Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2541/14.3PBBRG.G1
Relator: JOÃO LEE FERREIRA
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
NÃO REALIZAÇÃO DE PROVA
NOTIFICAÇÃO MERAMENTE VERBAL
CONSEQUÊNCIAS NA VALIDADE DA PROVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Sumário: A utilização, seja por mero lapso ou não, de uma notificação meramente verbal ao condutor examinando sobre a possibilidade de realização da contraprova, numa situação em que seria possível a realização dessa mesma notificação por escrito, constitui a infracção de uma regra de procedimento, desde que, como no caso dos autos aconteceu, essa notificação, ainda assim, tenha permitido o exercício de modo eficaz desse meio de defesa.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães,

1. Nestes autos de processo especial abreviado n.º 2541/14.3PBBRG da instância local e comarca de Braga, o arguido José L. sofreu condenação pelo cometimento em autoria material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º n.º 1 e 69.º n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de setenta dias de multa, à razão diária de oito euros e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de cinco meses.

2. Inconformado, o arguido interpôs recurso e das motivações extraiu as seguintes conclusões (transcrição) :

1. O arguido interpõe o presente recurso da sentença que o condenou como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e pp. art. 292°, nº 1 do Código Penal (CP), na pena de 70 dias de multa à taxa diária de €8,00, bem como na pena acessória de inibição de conduzir veículos com motor pelo período de cinco meses.

2. Dispõe o art. 153°, n.º 2 do Código da Estrada (CE) que caso o exame de pesquisa de álcool no ar seja positivo, deve a autoridade ou o agente de autoridade deve notificar o examinando, por escrito ou, se tal não for possível, verbalmente de que pode, de imediato, requerer a realização de contraprova e que o resultado desta prevalece sobre o do exame inicial.

3. Ora, da notificação do resultado do teste quantitativo no alcoolímetro DRAGER realizada ao arguido, a fls, 10, campo 3, resulta omissa a notificação ao arguido de que este poderia requerer a dita contraprova. O arguido não foi notificado da possibilidade de lhe ser realizada contraprova, o que é positivamente comprovado pela ausência escrita de referência a tal no auto de notícia, O que consubstancia omissão de formalidade legal obrigatória - vd. art. 170°, nº 1, al. b) CE.

4. A recolha de ar para pesquisa de álcool, bem como a colheita de sangue, respeitam à integridade tisica de cada qual e à nossa própria dignidade, permitindo que a pessoa seja usada como um meio probatório na prossecução de finalidades de pacificação criminal - o que apenas é admitido restritivamente, e nas circunstâncias fechadas e claramente delimitadas pela lei, em obediência ao art. 18° CRP.

5. A prova recolhida sem notificação ao arguido para realização de contraprova viola o disposto no art. 153°,nº 2 CE, bem como o disposto no art. 32°, n.º 1 CRP, ao não oferecer ao arguido as garantias de sua defesa, igualdade de armas, contraditório e processo equitativo de lei, cerceando os seus direitos de defesa num momento de fragilidade deste e aproveitando-se do seu desnorte e desconhecimento das suas garantias, desacompanhado que estava do seu mandatário, exausto que estava regressado do trabalho, consubstanciando igualmente método proibido de prova, nos termos do art. 126°, n.º 1 CPP.

6. É, nesta medida, nula e inconstitucional a prova recolhida nos autos por violação do disposto no art. 153°, n.º 2 CE e 32°, nº 1 CRP - no mesmo sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proc. nº 359/13.0GAALB.C1.

7. Subsidiariamente, e sem prescindir, a mesma violação do art. 153°, nº 2 CE configura a omissão de um acto legalmente obrigatório o que determina a insuficiência de inquérito, bem como a inerente omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade - porquanto o novo resultado teria a potencialidade de infirmar o primeiro.

8. Subsidiariamente e sem prescindir, dispõe o anexo à Portaria n.º 1556/2007 que o erro máximo admissível, ultrapassada uma TAS de 2,000, é de 300/0.

9. Pelo que o valor registado no talão emitido pelo alcoolímetro deve, pois, em consonância ser corrigido nos presentes autos através da dedução de 30% (0,75), vindo corrigida a matéria de facto dada como provada sob o n.º 1 para a imputação ao arguido de uma TAS de 1,75 g/l, um valor consonante com as pertinentes e citadas disposições legais.

