O cumprimento do decidido pelo Tribunal ad quem no âmbito da apelação em separado, interposta da decisão interlocutória que rejeitou a produção do meio de prova, implica forçosamente a invalidação de todo o processado após o requerimento de prova rejeitado, considerando-se prejudicada a sentença final.
II- A apelação interposta do despacho interlocutório de não admissão de meio de prova, ao ser julgada procedente, revela-se prejudicial em relação à apelação interposta da sentença final, inutilizando-a.
III- A existência do acórdão em processo de recurso interlocutório em separado, não cumprido pelo tribunal de primeira instância, obsta ao conhecimento do objeto do recurso da decisão final, cuja teve por base uma decisão de facto sem que fosse realizada a diligência de prova que essa douta Relação considerou necessária.
IV- Cabia ao tribunal da primeira instância cumprir a decisão do tribunal superior.
V- Os despachos recorridos violam, por incorreta interpretação, as normas contidas nas seguintes disposições legais: arts 6º, 152º, nº 1, 607º, nº 1, 613º, 652º, nº 1, als. b) e d), todos do NCPC.
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A Ré não apresentou contra-alegações.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito dos recursos interpostos.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

- OBJETO DO RECURSO

Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Assim, as questões a decidir são as seguintes:

- Se cabia ao Tribunal a quo cumprir o decidido pelo Tribunal ad quem no âmbito da apelação em separado (recurso esse interposto da decisão que rejeitou a produção do meio de prova), produzindo a prova - inspeção judicial - admitida pelo Tribunal superior;
- Em caso afirmativo, consequências do incumprimento.
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II. A - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos provados, com relevância, para a decisão constam já do relatório que antecede, tendo, na sentença proferida, sido considerados provados os seguintes factos:

1º - Os moradores de X, povoação pertencente à freguesia de W, estão organizados, desde 12.03.2010, para o exercício dos atos de representação, disposição, gestão e fiscalização relativos aos correspondentes terrenos baldios, através de uma Assembleia de Compartes, um Conselho Diretivo e uma Comissão de Fiscalização.
2º - O Autor representa, assim, o universo dos compartes da identificada aldeia, cabendo-lhe a administração dos respetivos baldios.
- A Ré representa o universo dos compartes do Lugar P., freguesia da Y.
- Foi decidido, com trânsito em julgado, na ação de simples apreciação negativa n.º 2/12.4TBMTR, intentada pelo aqui autor, Conselho Diretivo dos Baldios de X, contra a freguesia de Y, que a freguesia da Y e os seus habitantes, designadamente do lugar P., nunca utilizaram os terrenos nos quais estão implantados os aerogeradores identificados com os nºs 1 e 2, com as inscrições AG1 e AG2.
5º - Na fundamentação da decisão proferida diz-se expressamente:

Procurando afastar a consequência desfavorável que a lei lhe impunha, a ré alegou os factos necessários para que, desde que julgados como provados, a ação fosse declarada improcedente. Todavia, não logrou, na dimensão necessária, fazer essa prova. Conseguiu demonstrar alguns dos factos que alegou, mas numa escala tão insignificante, que nem como instrumentais se poderão qualificar.”
6º - A aldeia de X situa-se na freguesia de W, que confronta, pelo Nascente, com a freguesia da Y.
7º - O limite entre as duas citadas freguesias está feito há várias centenas de anos, designadamente entre X e P..
8º - O Monte da Costa, nome pelo qual é conhecido quer por P. quer por X, situa-se nas duas aldeias.
9º - É no Monte da Costa, local onde se encontram implantados os dois aerogeradores referidos, que a aldeia de X capta a água que abastece a povoação.
10º - O Autor assumiu, após a sua constituição, a posição da Junta de Freguesia W no contrato de cessão de exploração de terrenos baldios celebrado com a empresa C - Consultoria, Estudos e Soluções de Engenharia, Lda., em 28 de Fevereiro de 2006, esta sucedida pela sociedade anónima Eólica TF, S. A.
11º - Tendo passado a receber as rendas relativas aos terrenos onde se encontram implantados os aerogeradores AG1 e AG2.
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Na sentença, foram considerados não provados os seguintes factos:

