Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5480/16.0T8BRG.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: REGISTO PREDIAL
REGISTO DEFINITIVO DE SERVIDÃO PREDIAL
PRAZO PARA A EFECTUAÇÃO DO REGISTO DEFINITIVO
REGISTO PROVISÓRIO
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
PRINCÍPIO DO TRATO SUCESSIVO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/19/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: TOTALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. A renovação de um registo definitivo de servidão predial exige, não só a manifestação de vontade do interessado nesse sentido, como que a mesma ocorra dentro do prazo de vigência do dito registo - cinquenta anos - , já que, verificada a respectiva caducidade, o registo extingue-se (arts. 10º, 11º, nº 1 e 12º, nº 4 e nº 5, todos do C.R.P.).

II. Sendo pedida uma nova inscrição definitiva de uma servidão predial - cujo registo inicial se tenha extinto, por caducidade - , e não coincidindo então o proprietário inscrito do prédio serviente com quem constituiu o ónus por prévio contrato, nem tendo aquele tido intervenção no pedido de registo, o mesmo só poderá ser lavrado como provisório por dúvidas, conforme imposto pelo princípio da legalidade, e pelo princípio do trato sucessivo, na modalidade da continuidade das inscrições (arts. 68º e 34º, nº 4, ambos do C.R.P.).

III. Uma «nova inscrição definitiva» de uma servidão predial constituída por contrato, objecto de um prévio registo já extinto por caducidade, não é «consequência de outro [facto] anteriormente inscrito» - cujo registo permaneça em vigor -, e sim originária consequência, ou primitivo efeito, resultante do mesmo e único negócio jurídico, não estando por isso dispensada a intervenção do actual proprietário do prédio serviente, quando não coincida com o sujeito onerante do mesmo (art. 34º, nº 4, in fine, do C.R.P.).

(Maria João Marques Pinto de Matos)
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo
Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.

I – RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada
1.1.1. M. M. (aqui Recorrente), na qualidade de condómina do prédio urbano sito na Rua de …, em Braga, de cujo apartamento 23 é proprietária, requereu, na 2ª Conservatória do Registo Predial de Braga, o registo definitivo de uma servidão de passagem e de uma servidão de não edificação, onerantes do prédio rústico (hoje descrito sob o nº …, da freguesia da …, na 2ª Conservatória do Registo Predial de Barga), e beneficiante do prédio urbano referido antes (hoje descrito sob o nº .., da freguesia da …, na 2ª Conservatória do Registo Predial de Barga), servidões aquelas constituídas por contrato de 13 de Abril de 1964.

1.1.2. O Conservador da 2ª Conservatória do Registo Predial de Braga procedeu ao registo das servidões referidas antes, mas como provisório por dúvidas, lendo-se nomeadamente no seu despacho:
«(…)
Provisório por dúvidas, art. 68º, 70º e 34º do Código do Registo Predial
Há violação do trato sucessivo. Nos termos do art. 34º, nº 4, se existir sobre os bens registo de aquisição, que é o caso, é necessária a intervenção dos respectivos titulares para poder ser lavrada nova inscrição definitiva.
O prédio está inscrito a favor de X - Investimentos Imobiliários Unipessoal, Lda., que não tem intervenção no título da servidão, nem no pedido de registo.
A servidão já esteve registada pela Ap. 3 de 1966/01/29 e caducou o registo, pelo decurso do tempo, art. 12º do CRP.
(…)».

1.1.3. Discordando, M. M. impugnou judicialmente o despacho referido (art. 140º do C.R.P.), nomeadamente por entender que: pese embora haja caducado o registo predial anterior das servidões em causa, as mesmas não se extinguiram, tendo ela própria pedido a renovação do anterior registo, tornando desse modo inaplicável o nº 4 do art. 34º do C.R.P.; e, ainda que assim não fosse, aplicar-se-ia a excepção prevista na sua parte final, que dispensa o trato sucessivo quando o facto a inscrever seja consequência de outro anteriormente inscrito, no caso o prévio registo caduco.

1.1.4. O Conservador da 2ª Conservatória do Registo Predial de Braga proferiu despacho de sustentação da sua anterior decisão (art. 142º-A do CRP), defendendo nomeadamente que: a caducidade do registo anterior verificou-se, já que no seu decurso não foi pedida a respectiva renovação; funcionando o trato sucessivo nas servidões pelo lado do prédio serviente - exigindo que os prédios onerados, ou a onerar, estejam inscritos a favor de contra quem se constituiu a servidão -, essa exigência não estaria cumprida no caso dos autos; e não seria aqui aplicável a excepção prevista na parte final do nº 4 do art. 34º do C.R.P., que se reporta exclusivamente a registos que forem consequência de outros anteriores, mas provenientes de direitos reais de garantia.

1.1.5. O Ministério Público emitiu parecer, onde defendeu assistir razão à Impugnante, nomeadamente por entender que, não se tendo as servidões extinguido, e tendo sido pedida a renovação do seu anterior registo, não lhe seria aplicável o disposto no art. 34º, nº 4 do C.R.P..

1.1.6. Foi proferida sentença, julgando procedente a impugnação judicial da recusa de registo definitivo da servidão de passagem e da servidão de não edificação, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
III - Decisão
Pelo exposto, tudo visto e considerado, na procedência do recurso interposto, determina-se a conversão em definitivo dos registos lavrados provisoriamente por dúvidas das servidões de passagem e de não edificação (descritas no facto 2.º) requeridos pelas Ap.s 846 e 847, de 04/11/2016, onerando o prédio descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Braga sob o nº … (freguesia da …) e constituídas a favor do prédio descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Braga sob o nº … (freguesia da Cividade).
(…)»
*
1.2. Recurso (fundamentos)
Inconformada com esta decisão, a 2ª Conservatória do Registo Predial de Braga apresentou recurso de apelação, pedindo que o mesmo fosse julgado procedente e revogada a sentença recorrida, sendo substituída por outra, que confirmasse a decisão proferida pelo seu Conservador.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (sintetizada, sem repetições do processado, ou reproduções de textos legais ou jurisprudenciais):

1ª - Ter-se verificado a caducidade do anterior registo da servidão de passagem e da servidão de não edificação, apenas obstando à mesma o pedido de renovação apresentado ainda no decurso do prazo de vigência dos respectivos registos, o que não foi o caso dos autos.

1. Nos termos das disposições combinadas dos artigos 10.°,11.° e 12.° do Código do Registo Predial, o registo definitivo de servidão caduca decorridos 50 anos, contados a partir da data do registo, salvo se os interessados pedirem a sua renovação dentro do prazo da respetiva vigência.

2. A caducidade do registo definitivo da servidão não impede a feitura de um novo registo do mesmo facto jurídico, apresentado com base no título constitutivo respetivo, ao abrigo do disposto no art. 2.0/1/a) do Código do Registo Predial.

3. Não deve ser interpretado como pedido de renovação de registo, a efetuar nos termos do art. 1 01.0I2/e) do Código do Registo Predial, mas como pedido de registo de constituição de servidão, nos termos previstos no art. 2.0/1/a) do mesmo Código, aquele que, para além de conter uma referência expressa ao facto jurídico a registar e ao registo pretendido, seja formulado após a caducidade do registo anterior do mesmo facto jurídico e seja acompanhado do título constitutivo do direito a publicitar.

4. Ao delimitar como questão decidenda a questão de saber se o pedido de renovação do registo de servidão predial pode ser efetuado depois de decorrido o prazo de caducidade previsto no art. 12.°/4 do Código do Registo Predial, a sentença ora recorrida encerra incorreta compreensão do pedido de registo, do objeto da decisão impugnada e do conceito técnico-jurídico de renovação do registo.

