Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6257/17.0T8GMR.G1
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: ARRENDAMENTO RURAL
DOCUMENTO ESCRITO
NULIDADE DO CONTRATO
CONHECIMENTO OFICIOSO
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Tornou-se obrigatória a redução a escrito de todos os contratos de arrendamento rural, a partir de 1 de Julho de 1989.

II- Para o efeito, devem as partes notificar a parte contrária para reduzirem a escrito os contratos verbais celebrados anteriormente àquela data.

III- A lei pune com a nulidade (atípica) os contratos de arrendamento rural não reduzidos a escrito e impede a instauração ou prosseguimento de acção judicial sem que se mostre comprovado documentalmente o contrato ou a alegação de que a sua falta é imputável à outra parte.”
Decisão Texto Integral:

Nos presentes autos de Procedimento Cautelar Comum que Maria move a Roberto e “MI Lda”., todos melhor identificados nos autos, foi proferido o seguinte despacho:

“…Propôs Maria o presente procedimento cautelar contra Roberto e MI Lda. pugnando o deferimento de providências que proíbam os requeridos de praticar atos (obras) que obstaculizem o exercício do direito de arrendamento que diz ter desde “há mais de 30 anos” sobre determinado imóvel de natureza rústica.

Sustenta, no que releva, que tal direito emergiu de contrato verbal.

Notificada para se pronunciar quanto à eventual extinção da instância, por impossibilidade legal (inexistência de apresentação do contrato de arrendamento rural ou alegação de que a sua falta é imputável ao senhorio), a Autora sustentou a sua improcedência com fundamento em acções judiciais que correm termos em juízo.

II. Vejamos.

Nos termos do art.º 590.º n.º 1 do CPC ex vi do art.º 549.º do mesmo Diploma, «a petição inicial é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou quando ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente.»

Ora, no caso concreto, alegou-se que o direito posto em perigo é o direito de usar e fruir provindo de um contrato verbal de arrendamento rural celebrado “há mais de 30 anos” (logo, antes de 1987).

Pois bem, «I - Com a revogação dos artigos 1064º e 1082º do C.Civil pelo DL 201/75, de 15 de Abril, passou a ser obrigatória a redução a escrito dos contratos de arrendamento rural, obrigatoriedade essa que se manteve no quadro da Lei n.º 76/77, de 29 de Setembro, que revogou o referido DL e se mantém hoje com o DL 385/88, de 25 de Outubro [e DL n.º 294/2009, de 13 de Outubro – acrescento nosso]. II - O artigo 3º do DL 385/88 [actualmente, art.º 6.º do DL 294/2009] determina a obrigatoriedade de redução a escrito do arrendamento rural; a faculdade atribuída a qualquer das partes de exigir, mediante notificação à outra, a redução a escrito do contrato; após a notificação e recusada a redução a escrito, essa parte não pode invocar a nulidade do contrato. III - O artigo 35º n.º 5 do[s] citado[s] diploma[s] determina que nenhuma acção judicial pode ser recebida ou prosseguir, sob pena de extinção da instância, se não for acompanhada de um exemplar do contrato, quando exigível, a menos que logo se alegue que a falta é imputável à parte contrária. […]» (cfr. Ac. STJ de 01.03.2001, Proc. n.º 00A3747, disponível em www.dgsi.pt).

In casu, o presente procedimento não foi acompanhado de um exemplar do contrato, sendo exigível, nem se alegou que a falta do mesmo é imputável à parte contrária (no limite, ao senhorio).

Por conseguinte, impõe-se concluir pela impossibilidade do prosseguimento dos autos, nos termos do disposto no art.º 35.º n.º5 do DL 294/2009, de 13 Outubro.