- São e sempre foram os habitantes da aldeia de X quem usufrui o terreno em causa.
- Entre estas duas aldeias, e no que toca ao objeto desta ação, o limite, provindo de Norte, passa pelo sopé Sul do Monte da Mangueira, a Norte do Monte da Costa, seguindo pela encosta Nascente deste Monte da Costa, junto a uma fonte, denominada fonte da Costa, que P. canalizou para a aldeia, seguindo depois para os pardieiros de M., V., AG., junto ao local onde os de X construíram e utilizam um campo de futebol, seguindo para Sul até à barragem do Alto Rabagão.
- Desde a referida fonte da Costa, para Sul, o limite entre as duas aldeias, é por um caminho que segue nesse sentido e que é usado pelos habitantes e gados das duas aldeias, pertencendo a X os terrenos a Poente e a P. os terrenos a Nascente.
- O limite entre as duas aldeias passa pelo meio da encosta Nascente do Monte da Costa, pertencendo a X o meio da encosta Nascente, o Alto da Costa e a encosta Poente e Sul.
- Por isso, tal como se afirmou e já foi discutido na referida ação de simples apreciação negativa, os terrenos situados a Poente do referido limite, designadamente os do alto do Monte da Costa, onde se encontram implantados os aerogeradores AG1 e AG2 estão, desde tempos imemoriais, há mais de 300 anos, afetos ao uso e fruição dos habitantes da povoação de X que deles retiram as suas utilidades, apascentando gado, roçando estrume, recolhendo mato e lenhas, melhorando caminhos.
- Todos estes atos foram sempre praticados à vista de toda a gente, designadamente dos habitantes da povoação de P., convictos de que o faziam em terrenos integrados na povoação de X, freguesia de W, e destinados ao uso e fruição das pessoas e moradores dessa localidade, sem oposição de quem quer que fosse.
- Os aludidos terrenos são usados, fruídos e geridos pelos habitantes/compartes da aldeia de X, representada pelos órgãos para o efeito constituídos – Assembleia de Compartes e Conselho Diretivo.
- Os aerogeradores AG1 e AG2 encontram-se, assim, implantados a Poente dessa linha delimitativa e nunca os habitantes de P. (Y) utilizaram o respetivo terreno, sendo, antes, os compartes de X, e seus antecessores, quem, desde tempos imemoriais, que ultrapassam a memória dos vivos, no local onde se encontram implantadas as eólicas referidas, apascentam gado (a monte e pastoreado), cortam mato e lenha, recolhem pedras, estrume e saibro, cultivam cereais nas “cavadas”, no interesse e proveito comum e com a consciência do exercício próprio de um direito comunal, com exceção de outrem, com o reconhecimento das comunidades e moradores contíguos, sem que os vizinhos de P., ou qualquer outrem, se tivessem oposto.
- Sendo esse mesmo local a continuação dos montes de X,
- Havendo apenas a ele acesso, antes da implantação das eólicas, por caminhos provindos da aldeia de X, designadamente o que passa no Monte de Selares e na garganta entre os montes da Portela da Forca e do Monte da Costa, dando acesso ao seu cume, pelo Poente, inexistindo qualquer caminho, para aceder ao cimo do monte, que fosse ou pudesse ser utilizado pelos habitantes da Y, designadamente pelos de P..
- Os limites entre os baldios de X administrados pelo autor e os baldios de P. administrados pela ré coincidem com os limites administrativos entre as freguesias.
- O local onde foram implantados os aerogeradores AG1 e AG2 foi no baldio de P. da freguesia ré.
- Esses limites encontram-se, em termos de fronteiras de baldios, assinalados com cruzes esculpidas em penedos, encontrando-se um do lado poente próximo do aerogerador AG1, o qual alinha com outro que quando da construção de acesso pela firma eólica foi deslocado cerca de um ou dois metros.
- A linha entre as cruzes esculpidas nestes dois penedos significa segundo os usos e costumes do Concelho de Montalegre o limite máximo que os vizinhos de X poderiam atingir com as pastagens dos seus rebanhos.
- O segundo penedo referido assinalado com uma ou duas cruzes liga depois ainda a outro penedo, fixado no solo, mais pequeno, e alinha depois com outro maciço que delimita então o Baldio de P. com o da Aldeia do Antigo de W e deste com o da Aldeia de X.
- Seguindo as direções referidas também se constata que os Aerogeradores AG1 e AG2 se situam na aldeia de P. da Y e o Aerogerador AG3 já se situa na Aldeia do Antigo de W.
- Os limites entre as duas Aldeias e Freguesias provindo do Norte passa no cimo do Monte da Costa e não pela meia encosta nascente nem pelo sopé sul do Monte da Mangueira.
- A Fonte da Costa foi comprada pela freguesia da Y a António e foi a sua água canalizada para P. pela Ré à vista de toda a gente há cerca de 20 anos.
- O que foi efetuado para aumentar o caudal da Água da fonte mais antiga existente perto.
- Ambas as fontes se situam do lado direito do caminho no seu sentido descendente.
- O sopé sul da Mangueira fica a cerca de 400 metros a nascente do local dos Aerogeradores.
- O campo de futebol, pouca utilização chegou a ter e foi construído pela Câmara na freguesia de P. e a pedido dos seus habitantes.
- O local de BL. pertence à Freguesia da Y.
- O local da B. (ou AG.) pertence também, pelo menos na sua maior parte, à Freguesia da Y.
- O caminho referido no artigo 10º da Petição situa-se em P., tanto como os terrenos a nascente e poente do mesmo.
- Tal caminho destina-se a servir os vizinhos de P. e só é usado por habitantes residentes noutras aldeias e freguesias, que possuam aí terrenos herdados ou adquiridos a qualquer título.
- Sempre os vizinhos das aldeias de X e P. respeitaram o uso, posse e fruição dos Baldios de cada uma pelos limites atrás referidos, apascentando o gado, recolhendo lenhas, cortando mato, ou como logradouro,
- Existe um caminho junto ao limite das duas aldeias, do lado de P. destinado ao acesso ao monte pelos seus habitantes, vulgarmente chamado caminho rodeiro.
- No qual se reconhecem bem no solo os sulcos dos rodados dos carros ou tratores, desde o cimo do Monte da Costa, passando junto aos aerogeradores do lado poente destes que segue na direção duma antiga captação de água até à aldeia de P..
- Este caminho coincide do lado poente com o limite das duas freguesias assinalado no Mapa do Instituto Geográfico Português.
- Os vizinhos de X captam a água já na encosta poente do Monte da Costa bem afastada do local dos aerogeradores.
- O lugar das BL. é atravessado pelo caminho das fontes,
- E o lugar do B. situa-se depois daquele para o seu lado poente.
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II. B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