5. Ao responder afirmativamente à questão decidenda, assim delimitada, a sentença ora recorrida encerra erro na determinação da norma aplicável, quando convoca o art. 12.° do Código do Registo Predial para decidir da registabilidade dos direitos, em vez do art. 2.0/1/a), e e erro na interpretação das disposições conjugadas dos arts. 10.0, 11.°/2 e 12.° do mesmo Código.

2ª - Sendo pedida a realização de um novo registo das servidões em causa, o princípio da legalidade e o princípio do trato sucessivo impunham que, não coincidindo o proprietário do prédio serviente com o constante do contrato de constituição de tais ónus, o mesmo interviesse no pedido de registo em causa.

6. O registo de servidão deve ser efectuado como provisório por dúvidas, por incumprimento do princípio do trato sucessivo, na modalidade da continuidade das inscrições, quando exista registo de aquisição do direito de propriedade do prédio servente a favor de pessoa diversa do onerante, assentando o fundamento jurídico desta decisão nas disposições conjugadas dos arts. 68.° e 34.0/4/P parte do Código do Registo Predial.

7. O princípio do trato sucessivo é um princípio formal, que não visa decidir o melhor direito, dentre os que são conflituantes, mas apenas assegurar ao titular inscrito, que beneficia da prioridade e da presunção derivada do registo (arts. 6.° e 7.° do Código do Registo Predial), que é necessária a sua intervenção para poder ser efetuada nova inscrição definitiva.

8. Donde, neste juízo acerca da viabilidade do pedido de registo, não deve participar qualquer ponderação acerca da oponibilidade substantiva dos direitos reais envolvidos, posto que não é ao conservador, mas ao tribunal, que, diante dos interesses em presença e com a intervenção das partes legitimas para o efeito, compete o acertamento sobre o direito que deve prevalecer ou sobre os efeitos substantivos que podem resultar do registo prioritário do direito.

3ª - Não se verificar a excepção prevista no art. 34º, nº 4, in fine, do C.R.P., já que o registo pedido não é consequência de outro facto jurídico anteriormente inscrito, e relativamente ao qual já foi oportunamente observado o princípio do trato sucessivo, por intervenção do titular então inscrito.

9. A segunda parte do art. 34.°/4 do Código do Registo Predial é aplicável quando o facto jurídico a inscrever é consequência de outro facto jurídico anteriormente registado, desde que este registo ainda se encontre em vigor.

10. Não quadra com a previsão da norma contida na segunda parte do art. 34.°/4 do Código do Registo Predial, o registo da constituição de servidão que não tenha causa, ou que não constitua resultado, num facto jurídico anteriormente inscrito.

11. Ao considerar que, para efeitos de aplicação da segunda parte do art. 34.°/4 do Código do Registo Predial, se pode considerar como "facto jurídíco anteriormente ínscrito", o mesmo facto jurídico que se quer inscrever de novo, em vírtude da caducidade do registo anterior, a sentença recorrida encerra erro na interpretação deste preceito legal.

12. Ao admitir os registos definitivos de constituição de servidão com fundamento jurídico na 2.a parte do n.o 4 do art. 34.° do Código de Registo Predial, em vez de confirmar a provisoriedade por dúvidas dos indicados registos com base na 1.a parte do n.O 4 do mesmo artigo, a sentença recorrida encerra erro na determinação da norma aplicável e violação do disposto nos arts. 6.°, 68.° e 34.°/4 do CRP.
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1.3. Contra-alegações
A Requerente do registo definitivo das servidões em causa (M. M.) contra-alegou, pedindo que fosse negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

Alegou para o efeito, nas suas contra-alegações (sintetizadas, sem repetições do processado, ou reproduções de textos legais ou jurisprudenciais):

1ª - O decurso integral do prazo de caducidade de registo de servidão predial voluntária (que não a extinção desta) não impede que se peça a respectiva renovação (do primitivo registo).

2ª - Inexiste no caso concreto qualquer justificação para a aplicação do princípio do trato sucessivo invocado (a protecção de terceiros adquirentes de prédios, que confiaram no teor do respectivo registo predial), já que a actual proprietária do prédio serviente adquiriu o mesmo quando sobre ele se encontravam registadas as servidões em causa, que por isso lhe são oponíveis.

3ª - A revogar-se a sentença recorrida, impedir-se-á o registo predial de cumprir a sua função, de publicitar a real e actual situação jurídica de prédios (uma vez que do registo do prédio serviente não constarão os encargos relativos às servidões que o oneram, não obstantes as mesmas não se encontrarem extintas).

4ª - A revogar-se a sentença recorrida, poder-se-á impedir de forma definitiva o futuro registo predial das servidões em causa (se, após uma primeira acção que condene o proprietário do prédio serviente a reconhecê-las, decorram outros cinquenta anos, com nova caducidade do registo, interditando então o caso julgado uma segunda acção a intentar para o mesmo efeito).
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR
2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, nº 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, nº 2, in fine, ambos do CPC).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar
Mercê do exposto, uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal:

· Questão Única - Pode ser lavrado como definitivo o novo registo de uma servidão predial constituída por contrato (face à caducidade do seu primitivo registo), a mero pedido do titular do prédio dominante, quando o proprietário do prédio serviente não coincida já com o anterior que o onerou (ou, pelo contrário, deverá esse registo ser lavrado como provisório por dúvidas, por violação do princípio da legalidade e do princípio do trato sucessivo) ?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal a quo considerou provada a seguinte factualidade, «mormente por documentos» (sem que qualquer das partes a haja impugnado, ou este Tribunal da Relação tenha tido fundamento para, oficiosamente, a alterar):

1 - Por escritura pública outorgada no dia 13 de Abril de 1964, a SCM e o Hospital de Braga venderam, a J. G., uma parcela de terreno com a área de 243 m2, sita na Rua de …, freguesia da …, concelho de Braga, descrita - à época - na Conservatória do Registo Predial de Braga sob o nº .. (conforme cópia certificada da respectiva escritura que é fls. 107 a 112 dos autos, cujos dizeres aqui se dão por integralmente reproduzidos).

2 - Conforme consta da escritura pública identificada no facto anterior, o prédio aí referido foi vendido com os seguintes encargos, constituídos a favor do prédio urbano situado na Rua …, da mesma freguesia da …, da cidade de Braga, também propriedade da SCM e do Hospital de Braga, descrito - à época -, sob os nºs …, … e ..:
a) Uma servidão de passagem, através da parte norte do prédio serviente, em toda a sua extensão, com a largura de 2,75 m, podendo o portão que dá acesso à via pública ser alargado até 3 metros; e
b) Uma servidão de não edificação a menos de 3,50 m de altura sobre a servidão de passagem.

3 - A transmissão da propriedade referida no facto provado enunciado sob o número 1 (a favor de J. G.) foi objecto de registo em 29 de Janeiro de 1966 (conforme página 6 da certidão de registo predial que é fls. 114 a 127 dos presentes autos, cujos dizeres aqui se dão por integralmente reproduzidos).

4 - Na mesma data de 29 de Janeiro de 1966, foram registados os encargos referidos no facto provado enunciado sob o número 2, pela AP. 03/290166 (conforme página 6 da certidão de registo predial que é fls. 114 a 127 dos presentes autos, cujos dizeres já antes se deram por integralmente reproduzidos).

5 - Após os registos dos direitos e encargos mencionados nos factos provados enunciados sob os números 2, 3 e 4, foi registado a favor de Padre R. O. o direito de propriedade sobre o prédio referido no facto provado enunciado sob o número 1 (parcela de terreno com a área de 243 m2), por compra a J. G. (conforme fls. 123 dos autos - certidão do «Livro de Inscrições de Propriedade» - , cujos dizeres aqui se dão por integralmente reproduzidos).

