Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
40/12.7TAVLP-A.G1
Relator: DOLORES SILVA E SOUSA
Descritores: PRISÃO EFECTIVA
DECLARAÇÃO DE EXTINÇÃO
COMPETÊNCIA MATERIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: I)Face ao regime atualmente em vigor, instituído pela Lei nº 115/2009, a competência para declarar extinta a pena é do tribunal de execução de penas, sendo o tribunal de condenação materialmente incompetente para a decisão de extinção da pena de prisão efetiva.
II) No caso dos autos, o tribunal de condenação ao declarar extinta a pena de prisão efetiva cumprida pelo arguido violou as normas relativas à competência do tribunal e, por isso, a respetiva decisão está ferida de nulidade insanável nos termos do disposto na alínea e) do artº 119º em conjugação com o artº 118º do CPP, o que tem como consequência a sua revogação.
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.
Secção criminal.

I-Relatório.
No Processo Comum n.º 40/12.7TAVLP da Instância Local de Chaves, foi proferido o seguinte despacho: «Face à posição tomada recentemente pelo STJ, em todos os conflitos de competência suscitados, entendemos não ser viável a sua suscitação.
Em face do seu integral cumprimento, declaro extinta a pena de prisão em que o arguido foi condenado, nos termos do art. 475º, do Código de Processo Penal.
Notifique.
Remeta Boletim ao registo criminal, nos termos do artigo 5º, n.º 1 al. a) da lei n.º 57/98, de 18 de Agosto.»
*
Inconformado com a decisão, o Mº Pº interpôs recurso apresentando a motivação de fls. 28 a 35 deste apenso, que remata com as seguintes conclusões:
«1. Por douta sentença de cúmulo jurídico proferida em 12-12-2012, foi o arguido condenado na pena de 2 anos e 4 meses de prisão efectiva.
2. O arguido terminou o cumprimento da pena em 24-2-2015.
3. Na sequência do cumprimento integral da pena, o Ministério Público promoveu que se solicitasse ao TEP do Porto que emitisse a declaração de extinção da pena de prisão efectiva, aplicada ao arguido, por ser o Tribunal competente.
4. O TEP do Porto, em resposta a oficio, remetido pelo presente Tribunal, respondeu: Informe o NUIPC 40/12.7GTVRL que, independentemente da questão da competência em razão da matéria ou razão material de necessidade processual, certo é que estando em causa uma situação de sucessão de penas, com relação às quais opera o supra reportado cômputo de somatório, vem o TEP entendendo que não é este o momento processual adequado para que seja levado a cabo tal expediente.”
5. A fls. 523, o Mm.º Juiz a quo proferiu o seguinte despacho: “Face à posição tomada recentemente pelo STJ, em todos os conflitos de competência suscitados, entendemos não ser viável a sua suscitação.
Em face do seu integral cumprimento, declaro extinta a pena de prisão em que o arguido foi condenado, nos termos do art. 475º, do Código de Processo Penal.”
6. O art. 470º, nº 1, do Código de Processo Penal, determina que “a execução das penas corre nos próprios autos perante o presidente do tribunal de 1ª instância em que o processo tiver corrido, sem prejuízo do disposto no art. 138º, do Código da Execução das Penas Privativas da Liberdade”.
7. Este artigo foi alterado com a Lei nº 115/2009, de 12-10, que acrescentou a parte final, quando refere “sem prejuízo do disposto no art. 138º, do Código da Execução das Penas Privativas da Liberdade, reafirmando, assim, a competência material do TEP para os actos indicados no referido art. 138º, mantendo-se a competência do tribunal de 1ª instância para os demais actos.
8. Na exposição de motivos da proposta de Lei nº 252/X, no ponto 15 refere que “No plano processual e no que se refere à delimitação de competências entre o tribunal que aplicou a medida de efectiva privação da liberdade e o Tribunal de Execução das Penas, a presente proposta de lei atribui exclusivamente ao Tribunal de Execução das Penas a competência para acompanhar e fiscalizar a execução de medidas privativas da liberdade, após o trânsito em julgado da sentença que as aplicou. Consequentemente, a intervenção do tribunal da condenação cessa com o trânsito em julgado da sentença que decretou o ingresso do agente do crime num estabelecimento prisional, a fim de cumprir medida privativa da liberdade. Este um critério simples, inequívoco e operativo de delimitação de competências, que põe termo ao panorama, actualmente existente, de incerteza quanto à repartição de funções entre os dois tribunais e, até, de sobreposição prática das mesmas. Incerteza e sobreposição que em nada favorecem a eficácia do sistema” (ver http://app.parlamento.pt).
9. O art. 138º, nº 4, al. s), do Código da Execução das Penas Privativas da Liberdade, estabelece que compete aos tribunais de execução de penas declarar extinta a pena de prisão efectiva.
10. A Lei nº 62/2013, de 26-08, (Lei da Organização do Sistema Judiciário), no art. 114º, determina, no nº 1, que “Após o trânsito em julgado da sentença que determinou a aplicação de pena ou medida privativa da liberdade, compete ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a respectiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção (…)”.
11. Também neste mesmo artigo, no nº 3, al. r), determina que compete ao Tribunal de Execução de Penas, em razão da matéria, declarar extinta a pena de prisão efectiva.
12. O art. 10º, do Código de Processo Penal, determina que “a competência material e funcional dos tribunais em matéria penal é regulada pelas disposições deste Código e, subsidiariamente, pelas leis da organização judiciária.
13. Nos termos do art. 475º, do Código de Processo Penal, compete ao Tribunal de Execução de Penas declarar extinta a pena de prisão efectiva.
14. Ao declarar extinta a pena de prisão efectiva cumprida pelo arguido Sérgio Paulo dos Santos Borges, o Mmº Juiz a quo, violou as normas legais relativas à competência do Tribunal, encontrando-se tal decisão ferida de nulidade insanável, atento o disposto no art. 119º, al. e) do Código de Processo Penal.
15. A decisão recorrida viola, assim, por errada interpretação, as normas do art. 470º, 475º e 10º, do Código Processo Penal, 138º, nº 1 e 4, al. s) do Código da Execução das Penas Privativas da Liberdade e 114º, nº 1 e nº 3 al. r) da Lei da Organização do Sistema Judiciário
*
O recurso foi admitido para este Tribunal por despacho constante de fls. 36.
Não houve resposta do arguido ao recurso.
Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido da procedência do recurso.