III. Decisão:

Pelo exposto, julga-se o presente procedimento cautelar extinto, por falta de um pressuposto processual essencial (falta de exemplar do contrato de arrendamento)…”.
*
Não se conformando com a decisão proferida, dela veio a A. interpor recurso de Apelação, apresentando Alegações e formulando as seguintes Conclusões:

1 a - A requerente, ora recorrente, não se conforma com a decisão do tribunal a quo que julgou o presente procedimento cautelar extinto, por falta de um pressuposto processual essencial (falta de exemplar do contrato de arrendamento e falta da alegação que a falta do mesmo é imputável à parte contrária - no limite, ao senhorio).
2a - Não existindo escrito contendo o narrado contrato de arrendamento rural (confessado pela requerente), deve entender-se que, em resposta ao convite do tribunal a quo, com o requerimento e documentação junta aos autos em 29-11-2017, a requerente alegou que a não redução a escrito do contrato de arrendamento é, única e exclusivamente, imputável à Autora (senhoria);
3a - Para fundamentar e provar tudo o alegado neste requerimento de 29-11-2017, a requerente transcreveu e juntou aos presentes autos os articulados e despachos judiciais proferidos na ação judicial pendente na Instância Central Cível de Guimarães, nesta comarca, onde está em apreciação o contrato de arrendamento rural, e em que são partes os proprietários (sucessivos) da Quinta arrendada e a aqui requerente, como arrendatária, ali Ré;
4a - Para não haver quaisquer dúvidas ao tribunal a quo, a requerente transcreveu nesse requerimento de 29-11-2017 o despacho judicial proferido na citada ação da Instância Central em que se define o objeto do litígio (cfr. doc. 2 junto com tal requerimento):

X - Mediação Imobiliária Lda intentou a presente ação declarativa contra Maria pedindo se decrete o despejo da ré de uma quinta que identifica na petição inicial, sendo a mesma condenada a entregá-la livre de pessoas e bens. Mais pedindo a condenação da ré em sanção pecuniária compulsória até efetiva entrega e em indemnização por perdas decorrentes do atraso já verificado na mesma entrega. Para tanto alega, em suma, que é proprietária de diversos prédios que compõem a denominada Quinta Y. A quinta é composta de uma grande área de terrenos de cultivo e por uma casa de lavoura e mais algumas casas mais pequenas. Esta quinta foi dada de arrendamento no início do ano agrícola de 1989 a Manuel, falecido marido da ré.
Nunca tendo este contrato sido reduzido a escrito, dirigiu a autora ao mencionado arrendatário uma carta registada datada de 04/11/2010, manifestando a intenção de reduzir a escrito o contrato de arrendamento rural existente. Em 30/06/2011 enviou ao mesmo arrendatário minuta do contrato de arrendamento rural, para que pelo mesmo fosse assinado.
Por carta de 19/06/2011 o arrendatário declarou recusar o contrato a escrito.
Por carta registada com aviso de receção datada de 01/08/2011 a autora denunciou o contrato de arrendamento rural para o termo do prazo em curso, ou seja, 28 de Setembro de 2012.
Falecido o arrendatário a 10/01/2012, nunca procedeu a ré, sua viúva, à entrega da Quinta à autora, sua proprietária.
Contestou a ré alegando, em suma, que a sociedade autora X nunca diligenciou junto do arrendatário Manuel e da Ré, para reduzir tal acordo a escrito.
A carta de 04/11/2011 foi remetida pelo Ilustre Mandatário do Sr. F. T., intitulando-se este como proprietário da citada Quinta Y.
Sendo que na minuta do contrato de arrendamento rural proposta ao marido da Ré, enviada pela carta de 30/06/2011, surgem como donos e legítimos proprietários da citada Quinta os senhores F. T. e mulher Maria.
Ora, os identificados F. T. e mulher Maria nunca foram donos da Quinta Y, nem senhorios do falecido Manuel e da Ré.
Sendo a sociedade Autora dona da Quinta Y, forçoso é concluir que a sociedade Autora nunca diligenciou junto do arrendatário Manuel e da ora Ré, para reduzir a escrito o contrato de arrendamento rural relativo à Quinta Y.
O mesmo é dizer que a não redução a escrito do contrato de arrendamento é única e exclusivamente imputável à Autora.