6 - O prédio referido no facto provado enunciado sob o número 1 (parcela de terreno com a área de 243 m2) encontra-se actualmente descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Braga (aqui Recorrente) sob o n.º …, da freguesia da … (conforme certidão de registo predial que é de fls. 128 e 129, cujos dizeres aqui se dão por integralmente reproduzidos).

7 - Consta das certidões atinentes ao prédio em causa (parcela de terreno com a área de 243 m2) que, estando registados os encargos referidos nos factos enunciados sob os números 2 e 4, foram posteriormente registadas:
a) Em 18.10.2002, pela ap. 6 - a aquisição a favor de R. O., por doação de R. O. (mencionado no facto provado enunciado sob o número 3), com reserva de usufruto a favor do doador (conforme fls. 121 dos autos, da certidão de registo predial que é fls. 114 a 127, já integralmente dada por reproduzida supra);
b) Em 14.01.2003, pela ap. 20 - a aquisição a favor de AR. & Filhos Lda., por permuta, figurando como sujeito passivo R. O. (conforme certidão de registo predial que é fls. 128 e 129 dos autos, já integralmente dada por reproduzida supra);
c) Em 10.01.2011, pela ap. 1409 - a aquisição a favor de X - Investimentos Imobiliários Unipessoal Lda., por compra a AR. & Filhos Lda. (conforme certidão de registo predial que é fls. 128 e 129, já integralmente dada por reproduzida supra).

8 - É em nome desta X - Investimentos Imobiliários Unipessoal Lda. que, desde essa data (10.01.2011), se mantém registado o direito de propriedade sobre o prédio em causa (parcela de terreno com a área de 243 m2).

9 - O prédio referido no facto provado enunciado sob o número 2 e descrito, em 1964, sob o n.º …, entre 06.07.2000 e 22.09.2004 esteve descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Braga sob o nº …, da freguesia da … (conforme página 116 dos autos, da certidão de registo predial que é fls. 114 a 127, já integralmente dada por reproduzida supra), tendo dado origem ao prédio que actualmente se encontra descrito na mesma Conservatória sob o n.º …, dessa mesma freguesia, em virtude da anexação desse prédio com os descritos sob os nºs … e … (conforme fls. 114, 116 e 118, dos autos, da certidão de registo predial que é fls. 114 a 127, já integralmente dada por reproduzida supra, e fls. 130 a 148 dos autos, certidão de registo predial, cujos dizeres aqui se dão por integralmente reproduzidos).

10 - Das certidões referidas supra resulta que, estando registados os encargos referidos nos factos provados enunciados sob os números 2 e 4, em 2000 foi registada a favor de AM. & Filhos, Lda., por compra à SCM, a aquisição dos prédios então descritos na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Braga sob os nºs …, … (que em 1964 estava descrito sob o n.º …, sendo um dos referidos no facto provado enunciado sob o número 2) e 179.

11 - A proprietária (única) dos prédios então descritos na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Braga sob os nºs …, … (este que, em 1964, estava descrito sob o n.º …, sendo um dos referidos no facto provado enunciado sob o número 2) e 179 - a AM. & Filhos, Lda. - anexou-os, dando origem ao prédio que actualmente se encontra descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Braga sob o n.º …, da freguesia da …; e tendo, por isso, o registo dos encargos referidos nos factos provados enunciados sob os números 2 e 4 passado a constar das inscrições atinentes a esse prédio nº … (conforme certidão de registo predial que é fls. 130 a 148 dos autos, já antes dada por integralmente reproduzida).

12 - No passado dia 01 de Fevereiro de 2016, a 2.ª Conservatória do Registo Predial de Braga procedeu à anotação OF. De 2016/02/01 da caducidade da apresentação 3 de 1966/01/29 (referida no facto provado enunciado sob o número 4).

13 - M. M. (aqui Recorrida) - proprietária de uma das fracções autónomas que compõem o edifício implantado no prédio descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Braga sob o n.º …, da freguesia da … (conforme certidão de registo predial que é fls. 142 e 143 dos autos, cujos dizeres aqui se dão por integralmente reproduzidos) - requereu, pelas Aps. nº … e …, ambas de 04 de Novembro de 2016, a renovação do registo dos encargos referidos nos factos provados enunciados sob os números 2 e 4, apresentando, como título constitutivo dos mesmos, a escritura pública mencionada nos factos provados enunciados sob os números 1 e 2.

14 - O Sr. Conservador lavrou tais registos como «Provisório por dúvidas», com o seguinte despacho:
«(…)
Provisório por dúvidas, art. 68º, 70º, 34º, nº 4 do Código do Registo Predial.
Há violação do trato sucessivo. Nos termos do artigo 34º nº 4, se existir sobre os bens registo de aquisição, que é o caso, é necessária a intervenção dos respectivos titulares para poder ser lavrada nova inscrição definitiva.
O prédio está inscrito a favor de X – Investimentos Imobiliários Unipessoal, Lda, que não tem intervenção no título da servidão, nem no pedido de registo.
A servidão já esteve registada pela Ap. 3 de 1966/01/29 e caducou, o registo, pelo decurso do tempo, art. 12º do CRP.
(…)».
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Caducidade do registo de servidão predial
4.1.1.1. Servidão predial voluntária - Constituição e Extinção
Lê-se no art. 1543º do C.C. que «servidão predial» «é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente», dizendo-se «serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia».
Mais se lê, no art. 1544º seguinte, que podem «ser objecto de servidão quaisquer utilidades, ainda que futuras ou eventuais, susceptíveis de serem gozadas por intermédio do prédio dominante, mesmo que não aumentem o seu valor».
Logo, compreende-se que se afirme que são «quatro as notas destacadas neste conceito legal: a) a servidão é um encargo; b) o encargo recai sobre um prédio; c) e aproveita exclusivamente a outro prédio; d) devendo os prédios pertencer a donos diferentes».
Precisando, trata-se «de um encargo que recai sobre o prédio, de um encargo imposto num prédio, de uma restrição ao gozo efectivo do dono do prédio, inibindo-o de praticar actos que possam prejudicar o exercício da servidão».
Incidindo «em princípio sobre o prédio, considerado como um todo», haverá «muitas vezes que distinguir ente o objecto da servidão, que é o prédio, e o local do exercício dela, que pode ser uma parte limitada do prédio. Sempre que se verifique esta última hipótese, para certos efeitos (vide, por ex., o art. 1546º e o nº 4 do art. 1567º) tudo se passa como se a servidão incidisse apenas sobe a parte do prédio sujeita ao seu exercício» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1987, p. 613 a 615, com bold apócrifo).
Logo, a servidão predial constitui uma restrição ou limitação do direito de propriedade do dono do prédio onerado, ao gozo efectivo do mesmo, que assim fica inibido de praticar actos que possam prejudicar o exercício da servidão. Esta consiste num retirar de utilidade do prédio serviente, de uma vantagem, que pode ou não aumentar o valor do prédio dominante, mas que o torna mais aprazível, mais cómodo ou mais ameno. De todo o modo, a utilidade derivada da servidão sempre terá de ser proporcionada e gozada através dos prédios serviente e dominante, traduzindo um ónus e um poder directo e imediato sobre eles, o que explica o princípio da inseparabilidade das servidões (art. 1545º do C.C.).