Foi cumprido o artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Colhidos os vistos, e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.


*

II- Fundamentação.

Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – vícios decisórios e nulidades referidas no artigo 410.º, n.º s 2 e 3, do Código de Processo Penal – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.

1.-Questões a decidir.

Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, pela ordem em que são enunciadas, são as seguintes as questões a apreciar e decidir:
- Averiguar se a competência material para declarar a extinção de pena de prisão efectiva é do tribunal de execução de penas ou do tribunal da condenação e, no caso de a competência caber àquele primeiro tribunal, saber se o despacho recorrido enferma de nulidade insanável ao abrigo do art. 119º al. c) do CPP.

*
2. Marcha processual relevante para a decisão do recurso.
1. Por sentença de cúmulo jurídico, proferida em 21 de Outubro de 2014, foi o arguido condenado na pena única de 2 anos e 4 meses de prisão efectiva.
2. O arguido iniciou o cumprimento da pena de prisão em 24 de Outubro de 2012 e terminou em 24 de Fevereiro de 2015.
3. Em 6-3-2015, o Ministério Publico, promoveu que se solicitasse ao TEP que declarasse extinta a pena de prisão aplicada ao arguido, por o Tribunal da condenação ser incompetente para o fazer e sim o TEP, atento o art. 138º, nº 4, al. s), do C.E.P.M.P.L.
4. Em 16-3-2015, o Mmº Juiz a quo determinou que se solicitasse essa informação ao TEP do Porto.
5. Em 11-3-2015, o TEP do Porto, respondeu com o seguinte despacho: “Extinção da Pena. Informe o NUIPC 40/12.7GTVRL que, independentemente da questão da competência em razão da matéria ou razão material de necessidade processual, certo é que estando em causa uma situação de sucessão de penas, com relação às quais opera o supra reportado cômputo de somatório, vem o TEP entendendo que não é este o momento processual adequado para que seja levado a cabo tal expediente.”
6. A fls. 523, o Mmº Juiz da instância local de Chaves proferiu o despacho recorrido e supra reproduzido.
*
3. Apreciação do recurso.
Cumpre averiguar se a competência material para declarar a extinção de pena de prisão efectiva é do tribunal de execução de penas ou do tribunal da condenação e, no caso de a competência caber àquele primeiro tribunal, saber se o despacho recorrido enferma de nulidade insanável ao abrigo do art. 119º al. c) do CPP.
Estabelece o art. 470.º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe “Tribunal competente para a execução”, que: «A execução corre nos próprios autos perante o presidente do Tribunal de 1.ª instância em que o processo tiver corrido, sem prejuízo do disposto no artigo 138.º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade».(sublinhado nosso)
A parte final do artigo 470º, n.º1 do CPP, foi acrescentada pela Lei n.º 115/2009 de 12.10, visando o legislador com esse acrescento reafirmar a competência material do Tribunal de Execução de Penas para os actos indicados no artigo 138.º, mantendo-se a competência do Tribunal de condenação para os restantes.
Com efeito, da exposição de motivos da proposta de lei n.º 252/X (4ª), ponto 15 que esteve na génese da referida lei consta: "No plano processual, e no que se refere à delimitação de competências entre o tribunal que aplicou a medida de efectiva privação da liberdade e o Tribunal de Execução das Penas, a presente proposta de lei atribui exclusivamente ao Tribunal de Execução das Penas a competência para acompanhar e fiscalizar a execução de medidas privativas da liberdade, após o trânsito em julgado da sentença que as aplicou. Consequentemente, a intervenção do tribunal da condenação cessa com o trânsito em julgado da sentença que decretou o ingresso do agente do crime num estabelecimento prisional, a fim de cumprir medida privativa da liberdade. Este um critério simples, inequívoco e operativo de delimitação de competências, que põe termo ao panorama, actualmente existente, de incerteza quanto à repartição de funções entre os dois tribunais e, até, de sobreposição prática das mesmas. Incerteza e sobreposição que em nada favorecem a eficácia do sistema. DAR de 05.03.2009, II Série-A, n.º 79, X Legislatura, 4ª sessão Legislativa (2008-2009) p. 18, acessível in http://www.parlamento.pt/DAR/Paginas/DAR2Serie.aspx.
