Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
36/14.4TBPCR.G1
Relator: FILIPE MELO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
AUDIÇÃO DO ARGUIDO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/01/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Sumário: I – Apesar de na epígrafe do art. 50 do RGCO se aludir aos direitos de audição e defesa, o texto do artigo reporta-se apenas ao direito de «audição».
II – No cumprimento do dever de audição pela entidade administrativa, indispensável é que o arguido passe a conhecer os factos que lhe são imputados, não sendo necessária qualquer referência aos elementos subjetivos da infração.
Decisão Texto Integral: Após conferência, acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

No Tribunal Judicial de Paredes de Coura, foi decidido manter a decisão administrativa aplicada à arguida.
Inconformada, a arguida recorre novamente desta decisão, apresentando as seguintes conclusões:

I. Recorre-se da decisão do Tribunal Judicial de Paredes de Coura que rejeitou a impugnação judicial deduzida da decisão do Director Nacional Adjunto da PSP que condenou a Arguida na coima de € 2.500,00, acrescido das custas respectivas, pela prática da contra-ordenação prevista nos artigos 159º a 161º do DL 422/89, de 02 de Dezembro;
II. A sentença incorreu em erro de julgamento ao considerar que o procedimento administrativo e a decisão final administrativa não eram nulos por violação do direito de audição prévia;
III. No âmbito do processo administrativo, a Recorrente recebeu notificação em Fevereiro de 2013 para o exercício do direito de audição prévia que não dava a conhecer os fundamentos de facto nem os fundamentos para a qualificação da máquina como modalidade afim de fortuna ou azar e, consequentemente, para a conclusão de que a mesma acarretava responsabilidade contra-ordenacional;
IV. Arguida a nulidade da notificação, a entidade administrativa não respondeu, tendo de imediato proferido decisão final;
V. Em sede judicial, e na apreciação desta questão, a sentença dá como provado que a Recorrente foi notificada nos termos que resultam de fls. 111, com a entrega do auto de notícia e cópia do exame pericial;
VI. O que representa a notificação para o exercício de audição prévia recepcionada pela Recorrente em 7 de Fevereiro de 2013, composta pela certidão de notificação, auto de notícia nº 117/12 e cópia do relatório pericial;
VII. A decisão recorrida erra ao considerar que não foi violado o direito de defesa da Recorrente, na vertente da necessidade de lhe terem de ser dados a conhecer os elementos de facto e direito da infracção imputada;
VIII. Não se percebe como pôde a Recorrente, na fase do procedimento administrativo, ter tido conhecimento de todos estes elementos de facto e de direito quando em nenhum dos documentos que lhe foram entregues consta sequer uma singela explicação que permita perceber porque é que o mecanismo em causa desenvolvia modalidade afim de fortuna ou azar e porque motivo estávamos perante a prática de uma contra-ordenação;
IX. Ignorava-se naquela fase qual o critério da entidade administrativa para considerar estarmos perante modalidade afim de fortuna ou azar;
X. Não podia a Recorrente rebater a acusação por não saber quais os motivos da entidade administrativa para considerar preenchido o tipo legal, nem podia fundamentar a sua posição e a sua defesa escrita de modo a tentar convencer a entidade administrativa que a sua fundamentação ou motivação era errada e/ou insuficiente;
XI. Também se demonstra não terem sido dados a conhecer suficientemente à Recorrente os elementos de facto da contra-ordenação, e nomeadamente, o modo de funcionamento do mecanismo;
XII. Do facto da Recorrente ter exercido o direito de audição prévia não se pode retirar o seu real conhecimento acerca dos pressupostos de facto e de direito da infracção comunicada nem a conclusão de que o direito de audição prévia se mostra respeitado;
XIII. Ao contrário do que refere a decisão recorrida, da leitura da defesa escrita retira-se sim o desconhecimento sobre a fundamentação da entidade administrativa inerente à infracção;
XIV. O direito de audição prévia visa facultar ao Arguido a possibilidade de participar no processo contra-ordenacional correspondente, exercendo o contraditório e apresentando as razões de facto e de direito que entenda por convenientes e necessárias à formação da decisão final (apresentando, se entender, as razoes de discordância em relação à acusação);
XV. Para tal, é necessário que a acusação (leia-se projecto de decisão) contenha os elementos de facto, de direito e a necessária fundamentação para que o Arguido perceba do que está e porque está a ser acusado;
XVI. Errou o Tribunal ao não considerar que a notificação para o exercício do direito de audição prévia era completamente omissa no que toca aos elementos de facto imputados à Recorrente e no tocante a qualquer explicação no sentido de se perceber por que motivo é que a entidade administrativa qualifica o mecanismo como modalidade afim de fortuna ou azar e subsume-a ao regime contra-ordenacional previsto na lei do jogo;
XVII. A consequência para a violação do direito de audição prévia é a nulidade do procedimento contra-ordenacional, conforme entendeu o STJ, no Assento nº 1/2003, de 25 de Janeiro;
XVIII. A sentença viola as regras da experiência comum, analisa erradamente a documentação do processo que atesta o modo de notificação da Recorrente para o exercício do direito de audição prévia e erra na interpretação do alcance da norma dita violada (artigo 50º do Regime Geral das Contra-Ordenações);