Relativamente ao modo de constituição das servidões prediais, lê-se art. 1547º, nº 1 do C.C. que «podem ser constituídas por contrato, testamento, usucapião ou destinação do pai de família».
Já relativamente às respectivas causas de extinção, lê-se no art. 1569º, nº 1 do C.C., que as servidões extinguem-se: pela reunião do prédio dominante e do prédio serviente no domínio da mesma pessoa; pelo não uso durante vinte anos, qualquer que seja o motivo; pela aquisição, por usucapião, da liberdade do prédio; pela renúncia, por parte do proprietário do prédio dominante; ou pelo decurso do prazo, se tiverem sido constituídas temporariamente.
Estando-se situado no âmbito dos direitos reais, dominados pelo princípio da taxatividade, compreende-se que as formas apontadas - de constituição e de extinção - sejam as únicas admitidas por lei.
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4.1.1.2. Registo de servidão predial

Lê-se no art. 1º do Código de Registo Predial (aprovado pelo Dec-Lei nº 224/84, de 06 de Julho) - C.R.P. - (epigrafado «Fins do registo»), que o «registo predial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário».
Mais se lê, no art. 2º (epigrafado «Factos sujeitos a registo»), nº 1, al. a) do mesmo diploma, que estão «sujeitos a registo os factos jurídicos que determinem a constituição, o reconhecimento, a aquisição ou a modificação dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície ou servidão».
Sendo requerido, lê-se no art. 68º do C.R.P. (epigrafado «Princípio da legalidade») que a «viabilidade do pedido de registo deve ser apreciada em face das disposições legais aplicáveis, dos documentos apresentados e dos registos anteriores, verificando-se especialmente a identidade do prédio, a legitimidade dos interessados, a regularidade formal dos títulos e a validade dos atos neles contidos».
Enfatiza-se, a propósito, que a «qualificação do pedido de registo é o acto mais importante da função do conservador: é da qualificação feita que decorre a feitura do registo nos termos requeridos (definitivo ou provisório por natureza), a sua recusa ou a sua provisoriedade por dúvidas» (Maria Ema A. Bacelar A. Guerra, Código do Registo Predial Anotado, Ediforum - Edições Jurídicas, Limitada, Março 2000, p. 125, com bold apócrifo).
Ora, e de acordo com o art. 68º citado, a apreciação da viabilidade do pedido de registo é feita em função de duas coordenadas fundamentais (apud Isabel Pereira Mendes, Código do Registo Predial, 5ª edição - 1992, Almedina, p. 137-8): as disposições legais aplicáveis, entendendo-se como tais as que sejam especialmente dirigidas ao conservador, que ele deva especialmente verificar (pelo que não poderá opor objecções baseadas em disposições legais dirigidas a outras entidades, desde que o seu incumprimento não afecte a validade dos actos, nem os condicionem, ou ao registo); e o exame dos documentos apresentados (reportados exclusivamente ao registo que se pretende efectuar) e dos registos anteriores (reportados exclusivamente ao prédio sobre que incide o registo pretendido).
Precisa-se, ainda, que a apreciação de viabilidade do registo é feita à luz da situação jurídica existente à data do pedido, tendo nomeadamente em conta os registos em vigor no momento da apresentação, e a sua compatibilidade ou articulação com o registo a efectuar.
Logo, na feitura de um registo, não cabe ao conservador apreciar a prevalência substantiva dos eventuais direitos em conflito, mas apenas e tão só os parâmetros da qualificação registral ínsitos no art. 68.° do C.R.P. e os demais comandos legislativos que lhe sejam especificamente dirigidos, nomeadamente em sede de direito registral.
Afirma-se, por isso, que a «legalidade do acto de registo requerido, só poderá ser apreciada pelo conservador, em face dos títulos apresentados, e dos registos anteriores. É, pois, vedado ao conservador, invocar para fundamento da sua decisão, quaisquer circunstâncias do seu conhecimento pessoal, não reveladas pelo conteúdo dos documentos apresentados ou dos registos já efectuados» (Rui Januário e António Gameiro, Direito Registral Predial, Quid Juris, Outubro de 2016, p. 260).
Deste modo, «os prédios são inscritos no registo a favor de determinadas pessoas, apenas sobre a base de documento, de actos de transmissão a favor das mesmas pessoas, e não depois de uma averiguação em forma, com audiência de todos os possíveis interessados.
O registo não pode, portanto, assegurar a existência efectiva do direito da pessoa a favor de quem esteja registado, mas só que, a ter ele existido, ainda se conserva - ainda não foi transmitido a outra pessoa» (Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Volume II, Almedina, p. 20).
Compreende-se, por isso, que se afirme que a «matriz e o registo não dão nem tiram direitos», já que «a primeira traduz um cadastro dos prédios para fins de incidência fiscal e o segundo é meramente declarativo e destina-se a publicitar a situação dos prédios neles descritos, o que é feito através de inscrições autónomas e averbamentos a estas» (conforme Ac. do STJ, de 14.10.2003, Moreira Camilo, Processo nº 03A2672, in www.dgsi, como todos os demais citados sem outra indicação de origem).
Assim, se, «por um lado, não é lícito admitir que o conservador exceda funções do seu ofício, invadindo a esfera jurídica dos tribunais, também, por outro lado, é legítimo esperar que a função qualificadora respeite uma linha própria de actuação, claramente definida segundo as regras e os princípios do sistema registral consagrados na lei» (Parecer do Conselho Técnico do Instituto dos Registos e do Notariado, no Processo nº 85/90-RP 4, proferido de acordo com o já antes por ele afirmado no Processo nº 10/85, no Processo nº 17/85, no Processo nº 44/86-RP 3, e no Processo nº 35/90-RP4).
Por tudo isto se afirma, no art. 7º do C.R.P. (epigrafado «Presunções derivadas do registo»), que o «registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define»; logo, mera presunção, não tendo por si só eficácia constitutiva de direitos.

Particularizando, no que ao registo de servidão predial diz respeito, recorda-se que se lê no art. 1543º do C.C. que a mesma consiste no «encargo imposto num prédio» (prédio serviente) «em proveito exclusivo de outro prédio» (prédio dominante) «pertencente a dono diferente».
Considera-se, assim, que o direito real de gozo em que se traduz é totalmente independente dos titulares dos direitos de propriedade sobre os prédios serviente e dominante, não sendo afectado pelas alterações subjectivas que eventualmente se venham a verificar na titularidade dos ditos prédios. Por isso se afirma que «é o tipo clássico dos direitos subjectivamente reais, obrigações ob rem, ou propter rem» (Rui Januário e António Gameiro, Direito Registral Predial, Quid Juris, Outubro de 2016, p. 65).
Compreende-se, por isso, que se afirme que nunca «se duvidou que a servidão se deva inscrever a favor do próprio prédio dominante, e não da pessoa do seu dono. Em todo o caso, tem sido muitas vezes entendido que não podendo as relações de direito estabelecer-se, senão entre pessoas - físicas, ou, jurídicas - , deverá o nome dos proprietários de ambos os prédios - dominante e serviente - , constar do extracto do registo. Os donos dos prédios seriam, pois, os verdadeiros sujeitos do facto a inscrever. Parece-nos, todavia, mais razoável, o entendimento de que os verdadeiros titulares da relação de servidão, não são os donos dos prédios - no momento em que essa se constituiu, ou, naquele outro em que é levada a registo - , mas, simplesmente, os que forem desses proprietários, sejam quais forem, em que tempo o forem, e, enquanto o forem. Na verdade, a inerência da servidão aos prédios a que respeita, implica que os titulares da correspondente relação mudem constantemente, com a transmissão da propriedade dos imóveis (…). A determinação dos sujeitos far-se-á por conseguinte, de forma mediata, ou, indirecta, através da indicação que as tábuas fornecem quanto à titularidade do direito de propriedade sobre os prédios, sendo esta uma das características das relações, ou, situações denominadas ob rem, ou, propter rem» (Rui Januário e António Gameiro, Direito Registral Predial, Quid Juris, Outubro de 2016, p. 353 e 354).
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4.1.1.3. Caducidade do registo - Renovação
Lê-se no art. 10º do C.R.P. (epigrafado «Transferência e extinção») que os «efeitos do registo transferem-se mediante novo registo e extinguem-se por caducidade ou cancelamento».
«A caducidade» (tal como o cancelamento) «implica, também, uma ideia de morte, porém existe um elemento que lhe é específico, que se prende com a ideia de termo - artigo 278º do CC - ou seja, a de que os efeitos do negócio jurídico cessam a partir de certo momento» (Rui Januário e António Gameiro, Direito Registral Predial, Quid Juris, Outubro de 2016, p. 200, com bold apócrifo).
Compreende-se, assim, que se leia no art. 11º do C.R.P. (epigrafado «Caducidade»), no seu nº 1 e no seu nº 2, que os «registos caducam por força da lei ou pelo decurso do prazo de duração do negócio», sendo que os «registos provisórios caducam se não forem convertidos em definitivos ou renovados dentro do prazo da respectiva vigência», em regra de seis meses (ainda nº 3 do preceito em causa).
Logo, e necessariamente, enquanto que o nº 1 do art. 11º se reporta aos registos definitivos, o seu nº 2 reporta-se aos registos provisórios.
Uma vez verificada, e logo que o seja, a «caducidade deve ser anotada ao registo» (nº 4 do art. 11º citado).
Afirma-se, assim, que a «caducidade dos registos prevista» no art. 11º é de verificação oficiosa e de anotação imediata; e não depende da prova da extinção do facto ou do direito publicado, o qual pode ainda subsistir» (Parecer do Conselho Técnico do Instituto dos Registos e do Notariado, no Processo nº 30/96, R.P. 4, Boletim do Registo e Notariado - BRN - 10/97, II Caderno, disponível in www.irn.mj.pt).

