Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3158/11.0TJVNF-H.G1
Relator: ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: INSOLVÊNCIA
RESOLUÇÃO
CONTAGEM DOS PRAZOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/23/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1) A resolução em benefício da massa insolvente, pode ser efetuada pelo administrador da insolvência por carta registada com aviso de receção nos seis meses seguintes ao conhecimento do ato, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência;
2) O prazo conta-se a partir do conhecimento do ato resolúvel por parte do administrador da insolvência e não do conhecimento dos requisitos necessários à existência do direito de resolução dos atos em causa.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
A) Avelino O e esposa Maria J vieram instaurar contra a Massa Insolvente de Pousaconstruções, Lda, ação para impugnação da resolução em benefício da massa insolvente, onde concluem dever a impugnação proceder e, por conseguinte:
a) Ser declarada a prescrição da resolução em benefício da massa insolvente;
b) Ser declarada nula a resolução por falta de preenchimento dos seus requisitos materiais; caso assim não se entenda,
c) Ser revogada a resolução em benefício da massa insolvente por ausência da verificação dos respetivos pressupostos e por conseguinte manter-se válida e eficaz a venda.
A Massa Insolvente de P, Lda, apresentou contestação onde conclui entendendo deverem as exceções invocadas improceder e a impugnação ser julgada improcedente, por não provada e, em consequência, manter-se a resolução da compra e venda dos dois imóveis, referidos nos artigos 1º, 2º e 3º da petição inicial declarando-se aquelas compras e vendas ineficazes relativamente à massa insolvente.
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B) Realizou-se audiência prévia, foi elaborado despacho saneador e fixados os temas de prova.
Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença onde se decidiu julgar a ação improcedente, mantendo a declaração de resolução em benefício da massa insolvente.
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C) Inconformados com a decisão, vieram os autores Avelino O e Maria J interpor recurso, que foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo (fls. 210).
Nas suas alegações, os apelantes Avelino O e Maria J, formulam as seguintes conclusões:
I – A SENTENÇA RECORRIDA
1ª Os recorrentes instauraram contra a Massa Insolvente de P, Lda., ação para impugnação da resolução de ato em favor da massa tendo sido, porém julgada totalmente improcedente;
2ª Os recorrentes pretendem ver reapreciada a matéria de facto por entenderem terem sido provados e que o Tribunal recorrido entendeu não subsumir à matéria de facto, atenta a prova produzida.
3ª Deveriam ter sido dados como provados os Pontos nºs. 4 e 5 da matéria de facto dada como não assente, com base no relatório de fls. 123 a 136 dos autos principais, de 27-01-2012, elaborado com pela Sra. Administradora de Insolvência, juntamente com o seu depoimento, daí se concluindo que a mesma teve conhecimento da existência de negócios efetuados pela Insolvente que poderiam ser resolvidos um ano antes da resolução operada, mais se concluindo que, se a Sra. Administradora de Insolvência agiu apenas quando recebeu os elementos dos contratos (e afirmando que teve acesso a todos os elementos da insolvência, bem como a informações, que presumem verbais, por parte dos trabalhadores), tal não pode significar falta de conhecimento, pois tal facto é contrariado, quer pelo relatório dos autos, quer pelas próprias declarações da mesma;
4ª Deveria também ser dado como provado o Ponto nº 15 da matéria de facto não provada, pois a prova testemunhal apurada aponta exatamente em sentido contrário, como foi o depoimento da testemunha António Manuel Oliveira e Sousa refere um dos motivos para a venda se prendeu com a injeção de capital, consignando ainda que era prática corrente e em momentos anteriores ao da aquisição dos imóveis em crise, pelo não se tratou de uma forma de dissipação de bens e acautelamento de algum risco que adviesse da atividade da empresa; no mesmo sentido apontou a testemunha João Augusto Magalhães, que referiu que o dinheiro da venda entrou nos cofres da Insolvente, acrescentando ainda que o autor marido ficou credor da mesma em cerca de €70.000,00, devidos aos vários suprimentos que ia efetuado, mesmo quando a empresa encerrou, o que nos leva concluir que caso o recorrente marido quisesse efetuar outra coisa que não fosse “entrar com dinheiro fresco”, teria adquirido os imóveis sem se dar ao trabalho de depositar os montantes devidos pela compra, como forma de saldar a divida que a Insolvente teria para com o Recorrente; deveria ainda ter sido valorizado os extratos bancários que demonstram o efetivo pagamento e entrada do dinheiro na conta da empresa;