XIX. Deve, na sequência, ser anulada e substituída por decisão de absolvição da Recorrente;
XX. A sentença incorreu em erro de julgamento ao considerar não verificado o vício de incompetência do autor do acto;
XXI. A sentença não se pronuncia sobre a verdadeira questão colocada à sua apreciação:
XXII. Existe vício de incompetência de autor do acto porque a lei de habilitação, conferindo poderes ao Ministro da Administração Interna para aplicar coimas, não prevê expressamente como possível órgão delegado e, concretamente, o Director Nacional da PSP;
XXIII. A norma de habilitação deve conter a referência expressa de qual o órgão destinatário do acto de delegação, conforme estipula o artigo 111º, nº2 da Constituição da República Portuguesa e 35º, nº1 do Código de Procedimento Administrativo;
XXIV. Ao assim não ser, no absurdo, poderia o Sr. Ministro da Administração Interna delegar os seus poderes num administrativo ou até num funcionário de limpeza, desde que integrado na estrutura hierárquica do Ministério;
XXV. A jurisprudência e doutrina também entendem que a delegação de poderes num determinado órgão só é válida e legítima se constar da norma habilitante que aquele órgão concreto pode ser sujeito passivo concreto do acto de delegação;
XXVI. Não decorrendo da lei de habilitação menção expressa de que o Ministro da Administração Interna pode delegar as suas competências, nomeadamente, para aplicar coimas, na PSP e na sua Direcção Nacional, é inequívoco que o despacho de delegação de poderes é inválido e consequentemente é o Sr. Director Nacional Adjunto da PSP incompetente para aplicar qualquer coima nesta matéria;
XXVII. A sentença recorrida incorre em erro de julgamento, ao não analisar devidamente o instituto da delegação administrativa de poderes;
XXVIII. Mostram-se violados os artigos 164º da Lei do Jogo, 111º, n2 da CRP e 35º, nº1 do CPA; deve a sentença ser anulada e absolvida a Recorrente;
XXIX. A sentença incorreu em erro de julgamento ao não considerar verificada a nulidade da decisão administrativa condenatória por omissão do dever de pronúncia;
XXX. A Recorrente articulou como fundamento de impugnação a violação do dever de pronúncia que sobre a entidade administrativa impendia na sequência da defesa escrita e que devia ter sido levado à decisão administrativa condenatória;
XXXI. A factualidade alegada na audição prévia devia ter sido ponderada;
XXXII. O ónus da prova no direito sancionatório impende sobre a entidade administrativa que acusa, sendo esta entidade que tem de provar os pressupostos constitutivos do tipo legal;
XXXIII. Sobre esta entidade pertence todo o poder de instrução, nos termos do artigo 54º do RGCO, cabendo-lhe recolher toda a prova necessária à descoberta da verdade material e à boa decisão da causa;
XXXIV. Perante a defesa da Recorrente que afirmou nunca ter colocado mecanismo que atribuísse prémio em dinheiro mas apenas mecanismo que atribuía vales de desconto, cabia à entidade administrativa pronunciar-se sobre a matéria, recolher a prova necessária e fundamentar a sua decisão no sentido da prova ou não prova do facto alegado;
XXXV. A decisão administrativa não dedicou uma única linha a esta matéria.
XXXVI. Em sede de julgamento percebeu-se porque motivo é que a entidade administrativa não se pronunciou sobre a defesa articulada em audição prévia;
XXXVII. Decorre documentado (vide despacho constante da acta de 26-03-2014 e de 23-04-2014) que o original do mecanismo desapareceu – cartaz onde se descrevia o seu modo de funcionamento - e as cópias do processo relativas ao mecanismo e ao seu modo de funcionamento são ilegíveis, pelo que nunca poderia a entidade administrativa comprovar o facto alegado pela defesa e de que decorria forçosamente a absolvição desta concreta acusação;
XXXVIII. De acordo com o artigo 374º, nº2 do CPP, aplicável por força do artigo 41º do Regime Geral das Contra-Ordenações, a decisão final deve-se pronunciar sobre os factos levados ao processo pela acusação e pela defesa;
XXXIX. A omissão no cumprimento deste requisito gera nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379º, nº1, al. c) do CPP.
XL. Nulidade que a sentença recorrida deveria ter considerado verificada;
XLI. Não se devendo confundir fundamentação da decisão administrativa com omissão do dever de pronúncia, como erradamente efectua o Tribunal de 1ª Instância;
XLII. Ao não assim decidir, incorreu em erro de julgamento, mostrando-se violados os artigos 379º, nº1, al. c) do CPP, 54 e 58º do RGCO;
XLIII. Em sede de julgamento, percebeu-se que o original do mecanismo apreendido desapareceu e que as cópias são ilegíveis;
XLIV. Não se consegue determinar o modo de funcionamento do mecanismo, mostrando-se de impossível comprovação os factos dados como provados na decisão administrativa e na sentença recorrida;
XLV. O exame à máquina judicialmente requerido em sede de audiência de julgamento era fundamental para aferir da justiça da decisão condenatória e da veracidade dos factos dados como provados e não provados;
XLVI. O desaparecimento da máquina afecta irremediavelmente o processo e viola os direitos de defesa, também na vertente da possibilidade legalmente prevista de submeter à apreciação jurisdicional a legalidade da actuação da entidade administrativa;
XLVII. Deveria de imediato o Tribunal ter anulado todo o processo.
Ao assim não fazer, errou o Tribunal, por violação do direito de defesa, impossibilitando-se a descoberta da verdade material. Com violação dos artigos 32º, nº10 da CRP e 58º, 64º e 72º do Regime Geral das Contra-Ordenações.