10. E, em consequência, deve ser recalculada a medida da pena e da sanção acessória atenta a diminuição em 30% do grau de culpabilidade do arguido e a sua ausência de antecedentes criminais para um número de dias de multa situado na primeira metade da moldura penal aplicável ao crime em questão e para uma sanção acessória de inibição de condução nunca superior a três meses.”

O Ministério Público, por intermédio do magistrado na instância local de Braga, apresentou resposta, invocando que improcedem todos os fundamentos do recurso e concluindo que a decisão recorrida deve ser integralmente mantida.

Neste Tribunal da Relação de Guimarães, o Exm.º. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso mão merece provimento.

Recolhidos os vistos do juiz desembargador presidente da secção e da juíza desembargadora adjunta e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

3. Como é dado assente, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, onde sintetiza as razões de discordância do decidido e resume as razões do pedido, naturalmente que sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso (art.ºs 402.º, 403.º e 412.º n.º 1 do Código do Processo Penal) .

Assim, as questões suscitadas pelo arguido são fundamentalmente as seguintes: a) Saber se houve nos autos preterição da notificação ao arguido da possibilidade de realização de contraprova e quais as consequências para a validade da prova por teste de pesquisa de álcool no sangue; b) Saber deve ser modificado o valor da taxa de alcoolemia no sangue constante da decisão da matéria de facto por dedução do erro máximo admissível.

4. Na sentença ora recorrida o tribunal julgou provados os seguintes factos: (transcrição):

1- No dia 15/12/2014, pelas 07H51M, no Largo de S. Tiago, em Braga, o arguido, sendo portador de uma taxa de álcool no sangue registada de 2,50 g/l, correspondente, pelo menos, a 2,30 g/l, deduzido o valor de erro máximo admissível, tripulava o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula …..

2- Tal taxa de álcool resultou da ingestão voluntária de bebidas alcoólicas, por parte do arguido, quer durante o turno laboral durante a noite, quer durante o jantar-convívio de natal, em que esteve presente no restaurante onde trabalha.

3- Quando se sentou ao volante do referido veículo, o arguido sabia estar sob o efeito de álcool e que a TAS que o afectava era igual ou superior a 1,20g/l.

4- Contudo, indiferente a tal situação, não se coibiu de tripular o veículo, na deslocação para casa que se propôs fazer, agindo livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida.

Mais se provou que:

5- A supra referida taxa de álcool registada foi apurada, na sequência de fiscalização realizada por agente da PSP de Braga, através da realização de teste de exame de pesquisa de álcool no sangue, através do método de ar expirado, no aparelho Dräger, modelo 7110 MKIII P.

6- Notificado do resultado de tal exame, o arguido declarou não pretender a realização de contraprova, facto que todavia não foi devidamente assinalado pelo agente autuante no documento de fls 10.

7- O arguido tinha estado durante a noite, no Restaurante “Casa…”, sito na Rua …, em Braga, que explora e onde trabalha, como cozinheiro, em que se realizaram costumeiros jantares de natal. Após o encerramento do turno de refeições, levado a cabo no seu restaurante, o arguido permaneceu no referido no estabelecimento, procedendo ao jantar de natal do dito restaurante e de um outro restaurante vizinho (Restaurante …), contando com a presença dos trabalhadores de ambos os restaurantes.

8- O arguido é empresário da área da restauração, explorando os referidos restaurantes,exercendo as funções de cozinheiro no primeiro.

9- Vive com a mãe, em casa pertencente à família.

10- Como habilitações possui o 12º ano de escolaridade.

11- O arguido não possui antecedentes criminais.”

Na mesma sentença consta que o tribunal julgou não provado que (transcrição) :

“- O arguido afirmou aos agentes que pretendia a realização de contraprova.

- No momento da realização do exame de pesquisa de álcool no sangue, o arguido se encontrava sob o efeito de medicação, nomeadamente metoclopramida, que havia administrado durante e no fim do seu turno laboral.”

Na sentença recorrida consta ainda o seguinte (transcrição) :

O Tribunal baseou a sua convicção, na prova produzida em audiência, nomeadamente:

- Nos documentos existentes nos autos, cujo valor probatório adiante será melhor explicado, a saber:

- Auto de notícia de fls 3, ali se consignando a menção da efectiva notificação do arguido do resultado do teste, da faculdade de requerer contraprova e do facto de o arguido ter prescindido de tal formalidade.