Particularizando, lê-se no art. 12º do C.R.P. (epigrafado «Prazos especiais de caducidade»), nº 4, que os «registos de servidão, de usufruto, uso e habitação e de hipoteca para garantia de pensões periódicas caducam decorridos 50 anos, contados a partir da data de registo».
Este art. 12º do C.R.P. funda-se numa presunção de que, decorridos os prazos nele fixados, a situação jurídica dos prédios onerados com aquele tipo de direitos reais se modificou, sem que os interessados tenham promovido as diligências necessárias à actualização dos registos (mas não implicando a própria presunção a caducidade dos direitos que porventura ainda vigorem, se forem entretanto renovados os respectivos registos).
Está-se perante «simples caducidades presuntivas dos direitos e que apenas têm em vista que os direitos não permaneçam publicados indefinidamente quando, nas situações normais e generalizadas, após os prazos que a lei previu, já nem sequer o processo estará pendente. Há, assim, o propósito de (na expressiva palavra da epígrafe do artigo 225º do anterior C.R.P.) expurgar das tábuas os registos caducos. Ou seja, aqueles que publicam situações em que presumivelmente já não existirá o direito» (Parecer do Conselho Técnico do Instituto dos Registos e do Notariado, no Processo nº 30/96, R.P. 4, B.R.N. 10/97, II Caderno, disponível in www.irn.mj.pt. No mesmo sentido, Seabra Lopes, Direitos dos Registos e do Notariado, 4ª edição, Almedina, onde a p. 460 se lê que se trata «no fim de contas de uma presunção de caducidade dos efeitos jurídicos do próprio acto ou facto registado, ou seja, de que decorridos os prazos fixados a situação se teria modificado, sem que os interessados tivessem promovido as diligências necessárias à actualização dos registos» não implicando «ela própria a caducidade dos direitos que porventura ainda vigorem, se forem entretanto renovados os respectivos registos» a pedido dos interessados).
Logo, a caducidade dos registos definitivos (designadamente, dos registos de servidão) assenta na presunção da extinção dos factos registados; e de que só a inércia dos interessados no pedido de cancelamento justifica a subsistência da inscrição respectiva.

Compreende-se, por isso, que se leia no nº 5 do art. 12º citado, que os «registos referidos nos números anteriores [nomeadamente, registo definitivo de servidão predial] podem ser renovados por períodos de igual duração, a pedido dos interessados».
Com efeito, se o «regime de caducidade destes registos assenta no pressuposto de que os mesmos representam situações transitórias e na presunção da extinção dos factos registados», bastará «a formulação do pedido de renovação para que se tenha por ilidida tal presunção» (Parecer do Conselho Técnico do Instituto dos Registos e do Notariado, proferido no Processo nº R.P. 66/2001 DSJ-CT, publicado no B.R.N. nº 9/2001, II Caderno, disponível in www.irn.mj.pt).
Logo, a caducidade do registo não contende com a existência do direito registado, já que bastará ao interessado na manutenção do registo formular um pedido de renovação para que se tenha por ilidida a presunção de extinção, ínsita no prazo de caducidade referido.
(De forma totalmente diferente se dispõe no art. 13º do C.R.P. - epigrafado «Cancelamento» -, segundo o qual os «registos são cancelados com base na extinção dos direitos, ónus ou encargos neles definidos, em execução de decisão administrativa, nos casos previstos na lei, ou de decisão judicial transitada em julgado», deste modo se associando a posterior extinção do registo à prévia extinção do direito que o mesmo publicitava).
A renovação traduz-se, assim, no decurso de um novo e sucessivo prazo de duração do registo, devendo porém o pedido ser apresentado na conservatória dentro do período de vigência do registo inicial; e o registo renovado vigorará por um período de duração igual àquele primeiro.