A decisão recorrida é do seguinte teor:

I- RELATÓRIO
1.1 D... – Máquinas de Diversão, S.A., com o NIP 503434..., com sede na Zona F..., Rua I..., em Grijó, inconformada com a decisão proferida pelo Departamento de Segurança Privada – Unidade Orgânica de Operações e Segurança – Polícia de Segurança Pública- Direcção Nacional (cfr. fls. 122-128) que lhe aplicou uma coima no valor de €2.500,00, veio interpor recurso nos termos e ao abrigo do art. 59° do DL 433/82, de 27 de Outubro, actualizado pelo DL 244/95, de 14 de Setembro (RGCOC), nos termos e pelos fundamentos constantes de fls. 141-152 dos autos, que aqui se dão por reproduzidos.
Alegou, para o efeito e em suma, a nulidade do procedimento administrativo por violação do direito de audição prévia, o vício de incompetência do autor do acto e a nulidade da decisão condenatória por omissão do dever de pronúncia.
1.2. O Ministério Público apresentou os autos de contra-ordenação a juízo (fls. 159), ao abrigo do disposto no artigo 62.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações, plasmado no Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (doravante R.G.C.O.).
1.3. Por ser tempestivo e interposto por quem tem legitimidade e para o tribunal competente, o recurso foi recebido por despacho de fls. 160.
1.4. Realizou-se a audiência de julgamento com observância de todo o formalismo legal, conforme resulta das respectivas actas juntas aos autos.
*
Mantêm-se válida a instância e não existem nulidades, excepções, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer desde já (apreciando-se as nulidades invocadas após a fundamentação de facto) e que obstem à apreciação do mérito do presente recurso.
II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
2.1 Discutida a causa, mostram-se provados, com interesse para a decisão do presente recurso de contra-ordenação, os seguintes factos:
1. A ora Recorrente D... – Máquinas de Diversão, S.A. foi notificada nos termos que resultam de fls. 111, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido com a entrega do auto de notícia e cópia do exame pericial, juntos aos autos.
2. A Recorrente nos termos do disposto no artigo 50.º do DL 433/82, de 27 de Outubro, apresentou defesa nos termos que resultam de fls. 112-114 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
3. A Recorrente foi condenada no pagamento da coima de €2.500,00 nos termos da decisão junta aos autos a fls. 122-128, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, decisão esta subscrita pelo Director Nacional Adjunto do Departamento de Segurança Privada – Unidade Orgânica de Operações e Segurança – Polícia de Segurança Pública- Direcção Nacional, Paulo L....
Com interesse para a decisão do presente recurso de contra-ordenação, resultaram não provados os seguintes factos:
a. O mecanismo cedido pela Recorrente apenas atribuía vales de desconto para a aquisição de figuras laminadas.
2.3 Motivação da convicção do Tribunal
Como dispõe o art. 127.º do Código de Processo Penal (aplicável ex vi artigo 41.º do R.G.C.O.), (S)alvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
O julgador tem a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos submetidos a julgamento com base no juízo de que se fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, tal como ela foi exposta e adquirida representativamente no processo. As regras da experiência, por sua vez, devem ser perspectivadas, na apreciação da prova, como (…) definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto “sub judice”, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade (cfr. Cavaleiro de Ferreira, in Curso de Processo Penal, Volume II, pág. 300).
Nestes termos, a convicção do Tribunal, quanto à prova da factualidade exposta, baseou-se na análise critica e conjugada da prova documental junta aos autos, nomeadamente nos documentos referenciados nos factos provados, ou seja, documento de fls. 111, documento de fls. 112-114 e decisão condenatória de fls. 122-128. Para tal prova, convém, ainda, salientar que o Tribunal sustentou-se, ainda, no depoimento da testemunha Crisóstomo S..., agente da PSP do Departamento de Segurança Privada que instruiu o processo administrativo em causa, o qual, de modo espontâneo e objectivo, confirmou a forma como foi efectuada a referida notificação à Arguida, ora Recorrente, em sede de audiência prévia, e os documentos que lhe foram entregues aquando de tal notificação, aliás, após prévia notificação que a aqui Recorrente invocou como nula.
Relativamente ao facto dado como não provado, importa dizer que o mesmo resultou quer da ausência de prova, quer de prova distinta.