- Talão de exame de fls 5;

- Notificação de fls 10;

- Certificado de registo criminal de fls 14.

- Declarações prestadas pelo arguido, quanto à sua situação socio-económica.

- No mais, o arguido prestou declarações, confessando no essencial a factualidade objectiva que lhe vem imputada, aludindo espontaneamente ao contexto dos factos, na forma apurada, admitindo ter efectivamente ingerido bebidas alcoólicas, quer durante a noite, com os clientes, quer durante o jantar de natal com os funcionários dos dois restaurantes que explora, admitindo mesmo que, de facto, ingeriu nessa noite significativamente muito mais bebidas alcoólicas do que habitualmente é costume ingerir. Mais referiu que, apesar disso optou por conduzir, na deslocação para casa, dado o curto trajecto que iria fazer e por se sentir no pleno uso das suas capacidades. Confirma depois, em declarações espontâneas, a fiscalização realizada, alegando ter ficado surpreendido com a taxa apresentada, alegando depois, a instâncias da defesa, que não sabia, nem foi informado, pelo agente, de que podia requer a realização de contraprova, pois, nesse caso, segundo alegou, teria requerido contraprova.

- A testemunha Luís P., agente da PSP, explicou o contexto em que procedeu à concreta fiscalização (da qual revela uma cabal recordação, pelos pormenores com os quais foi confrontado), os procedimentos relativos ao exame de pesquisa de álcool efectuado, referindo, de forma pormenorizada e que se afigurou credível, que o arguido prescindiu da realização de contraprova, dada o teor da elevada taxa apresentada, afirmando que certamente por lapso tal menção não ficou a constar do documento de fls 10 junto aos autos.

- Este depoimento, pela isenção que revelou, conjugado ainda com o teor do auto de notícia lavrado ali se certificando que os procedimentos foram cumpridos, quanto à realização de contraprova, infirmou as declarações, prestadas nesta matéria pelo arguido, naturalmente interessado, no âmbito da douta estratégia de defesa desenvolvida, em anular o valor probatório do exame de álcool efectuado.

Cumpra agora aferir do valor probatório do exame pericial realizado e conhecer das nulidades invocadas pela defesa, na sua contestação.

Invoca a defesa a nulidade do processado, por violação do disposto nos artºs 153º, nº 2 do CE, 32º, nº 1 e 8º da CRP e nos termos do artº 126º e 120º, nº 2, al. d) do CPP, com fundamento quer na falta de notificação do arguido para a prática de uma diligência de defesa essencial, que prevalece sobre a diligência de prova efectuada.

Nos termos do artº 153º, nº 2 do Código da Estrada, relativo à fiscalização da condução sob a influência de álcool, “Se o resultado do exame previsto no artº anterior foi positivo, a autoridade ou o agente de autoridade deve notificar o examinando, por escrito, ou se tal não for possível, verbalmente: a) do resultado do exame; b) das sanções legais decorrentes do resultado do exame; c) de que pode, de imediato, requerer a realização de contraprova e que o resultado prevalece sobre o exame inicial; d) de que deve suportar todas as despesas originadas pela contraprova, no caso de ser positivo.”

No caso em apreço, face à prova produzida em audiência, considera o tribunal, que, apesar de tal menção (a notificação do arguido de que podia requerer a realização de contraprova) não ter sido anotada no documento de fls 10, tal não significa que a faculdade conferida não tenha sido realizada - como de resto, se certifica no auto de notícia de fls 3 vº -, apenas não ficou documentada essa notificação e essa declaração do arguido no documento de fls 10.

Aliás a defesa é mesmo contraditória, pois que alega na contestação, não que o arguido não tivesse sido informado da faculdade de requerer contraprova, mas antes que o arguido declarou aos agentes pretender a realização de contraprova (se assim foi é porque foi disso informado) e que tal facto lhe foi negado, o que é substancialmente diferente, alegação ao arrepio de toda a prova e que, nem o arguido, nas declarações que espontaneamente prestou em audiência, sustentou.