5ª Deveria ter sido ainda como provados os Pontos 16, 17 e 18, da matéria de facto não provada (que os recorrentes optaram por aglomerá-los, uma vez que entendem serem de difícil dissociação), pois há prova mais que suficiente que permitam tirar outra conclusão da que o Tribunal recorrido extraiu:
6ª Quanto ao preço pago, a prova de pagamento encontra-se documentalmente assente, pelos documentos juntos na petição inicial e respetivos extratos bancários;
7ª Quanto ao valor de mercado, bem como quanto à desvalorização dos mesmos, caso fossem alienados agora, também existe prova testemunhal cabal e suficiente que demonstram que os referidos imóveis não foram adquiridos por verbas irrisórias – veja-se o depoimento da testemunha Daniel N, Engenheiro Civil e perito avaliador que concluiu que o preço de venda era adequado ao valor de mercado, na altura da realização do negócio e que caso o mesmo imóvel fosse vendido nos dias de hoje o valor seria inferior, ou ainda da testemunha António S, referindo que os prédios foram vendidos dentro do valor de mercado, dando ainda exemplos a vendas de outros imóveis efetuadas no mesmo local, demonstrando que não existia qualquer favorecimento aos recorrentes;
8ª Acresce que não foi produzida outra prova que apontasse em sentido contrário, tendo apenas a Sra. Administradora de Insolvência referido que optou pela resolução pelo facto de ter tido conhecimento pela mandatária dos trabalhadores que o valor da venda era inferior ao de mercado, mas sem conseguir concretizar em tal afirmação;
9ª Quanto à vontade em manter a sua atividade laboral, indicam os autos que a Insolvência foi requerida por um credor, não tendo sido a própria empresa a apresentar-se à Insolvência, acrescido ainda do depoimento das testemunhas Daniel N referindo que a empresa passava por dificuldades mas não esperava o desfecho que redundou na sua insolvência, apontando no mesmo sentido as testemunhas João A e António S;
10ª De resto a testemunha José O, antigo trabalhador da empresa, referiu que, na altura em que a empresa encerrou, ainda estava a construir moradias o que claramente indicia que era intenção da Insolvente continuar a desenvolver a sua atividade, não obstante as dificuldades económicas que padecia;
11ª Acresce ainda que, em processo similar para impugnação de resolução em benefício da massa insolvente que correu termos no Tribunal Recorrido, designadamente no processo nº 3158/11.0TJVNF-G, em que eram Autores Luciana S e marido Sérgio F e ré a aqui recorrida, e em que as testemunhas de tais autores eram os dos aqui recorrente, o Tribunal convenceu-se que a insolvência da empresa foi uma surpresa para todos (cfr doc. nº 1 que ora se junta).
Com efeito, na referida sentença, na sua motivação de facto diz-se o seguinte:
“Motivação
(…) Pelo TOC da insolvente, José A foi dito, convincentemente que o dinheiro pago pelos dois imóveis entrou na contabilidade da empresa, de facto. Referiu, ainda, que a declaração de insolvência foi uma surpresa para todos, ele incluído, pois que tinham solicitado uma linha de crédito PME de 75 mil euros havia pouco tempo, não tendo conhecimentos de dificuldades de tesouraria.
(…) Por António Sousa, administrativo da insolvente, e tio da autora mulher, foi dito que era ele quem recebia o valor das tranches, em dinheiro, para pagamento dos imóveis. Fazia o mesmo para todos os contratos celebrados pela empresa. Afirmou que a empresa tinha dificuldades pontuais, em virtude da quebra no sector imobiliário, mas que mantinham perspetiva de continuar a construir, não sendo a insolvência uma ideia presente ou esperada;
12ª Na mesma sentença, na parte aí referida sob a epígrafe “relação de parentesco entre a Insolvente e a autora mulher, da má-fé, e prejudicialidade do negócio para a massa insolvente”, o Tribunal concluiu da seguinte forma:
“Cumpre, ainda, apreciar da prejudicialidade dos negócios jurídicos para a massa insolvente.