Precisando, embora a lei não defina «um critério de fixação do trecho do período de vigência do registo em que se pode pedir a sua renovação» - e «talvez o devesse fazer, porquanto afastaria subjectivismos sempre perturbadores da certeza e segurança jurídicas» - parece-nos, «no entanto, incontroverso que o pedido de renovação» terá de ocorrer na vigência do registo primitivo, preferencialmente «nas vésperas da caducidade» respectiva.
Com efeito, a «presunção da extinção do facto assenta no decurso do prazo, pelo que logicamente o simples requerimento de renovação deverá ser formulado perto do termo desse prazo, pois só por essa altura é que fará sentido retirar do pedido a ilação de que, afinal, o facto não se extinguiu» (Parecer do Conselho Técnico do Instituto dos Registos e do Notariado, proferido no Processo nº R.P. 66/2001 DSJ-CT, publicado no B.R.N. nº 9/2001, II Caderno, disponível in www.irn.mj.pt).
Acresce que, não obstante o art. 11º, nº 2 do C.R.P. apenas exigir expressamente que a renovação dos registos provisórios ocorra «dentro do prazo da respectiva vigência», não deixa de enunciar desse modo um princípio lógico (que deve valer como manifestação de uma regra geral aplicável a quaisquer registos susceptíveis de renovação): só pode renovar-se um registo que ainda exista, já que, caducando, ter-se-á ipso facto extinguido, desaparecido da ordem jurídica. Não será, por isso, susceptível de renovação (antes exigindo o nascimento de um outro - e novo - registo).
(Neste sentido, Maria Ema A. Bacelar A. Guerra, Código do Registo Predial Anotado, Ediforum - Edições Jurídicas, Limitada, Março 2000, p. 83, onde se lê que não «podem ser renovados registos (…) que tenham caducado em data anterior à do respectivo pedido», pelo que, se «continuar a existir o respectivo direito, pode ser lavrado um novo registo, cujos efeitos, porém, são os próprios deste e independentes dos que daquele decorriam»)
Por outro lado, devendo o pedido de renovação ser apresentado antes do término do prazo de vigência do registo, e reportando-se o averbamento de renovação do registo à data desta apresentação (art. 101, nº 1 e nº 2, al. e) do C.R.P.), entende-se que este averbamento não faz senão publicitar o facto de os interessados terem manifestado, em devido tempo e pela forma exigida, a sua vontade em renovar o registo, pelo que o novo período iniciar-se-á no dia seguinte ao termo de vigência do período anterior, e não a contar da data da apresentação correspondente àquele averbamento. De outro modo, estar-se-ia a renovar um registo ainda vigente.
(Neste sentido, Parecer do Conselho Técnico do Instituto dos Registos e do Notariado, proferido no Processo nº R.P. 66/2001 DSJ-CT, publicado no B.R.N. nº 9/2001, II Caderno, e Parecer do Conselho Técnico do Instituto dos Registos e do Notariado, proferido no Processo nº 19/2003, B.R.N. 10/2004, II Caderno, disponíveis em www.irn.mj.pt. Ainda, Catarino Nunes, Código do Registo Predial Anotado, Coimbra, 1968).
Precisa-se, porém, que o «facto a registar por averbamento à inscrição de um registo renovável não é propriamente a renovação, mas antes a manifestação de vontade dos interessados em renovar o registo, enquanto facto impeditivo da sua caducidade» (Parecer do Conselho Técnico do Instituto dos Registos e do Notariado, proferido no Processo nº R.P. 269/2009 SJC-CT, publicado no B.R.N. de 2009, disponível em www.irn.mj.pt, com bold apócrifo).
Por fim, precisa-se ainda que, como se trata apenas de manter em vigor um determinado registo, já efectuado como definitivo, bastando-se a lei para o efeito apenas com a manifestação de vontade dos interessados, a qualificação a realizar nos termos do art. 68.° do CRP só poderá ter como parâmetros: a vigência do registo; a legitimidade dos interessados; e aquela manifestação de vontade na renovação. A renovação opera-se, assim, ope legis, uma vez que sejam cumpridos os requisitos que a determinam.
Torna-se, pois, impertinente qualquer consideração acerca da validade formal ou substantiva do facto jurídico inscrito, ou qualquer ponderação feita à luz da situação jurídica do prédio existente à data do pedido da renovação do registo.
(Neste sentido, Isabel Pereira Mendes, Código do Registo Predial, 5ª edição - 1992, Almedina, p. 62, onde se lê que para «a renovação do registo definitivo é suficiente a requisição nesse sentido», não sendo «necessário apresentar qualquer outro documento». Ainda Maria Ema A. Bacelar A. Guerra, Código do Registo Predial Anotado, Ediforum - Edições Jurídicas, Limitada, Março 2000, p. 83).
Concluindo: a renovação do registo definitivo exige a manifestação de vontade do interessado nesse sentido, dentro do prazo de vigência do dito registo; não exige nova apresentação do título constitutivo dos direitos publicitados; dá lugar a um averbamento simples ao registo efectuado; e, uma vez ocorrida, o registo renovado vigorará desde o termo do prazo de vigência do inicialmente realizado, e por igual período de tempo.
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4.1.2. Caso concreto
Concretizando, verifica-se que, tendo sido constituídas duas servidões - de passagem e de não edificação - por contrato de 13 de Abril de 1964, as mesmas viriam a ser registadas em 29 de Janeiro de 1966, nomeadamente sobre o prédio serviente, hoje descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Barga sob o nº …, da freguesia da ….
Mais se verifica que o dito registo foi efectuado quando coincidiam os proprietários dos prédios dominante e serviente com os outorgantes do contrato de constituição das ditas servidões - e de sujeição às mesmas -, o que sobejamente resultava do título apresentado para o efeito (escritura pública de compra e venda de imóveis) e dos registos prediais anteriores (relativos aos prédios em causa).
Foram, assim, escrupulosamente cumpridos os princípios da legalidade e do trato sucessivo, consagrados, respectivamente, nos arts. 68º e 34º, nº 1 e nº 2, ambos do C.R.P..
Verifica-se ainda que, no dia 1 de Fevereiro de 2016 - isto é, decorridos cinquenta anos sobre aqueles registos - , a 2ª Conservatória do Registo Predial de Braga procedeu à anotação da respectiva caducidade, não havendo notícia de que até então tivesse sido pedida a respectiva renovação (manifestação de vontade impeditiva da dita caducidade).
Foram, assim, escrupulosamente cumpridos os arts. 11º, nº 1 e nº 4, e 12º, nº 4 e nº 5, ambos do C.R.P..
Por fim, verifica-se que, em 04 de Novembro de 2016, M. M. - proprietária de uma das fracções autónomas que compõem o edifício implantado no prédio dominante - requereu a renovação do registo das servidões em causa, apresentando como título para o efeito a escritura pública que as constituíra.
Contudo, e tal como então sustentado pela 2ª Conservatória do Registo Predial de Braga, já não se encontrava em prazo para o fazer, uma vez que a prévia caducidade dos registos em causa - ocorrida largos meses antes - extinguira-os ipso facto, nada havendo então susceptível de ser renovado.
O exposto em nada colide com a eventual subsistência, no plano substantivo, das ditas servidões (o que aqui não se discute), uma vez que a referida extinção dos respectivos registos assentou apenas numa mera presunção legal de extinção de tais encargos, que não foi oportunamente ilidida pela actuação diligente e oportuna dos interessados titulares do prédio dominante.
Está-se, assim, exclusivamente perante a realidade registral, a única ponderada (e devida ponderar) no caso pela 2ª Conservatória do Registo Predial de Braga, já que o que se lhe pedia era a renovação de um registo predial (repete-se, extinto por caducidade, no incontroverso dizer do art. 10º do C.R.P.), e não a certificação de que o direito a publicitar por ele se mantinha válido e eficaz na ordem jurídica (o que de todo escaparia ao controlo da 2ª Conservatória do Registo Predial de Braga, já que a dita renovação - a ser ainda oportuna - dependeria apenas da verificação da vigência do registo em causa, da legitimidade do interessado que se apresentara a requerer a respectiva renovação, e da existência dessa precisa manifestação de vontade).