Com efeito, e não obstante não ter sido junto a estes autos o original do cartaz que publicitava a máquina em causa e junto da mesma aquando da inspecção, de toda a prova testemunhal produzida resultou evidente que a máquina em questão através da publicitação Concurso Grandes Catástrofes – jogo este extinto pela Santa Casa da Misericórdia em 2008 – não se tratava de nenhum mecanismo que atribuía vales de desconto para a aquisição de figuras laminadas mas, antes, um jogo de fortuna e azar. Ora, conforme explicitou a testemunha Marisa C..., de modo objectivo, isento e espontâneo, e na qualidade de inspectora que efectuou o exame pericial à máquina e material apreendido com a mesma, de fls. 36-41, a pessoa que introduzia a moeda na máquina retirava uma bola que, por sua vez, continha senhas no interior, e, se a senha contivesse um número dos cinquenta inscritos nos losângulos expostos no cartaz, teria direito a um prémio monetário, ou, ao invés, caso não correspondesse não teria direito a qualquer prémio. Na verdade, a versão de que os valores inscritos nas senhas corresponderiam a vales de desconto para aquisição de figuras laminadas corresponde tão só a uma forma de escamotear o verdadeiro fim do jogo, desde logo, porque à luz das mais elementares regras da experiência comum, mesmo se tratando de vales de desconto a pessoa estaria a usar dinheiro para os obter, sendo certo que, apenas quando a numeração da senha era coincidente com a numeração inscrita no cartaz é que haveria lugar a esse vale de desconto, e, então, perguntamos: e em todas as senhas em que não correspondesse a numeração, o que sucedia? A resposta é simples, e dita de um modo comum: azar do jogador que introduziu a moeda na máquina.
Vale isto por dizer que, para além de não ter resultado prova da versão da Recorrente, aliás, saliente-se, não produziu qualquer prova, de toda a que foi carreada para os autos, extraiu-se, à evidência, que a máquina apreendida, da titularidade daquela, apenas servia um propósito: prossecução de jogo de fortuna e azar, sendo que todos os sinais apostos no cartaz, cuja cópia se encontra junta aos autos, apenas serviam o propósito de dissimular, mas de modo não verosímil, tal fim.
III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
3.1 Da nulidade do procedimento administrativo por violação do direito de audição prévia
Em primeira linha, a Recorrente invoca a nulidade da notificação que lhe foi efectuada, alegando, entre o demais, e em síntese, que não foi articulado e dado a conhecer qualquer facto concreto mas apenas uma imputação genérica e sobre a imputação subjectiva, alega que não há na acusação efectuada uma única referência. Mais aduz que, o auto de notícia, datado de Fevereiro de 2012, não é um verdadeiro auto mas unicamente uma informação em que o agente declara que no dia 4 de Agosto de 2010 foi apreendida uma máquina e que a mesma tem a qualificação de modalidade afim, sem que também aí se descrevam os motivos para essa qualificação e para o preenchimento da contra-ordenação.
Face a tal argumentação, impõe-se, antes de mais, efectuar o devido enquadramento legal, ainda que a título sintético, do alcance do direito de audiência prévia no âmbito do ilícito contra-ordenacional.
Neste passo, o direito de defesa no quadro dos ilícitos contra-ordenacionais assume, encontra assento constitucional no n.º 10 do artigo 32.º do nosso diploma fundamental, seja, (N)os processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa.
Por sua vez, prescreve o artigo 50.º do RGCOC que não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre.
Por seu turno, e de modo a explicitar tal direito, citemos o Acórdão de Fixação de Jurisprudência, do Supremo Tribunal de Justiça, de 16.10.2002, publicado no Diário da República de 25-01-2003, Série I-A, que sumaria o seguinte:
Quando, em cumprimento do disposto no art. 50.º do Regime Geral das Contra-Ordenações, o órgão instrutor optar, no termo da instrução contra-ordenacional, pela audiência escrita do arguido, mas, na correspondente notificação, não lhe fornecer todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o processo ficará doravante afectado de nulidade, dependente de arguição, pelo interessado/notificado, no prazo de 10 dias após a notificação, perante a própria administração, ou, judicialmente, no acto de impugnação da subsequente decisão/acusação administrativa.
No caso vertente, a Recorrente foi condenado pela prática da infracção prevista pelo artigo 160.º, n.º 1 e n.º 1 do artigo 161.º do Decreto-lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, alterado pelo Decreto-lei n.º 114/2011, de 30 de Novembro.
O desrespeito destes normativos é punível, no caso das pessoas colectivas, com coima de €2.493,99 a €24.939,39, tendo sido aplicada em concreto, uma coima no valor de €2.500,00.
Vejamos, então, se o seu direito de defesa foi coarctado, e, nomeadamente por ausência dos elementos essenciais à imputação que lhe foi efectuada.
Da factualidade provada, resulta que a ora Recorrente D... – Máquinas de Diversão, S.A. foi notificada nos termos que resultam de fls. 111, com a entrega do auto de notícia e cópia do exame pericial, juntos aos autos.
Analisando tal documentação, cumpre dizer que, atento o carácter sintético da narração dos factos que nesta sede se concede e, fundamentalmente, porque dos mesmos resulta a infracção concreta que está a ser imputada à Arguida, aqui Recorrente, afigura-se-nos perfeitamente perceptível e cognoscível a notificação realizada.
De facto, tenha-se presente que qualquer homem médio ao ler o auto de notícia, o exame pericial e a notificação extrai claramente o tipo de ilícito que lhe está a ser imputado. Na verdade, no auto de notícia são descritos os factos concretos subjacentes ao ilícito em causa, descrevendo-se exactamente o modo de funcionamento da máquina em apreço da titularidade da Recorrente e cuja exploração foi cedida à responsável do estabelecimento comercial – café Bom Retiro. No exame pericial da máquina apreendida também se descreve
pormenorizadamente o modo de funcionamento da mesma, efectuando-se o respectivo enquadramento no conceito de jogo de fortuna e azar. Ademais, na notificação realizada constam todos os elementos obrigatórios nos termos legais, referindo-se, ab initio, que corria termos um processo de contra-ordenação contra a Recorrente com fundamento em indícios de ter praticado, voluntária e conscientemente, os factos ali plasmados e donde se extrai, claramente, o que se lhe imputava (cfr. fls. 111).