Em reconvenção, a ré:

- deduziu oposição à denúncia do contrato de arrendamento rural alegando que a exploração agrícola da Quinta em apreço constituiu a fonte principal ou exclusiva do sustento da própria e dos demais membros do seu agregado familiar;
5a - Destaca-se, obviamente, a parte deste despacho em que o Ex.mo Sr. Juiz da ação pendente na Instancia Central diz que:

Sendo a sociedade Autora dona da Quinta Y, forçoso é concluir que a sociedade Autora nunca diligenciou junto do arrendatário Manuel e da ora Ré, para reduzir a escrito o contrato de arrendamento rural relativo à Quinta Y.
O mesmo é dizer que a não redução a escrito do contrato de arrendamento é única e exclusivamente imputável à Autora.
6a - Por isso, com esse requerimento de 29-11-2017, em resposta ao convite formulado pelo tribunal a quo, este ficou a saber que a requerente invoca que a não redução a escrito do contrato de arrendamento é, única e exclusivamente, imputável aos senhorios (sucessivos);
7a Esta parte passou despercebida ao tribunal a quo, pois uma leitura atenta deste requerimento de 29-11-2017, dos articulados, dos despachos e da documentação junta da ação pendente na Instância Central permite concluir que a requerente alega que a falta do escrito contendo o contrato de arrendamento é imputável à parte contrária, no caso, ao senhorio.
8a Ao decidir como fez, a sentença violou assim o disposto no artigo 35°, n" 5 do DL 294/2009 de 13 de Outubro.

SEM PRESCINDIR:

9a - Se assim não se entender - o que não se concede, mas apenas por hipótese de trabalho se acautela - sempre se diz que a nulidade decorrente da falta de documento escrito ou da sua alegação, não deveria ser obstáculo à apreciação do mérito da causa ou fundamento para a extinção do procedimento cautelar.
10a - A falta de escrito negocial de arrendamento rural não significa omissão de formalidade ad substantiam que implique nulidade contratual, nem mesmo formalidade ad probationem.
11 a - O art. 35° do Regime do Arrendamento Rural (RAR) mencionado na sentença recorrida, visa as ações judiciais decorrentes de arrendamentos rurais, como aquela que está em apreciação na referida ação pendente na Instância Central (como se provou nos autos).
l2a - Ora, a presente ação não é referente a um arrendamento rural, mas a um procedimento cautelar que constitui uma composição provisória da situação controvertida, face à necessidade de remover o receio de prejuízos invocados pela requerente, sendo esta a causa de pedir.
l3a - Conforme dispõe o artigo 379° do CPC "Ao possuidor que seja esbulhado ou perturbado no exercício do seu direito, sem que ocorram as circunstâncias previstas no artigo 377°, é facultado, nos termos gerais, o procedimento cautelar comum".
l4a - Ou seja, o art. 35° do RAR não se aplica aos presentes autos, por estes não contemplarem uma ação referente a um arrendamento rural mas a um procedimento cautelar.
l5a - Se não for esta a interpretação a dar-se àquele preceito legal, está a deixar-se de fora da tutela dos Tribunais uma situação de clamorosa tutela jurídica, isto é, uma situação em que se pretende remover prejuízos e receio de prejuízos por parte de alguém que, de forma abusiva, viola o seu direito de arrendamento.
l6a - A nulidade do contrato de arrendamento verbal só pode ser invocada entre as partes (como está a suceder na referida ação da Instância Central), isto é, entre senhorio e arrendatário, pois só aí é que as consequências daquela são aplicáveis.
17a - Aliás, a sanção para a inobservância da forma escrita nem poderia ser invocada por terceiro demandado em consequência de ato por si praticado e que nada tem a ver com a validade de qualquer contrato; não é em consequência do contrato que os requeridos são demandados, mas em resultado de um receio e de prejuízos causado à requerente na Quinta que lhe está arrendada há mais de 30 anos.
Neste entendimento, a sentença fez uma interpretação errada do disposto no artigo 35°, nº 5 do DL 294/2009 de 13 de Outubro, violando-o.
18a - Mas a sentença recorrida violou também o disposto no artigo 379° do CPC: "Ao possuidor que seja esbulhado ou perturbado no exercício do seu direito, sem que ocorram as circunstâncias previstas no artigo 377°, é facultado, nos termos gerais, o procedimento cautelar comum".
19a - Pois são requisitos dos procedimentos cautelares comuns previstos no artigo 362° do CPC:

a) o fundado receio de que outrem, antes de proposta a ação principal ou na pendência dela, cause lesão grave ou de dificil reparação ao direito do requerente;
b) probabilidade séria ou pelo menos de aparência, da existência de um direito ameaçado;
c) adequação da providência solicitada para evitar a lesão;
d) não ser o prejuízo resultante da providência superior ao dano que com ela se pretende evitar.
20a - Como se disse, os Requeridos já entraram nos terrenos da Quinta arrendada, porém, "não é o facto de no momento em que se requer a providência, já terem ocorrido lesões do direito que, per si, obsta a que a providência seja decretada" (cfr. Abílio Neto, CPC Anotado, 14a edição, pág. 433).
21 a - E uma lesão já efetuada pode constituir fundamento de justo receio de outras e, assim, basear o pedido das providências adequadas para evitar novas lesões.
22a - Caso a Requerente continue:

a) a ser impedida de entrar na Quinta por causa do portão que os Requeridos estão a colocar no caminho de acesso à mesma,
b) a ser impedida de criar animais e cultivar aqueles terrenos da Quinta, vê-se também impossibilitada de obter frutos da mesma,
os Requeridos, com a sua conduta, causam à Requerente uma lesão de dificil reparação, impedindo-a de criar animais, cultivar os terrenos da Quinta, agriculta-los, semeando-os com diferentes culturas, prejudicando assim o seu auto consumo e a comercialização.
23a - Para além de ser a providência adequada para evitar a lesão, do decretamento da presente providência não resulta prejuízo superior ao dano que com ela se pretende evitar.
24a - A atuação dos Requeridos descrita na PI nos artigos 8°, 9°, 10° e 13°, constituem atos turbadores da detenção da Requerente, assistindo a esta o direito de intentar o presente procedimento cautelar comum e usar os mesmos direitos que são facultados ao possuidor em sentido próprio (cfr. artigos 1278° do CC e 379° do CPC).
Violou ainda pois a sentença recorrida também estas normas previstas nos artigos 1278° do CC e 379° do CPC.

Nestes termos, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a decisão recorrida, e substituída por outra que determine o prosseguimento dos presentes autos…”.
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Dos autos não constam que tenham sido apresentadas contra-alegações.
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Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, a questão a decidir é apenas a de saber se os autos deveriam prosseguir para apreciação dos pressupostos invocados pela A. na providência cautelar deduzida.
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Os factos a considerar para a decisão equacionada são os constantes do despacho recorrido.
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Insurge-se a recorrente contra a decisão recorrida que concluiu pela absolvição dos RR da instância – por falta de um pressuposto processual da acção para a mesma poder prosseguir, mais concretamente por falta de junção aos autos, por parte da requerente, do documento comprovativo do contrato de arrendamento invocado, ou a sua falta por motivo imputável ao senhorio.

Mas sem razão, como é por demais evidente.

No seu requerimento inicial a Requerente alega que é arrendatária duma Quinta, denominada Quinta Y, situada na freguesia de …, concelho de Vizela, da qual fazem parte uma série de prédios rústicos e urbanos que identifica, juntando certidões e cadernetas prediais.

Invoca que há mais de 30 (trinta) anos a esta parte, foi realizado um arrendamento verbal entre a proprietária da Quinta Y, “X- Mediação Imobiliária Lda” a Requerente e o seu marido, Manuel (entretanto falecido em 10-01-2012) mediante o qual aquela cedeu a estes o uso e fruição da identificada Quinta, para os últimos, nas condições de uma regular exploração de carácter agrícola, procederem ao cultivo dos campos, da vinha e da criação de gado.

Que pela utilização da Quinta a Requerente paga à proprietária uma renda anual, atualmente no valor de € 125,00.
Com o presente procedimento, a requerente invocou que nos finais do mês de Outubro de 2017, os Requeridos entraram nos terrenos arrendados à Requerente, que fazem parte da citada Quinta Y, e procederam à abertura de caminhos, ao corte de valados, ao derrube, corte e extravio de arvoredo e das vinhas então existentes nos referidos prédios.