Temos pois como seguro que o arguido foi devidamente informado da faculdade de realizar a contraprova – conclusão fundada quer no depoimento do agente Luís P., quer no consignado no auto de notícia, quer nas regras da experiência comum, sendo prática corrente que um agente policial experiente, repita os procedimentos de forma linear, não fazendo qualquer sentido, que o agente in casu não tenha terminado a fiscalização (omitindo a segunda fase dos procedimentos a seguir à notícia da taxa de álcool registada) – faculdade essa que não passou sequer, estamos certos, no horizonte do arguido, no momento da fiscalização, quer pelo adiantado da hora, pretendendo regressar a casa o mais rápido possível, depois de uma longa noite no estabelecimento em causa e a realização de novo teste implicar, naturalmente, o prolongar dos procedimentos necessários à fiscalização; quer pelo próprio teor da taxa apresentada (facto que o arguido confirma ter-lhe sido comunicado, fiquei até surpreendido) e do reduzido benefício, a existir, que a realização de novo exame lhe poderia trazer.

Entendemos pois que a defesa apenas pretende aproveitar e retirar benefício de um mero lapso, que de facto se constata existir no documento de fls 10, que, não traduz a omissão do próprio acto, nem afecta o valor probatório do exame pericial efectuado, juízo técnico, subtraído à livre convicção do julgador e a que o tribunal se encontra vinculado (artº 163º do CPP).

Neste contexto e nesta avaliação da prova, resultaram provados e não provados os factos acima elencados, sendo que, relativamente à prévia administração de outras substâncias, à data dos factos, não foi produzida qualquer prova a esse respeito, nem sequer por espontânea declaração do próprio arguido.

Relativamente ao desconto das margens de erro no resultado da TAS registada, é consabido que a jurisprudência actualmente maioritária, vem decidindo que “Após a redacção dada ao art. 170 do Código da Estrada, pela Lei nº 72/2013, na fixação do teor de álcool no sangue feita através de pesquisa de álcool no ar expirado, deve atender-se ao valor registado no aparelho depois de deduzido o erro máximo admissível (EMA), a que a lei chama “valor apurado”, prevalecendo este”. – Cfr Ac. Rel. Guimarães, de 01/12/2014, in www.dgsi.pt., sendo pois aplicáveis, à taxa registada, os valores de EMA constantes da Portaria nº 1556/2007, de 10/12.

E no caso concreto, entendemos que estes valores foram respeitados, realçando-se que as percentagens constantes da referida, levam em conta a TAE (teor de álcool no ar expirado, aferido em mg/l (e não em gramas/litro), pelo que a operação de desconto invocada pela defesa se encontra ferida deste falso pressuposto.

Assim, tendo por referência a TAS registada de 2,50 g/l, nada se nos oferece alterar, em sede de matéria de facto, relativamente à dedução do valor de erro máximo admissível, imputado na acusação, o qual se afigura conforme aos procedimentos legais em vigor, nem sequer cabendo a este tribunal do julgamento aferir se o erro máximo poderia ser in casu maior ou menor, a não ser que daí resultasse manifesto prejuízo para a defesa, v.g., caso daí resultasse a descriminalizar a conduta, o que não é o caso.”

5. O arguido não contesta que conduziu um veículo automóvel depois de ter ingerido bebidas alcoólicas, que em acção de fiscalização pela autoridade policial realizou o teste de pesquisa de álcool no ar expirado e que o resultado apresentado pelo aparelho foi uma TAS de 2,5 g/L.

A questão a decidir neste âmbito consiste fundamentalmente em saber das consequências a extrair da omissão no texto de notificação do arguido após a realização do teste de pesquisa de álcool e que se encontra a fls. 10, da possibilidade do ora recorrente requerer de imediato a realização de contraprova.

No caso vertente, o tribunal julgou provado, com fundamento no teor inequívoco da inscrição constante do auto de notícia (fls. 3 verso) e no depoimento do agente autuante Luís M. que na realidade o agente da PSP efectuou essa notificação, sendo que o arguido respondeu na ocasião que não pretendia realizar exame de contraprova.

O arguido recorrente não impugnou a decisão da matéria de facto em nenhum dos dois planos consentidos pelos artigos 410 n.º 2 e n.º 4 e 412.º , ambos do Código do Processo Penal.

Em nossa apreciação, a motivação da sentença recorrida contem o raciocínio dedutivo que justifica a opção neste âmbito e não encontramos erro de racionalidade ou a infracção de regras normais de experiencia comum, nem fundamento que nos faça divergir da decisão recorrida e nos imponha uma decisão diferente.