Por seu turno, o artigo 138.º, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, dispõe no seu n.º 2, que “após o trânsito em julgado da sentença que determinou a aplicação de pena ou medida privativa da liberdade, compete ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a respectiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção, sem prejuízo do disposto no artigo 371.º-A do Código de Processo Penal”.
Dispondo no seu número 4º, que «compete aos tribunais de execução das penas, em razão da matéria:
s) Declarar extinta a pena de prisão efectiva, a pena relativamente indeterminada e a medida de segurança de internamento;
t) Emitir mandados de detenção, de captura e de libertação
Assim, quando nos termos do artigo 475.º do Código de Processo Penal, para a extinção da execução se refere “o tribunal competente”, o tribunal a que aí se pretende aludir é, por força das referidas disposições legais e no caso de pena de prisão efectiva, o Tribunal de Execução de Penas.
O artigo 10.º do Código de Processo Penal prevê que "a competência material e funcional dos tribunais em matéria penal é regulada pelas disposições deste Código e, subsidiariamente, pelas leis de organização judiciária".
Por sua vez, a Lei Da Organização Do Sistema Judiciário, Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, no seu artigo 114º, prevê, na al. r) do seu n.º3, que e a competência para aquela decisão pertence ao Tribunal de Execução de Penas - como tribunal de competência alargada.
Como se escreve no Acórdão do TRP de 07.05.2014, Relator, Desembargador Neto de Moura «Agora, transitada em julgado uma sentença condenatória que aplica pena de prisão efectiva, compete ao tribunal da condenação ordenar a detenção do condenado (se este estiver em liberdade) para cumprir a pena, sendo também o juiz do tribunal da condenação que homologa o cômputo da pena a que o Ministério Público há-de proceder (n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 477.º do Cód. Proc. Penal).
A partir do momento em que o condenado entra no estabelecimento prisional para cumprir a pena privativa da liberdade, cessa a intervenção do tribunal da condenação e tudo o mais, incluindo a declaração de extinção da pena, é da competência do tribunal de execução das penas.»
Concluindo, no regime agora em vigor, instituído pela Lei nº 115/2009, a competência para declarar extinta a pena é do tribunal de execução de penas, sendo o tribunal de condenação materialmente incompetente para a decisão de extinção da pena de prisão efectiva.
Assim, o Tribunal de condenação ao declarar extinta a pena de prisão efectiva cumprida pelo arguido violou as normas legais acima referidas relativas à competência do Tribunal, estando, por isso, a referida decisão ferida de nulidade insanável nos termos do disposto na alínea e) do artigo 119.º em conjugação com o art. 118º do Código de Processo Penal, o que tem como consequência a sua revogação.
Em consequência tem de ser dado provimento ao recurso
*
*
III- Decisão.

Pelo exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar provido o recurso interposto pelo recorrente Mº Pº, declarando-se a nulidade da decisão recorrida, por o tribunal de condenação ser materialmente incompetente para a decisão de extinção da pena de prisão efectiva, pertencendo essa competência ao tribunal de execução de penas, com a consequente revogação da decisão recorrida.
*
Sem custas.
*
Notifique.
Elaborado e revisto pela relatora – artigo 94º, n.º 2, do CP.P.
Guimarães, 17 de Dezembro de 2015
[Maria Dolores Silva e Sousa - Relatora]
[Fernando Monterroso – Adjunto]