Além disso, executaram e mandaram executar, sob as suas ordens, direção e fiscalização, plantações e diversas obras de terraplanagem, rebentamento de rochas com explosivos, escavações, aterros, desaterros, remoção de pedras, terras e entulhos nos referidos imóveis da Quinta arrendada à Requerente.
Tendo ainda procedido ou mandado proceder à movimentação de terras, entulhos e raizeiros arrancados, o que tudo fizeram sem o consentimento e contra a vontade da Requerente.

Também contra a vontade daquela iniciaram os requeridos a edificação e colocação dum portão no caminho de acesso à Quinta, o que impede a Requerente de continuar a aceder à mesma, e impedem-na de criar animais e de cultivar os referidos terrenos, vendo-se assim impossibilitada de obter frutos da mesma.

Diz a requerente que as intervenções dos requeridos violam, de forma abusiva, o arrendamento rural que vem vigorando há vários anos, impedindo a arrendatária - aqui Requerente - de aceder a ela, de criar animais, cultivar os referidos terrenos da citada Quinta, agricultando-os e semeando as diferentes culturas hortícolas para auto consumo e comercialização como vinha fazendo.

Começamos por dizer que, à luz da matéria de facto alegada, a causa de pedir da acção – da providência cautelar de que a A. lançou mão contra os RR –, é o pretenso direito invocado pela requerente de usar e fruir o prédio rústico denominado “Quinta Y” decorrente de um contrato verbal de arrendamento rural celebrado com o senhorio “há mais de 30 anos” (antes de 1987), ainda em vida do falecido marido da requerente.

Ora, sendo invocado como causa de pedir da acção o alegado contrato de arrendamento (o pretenso direito ameaçado pela atuação dos RR), haveria a requerente de fazer juntar aos autos o documento comprovativo da redução a escrito desse contrato, como o exige o artº 35º nº 5 do D.L 294/2009, de 13 de Outubro.

Efetivamente, com a revogação dos artigos 1064º e 1082º do C.Civil pelo DL 201/75, de 15 de Abril, passou a ser obrigatória a redução a escrito dos contratos de arrendamento rural; obrigatoriedade essa que se manteve no quadro da Lei n.º 76/77, de 29 de Setembro, que revogou o referido DL 201/75; que se manteve com o DL 385/88, de 25 de Outubro; e que se mantém com o actual DL n.º 294/2009, de 13 de Outubro.

A Lei n.º 76/77 de 29.9, que revogou toda a legislação em vigor sobre o arrendamento rural, incluindo o Decreto-Lei n.º 201/75, determinou que os contratos sobre arrendamento rural fossem progressivamente reduzidos a escrito, tendo apenas ressalvado num primeiro momento os arrendamentos ao agricultor autónomo.
A consequência jurídica estabelecida desde o Decreto-Lei n.º 201/75, para o não cumprimento da obrigação de redução a escrito do contrato, cifrava-se em não poder nenhum dos contraentes requerer qualquer procedimento judicial relativo ao contrato, a menos que alegasse, e viesse a provar, que a falta era imputável ao outro contraente.

A Lei n.º 76/77 foi entretanto revogada pelo Decreto-Lei n.º 385/88 de 25.10, que era a que vigorava à data em que o contrato de arrendamento em causa nos autos terá sido celebrado (segundo a A. há mais de 30 anos à data do requerimento inicial, ou seja, pelo menos em 1987).

Ora, por força do art.º 3º n.º 1 daquele diploma legal, os arrendamentos rurais eram obrigatoriamente reduzidos a escrito, aplicando-se esse regime de obrigatoriedade também aos contratos de pretérito existentes à data da sua entrada em vigor (30.10.88) – embora essa obrigatoriedade só tenha passado a existir a partir de 1 de Julho de 1989, como flui do preceituado no art.º 36º n.º 3 do mesmo diploma legal.

Ou seja, a partir de 1 de Julho de 1989, todos os contratos de arrendamento rural, mesmo os de pretérito, teriam de estar reduzidos a escrito, estabelecendo o n.º 4 do art.º 3º do referido diploma legal a sanção da nulidade para os contratos de arrendamento rural que não se achassem reduzidos a escrito.