Com efeito, notificada nos termos indicados, a verdade é que a ora Recorrente, exerceu o seu direito de defesa, alegando novamente a nulidade da notificação e a inexistência de contra-ordenação, onde discrimina a sua versão dos factos de forma articulada, conforme se retira dos pontos 15 a 22, afirmando expressamente, entre o demais, que ao contrário do que se refere no exame pericial a máquina não dava prémios em dinheiro, dava apenas vales de desconto para a aquisição de figuras laminadas.
Não esqueçamos que, a nulidade por falta do exercício do direito de defesa implica que ao visado não lhe tenham sido fornecidos todos os elementos necessários para que este fique a conhecer os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito. Não é evidentemente o caso, porquanto, para além de tais elementos terem sido efectivamente comunicados à Recorrente, esta apresentou defesa, da qual se conclui que compreendeu perfeitamente o que lhe estava a ser imputado.
Dito de outro modo, não foi coarctada no seu direito de defesa, tendo por assente que aspecto distinto é o ter logrado fazer prova ou não dos fundamentos dessa mesma defesa.
Nesta medida, não assiste razão à Recorrente quando alega a violação do seu direito de defesa.
3.2 Do vício de incompetência do autor do acto
Veio, também, a Recorrente invocar que o Sr. Director Nacional Adjunto da PSP é incompetente para aplicar a coima em apreço, essencialmente com fundamento que o despacho de delegação de poderes em causa é inválido.
Cumpre apreciar.
Em primeiro lugar, importa dizer que, in casu, está em causa a aplicação de uma coima ao abrigo do disposto nos artigos 159.º, 160.º, n.ºs 1 e 3 do 161.º, 163.º, n.º 1, do
Decreto-lei n.º 422/89, de 2 de Novembro – Lei do Jogo-, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-lei n.º 114/2011, de 30 de Novembro.
Dispõe o artigo 164.º, sob a epígrafe competência, do aludido diploma legal, o seguinte:
1. O membro do Governo responsável pela área da administração interna pode delegar, com faculdade de subdelegação, a competência que lhe é atribuída pelos artigos 159.º a 163.º, nomeadamente a aplicação de coimas e respectivas sanções acessórias.
2. Compete às autoridades policiais autuantes a instrução dos processos contra-ordenacionais, sendo o Serviço de Inspecção de Jogos do Turismo de Portugal, I. P., o serviço técnico consultivo e pericial destas entidades- nosso sublinhado.
De tal normativo, e face à argumentação da Recorrente, importa, desde logo, destacar que extrai-se exactamente a lei de habilitação para a respectiva delegação de poderes do membro do Governo responsável pela área da administração interna.
No caso concreto, a decisão condenatória foi proferida pelo Sr. Director Nacional Adjunto do Departamento de Segurança Privada – Unidade Orgânica de Operações e Segurança – Polícia de Segurança Pública- Direcção Nacional, conforme resulta provado no facto 3, e como sublinhado pela própria Recorrente, no uso da competência delegada pelo Director Nacional da PSP vertida, conforme Despacho n.º 5134/2012, de 13 de Abril de 2012, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 74, resultando a competência do Director Nacional da PSP da delegação de poderes efectuada pelo Sr. Ministro da Administração Interna, plasmada no Despacho n.º 16425-A/2011, de 30 de Novembro, publicado em Diário da República, 2.ª Série, n.º 231, suplemento de 02 de Dezembro.
Assim, com base na lei que habilita o membro responsável pela área da Administração Interna – supra citado artigo 164.º, n.º 1 da Lei do Jogo-, foi delegado pelo Sr. Ministro da Administração Interna no Director Nacional da PSP, nos termos do Despacho supra citado, conforme se passa a transcrever:
3. A competência para aplicação de coimas e respectivas sanções acessórias, prevista no artigo 163.º do Decreto -Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, alterado pelas Leis n.ºs 28/2004, de 16 de Julho, e 64 -A/2008, de 31 de Dezembro, e pelos Decretos -Leis n.os 10/95, de 19 de Janeiro, 40/2005, de 17 de Fevereiro, e 114/2011, de 30 de Novembro, é delegada, nos termos do artigo 164.º do mesmo diploma, no director nacional da Polícia de Segurança Pública, com faculdade de subdelegação.
Por sua vez, no uso de tal faculdade, através do referido Despacho n.º 5134/2012, de 13 de Abril de 2012, o Director Nacional da PSP, subdelegou no Director Nacional-Adjunto da mesma entidade, nomeadamente Paulo L..., a mesma competência, do seguinte modo:
2. No uso da faculdade que me foi conferida pelo n.º 3 do Despacho n.º 16425 -A/2011, de 30 de novembro, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 231, suplemento, de 2 de dezembro, e nos termos dos artigos 35.º a 41.º do Código de Procedimento Administrativo, subdelego, com faculdade de subdelegação, no mesmo diretor nacional -adjunto, a competência para aplicação de coimas e respetivas sanções acessórias, prevista no artigo 163.º do Decreto -Lei n.º 422/89, de 2 de dezembro, alterado pelas Leis n.ºs 28/2004, de 16 de julho, e 64 -A/2008, de 31 de Dezembro, e pelos Decretos -Leis n.ºs 10/95, de 19 de janeiro, 40/2005, de 17 de fevereiro, e 114/2011, de 30 de Novembro.