(…) Por outro lado, e como decorre da totalidade da prova testemunhal ouvida a insolvência foi uma surpresa, mesmo para aqueles que trabalhavam dentro da P, pelo que é legítimo concluir que terá sido também para quem nela não exercia funções, apesar de familiares dos legais representantes, como é o caso dos autores.
13ª Deste modo, não há outra solução que não seja dar como provado os factos descritos supra pelos Recorrentes – pontos 4., 5., 15., 16., 17. e 18. – e, consequentemente, aditados à matéria de facto assente, devendo ainda ser dados como provados constantes dos pontos 23., 24., 25., 26. e 27. da matéria de facto dada como não provada, por serem conclusivos mas dependentes da matéria de facto vinda de discutir;
14ª O Tribunal “a quo” entendeu não estar verificada a exceção de prescrição da resolução em crise, sendo certo porém que, prescreve o artigo 123º do CIRE que a resolução extrajudicial pode ser efetuada por carta registada com aviso de receção nos seis meses seguintes ao conhecimento do ato, sendo que resulta claramente da matéria de facto assente que a Administradora da Insolvência teve conhecimento anterior aos ditos seis meses, pelo que os recorrentes entendem que o Tribunal “a quo” deveria ter considerado 27 de Janeiro de 2012 – data da elaboração do relatório da Sra. Administradora de Insolvência -, como o inicio do período no qual começaria a contar a data de conhecimento dos negócios ora resolvidos e não a data de Janeiro de 2013, como tendo tido o conhecimento dos contornos dos negócios;
15ª Este entendimento ora sufragado é aquele que coaduna com o intuito que o legislador pretendeu com a redação do artigo 123º do CIRE;
16ª Neste sentido veja-se Gravato de Morais (Resolução em Benefício da Massa Insolvente, Almedina, 2008 pág.159), ou ainda a orientação jurisprudencial, como seja o Acórdão da Relação do Porto, de 12-05-2014, relatado pelo Exmo. Sr. Desembargador Manuel Domingos Fernandes ou o Acórdão da Relação de Guimarães, de 10-04-2014, relatado pelo Desembargador Espinheira Baltar (e referido pela sentença recorrida como contraponto à decisão ora recorrida) – todos in www.dgsi.pt;
17ª Ou seja, o prazo de prescrição de seis meses deve contar-se da data do conhecimento dos negócios pelo Administrador de Insolvência, sob pena do mesmo prazo, nos moldes decididos da sentença “sub judice” ser subvertido e fosse permitido ao Administrador de Insolvência a dilatação do mesmo “ad aeternum” sob pena da violação do princípio da segurança dos negócios jurídicos;
18ª Pelo que dúvidas não restam que o prazo para a Sra. Administradora de Insolvência resolver os negócios jurídicas já há muito tinham prescrito (ou caducado, atendendo à divergência doutrinal e jurisprudencial existente sobre a natureza do prazo contido no artigo 123º do CIRE), uma vez que, tendo a mesmo tido conhecimento dos referidos negócios em Janeiro de 2012, não poderia, um ano depois, vir resolver os mesmos, pela extinção do seu direito de resolução, devendo ainda a sentença recorrida ser alterada, no que tange a esta parte;
19ª Quanto à decisão de o Tribunal “a quo” ter entendido a resolução operada pela Sra. Administradora de Insolvência cumpriu todos os requisitos prescritos no CIRE, os recorrentes entendem que não basta a mera remissão para o CIRE para fazer operar a resolução;
20ª - Com efeito, quer a doutrina quer a jurisprudência partilham, de forma pacífica esta ideia – veja-se Fernando de Gravato Morais (Resolução em Benefício da Massa Insolvente, Almedina, 2008 pág.54, 164), ou ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-09-2009, relatado pelo Conselheiro Mário Cruz, in www.dgsi.pt:
“I. Na notificação de resolução de negócio feita pelo Administrador em favor da massa, tem o Administrador de indicar os concretos factos fundamento da medida.