Por outro lado, com vista a assegurar a aplicação efectiva, aos contratos de pretérito, do regime de obrigatoriedade estabelecido no n.º 1, o n.º 3 do art.º 3º do DL nº 385/88 de 25.10, atribui a qualquer das partes a faculdade de exigir, mediante notificação à outra parte, a redução a escrito do contrato; e, reforçando aquele objectivo, logo o n.º 4 do preceito veio decretar que a nulidade do contrato não pode ser invocada pela parte que, após notificação, tenha recusado a sua redução a escrito.

Quer isto dizer que, actualmente, por força da aplicação daquele diploma legal, os contratos de arrendamento rural não reduzidos a escrito são nulos (art.º 3.º do Dec.Lei n.º 385/88, de 21/10).
Esta nulidade é no entanto sempre sanável com a sua posterior formalização, visando a mesma a protecção das partes contratantes, a quem incumbe a iniciativa para esse fim. Trata-se, por isso, de uma anulabilidade atípica – sanável por iniciativa das partes -, e que não poderá ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, nem invocada por terceiros, já que não estão em causa interesses gerais da sociedade, mas exclusivamente interesse próprios das partes (Ac do S.T.J. de 06.10.98; BMJ; 480.º; 420). Tal nulidade não pode, no entanto ser invocada pela parte que, após notificação, tenha recusado a sua redução a escrito.

Acresce que, em ordem a reforçar o cumprimento do desiderato legal – de formalização de todos os contratos de arrendamento rural existentes –, a falta do exemplar do contrato em acção judicial na qual se discuta a existência desse mesmo contrato, traduz a omissão de um pressuposto processual consubstanciadora de uma excepção dilatória inominada que impõe a extinção da instância - artigo 35.°, n.° 5, da L.A.R e artigo 576º nº1 do CPC (Ac do S.T.J. de 27.04.93; BMJ; 426.º; 431).

Deste modo, nos termos do disposto no art.º 3.º, n.º 3 e 4 do Dec.Lei n.º 385/88 de 21/10, só a parte contratante a quem não seja imputável a falta de redução a escrito do contrato pode invocar esta invalidade, situação esta que pressupõe a notificação da outra parte a exigir-lhe a redução a escrito do contrato e a recusa da parte notificada em agir assim.

É neste contexto que surge a disciplina estatuída no artigo 35.º, n.º 5 deste mesmo diploma legal que dispõe que nenhuma acção judicial pode ser recebida ou prosseguir, sob pena de extinção da instância, se não for acompanhada de um exemplar do contrato quando exigível, a menos que logo se alegue que a falta é imputável à parte contrária.

É certo que se na acção se pede que seja declarada a nulidade do contrato por ele não estar reduzido a escrito como o impõe a lei, não pode conceber-se que o autor junte ao processo o exemplar do contrato. Mas o autor terá de alegar e provar que essa falta é imputável ao réu. A acção de anulação do contrato de arrendamento rural com fundamento em nulidade decorrente de inobservância da forma escrita, pressupõe, assim, dois requisitos: a) haver o autor tomado a iniciativa de redução a escrito do contrato, cumprindo assim o ónus que sobre ele impendia; b) recusa injustificada da parte contrária em fazê-lo (Ac. da Relação de Coimbra de 04.05.1993; C.J.; 1993, 3, 29).

O DL nº 294/2009, de 13 de Outubro, veio, na mesma senda dos diplomas legais anteriores exigir a redução a escrito do contrato de arrendamento rural, prevendo no nº1 do seu artº 6º, intitulado “Forma e duração do contrato de arrendamento”, que “Os arrendamentos rurais são obrigatoriamente reduzidos a escrito, constando dos mesmos a identificação completa das partes contratantes, a indicação do número de identificação fiscal e respectiva morada de residência ou sede social, bem como a identificação completa do prédio ou prédios objecto do arrendamento” e que “A não redução a escrito dos contratos de arrendamento rural celebrados ou renovados na vigência do presente decreto-lei gera a sua nulidade” (nº2).

O artigo 35º n.º 5 do mesmo diploma legal determina, por sua vez, que nenhuma acção judicial pode ser recebida ou prosseguir, sob pena de extinção da instância, se não for acompanhada de um exemplar do contrato, quando exigível, a menos que logo se alegue que a falta é imputável à parte contrária.