- Da obrigatoriedade de cumprimento da decisão do Tribunal Superior e consequências do incumprimento

Conclui o Autor que os despachos recorridos violam as normas contidas nos arts 6º, 152º, nº 1, 607º, nº 1, 613º, 652º, nº 1, als. b) e d), todos do actual Código de Processo Civil, diploma a que pertencem todos os preceitos citados sem outra referência, pois o incumprimento do decidido pelo Tribunal ad quem no âmbito da apelação em separado, interposta da decisão que rejeitou o meio de prova, implica a invalidação de todo o processado posterior ao despacho de rejeição, considerando-se prejudicada a sentença final, e que a apelação interposta do despacho interlocutório de não admissão de meio de prova, ao ser julgada procedente, revela-se prejudicial conhecimento do objeto do recurso desta, a qual teve por base uma decisão de facto sem que fosse realizada a diligência de prova que a Relação considerou necessária.

Vejamos se assim acontece.
Verifica-se que do despacho que rejeita um meio de prova cabe recurso de apelação autónoma, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo – cfr. al. d), do nº2, do art. 644º, nº2, do art. 645º e nº1, do art. 647º.
Como se decidiu no Acórdão da Relação de Lisboa de 28/4/2015, processo 465/14:dgsi.net, a al. d) do nº2 do art. 644º, abrange tanto a admissão como a rejeição de meios de prova, ou seja, a pronúncia relativa a requerimentos de prova, não consentindo distinções entre meios de prova novos ou velhos, diferentes ou iguais aos apresentados pela parte contrária, já produzidos ou a produzir. As razões que justificam a admissibilidade da apelação autónoma e imediata das decisões sobre os meios de prova prendem-se, para além da, desejável, celeridade processual, com a conveniência de atenuar os riscos de uma futura inutilização do processado (2) (3).