II. Só dessa forma está o impugnante em condições de impugnar a resolução.
III. A deficiência de fundamentação do ato não pode ser suprida em sede de contestação à ação de impugnação, com indicação de novo quadro factual ou outros vícios.”;
21ª No mesmo sentido, vide Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães, de 12-04-2011, relatado pela Desembargadora Maria Luísa Ramos, Relação do Porto, de 27-11-2012, sob o processo 4694/08.0TBSTS-O.P1, de 18-02-2013, sob o processo 462/10.8TBVFR-J.P1, de 11-03-2013, sob o processo 2756/09.6TBOAZ-D.P1, de 12-04-2013, sob o processo 2975/08.2TJVNF-D.P1, de 17-01-2012, sob o processo 2451/06.8TBVCD-E.P1 e de 24-11-2011, sob o processo 297/09.0TBCPV-E.P1, todos in www.dgsi.pt;
22ª - Compulsada a missiva, facilmente se constata que a recorrida, representada pela sua Administradora de Insolvência, não invocou nenhuma circunstância de facto que fizesse operar a resolução, pelo que, não o tendo feito, tal ato – a resolução condicional – terá de ser declarado nulo e manter-se por conseguinte.
23ª Mas mesmo que assim não se entenda e se opte pela fundamentação acolhida pelo Tribunal “a quo”, sempre se dirá que a resolução efetuada pela Sra. Administradora de Insolvência terá de ser declarada nula;
24ª Ora, o Tribunal “a quo” socorreu-se da orientação vertida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-04-2014, relatada pelo Venerando Conselheiro Pinto de Almeida, que sendo menos “exigente” do que os recorrentes defendem, não deixa de fornecer pistas sobre os elementos que uma carta de resolução em benefício da massa insolvente deve conter.
26ª Com efeito, no mesmo texto jurisprudencial diz-se o seguinte:
“(…) Sem querermos ser extremamente rigorosos no que tange às exigências substanciais da carta resolutiva, entendendo que a Lei embora não impondo que aquela seja exaustiva quanto à explanação dos fundamentos que consubstanciam a resolução, a mesma tem de conter o quantum satis para o cabal exercício daquele direito potestativo.
Assim, sem embargo de não se exigir para a respetiva efetivação abundantes justificações, não nos podemos bastar com uma mera alegação de prejudicialidade como a que foi enunciada nos pontos 4. e 5. da aludida carta, pois dessa proposição genérica não se poderá retirar, como consequência e sem mais, o surgimento desse direito potestativo (…).
É que, tal enunciação, destituída de qualquer elemento fáctico que nos possa conduzir à asserção de que, por qualquer forma entre os autores e a Insolvente foi o negócio havido em manifesto prejuízo da massa (…), não poderá valer, sem mais, como resolução, pois o destinatário tem de saber pelo menos, em termos suficientes, quais os factos que conduziram à destruição do negócio e que seriam suscetíveis de lhe porem fim.
(…) A justificação especificada, mas tardia, apenas aconteceu em sede de contestação, articulado este desadequado para o efeito, tendo em atenção a própria natureza da ação que tem por objeto pôr em causa uma resolução efetuada e nos precisos termos em que a mesma foi feita, não noutros que possam vir a ser trazidos aos autos e completamente desconhecidos do seu destinatário: este só poderá impugnar o que conhece e na medida do seu conhecimento, não podendo ser surpreendido com outra factualidade (…)".
Conclui-se assim que a resolução do contrato pelo AI, "embora não exija para a sua plena eficácia uma justificação completa que esgote todos os fundamentos, deverá contudo, conter os elementos fácticos suficientes que permitam ao destinatário saber o porquê da resolução, e essa suficiência deverá ser objeto de análise casuística";
27ª E continua o mesmo acórdão, já no que tange à análise concreta do recurso apreciado, pelo que a sua interpretação terá de ser feita por semelhança:
“(…) Como se referiu, decorre das normas legais acima citadas que são requisitos essenciais da resolução condicional:
- a prejudicialidade do ato para a massa insolvente;
- verificação desse ato nos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência;
- a má fé do terceiro.