Ou seja, deslindando o que não deve ser confundido, temos como provado que foi dado conhecimento ao arguido da possibilidade de requerer a contraprova e a inconformidade consiste na omissão de uma notificação por escrito para o exercício desse meio de defesa, através da devida sinalização no documento impresso e “pré preenchido” para esse efeito A situação em apreço nos presentes autos revela-se muito distinta da realidade que esteve subjacente na apreciação do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21-05-2014, rel. Isabel Silva, proferido no proc. 359/13.0GAALB.G1, in www.dgsi.pt, que o recorrente cita na motivação e na 6ª conclusão do recurso: No circunstancialismo de facto desse processo, constava claramente no documento de notificação uma declaração escrita do próprio arguido-condutor de que pretendia a realização da contra prova. Daí que o Tribunal da Relação de Coimbra tenha decidido que A não realização da contraprova, no caso em que existe declaração de vontade do visado em sentido contrário - corporizada em documento elaborado por órgão de polícia criminal, com a qualificação de autêntico (artigos 363.º, n.º 2, e 369.º, n.º 1, do CC), em relação ao qual não foi suscitada falsidade -, remete para o princípio in dubio pro reo, por não poder considerar-se provado qual o valor da TAS de que o arguido era portador, impondo-se, em consequência, declaração de absolvição.

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Em nosso entendimento, a situação vertente não configura seguramente a verificação de um método ou meio proibido de prova.

Com efeito, o art. 126º do Código de Processo Penal disciplina nos nºs 1 e 2 as provas absolutamente proibidas e no nº 3 as provas relativamente proibidas. As primeiras não podem ser utilizadas nunca, as segundas podem ser utilizadas nos casos previstos na lei, ou seja, desde que respeitadas as regras estabelecidas na lei para a intromissão nos direitos tutelados

As proibições de prova estabelecem limites à actividade de investigação e constituem fundamentalmente um meio ou instrumento de tutela dos direitos individuais dos cidadãos que visam impedir ou dissuadir intromissões abusivas e desnecessárias das autoridades judiciais e policiais. Sendo este um campo onde se afirma com particular relevo o princípio da ponderação de interesses, impõe-se estabelecer níveis de concordância prática entre os direitos individuais que poderão ser atingidos ou sacrificados e a prevenção e repressão da criminalidade: “entre o interesse público na perseguição penal e o interesse público também da tutela de determinados interesses, a ordem jurídica opta por uns ou outros, conforme considere que devem predominar. Com efeito, a perseguição penal não é, necessariamente, o interesse preponderante da vida em sociedade. Por isso, os meios utilizados em ordem à repressão penal têm de acomodar-se aos princípios jurídicos que predominam num dado momento e aos valores fundamentais da nossa civilização” (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Verbo, II, 1993, pag. 103).

Haverá contudo de estabelecer distinção delimitando as fronteiras entre as proibições de prova e as meras regras de produção de prova: as primeiras, constituem, como já exposto, “barreiras colocadas à determinação dos factos que constituem objecto do processo” e estabelecem ou prescrevem um limite à descoberta da verdade; por outro lado, as regras de produção de prova são normas que estabelecem os procedimentos necessários para que a prova seja executada de modo regular.

Nessa medida, ou porque estas últimas se destinam afinal a tutelar ou salvaguardar direitos ou interesse distintos, ou porque a gravidade do vício daí decorrente não justifica o recuo do interesse no apuramento da verdade, impõe-se considerar a prova como admissível. Neste ultimo caso, a violação das normas ordenadoras reclama a aplicação do regime processual geral das nulidades (artigos 118 a 123º Código de Processo Penal) e seria susceptível de ser catalogada ainda no campo das meras irregularidades processuais (neste sentido Manuel da Costa Andrade, Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra Editora, 1992, pág. 83 a 86 e Germano Marques da Silva, obra citada pag.103 a 104).

Nestes termos, a utilização, seja por mero lapso ou não, de uma notificação meramente verbal ao condutor examinando sobre a possibilidade de realização da contraprova, numa situação em que seria possível a realização dessa mesma notificação por escrito, constitui a infracção de uma regra de procedimento, desde que, como no caso destes autos aconteceu, essa notificação, ainda assim, tenha permitido o exercício de modo eficaz desse meio de defesa.