Logo, decorrendo da factualidade apurada que a decisão recorrida foi subscrita exactamente pelo referido Director Nacional-Adjunto da mesma entidade, nomeadamente Paulo L..., detendo o mesmo competência para a prática do acto, não se verifica qualquer vício de incompetência conforme invocado pela Recorrente.
Aliás, com o devido respeito, afigura-se-nos descabida a tese de que o legislador na anterior lei conferia a competência na matéria contra-ordenacional em questão aos Governos Civis e que agora deveria discriminar as entidades competentes, porquanto dos comandos legais acima citados ressalta concretamente o órgão competente: relembre-se o membro do Governo responsável pela área da administração interna. A intenção do legislador com a aprovação do DL n.º 114/2011, de 30 de Novembro, foi exactamente proceder à transferência de competências dos governos civis para outras entidades da Administração Pública, em concreto, para o Sr. Ministro da Administração Interna. Em síntese, a alegação da Recorrente traduz somente uma interpretação à revelia da própria letra da lei, pugnando, em síntese, por uma outra redacção em que as competências na matéria fossem atribuídas a certas entidades, quando na lei já se encontra expressamente previsto o órgão competente a quem foi conferida a faculdade de delegação.
Pelo que, por inexistência de qualquer vício de incompetência, deve o mesmo improceder.
3.3 Da nulidade da decisão condenatória por omissão do dever de pronúncia
Preceitua o artigo 58.º, n.º 1, do R.G.C.O., sobre os requisitos a que deve obedecer a decisão condenatória da autoridade administrativa, que esta deve conter:
a) A identificação dos arguidos;
b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas;
c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão;
d) A coima e as sanções acessórias.
Por sua vez, o citado R.G.C.O., manda aplicar subsidiariamente os preceitos reguladores do processo criminal, conforme disposto no seu artigo 41.º.
Fazendo o paralelo com as normas processuais penais, diga-se que, como estipulado no artigo 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal (doravante C.P.P.), os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão, estabelecendo os artigos 374.º e 375.º, do mesmo diploma legal, os requisitos da sentença de onde se extrai claramente também este dever de fundamentação.
Na verdade, actualmente é assente que o direito contra-ordenacional não constitui um ilícito penal administrativo mas, antes, um verdadeiro direito penal especial (cfr. Manuel Ferreira Antunes, in Reflexões sobre o Direito Contra-Ordenacional, SPB Editoreds, 1997, págs. 41 e segs, citado por António Beça Pereira, in Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas – Anotado, 8.ª Edição, Almedina, pág. 145).
Nesta consonância, por muito sumário e expedito que se apresente o processo contra-ordenacional, exige-se a indicação dos factos imputados e a respectiva fundamentação acompanhados dos elencados elementos em consonância com o transcrito artigo 58.º, n.º 1, do R.G.C.O., em tributo dos mais elementares princípios que devem reger um direito de carácter sancionatório e que têm a ver com as garantias mínimas relacionadas com o direito de defesa, conforme consagrado no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa (neste sentido, veja-se Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21.09.2006, disponível para consulta in www.dgsi.pt, sob o processo número 3200/06-5.ª).
In casu, conforme se disse, está em questão a aplicação de uma coima ao abrigo do artigo 160.º, n.º 1 e n.º 1 do artigo 161.º do Decreto-lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, alterado pelo Decreto-lei n.º 114/2011, de 30 de Novembro.
Na fase de recurso, como a que ora se verifica, valendo a apresentação dos autos ao juiz pelo Ministério Público como acusação, nos termos plasmados na parte final do n.º 1, do artigo 62.º, do RGCO, torna-se ademais necessário, no que toca aos elementos imprescindíveis a que nos vimos reportando, o recurso ao artigo 283.º, n.º 3, alínea b), do C.P.P., o qual determina que a acusação contém, sob pena de nulidade: (…) b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deva ser aplicada; (…).
Concretizando.
Face à decisão administrativa de fls. 122-128, aqui impugnada, permitimo-nos dizer que, para além de conter todos os elementos exigidos legalmente, conforme supra exposto, é de um rigor que nem sequer é exigível a este nível. Dito de outro modo, a decisão em apreço contém exaustivamente todos os referidos elementos, sendo formalmente e qualitativamente totalmente conforme com a lei.
Efectivamente, da mesma extrai-se a identificação da Arguida, um relatório com a descrição de todos os factos e tramitação pertinente do processo administrativo, a respectiva fundamentação de facto, incluindo factos provados e respectiva motivação (minuciosa), enquadramento jurídico dos factos e decisão. Ademais, quanto à alegada ausência de pronúncia sobre a defesa da Recorrente, atento o conteúdo da decisão, não pode tal motivo colher. Para além de constar expressamente da decisão a defesa apresentada, a mesma decisão da autoridade administrativa, elenca discriminadamente todos os factos e subsume-os à norma. E, nem se percebe como é que a Recorrente não apresenta qualquer tipo de prova do por si alegado em sede de defesa, e, vem dizer que tal autoridade não dedica uma única linha à sua argumentação. O que a autoridade administrativa fez, e bem, foi dar como provado o que se extraia dos autos e motivar essa prova.