Não se suscitam dúvidas, no caso, sobre a verificação do segundo requisito, tendo em conta a data do negócio (07.11.2008) e a data do início do processo de insolvência (27.03.2009).
Já assim não será no que respeita aos demais requisitos.
Parece excessivo que se exija que a declaração de resolução contenha uma exaustiva indicação de todos os factos que a justificam.
Todavia, essa declaração há-de integrar os factos concretos essenciais que revelem as razões invocadas para a destruição do negócio e permitam ao destinatário da declaração a sua posterior impugnação. Só nesta medida, conhecedor desses factos e razões, este terceiro fica em condições de os poder impugnar, como a lei lho permite.
Dizer-se que uma compra e venda é um ato prejudicial à massa insolvente, sendo óbvio que tal ato, inevitavelmente, diminui a satisfação dos credores constitui uma afirmação genérica e vaga que nada esclarece sobre esse invocado prejuízo.
Repare-se que seria, em princípio, sobre o AI que impenderia o ónus de alegar e provar os factos que fundamentam a resolução, como constitutivos do respetivo direito (art. 342º nº 1 do CC)[14], cabendo ao impugnante da resolução o correspondente ónus de contraprova (art. 346º do mesmo diploma).
Parece-nos, todavia, de acolher o entendimento que tem vindo a predominar na jurisprudência de que estamos perante uma ação de apreciação negativa, visando-se a demonstração da inexistência dos pressupostos da resolução operada pelo AI (art. 4º nº 2 a) do CPC na anterior redação), pondo-se assim termo a uma situação de incerteza objetiva decorrente dessa resolução [15] (cfr. art. 125º).
Caberá, portanto, ao AI a alegação e prova dos factos constitutivos do direito de resolução que exerceu (art. 343º nº 1 do CC), podendo o impugnante opor contraprova a respeito dos mesmos factos.
Mas, perante a alegação genérica que consta da declaração de resolução, essa contraprova, que é exercida de modo antecipado e apenas perante tal declaração, iria incidir sobre que factos? Nenhum, parece-nos, uma vez que aquela alegação que se pretende impugnar não comporta qualquer facto concreto relativamente à prejudicialidade.
Saliente-se que, para uma empresa que se dedica à construção civil, como será o caso da insolvente, não será estranha a essa atividade a aquisição e venda de terrenos para construção. Portanto, a venda de terrenos e de imóveis edificados pode enquadrar-se no âmbito da atividade que lhe é própria, não significando, forçosamente, que se trate de atos de delapidação do património.
Por outro lado, nada foi explicitado sobre o prejuízo invocado, designadamente sobre uma eventual desproporção do preço em relação ao valor real ou venal dos terrenos vendidos, se esse preço foi sonegado e não integrado no património da insolvente ou outra possível razão.
Pode, pois, concluir-se que a declaração de resolução não se encontra devidamente fundamentada, no que concerne à prejudicialidade do ato que foi objeto da resolução.
No que respeita à má-fé, diz-se na declaração que a prática do ato ocorreu à data em que a devedora se encontrava em situação de insolvência iminente, e de ter aproveitado pessoa/empresa especialmente relacionada com a insolvente.
Note-se que não se imputa ao destinatário da resolução o conhecimento de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente, como se exige no art. 120º nº 5 b).
Refere-se aí o aproveitamento de pessoa especialmente relacionada com a insolvente, o que permitiria presumir a má-fé do terceiro, nos termos do art. 120º nº 4.
Só que essa especial relação tem de se enquadrar numa das situações contempladas no art. 49º nºs 1 e 2, que, no caso, não é minimamente concretizada, como, aliás, logo decorre da (pouco rigorosa) expressão utilizada – aproveitamento de pessoa/empresa especialmente relacionada – que integra realidades distintas que deveriam ter sido precisadas (aproveitamento de uma pessoa singular ou de uma pessoa coletiva? que pessoa? e relação especial assente em quê?).
Mais uma vez, estamos perante termos imprecisos e vagos da declaração de resolução, por si irrelevantes e que, nessa medida, a impugnante não teria sequer necessidade de contrariar especificadamente.