Neste circunstancialismo concreto, a menor gravidade do vício não justifica o recuo do interesse no apuramento da verdade e impõe-se considerar a prova como admissível.

Considerando ainda que o arguido beneficiou da oportunidade de requerer a realização de contra prova, pôde suscitar a irregularidade na ocasião, teve a possibilidade de apresentar contestação e os meios de prova que entendesse adequados em audiência de julgamento sujeita ao princípio do contraditório, concluímos que a preterição da redução a escrito da notificação para realização da contraprova tenha constituído uma diminuição inadmissível das garantias de defesa do arguido, consagradas no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.

Em conclusão, não se vislumbra nulidade nem inconstitucionalidade na produção de prova destes autos e improcede o recurso do arguido neste.

6. Recorde-se que o procedimento de fiscalização da condução sob influência de álcool ou de substâncias psicotrópicas consta dos artigos 152.º e seguintes do Código da Estrada e que o artigo 8.° do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria 1556/2007, de 10 de Dezembro estabelece os erros máximos admissíveis (EMA) nos exames efectuados pelos alcoolímetros aprovados.

O Código da Estrada e o Código Penal estabelecem limiares para diferenciação de penalidades, em função do valor da alcoolemia, medido em gramas por litro (g/L) do Teor de Álcool no Sangue (TAS). Assim aconteceu nestes autos e o aparelho alcoolímetro utilizado mediu e apresentou como resultado 2,50 g/L TAS

Os erros máximos aplicáveis (EMA) são fixados na tabela em anexo da Portaria 1556/2007, em função do TAE - teor de álcool no ar expirado e não em função do TAS.

Assim, na operação de dedução do erro máximo aplicável ao teor de álcool no sangue quantificado pelo alcoolímetro, é indispensável que seja aplicado o factor de conversão previsto no artigo 4.º da Lei n.º 65/98 de 2 de Setembro e no art. 81º, nº 4 do Código da Estrada, ou seja, que 1 mg de álcool por litro de ar expirado [TAE] é equivalente a 2,3 g de álcool por litro de sangue [TAS] Podem ser encontrados esclarecimentos neste âmbito no estudo “Controlo Metrológico de Alcoolímetros no Instituto Português de Qualidade”, de M. Céu Ferreira e António Cruz, acessível in http://www.spmet.pt/Eventos/Encontro2/Alcoolimetros_MCFerreira.pdf. Vide ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08-07-2015, Vasques Osório, proc. 171/13.6GTLRA.C1, in www.dgsi.pt. . .

O arguido vem persistindo no erro de confundir as duas unidades e de reivindicar a aplicação directa de uma tabela expressa em TAE ao resultado de um exame expresso em TAS.

O teste de pesquisa álcool no sangue do arguido revelou um resultado de 2,50 g/L TAS (cfr. fls. 5); Convertendo TAS em TAE pela aplicação do factor de conversão, obtemos (2,50 : 2,3)= 1,086 TAE. Recorrendo à tabela anexa da portaria temos de aplicar a previsão para uma TAE compreendida entre 0,4 e 2, assim obtendo um erro máximo admissível de 8%. Deduzindo o EMA ao valor registado [2,50 – (2,50 x 0,08) =] apuramos o valor de TAS 2,30 g/L, precisamente, o que consta nos factos provados da decisão recorrida.

Note-se que o “erro máximo” de 30%, que o recorrente pretendia ver-lhe aplicado, encontra-se previsto na tabela para uma TAS igual ou superior a 4,60…

Não há qualquer razão para correcção do valor utilizado na sentença destes autos, nem fundamento para redução da pena principal ou da pena acessória.

7. Em caso de decaimento ou improcedência total do recurso, há lugar a responsabilização do arguido-recorrente nas custas pela actividade processual a que deu causa, compreendendo a taxa de justiça e os encargos (artigos 513º e 514º do Código de Processo Penal, na redacção do Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro).

Tendo em conta o disposto no artigo 8º nº 5 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais e a complexidade do processo, considera-se justo e equitativo fixar a taxa de justiça devida em quatro UC.

8. Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso do arguido e em manter na íntegra a sentença recorrida.

Condena-se o arguido nas custas do recurso com quatro UC de taxa de justiça, sem prejuízo da protecção jurídica de que beneficia.

Guimarães, 17 de Dezembro de 2015.