Ora, confirmando uma tendência que já vinha dos diplomas anteriores (DL 201/75 e Lei 76/77), é inquestionável que o legislador pretendeu duma vez por todas, com o DL nº 385/88 de 21/10 - e pensando acima de tudo, diga-se, na protecção da parte teoricamente mais fraca, que é o arrendatário - impor a redução a escrito de todos os contratos de arrendamento rural vigentes em 30.10.88. Para tanto não hesitou em atribuir eficácia retroactiva às novas disposições respeitantes à formalização dos contratos. Fê-lo cautelosamente - daí a concessão do prazo do artº 36º, nº 3; da faculdade consignada no artº 3º, nº 3; e da proibição contida no nº 4 deste último preceito - mas fê-lo. E a prudência que colocou na resolução do problema não o impediu de cominar sanções por forma indirecta para quem não acatasse as novas directrizes, tendo em vista incentivar o cumprimento destas. Os destinatários, claro está, foram os senhorios, mas também, em pé de igualdade com eles, os arrendatários. Assim, a falta de redução a escrito do contrato de arrendamento rural, obrigatória a partir de 30.10.88, passou a ser "castigada" de duas maneiras: por um lado, com a previsão da respectiva nulidade (uma nulidade "atípica" ou "especial", como se viu); por outro lado, com a impossibilidade de prosseguimento de qualquer acção que lhe respeite se não for acompanhada de um exemplar dele, a menos que logo se alegue que a falta é imputável à parte contrária (Ac STJ de 1.3.2001 em www.dgsi.pt).
Tendo em conta o conjunto destes dispositivos legais constata-se que o legislador quis que todos os contratos de arrendamento rural fossem reduzidos a escrito, sendo essa, aliás, a tendência legislativa que já vinha de pretérito (DL 201/75 e Lei 76/77).
E o citado nº 1 do artº 3º do DL nº 385/88 de 21/10, tem carácter imperativo, não só para protecção das partes (especialmente dos arrendatários, que normalmente são o "elo mais fraco"), mas também tendo em vista o interesse público, como resulta do nº 2 do mesmo preceito, segundo o qual, o senhorio tem a obrigação de, no prazo de 30 dias, contados do contrato, entregar o original deste na repartição de finanças da sua residência habitual e uma cópia nos respectivos serviços regionais do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação.

Ora, e volvendo ao caso dos autos, verificamos que a requerente não deu cumprimento a nenhum dos desideratos legais: nem juntou aos autos documento, comprovativo da redução a escrito do contrato de arrendamento rural invocado, nem alegou que a culpa da sua não redução a escrito tenha sido da senhoria.

Em resposta ao despacho do tribunal de 21-11-2017, a requerente alegou que nunca existiu qualquer escrito contendo o narrado contrato de arrendamento, e que a senhoria nunca diligenciou junto dos arrendatários (a requerente e o seu marido) para reduzir tal acordo a escrito, sendo que na minuta do contrato de arrendamento rural proposta ao seu marido, enviada pela carta de 30/06/2011, surgem como donos e legítimos proprietários da citada Quinta os senhores F. T. e mulher Maria.

Daí concluem que a não redução a escrito do contrato de arrendamento é única e exclusivamente imputável à Autora.
Sempre acrescenta, no entanto, que a alienação sucessiva dos imóveis (rústicos e urbanos) que compõem a Quinta Y em causa, não destruiu o arrendamento rural que vem vigorando com a Requerente há mais de 30 anos, pois conforme o disposto no n° 1 do artigo 20° do DL 29/4/2009 de 13 de Outubro, "O arrendamento não caduca por morte do senhorio nem pela transmissão do prédio ".
Ou seja, admite a requerente que o contrato de arrendamento não caduca nem com a morte do senhorio, nem com a transmissão do prédio, pelo que não lhe assistia o direito de recusar (ou ela ou o seu marido), como recusou, a assinatura do contrato de arrendamento que lhe foi dado a assinar pelos então senhorios ( a quem a Quinta Y foi sucessivamente alienada).