Acresce, aliás, a essa imprecisão da declaração, a inocuidade do que foi posteriormente alegado pelo AI na contestação desta ação, por se limitar a invocar meras relações (da autora) ou relações de amizade (da terceira subadquirente) com o representante legal da devedora, ora insolvente (cfr. arts. 35º e 58º), relações que, como é evidente, não se identificam com qualquer das situações previstas no citado art. 49º.
Conclui-se, por conseguinte, que, também quanto a este requisito – a má-fé do terceiro –, a declaração de resolução não contém a fundamentação devida;
28ª “In casu”, - no que concerne à prejudicialidade do ato para a massa insolvente - , nas missivas enviadas aos recorrentes, a Sra. Administradora de Insolvência nada concretiza quanto à mesma, apenas dizendo que é um ato que diminui a garantia patrimonial dos credores;
29ª No que tange à verificação do ato nos dois anos anteriores à insolvência, na missiva nada é referido, pois, da leitura da mesma não se consegue descortinar que se alcance, quer a data de insolvência, quer a data de alienação dos imóveis, sabendo-se apenas a sua identificação e o seu valor patrimonial;
30ª Já quanto à má-fé, a Sra. Administradora apenas se limita a dizer que os negócios aproveitaram a pessoa especialmente relacionada com a insolvente, mas não concretizando um único ponto: que pessoa especialmente relacionada? Qual a ligação que existe entre os réus e a empresa?
31ª Pelo que a resolução padece de nulidade por inverificação dos seus requisitos previstos no artigo 120º do CIRE, pelo que, outra decisão se impunha relativamente à questão invocada pelos recorrentes;
32ª Entendeu ainda o tribunal “a quo”, na sua decisão, infirmar que o ónus da prova competia aos recorrentes, o que os recorrentes não acolhem, pois é entendimento pacífico que a apreciação judicial da resolução operada por Administradora de Insolvência por carta, plasmada no artigo 125º do CIRE constitui uma ação de apreciação negativa, nos termos do artigo 10º nº 2, alínea a) do Novo Código de Processo Civil;
33ª Por força do artigo 343º, nº 1 do Código Civil, o ónus da prova não competia aos aqui recorrentes – como entendeu o Tribunal “a quo” -, mas sim à recorrida, por inversão do mesmo;
34ª Neste sentido, tem também a jurisprudência manifestado tal entendimento, como é exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça – supra referido – de 29-04-2014, relatado pelo Venerando Conselheiro Pinto de Almeida, ou no mesmo sentido, os Acórdão da Relação do Porto, relatado pelo Desembargador Carlos Portela, de 18-12-2013, de 24-11-2011 (Processo nº 297/09.0TBCPV-E.P1), de 26-11-2012 (Processo nº 1056/09.6TBLSD-D.P1), de 02-07-2013 (Processo nº 462/10.8TBVFR-P.P1), de 09-07-2014 (Processo nº 816/10.0TYVNG-X.P1), da Relação de Coimbra, de 24-05-2011 (Processo nº 1791/08.6TBLRA-K.C1), de 21-05-2013 (Processo nº 928/11.2TBFIG-J.C2, todos in www.dgsi.pt;
35ª Assim, seria sobre a recorrida que impenderia o ónus da prova sobre a existência de má-fé e prejudicialidade dos negócios operados pela insolvente e os recorrentes, o que efetivamente não sucedeu, uma vez que foram dados como não provados os factos constantes da contestação (cfr pontos 26 a 32 da matéria de facto não provada);
36ª A sentença não poderá, pois manter-se, tendo violado ou feito errada interpretação dos artigos 10º, nº 2, al. a), 607º, nº 4 e 662º do Código de Processo Civil, 343º, nº 1 do Código Civil e 49º, nºs 1 e 2, 120º, 123º, nº 1 e 125º do CIRE.
Termos em que na procedência do recurso, deve ser alterada a matéria de facto nos termos propugnados e sempre, com ou sem essa alteração, revogar-se a sentença recorrida para a ação ser julgada procedente.
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Pela apelada Massa Insolvente de P, Lda, foi apresentada resposta onde entende dever manter-se a douta decisão recorrida.
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D) Foram colhidos os vistos legais.