Assim sendo, facilmente se conclui não padecer a decisão em causa, a este nível, de qualquer nulidade, uma vez que, a indicação que se faz dos factos e das disposições legais violadas permite um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados e das normas legais em que se enquadram, não assistindo razão à Recorrente.
Por último, convém salientar que, a Recorrente, tendo oportunidade em sede da presente impugnação de atacar a decisão que a condenou no pagamento da coima em questão, limitou-se somente a indicar o facto que já havia indicado na sua defesa em sede administrativa, não arrolando nem logrando qualquer prova do mesmo, como decorre do facto dado como não provado, ou seja, que o mecanismo por si cedido apenas atribuía vales de desconto para a aquisição de figuras laminadas.
Assim, sem demais considerações deverá o presente recurso ser julgado improcedente.


IV – DECISÃO
Pelo exposto, julgo improcedente o recurso interposto pelo Recorrente D... – Máquinas de Diversão, S.A., e, em consequência, decido manter a aplicação da coima de €2.500,00 nos exactos termos que constam da decisão administrativa.
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O Ministério Público, na 1ª instância, defende o julgado e, nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emite o douto parecer que adiante se vai inserir.
A tal parecer, a arguida veio responder, mantendo o seu anterior entendimento.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.

As questões trazidas pela recorrente são, afinal, as seguintes:
– Saber se foi ou não exercido o seu direito de audição de prévia, ou seja, o contraditório, por não lhe haver sido revelados os elementos objectivos e subjectivos da infracção
- Saber se foi ou não apreciada a questão da competência da entidade acoimante, por o Director Nacional da PSP não possuir competência para aplicar a coima, inexistindo lei de habilitação
- Saber se houve omissão de pronúncia por não ter havido apreciação.
Relativamente a todas e cada uma das questões colocadas pela arguida, é emitido o seguinte parecer pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto, Ribeiro Soares:
3.É sabido que o presente recurso conhece apenas de direito, tendo em vista o disposto no art. 75 do DL 433/82 de 27/10.
Nos termos do mesmo normativo, é lícito ao Tribunal de recurso “Alterar a decisão do tribunal recorrido, sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido da decisão recorrida”, com salvaguarda do princípio da reformatio in pejus”.
3.1 A primeira questão colocada pela recorrente tem a ver com o exercício pela sua pessoa do direito de audição prévia previsto no artigo 32, n.º10 da CRP e artigo 50 do RGCO. Em anotação a este predito normativo, escrevem Simas Santos e Lopes Sousa, in contra-ordenações, anotações ao Regime Geral, ed. de 2001, pág. 293 “Apesar da epígrafe deste art.º 50º se aludir aos direitos de audição e defesa, o texto do artigo reporta-se apenas ao direito de audição, que tem como corolário a proibição de aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre”.
Diz a arguida que tal direito não lhe foi consignado.
Não lhe assiste razão, segundo o nosso ponto de vista. Por o processo demonstrar que tal direito, no seu conteúdo, não só formalmente, lhe foi conferido.
Basta atentar na notificação que lhe foi feita no dia 07/02/2013 e que se acha documentada a fls. 111 e verso. Como aí se fez constar, à arguida no acto de notificação foi-lhe entregue o auto de notícia, bem assim, uma cópia do exame pericial.
O auto de notícia acha-se a fls. 3 e o exame referido a fls. 36 a 41. Este revela o objecto a examinar – uma máquina extractora de cápsulas de pequenas dimensões constituída por 2 corpos, as suas características exteriores, o seu modo de funcionamento e termina com a revelação das conclusões e respectivo enquadramento legal. Nas conclusões, diz que o objecto em causa “serve para a prática de um jogo de fortuna ou azar, pois o jogador aposta dinheiro na esperança de ganhar um prémio pecuniário de maior valor, sendo que quaisquer dos resultados possíveis dependem única e exclusivamente da sorte…” – vd. fls. 40.
Note-se que à arguida já havia sido dado a conhecer o auto de notícia e apenas este, a 15/10/2012, como resulta de fls. 96 e verso, tendo essa notificação suscitado por sua parte a arguição da nulidade da notificação, como decorre de fls. 101, tendo então a autoridade administrativa procedido à notificação supra referida, desta forma lhe juntando o relatório do exame pericial.
Por isso, a arguida com tal notificação ficou cinte dos factos e do direito e sobre eles e este se podia ter pronunciado. Aliás, foi o que concretizou através do seu requerimento de fls. 112 e seguintes, onde reeditou a verificação da nulidade, nos mesmos moldes, acrescentando, contudo, uma defesa de facto: que entregou a máquina à exploradora do café não dando a máquina quaisquer prémios em dinheiro, mas sim “figuras laminadas” e que agiu sem consciência da ilicitude porque à altura tinha uma autorização do Governo Civil de Lisboa para a explorar. E em face desta argumentação, peticionou, inclusive, o arquivamento do processo por inexistência de contra-ordenação.
Demonstrado está o exercício efectivo pela arguida do contraditório relativamente a uma imputação concreta que lhe foi feita e que bem conhecia.
Daí a sua falta de razão na crítica que lança à decisão recorrida.