Assiste, assim, razão à Recorrente (2ª Conservatória do Registo Predial de Braga), quando a mesma defende que a caducidade do registo definitivo das servidões prediais em causa, sem que na respectiva vigência tivesse sido pedido a sua renovação, tornou impossível esta em momento posterior (ao contrário do sustentado pelo Tribunal a quo, na sentença recorrida).
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4.2. Nova inscrição - Trato sucessivo
4.2.1.1. Inscrição inicial - Nova inscrição
Assente que a caducidade do registo definitivo de servidão, pelo decurso do prazo previsto no art. 12°, nº 4 do C.R.P., radica na mera presunção (que não certeza) de que o direito se extinguiu, e que essa presunção tem os seus efeitos estritamente confinados à extinção do registo, nada obsta porém a que venha a ser realizado um novo registo do mesmo facto jurídico; e, na sua realização, a caducidade do anterior registo não poderá constituir qualquer constrangimento à feitura do novo, ou determinar a prova da subsistência do direito constituído pelo facto a registar.
Contudo, importa para o efeito atender ao disposto no art. 34º (epigrafado «Princípio do trato sucessivo»), lendo-se nomeadamente no seu: nº 1 (inscrição prévia), que o «registo definitivo de constituição de encargos por negócio jurídico depende da prévia inscrição dos bens em nome de quem os onera»; e nº 4 (continuidade das inscrições), que no «no caso de existir sobre os bens registo de aquisição ou reconhecimento de direito susceptível de ser transmitido ou de mera posse, é necessária a intervenção do respectivo titular para poder ser lavrada nova inscrição definitiva, salvo se o facto for consequência de outro anteriormente inscrito».
«O trato sucessivo (inscrição prévia e continuidade das inscrições) foi no Código de 1984 considerado, a par da legitimidade e da representação, como pressuposto do processo de registo, algo que lhe suporta o peso ou o sustém, de tal modo que a sua não verificação representa a desagregação desse processo, por falta de base de apoio ou de um elo de ligação» (Isabel Pereira Mendes, Código do Registo Predial, 5ª edição - 1992, Almedina, p. 96. No mesmo sentido, Maria Ema A. Bacelar A. Guerra, Código do Registo Predial Anotado, Ediforum - Edições Jurídicas, Limitada, Março 2000, p. 101).
Precisando, o princípio do trato sucessivo - aqui apenas na modalidade da continuidade das inscrições - garante ao titular inscrito, não a prevalência do seu direito, mas a garantia de que nenhum direito da mesma espessura e natureza do seu, ou que constitua um ónus, encargo ou oneração daquele de que é titular, poderá ingressar no registo sem a sua intervenção, ressalvando-se os factos jurídicos (a inscrever) que sejam consequência de outros anteriormente inscritos.
Visa este princípio, na sua essencialidade, não apenas potenciar os fins do registo predial (assegurar a segurança do comércio jurídico imobiliário, mediante a publicitação da situação jurídica dos prédios) mas primacialmente proteger os terceiros adquirentes de prédios (princípio da confiança).
Logo, o titular que obteve um registo a seu favor tem uma presunção erga omnes da titularidade do direito publicitado; e não poderá, à sua revelia, ser inscrito um outro direito que pressuponha titularidade diferente, ou de que resulte a constituição de encargos sobre o seu prédio
Assim, e de acordo com o nº 1 do art. 34º do C.R.P., constituída uma servidão predial por contrato, o seu registo definitivo dependerá da prévia inscrição do prédio serviente em nome de quem no negócio jurídico surja como respectivo onerante; e, de acordo com o nº 4 do art. 34º do C.R.P., caducando esse inicial registo definitivo, uma nova inscrição definitiva dependerá da intervenção do actual proprietário do prédio serviente, quando o mesmo já não coincida com aquele que como tal constava no contrato de constituição da servidão.
Recorda-se que, de acordo com o princípio da legalidade ínsito no art. 68º do C.T.P., a apreciação de viabilidade do registo tem de ser feita à luz da situação jurídica existente à data do pedido; e, portanto, a sua análise tem necessariamente em conta os registos em vigor no momento da apresentação, e a sua compatibilidade ou articulação com o registo a efectuar.
Este princípio formal garante, pois, ao titular inscrito que só com a sua intervenção poderá ser feito o registo definitivo daqueles direitos, nomeadamente de um ónus de servidão sobre a sua propriedade - seja porque o reconhece extrajudicialmente, ao anuir ao seu registo (admissão voluntária), seja porque existiu uma prévia definição judicial de direitos (em acção onde foi admitido a exercer o respectivo contraditório) -, assim se ilidindo a presunção de titularidade da propriedade desonerada, que do registo derivava a seu favor.
Compreende-se, assim, que se afirme que, aplicando-se «o princípio do trato sucessivo, na modalidade da continuidade das inscrições», «a todos os casos de aquisição de direitos e constituição de encargos, seja por negócio jurídico, seja por qualquer outro título», o «registo pedido com violação» do dito princípio deverá «ser registado como provisório por dúvidas, sendo, porém, nulo se vier a ser lavrado como definitivo» (Parecer do Conselho Técnico da então Direcção Geral dos Registos e do Notariado, B.R.N., nº 12, Maio de 1986, p. 9).
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4.2.1.2. Excepção à obrigatória intervenção do titular inscrito
Recorda-se, porém, que na parte final do nº 4 do art. 34º citado se prevê uma excepção a esta intervenção obrigatória do actual titular inscrito (como proprietário do prédio sobre o qual que se pretende registar a existência de um ónus): o dito titular não terá de intervir quando o facto jurídico a inscrever «for consequência de outro anteriormente inscrito», ou seja, quando o facto jurídico posterior represente um desenvolvimento de um processo tendente à constituição ou à transmissão de um direito, que se iniciou com o facto jurídico anterior e em relação ao qual já foi oportunamente observado o princípio do trato sucessivo e exigida a intervenção do titular então inscrito.
Será, nomeadamente, o caso da aquisição com base no contrato prometido (registo posterior) em relação ao registo da promessa de alienação com eficácia real (registo anterior), ou do registo de aquisição no processo de execução (registo posterior) em relação ao registo de penhora (registo anterior), desde que o registo anterior ainda se encontre em vigor à data do registo posterior, e possa, portanto, suportar, em termos de prioridade registraI, este registo (Mónica Jardim, Efeitos Substantivos do Registo Predial, Almedina, Coimbra, p. 852, nota 1592, dando precisamente como exemplo de aplicação do art. 34º, nº 4, in fine, do C.R.P. a aquisição a favor do promitente comprador precedida do registo da promessa de alienação com eficácia real).
Logo, compreende-se que se afirme que a «regra enunciada na última parte do nº 2 do art. 34º, constituindo uma confirmação do princípio do trato sucessivo, supõe que a inscrição de que deriva o facto subsequente se mantenha tabularmente em vigor» (Parecer do Conselho Técnico do Instituto dos Registos e do Notariado, no Processo nº 30/96-R.P. 4, B.R.N. nº 10/97, II Caderno, disponível in www.irn.mj.pt).
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4.2.2. Caso concreto
Concretizando, verifica-se que, no pressuposto da subsistência das servidões prediais constituídas por contrato de 13 de Abril de 1964, registadas em 29 de Janeiro de 1966, e cujos registos foram anotados como caducos em 01 de Fevereiro de 2016, veio M. M. (Recorrida) - como titular do prédio dominante - , em 04 de Novembro de 2016, requerer o registo de tais encargos sobre o prédio serviente.
Ora, e conforme decorre já do anteriormente exposto, o registo então peticionado apenas poderia ser considerado como um novo registo, dando origem a uma nova inscrição (e não como a renovação do registo primitivo, o qual se havia extinto há largos meses por caducidade).
Verifica-se ainda que, no momento em que a Recorrida apresentou o seu pedido, o proprietário do prédio serviente já não coincidia com o inicial que o onerara, não a tento ainda aquele acompanhado na pretensão formulada.
Assim, e tal como o exigia o art. 34º, nº 4 do C.R.P., bem andou a 2ª Conservatória do Registo Predial de Braga em recusar o registo como definitivo, lavrando-o como provisório por dúvidas.