E) As questões a decidir na apelação são as de saber:
1) Se deverá ser alterada a decisão quanto à matéria de facto;
2) Se deverá ser alterada a decisão propriamente jurídica da causa, que decidiu manter a declarada resolução em benefício da massa insolvente e, designadamente:
a) Se ocorreu a caducidade do direito de resolução em benefício da massa insolvente; não tendo ocorrido,
b) Se se verificam os requisitos necessários para a existência da resolução;
c) Se a resolução é inválida.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
A) Considerou-se apurada a seguinte matéria de facto:
I. Factos Provados
1. No dia 23 de Julho de 2010 foi outorgada na conservatória do Registo Predial de Vila Nova Famalicão, escritura pública de compra e venda, na qual a Insolvente supra identificada procedeu à venda aos autores, da fração autónoma designada pela letra “M”, no rés-do-chão, composta por um estabelecimento comercial número quatro, destinado a serviços, com uma divisão na cave, sob a fração, destinada a arrumos, descrita na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob o número 337 e inscrito na matriz predial sob o artigo 893-M (cfr. doc. de fls. 14 e ss.)
2. No dia 16 de Junho de 2011, no Cartório Notarial sito na Rua Conselheiro Santos Viegas, Edifício Domus III, lojas 3 e 4, em Vila Nova de Famalicão, foi outorgada escritura pública de compra e venda na qual a Insolvente vendeu aos autores, o prédio urbano, composto por uma parcela de terreno para construção urbana, lote número 5, com a área de 350 m2, sito na Rua Manuel Carvalho, lugar de Cimo de Vila, freguesia de Pousada de Saramagos, concelho de Vila Nova de Famalicão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão com o número 426 e inscrito na respetiva matriz sob o artigo 932. (cfr doc. de fls. 21 e ss.)
3. No mesmo ato foi outorgada ainda a venda aos autores do prédio urbano, composto por uma parcela para construção urbana, lote numero 6, com a área de 365 m2, sito na Rua Manuel Carvalho, lugar de Cimo de Vila, freguesia de Pousada de Saramagos, concelho de Vila Nova de Famalicão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob o número 427 e inscrito na matriz sob o artigo 933 (cfr. doc. de fls. 14).
4. Depois de tomar conhecimento dos contornos concretos dos negócios aqui em causa em Janeiro de 2013, logo em 8 de Fevereiro de 2013 a ré Massa Insolvente, representada pela sua Administradora, notificou o autor marido da resolução dos referidos negócios (cfr. doc. de fls. 26).
5. A autora mulher foi notificada a 22 de Fevereiro de 2013 (cfr docs. de fls. 28).
6. A fls. 123 a 136 dos autos vê-se relatório da Insolvente elaborado pela Sra. Administradora da Insolvência, sendo que do mesmo consta o conhecimento de negócios efetuados pela Insolvente que poderiam eventualmente ser resolvidos, sugerindo até a apreciação pela Assembleia de Credores da eventual resolução.
7. Tal relatório data de 27-1-2012.
8. Na carta de resolução invoca a Administradora de Insolvência que, com a alienação dos referidos prédios “encontra-se diminuída a garantia patrimonial dos credores”, e que “tal alienação, quer porque é considerada prejudicial à massa insolvente, de má-fé e ocorreu nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência, quer porque aproveita pessoa especialmente relacionada com a insolvente, nos termos do disposto nos artigos 120º e seguintes do CIRE, é resolúvel em benefício da massa insolvente.”
9. Os autores foram sócios da Insolvente.
10. Não conseguindo vender os imoveis construídos, nem tendo capacidade para construir novas habitações, por força do estrangulamento financeiro, os seus sócios, face à falta de liquidez da Insolvente para ir mantendo a sua atividade, decidiram proceder à alienação de alguns prédios.
11. Os prédios em crise foram vendidos por valores semelhantes ao valor de mercado.
12. O artigo 893 foi vendido pelo valor global de €17.000.00 [dezassete mil euros], tendo o preço sido pago, não no ato da escritura, mas sim aquando da outorga do contrato-promessa, celebrado em 19 de Fevereiro de 2010 – cfr. docs. de fls. 14, 29 e 30.