3.2 E não se diga que na notificação citado importaria concretizar o elemento subjectivo da infracção.
De facto, não se apresenta imprescindível mencionar na comunicação da infracção à arguida qualquer referência ao elemento subjectivo, sendo isso sim indispensável que aquela conheça os factos que lhe são imputados para que sobre eles possa eficazmente exercer o contraditório. Um auto de notícia não é ainda uma acusação. A imputação a um arguido por uma autoridade administrativa de uma contra-ordenação e subsequente estabelecimento do contraditório nos termos previstos no art. 50.º do RGCO não traduz ainda uma acusação pública, surgindo esta apenas com a apresentação ao juiz dos autos remetidos pelo Mº Pº na sequência da apresentação de impugnação judicial da decisão administrativa nos termos do art. 62.º do mesmo diploma legal. “ O respeito pelos direitos de defesa e contraditório bem como o princípio da presunção de inocência não impõem a observância no procedimento e decisão administrativa do mesmo grau de exigências formais impostas a uma decisão judicial produzida no termo de um processo moldado por compreensível maior rigidez reivindicada pela condição e natureza de instrumento último de tutela dos direitos fundamentais. Sendo a forma o primeiro instrumento contra o arbítrio e irmã gémea da liberdade (na formulação conhecida de Jehring), compreende-se, no entanto, que, diferentemente do pretendido pela recorrente, nem todas as regras procedimentais especificamente impostas no processo penal sejam transponíveis para a fase inicial do procedimento contra-ordencional conducente à prolação da decisão pela autoridade administrativa. De resto, o próprio direito de impugnação judicial da decisão condenatória proferida pela autoridade administrativa é expressão daquela diferenciação, garantindo a via judiciária no acesso ao direito e tutela dos direitos fundamentais” – vd. acórdão da Relação de Évora, de 11/10/2011, proc. 892/09.8TBABF.E1, relatora desembargadora FÁTIMA MATA-MOUROS.
No sentido por nós exposto, pode ainda ver-se o recente acórdão desta Relação, de 06/05/2013, proc. 5934/12.7TBBRG.G1, sendo relator o desembargador Lee Ferreira.
Também aqui a sem razão da recorrente.
3.3 Consigna a arguida que se verifica uma omissão conducente a uma nulidade processual por não haver a sentença criticada apreciado a questão da incompetência do agente acoimante no sancionamento que sobre ela recaiu, por inexistência de lei habilitante.
Cremos que arguida aqui também não tem razão, isto sempre com a salvaguarda de melhor e mais avisado saber.
Recorda a sentença – vd. fls. 209, o disposto no art. 164 do DL 422/89 citado, referindo o seu n.º1: “O membro do Governo responsável pela área da administração interna pode delegar, com faculdade de subdelegação, a competência que lhe atribuída pelos artigos 159 a 163, nomeadamente a aplicação de coimas e respectivas sanções acessórias”.
E relembra aquela que a decisão acoimante foi obra do Director Nacional Adjunto do departamento de Segurança Privada da PSP – Unidade Orgânica de Operações e Segurança, a quem o Director Nacional da PSP havia delegado poderes por seu despacho 5134/12, de 13/04/2012, Director Nacional que, por sua vez, havia recebido poderes do membro do Governo responsável pela administração interna, o Sr. Ministro da Administração Interna, por seu despacho de 30/11/2001, com o n.º 16425-A/2011, todos eles publicados no DR.
Decorre do exposto, que a questão da competência da entidade acoimante foi efectiva e realmente considerada.
3.4 E quanto à omissão de pronúncia que é dita pela recorrente e relativa à defesa que apresentou?
Cremos que aqui lavra em erro a arguida. Vista a decisão foi dado como não provado que “O mecanismo cedido pela recorrente apenas atribuía vales de desconto para a aquisição de figuras laminadas” (fls. 204).
Ora, esta factualidade foi a que a recorrente alegou na sua impugnação judicial na sua conclusão XX.
Significa esta precisa e relevante circunstância que ao invés do que é apregoado pela arguida, a parte crucial da sua defesa foi ponderada e realmente considerada na decisão posta em apreciação.
Na sua impugnação – a contestação à acusação que é a decisão administrativa – em momento algum alude a qualquer mecanismo da máquina examinada, à sua viciação ou desaparecimento do mesmo.
Note-se que o presente recurso versa exclusivamente sobre matéria de direito como acima se deixou exarado.
4.Em conclusão, somos de parecer que, efectivamente, o procedimento contra-ordenacional não padece de nulidade, que a sentença não possui qualquer nulidade, devendo confirmar-se a decisão recorrida.

Face a este douto trabalho, seria perda de tempo estar a procurar dizer por outras e menos sábias palavras o que lapidarmente está dito.
E assim, na plena adesão a tal parecer, temo-lo como fundamentação bastante da falta de razão da recorrente, pois que a sentença não é nula nos termos propugnados neste douto parecer, do mesmo modo que tem que se acolher o entendimento quanto ao pleno exercício do direito de defesa e da delegação de poderes, e bem assim sobre a inexistência da omissão de pronúncia.

DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em se julgar o recurso improcedente, e em consequência, mantendo-se integralmente a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, com 4 (quatro) UC´s de taxa de justiça.
Guimarães, 1 de Dezembro de 2014