De outro modo o entendeu o Tribunal a quo (na sentença recorrida), e a Recorrida (nas suas alegações de recurso), defendendo nomeadamente que, tendo aquele actual proprietário adquirido o prédio serviente quando ainda se encontravam registadas sobre ele as ditas servidões, as mesmas ser-lhe-iam oponíveis.
Contudo, e salvo o devido respeito por essa opinião contrária, a mesma assenta no que se considera ser um menos correcto entendimento - e aplicação - do princípio da legalidade.
Com efeito, sendo o mesmo de natureza essencialmente formal (conforme explicitado supra), não contende de todo com a eventual oponibilidade das servidões em relação ao titular do prédio serviente actualmente inscrito, isto é, com a questão de saber se os direitos reais limitados de gozo constituídos antes da transmissão do direito de propriedade devem, ou não, prevalecer em face do mencionado titular (que, de acordo com a situação registral actual e após a caducidade do registo das servidões, se passou a presumir como titular da propriedade plena e desonerada do prédio, nos termos do art. 7° do C.R.P.).
Por outras palavras, o que a 2ª Conservatória do Registo Predial de Barga fez (por o dever fazer, atento o princípio da legalidade) foi aplicar um princípio de ordem formal, que gravita em torno da presunção derivada do registo (art. 7° do CRP) - que não visa decidir qual o melhor direito, de entre os que são conflituantes, nem definir o efeito substantivo decorrente dos registos em relação a terceiros -, princípio que é basilar para a coerência do sistema de registo e constitui uma via fundamental para uma realização efectiva da função e da finalidade do registo predial (neste sentido, Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 4ª edição revista e actualizada, Quid Juris, Lisboa, 2003, p. 116).
Dir-se-á, ainda, que, não obstante o actual titular inscrito haja adquirido o prédio serviente quando o registo das servidões prediais em causa se encontrava ainda vigente, como ele próprio não teve intervenção no contrato de constituição respectiva, beneficiava - como qualquer outro terceiro - da presunção (derivada do registo) de que se extinguiriam ao fim de cinquenta anos.
Ora, não tendo os directos beneficiários dos registos em causa diligenciado oportunamente pela ilisão da presunção de extinção de tais encargos (pedindo em tempo a renovação daqueles registos), ficaram agora onerados com a demonstração de que as ditas servidões se não extinguiram (nomeadamente, pela propositura de uma acção judicial contra o actual proprietário do prédio serviente, onde - sob o respectivo contraditório - demonstrem a existência e validade do negócio jurídico em que ele não interveio, bem como o carácter não temporário dos encargos ali constituídos).

Dir-se-á ainda (de novo ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, e sustentado pela Recorrida nas suas alegações de recurso), que também não se verifica no caso sub judice a excepção prevista no art. 34º, nº 4, in fine do C.R.P. (à necessária intervenção do titular inscrito, na realização da «nova inscrição definitiva»).
Com efeito, o novo facto aqui a registar (constituição de duas servidões prediais) não é «consequência de outro [facto] anteriormente inscrito» (mas sim - e de novo - originária consequência, ou primitivo efeito, resultante do mesmo e único negócio jurídico), cujo registo permaneça em vigor (tendo, pelo contrário, o registo prévio sido extinto por caducidade), e em relação ao qual se mostrasse já assegurado o cumprimento do trato sucessivo (que, naturalmente, apenas foi cumprido na vertente da prévia inscrição - quando o sujeito que constituiu os ónus coincidia com o proprietário do prédio serviente -, hipótese que agora se não verifica, por estar precisamente em causa a vertente da continuidade das inscrições - ao ter sido alterada a identidade do proprietário do dito prédio serviente).
Por outras palavras, a constituição das servidões não é consequência do seu prévio e respectivo registo definitivo, já que este não constitui a favor daquelas uma reserva permanente de lugar, que permaneça independentemente das vicissitudes do próprio registo (nomeadamente, da sua extinção por caducidade), mantendo os seus efeitos e a sua prioridade, estendendo-os ao novo registo do mesmo facto jurídico, desde que o direito correspondente não se tenha extinguido.
Pelo contrário, a correcta interpretação do art. 34º, nº 4, in fine, do C.R.P. postula, e apenas, que o registo posterior «salta por cima» do registo de aquisição a favor de terceiro, precisamente por ser consequência de um registo - em vigor - anteriormente (antes da aquisição a favor do terceiro) inscrito, beneficiando, por isso e para o efeito, da prioridade deste prévio registo.

Assiste, assim, razão à Recorrida (2ª Conservatória do Registo Predial de Braga), quando a mesma defende que, existindo em vigor - no momento dos pedidos de registo de servidão - um registo de aquisição do direito de propriedade a favor de pessoa diversa do onerante, só como provisórios por dúvidas, por incumprimento do princípio do trato sucessivo (na modalidade da continuidade das inscrições), previsto no art. 34º, nº 4 do C.R.P., caberia qualificar tais registos.
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Por fim, dir-se-á que também não se crê fundado o argumento de que, com um tal entendimento, fica o registo predial impossibilitado de cumprir a sua função, de «dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário».
Com efeito, destinando-se de facto o registo predial a publicitar a situação jurídica dos prédios, não assume porém o mesmo carácter obrigatório, estando em regra dependente do pedido que para o efeito seja formulado pelos interessados. Isso mesmo decorre do art. 41º do C.R.P. (epigrafado «Princípio da instância»), onde se lê que o «registo efetua-se mediante pedido de quem tenha legitimidade, salvo os casos de oficiosidade previstos na lei».
Ora, tendo a Recorrida (e os demais titulares do prédio dominante) tido oportunidade de requerer a renovação dos registos das servidões prediais em causa, como seus directos e únicos interessados, e enquanto os ditos registos se mantiveram em vigor, não o fizeram. Assim, tendo deixado de praticar o único facto impeditivo da respectiva caducidade (leia-se, dos registos), não podem agora pretender que a 2ª Conservatória do Registo Predial de Braga ignore as «disposições legais aplicáveis» directamente à sua actividade (v.g. princípio da legalidade, previsto no art. 68º do C.R.P., e princípio do trato sucessivo, na modalidade de continuidade das inscrições, previsto no art. 34º, nº 2 e nº 4 do C.R.P.), para suprir uma inércia que só aos mesmos é imputável.
Dir-se-á igualmente que não nos impressiona o argumento de que, desta forma, e tendo em conta o efeito de caso julgado (a formar em próxima acção judicial, a intentar pelos titulares do prédio dominante contra o actual proprietário do prédio serviente), ficará futuramente impedido o reconhecimento e registo das servidões em causa, sobrevindo uma nova caducidade dos mesmos (já que estaria então interdita a propositura de uma nova acção, pela tríplice identidade de sujeitos - na sua qualidade jurídica - , causa de pedir e pedido).
Com efeito, quer a causa de pedir a invocar, quer o pedido a formular, numa primeira e numa segunda - ou subsequentes - acções judiciais, intentadas para aquele preciso efeito, integrarão necessariamente o decurso do tempo, tornando-as desse modo distintas, no que ao efeito de caso julgado diz respeito.
Precisando, o que se pedirá num determinado momento histórico é que o então titular inscrito como proprietário do prédio serviente seja condenado a reconhecer que, naquela precisa data, as servidões prediais em causa existem, não só por terem sido previamente constituídas (elemento inalterado de qualquer causa de pedir), como por não se terem entretanto extinto, na data em que a dita acção judicial for proposta (elemento diferenciador da referida causa de pedir, necessariamente distinto numa nova e subsequente acção judicial).
Mantém-se, pois, o juízo de procedência do recurso antes exposto.
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Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela total procedência do recurso de apelação interposto pela 2ª Conservatória do Registo Predial de Braga, revogando-se integralmente a sentença recorrida.
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VI – DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente procedentes o recurso de apelação interposto pela 2ª Conservatória do Registo Predial de Braga, e, em consequência,

· em revogar integralmente a sentença recorrida, mantendo-se por isso como provisório por dúvidas o registo das servidões de passagem e de não edificação requeridos pelas Aps. … e …, de 04/11/2016, onerando o prédio descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Braga sob o nº …, da freguesia da …, e constituídas a favor do prédio descrito na mesma 2ª Conservatória do Registo Predial de Braga sob o nº …, da mesma freguesia da ….
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Custas da apelação pela Recorrida (artigo 527º, nº 1 do CPC).
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Guimarães, 19 de Outubro de 2017.



(Relatora) (Maria João Marques Pinto de Matos)
(1º Adjunto) (José Alberto Martins Moreira Dias)
(2º Adjunto) (António José Saúde Barroca Penha)