Também no Acórdão da Relação de Lisboa de 17/5/2017, Processo 28048/15.3T8LSB.L1-4 se decidiu que a eventual revogação da decisão intercalar que contende com o resultado da lide provoca efeitos anulatórios da tramitação processual que se lhe segue e afecta a própria decisão final, tornando prejudicado o recurso interposto desta (4).

Aí se refere “em consequência da procedência da apelação interposta quanto ao despacho interlocutório, a reapreciação da sentença final queda prejudicada na medida em que o erro decisório que afecta um dos passos que a antecedeu (…) exerceu efectiva influência no resultado da lide – cfr. o artigo 660.º do Código de Processo Civil – inutilizando o processado ulterior.

Nesta situação em que o recurso interposto da decisão interlocutória é decidido a favor do recorrente, como diz o Professor Miguel Teixeira de Sousa num post intitulado “Recurso de decisão interlocutória e suspensão do trânsito em julgado”, publicado em 21 de Janeiro de 2016 no blogue do IPPC[7] (5), há que aplicar, por analogia, o disposto no artigo 195.º, n.º 2, Código de Processo Civil: “a procedência do recurso implica a inutilização e a repetição de todos os actos que sejam afectados por aquela procedência; entre esses actos inclui-se a sentença final”.
Mostra-se pois prejudicada a impugnação deduzida da sentença”.
Os trâmites processuais ou diligências anteriores ficam sujeitos às vicissitudes do que vier a ser decidido: se for confirmada a decisão recorrida, serão integralmente respeitados; sendo revogada, proceder-se-á, conforme os casos, à invalidação e desconsideração dos actos de produção de prova indevidamente executados, à produção dos meios de prova prejudicados pela rejeição (6)

In casu, o Douto Acórdão desta Relação, que, revogando o despacho proferido em audiência de julgamento, admitiu a prova por inspecção ao local, determina, obviamente, pelo referido, como não pode deixar de ser, invalidação do processado posterior ao despacho que rejeitou tal meio de prova, incluindo a sentença proferida.

A não ser assim, nunca seria produzida e considerada a prova admitida e o Acórdão, que decidiu definitivamente a questão, não passaria de letra morta, nenhuma utilidade tendo o recurso.
E, na verdade, estatui o nº 1, do artigo 152º, do referido diploma legal, que Os juízes têm o dever de administrar justiça, proferindo despacho ou sentença sobre as matérias pendentes e cumprindo, nos termos da lei, as decisões dos tribunais superiores.

Ora, julgada procedente a apelação autónoma tal determina que o Tribunal de 1ª instância tenha de proceder à inspeção ao local.
O tribunal a quo devia, em obediência ao decidido pelo Tribunal Superior, cumprir, sem mais, o decidido por este Tribunal. Ao efectuar o que diz ser a interpretação da lei está, na verdade, a não cumprir o decidido no Acórdão que admitiu a inspeção judicial requerida pelo autor, com inobservância do disposto no nº1, do artigo 152º, do CPC.
E a existência do Acórdão no processo de recurso em separado, não cumprido pelo tribunal de primeira instância, obsta ao conhecimento do objeto do recurso da decisão final, a qual teve por base uma decisão de facto sem que fosse realizada a diligência de prova que essa douta Relação considerou necessária.
O decidido no Acórdão desta Relação de 16.11.2017, impõe, na verdade, ao juiz de primeira instância que prossiga a audiência de julgamento, com inspeção judicial.
E a sentença proferida, onde se não considerou a prova pericial admitida, tem de ser anulada, tudo se configurando como que se se voltasse ao momento em que a inspecção ao local foi indeferida, despacho esse que se substituiu pelo deferimento de tal requerimento de prova, que tem de ser produzida, prosseguindo, depois, a audiência de julgamento com a restante tramitação (designadamente alegações).
O cumprimento do decidido pelo Tribunal ad quem no âmbito da apelação em separado, implica, forçosamente, a invalidação de todo o processado posterior ao despacho de rejeição, incluindo da sentença final, para, primeiramente, ser produzida a prova admitida pelo Tribunal superior.
Assim, o conhecimento do objeto da apelação da decisão final proferida, anulada, fica prejudicado pela procedência das conclusões da apelação dos despachos recorridos, supra referidos.
*
III. DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a apelação de despachos supra referidos procedente e, em consequência, revogam-se os mesmos, anulando-se todo o processado subsequente ao despacho de indeferimento da inspecção ao local, revogado pelo Douto Acórdão supra referido, incluindo a sentença sob recurso, devendo no tribunal a quo retomar os trabalhos da audiência de discussão e julgamento, procedendo à inspecção ao local, e seguindo os ulteriores termos da causa.
*
Custas pela parte vencida a final.
Guimarães, 17 de maio de 2018