Além disso, se como se disse, o desiderato do legislador com a redução a escrito do contrato de arrendamento rural foi instituído a favor dos arrendatários – parte mais débil no contrato – também foi imposto àqueles o ónus de providenciar pela sua formalização, para que pudessem valer-se do contrato em caso de recurso à via judicial (conforme estabelece o nº 5 do artº 35º do DL citado – que não faz qualquer distinção entre as partes na acção judicial intentada).

Assim sendo, alegou a requerente que tem um contrato de arrendamento sobre a quantia da Quinta Y, celebrado verbalmente com a então senhoria, mas não alegou, como se lhe impunha (de uma forma legalmente aceitável), que a não redução a escrito do aludido contrato seja imputável à senhoria: pelo contrário, assume a requerente que houve recusa da sua parte em assinar o contrato que lhe foi apresentado pelo mandatário dos alegados adquirentes da quinta.

Carecia assim a A. de provar ou a existência de um contrato de arrendamento escrito, imposto pelo artº 3º em referência, ou então que a culpa da inexistência da formalização do contrato verbal era inteiramente do senhorio, por o ter notificado para a redução do contrato a escrito e a tal ele se ter recusado.

Não tendo alegado nem provado este último requisito – apenas e tão somente que o contrato de arrendamento foi celebrado verbalmente – é-lhe imputável a culpa pela inexistência do contrato escrito, pois tinha a faculdade de exigir a formalização do contrato por escrito e não fêz uso dela.
A conclusão a tirar do exposto é a de que a requerente não pode invocar em juízo a existência do contrato de arrendamento rural verbalmente celebrado – nem se valer do direito que ele lhe confere (Acs STJ, de 23.1.2001 e de 1.7.2003, ambos disponíveis em www.dgsi.pt e Aragão Seia, “Arrendamento Rural”, 4ª Edição, pág. 33 a 36, e no voto de vencido que elaborou no ac. do STJ, de 6.10.1998, CJSTJ, 1998, III, 53 a 55).

Aliás, deixar funcionar a favor da requerente a existência do contrato de arrendamento meramente verbal – em violação da lei -, seria premiá-la por não ter usado da faculdade de interpelação da contraparte para a redução a escrito do contrato, perpetuando uma situação de não formalização não querida pelo legislador, deixando sem alcance prático o novo regime impositivo do contrato escrito em todos os arrendamentos rurais.
Se, como deflui do nº 5 do artº 35º, se exige, para o recebimento ou prossecução de uma acção judicial, o acompanhamento de um exemplar do contrato, quando exigível, ou ao menos que logo se alegue que a falta dele é imputável à parte contrária, é lógico que para a procedência da mesma acção se exigirá, ou o contrato escrito, ou ao menos a prova da imputação da sua inexistência à contraparte.

Concluímos, deste modo, que não tendo a recorrente junto exemplar escrito do contrato, nem alegado que exigiu dos recorridos (ou do senhorio da altura) a sua redução a escrito e que este a recusou, foi correcta a decisão do tribunal recorrido ao decretar a extinção da instância por falta de um pressuposto processual positivo da acção (por verificação de uma exceção dilatória inominada) (STJ de 9 de Novembro de 2004; da RC de 29.11.2005; da R.L. de 21.6.2007; e da RP de 28.9.2010, todos publicados em www.dgsi.pt).
Improcedem, assim, as conclusões de recurso da apelante.
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Decisão:

Face ao exposto, julga-se improcedente a apelação e confirma-se a sentença recorrida.
Custas (da Apelação) pela recorrente.
Notifique
Guimarães, 22.2.2018
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Relatora: Maria Amália Santos
1ª Adjunta: Ana Cristina Duarte
2º Adjunto: João Diogo Rodrigues


Sumário do acórdão:

I- Tornou-se obrigatória a redução a escrito de todos os contratos de arrendamento rural, a partir de 1 de Julho de 1989.
II- Para o efeito, devem as partes notificar a parte contrária para reduzirem a escrito os contratos verbais celebrados anteriormente àquela data.
III- A lei pune com a nulidade (atípica) os contratos de arrendamento rural não reduzidos a escrito e impede a instauração ou prosseguimento de acção judicial sem que se mostre comprovado documentalmente o contrato ou a alegação de que a sua falta é imputável à outra parte.