Eugénia Marinho da Cunha
José Manuel Alves Flores
Sandra Melo


1. Vide depoimento escrito 4 Minutos 0. 02: 53 a 0: 02: 55; 0: 03: 26; 0: 03: 35 a 0: 03: 39; 0: 04: 15 a 0: 05: 15; 0: 09: 43; 0: 09: 05 a 0: 10: 21; 0: 12: 52; 0: 13: 28 a 0: 14: 12. 5 Minutos 0: 05: 17; 0: 06: 21 ; 0: 09: 35; 0: 10: 07; 0: 10: 13; 0: 10: 55; 0: 17: 58; 0: 18: 13; 0: 19: 03 a 0: 19: 18; 0: 22: 35. 6 Minutos 0:01:37; 0:01:43; 0: 03:15; 0:03:36; 0: 04:06; 0:04:48; 0:05:35; 0:06:34. 7 Minutos 0:03:33 a 0:03:40; 0:03:57; 0:04:24 a 0:05:34; 0:06:04; 0:09:08 a 0:11:50

2. Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª Edição revista e ampliada, março /2017, Ediforum, pág 1027

3. Cfr . também Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4.ª edição, Coimbra, 2017, p.198

4. Acórdão da Relação de Lisboa de 17/5/2017, Processo 28048/15.3T8LSB.L1-4, in dgsi.net

5. In https://blogippc.blogspot.pt. O escrito reporta-se à interposição autónoma de dois recursos (um recurso de decisão imediatamente recorrível e um ulterior recurso de decisão final), mas cremos que a sua doutrina é inteiramente aplicável nesta hipótese de recurso da decisão intercalar apenas impugnada juntamente com a decisão final, no caso de procedência do recurso da decisão intercalar (no caso de o recurso interposto da decisão intercalar ser decidido contra o recorrente, por improcedência da tese deste, não se coloca a questão da suspensão do caso julgado da sentença na medida em que ambos os recursos são decididos num só acórdão e este tem necessária e logicamente em consideração na decisão da impugnação da decisão final a decisão que no mesmo texto conferiu à impugnação da decisão interlocutória). Também à luz do Código de Processo Civil de 1961, na redacção que antecedeu a reforma dos recursos de 2007 (introduzida pelo DL n.º 303/2007, de 24-8), se acolhia a perspectiva da anulação do processado em situações similares à presente. Segundo Fernando Amâncio Ferreira, “[s]ubindo com a apelação os agravos que se encontravam retidos aguardando essa subida, devem todos eles, em princípio, ser julgados e pela ordem da sua interposição” (a lei era então clara quanto a este aspecto – artigo 710.º do CPC) e, no caso do agravo merecer provimento e a infracção cometida tiver influência no exame ou decisão da causa, “dá-se provimento ao agravo, anula-se tudo o que se processou após a decisão de que foi interposto o recurso e considera-se prejudicado o conhecimento do objecto da Apelação”. O autor invocava o artigo 201.º do Código de Processo Civil então vigente (in Manual de Recursos em Processo Civil, 5.ª edição, 2004, p. 204).

6. Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4.ª edição, Coimbra, 2017, Almedina, p.199