13. Os artigos 932 e 933 foram vendidos por um preço global de €50.000.00 [cinquenta mil euros], sendo que, conforme decorre do contrato-promessa celebrado a 22 de Março de 2011, o preço iria ser pago até à data da outorga da escritura. – cfr doc. de fls. 21 e 31.
14. Os autores procederam aos pagamentos acordados, tendo ainda procedido simultaneamente ao pagamento resultante da alienação de outros prédios, no valor global de €64.000.00 [sessenta e quatro mil euros]. (cfr docs. de fls. 34 a 41).
15. Para além dos prédios constantes da resolução efetuada, pagaram os autores a quantia global de €114.000.00 [cento e catorze mil euros], cfr. documentos de fls. 42 a 70.
Da Contestação
18. Como decorre dos docs. 8, 9 e 10 juntos pelos autores com a petição inicial, os autores outorgam os contratos na qualidade de representantes da insolvente e vendem ao mesmo autor marido (que era sócio gerente da insolvente) que outorga na qualidade de comprador.
19. Em todos os contratos promessa, o promitente-comprador, aqui autor, aparece simultaneamente e juntamente com a autora mulher, como promitentes-vendedores, embora em representação da insolvente.
20. Os autores eram sócios gerentes da insolvente (cfr. docs 8, 9 e 10 juntos com a p.i.).
21. Por sentença de 23-11-2011 foi decretada a insolvência da P, Lda.
II. Factos não provados, conclusivos ou de direito:
Da petição inicial
1. Ora, tais negócios não podem ser colocados em causa pela ré, quer por razões de direito, quer por razões de facto, como infra se demonstrará.
2. O direito a resolver tais contratos terá de ser declarado prescrito.
3. Com efeito prescreve o artigo 123º do CIRE que a resolução extrajudicial pode ser efetuada por carta registada com aviso de receção nos seis meses seguintes ao conhecimento do ato.
4. Ora, resulta claramente dos autos principais que a Administradora da Insolvência teve conhecimento anterior aos ditos seis meses.
5. Constata-se que a Sra. Administradora de Insolvência tinha já conhecimento dos referidos negócios, pelo que o prazo de exercer a resolução há muito que se encontrava prescrito,
6. Impossibilitando por isso a efetivação da resolução efetuada pela Sra. Administradora de Insolvência.
7. Pelo que os autores invocam expressamente o instituto da prescrição.
8. Como refere o Professor Fernando de Gravato Morais (Resolução em Benefício da Massa Insolvente, Almedina, 2008 pág.54) “cabe ao administrador da insolvência fazer a prova da natureza do ato, caso haja impugnação do mesmo, nos termos do artigo 125ºCIRE. Realce-se que se impõe, de todo o modo, que as circunstâncias que fundam a prejudicialidade do ato sejam invocadas quando se declara a resolução”.
9. E continua o mesmo Autor (op. cit. pág 164) “é essencial que sejam invocados os fundamentos que a originam, os quais têm um conteúdo bem diverso da típica resolução extrajudicial (…) O mesmo deve ocorrer à luz da resolução condicional. Para além da invocação do ato em concreto (por exemplo, venda a prestações, arrendamento comercial, contrato-promessa de mútuo), há ainda que enunciar, quando não funcionar a presunção inilidível do art.º. 130º, nº 3 do CIRE, a causa que leva a considerar aquele ato como prejudicial, assim como o circunstancialismo que envolve a má-fé, quando não funcione a presunção “iuris tantum” do art.º 120º, nº 4 do CIRE.”
10. Ora, compulsada a missiva, facilmente se constata que a ré, representada pela sua Administradora de Insolvência, não invocou nenhuma circunstância de facto que fizesse operar a resolução.
11. E não o tendo feito, tal ato – a resolução condicional – terá de ser declarado nulo e manter-se por conseguinte, a validade dos negócios celebrados.
12. Veja-se, a este efeito, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Setembro de 2009, relatado pelo Conselheiro Mário Cruz, in www.dgsi.pt: “I. Na notificação de resolução de negócio feita pelo Administrador em favor da massa, tem o Administrador de indicar os concretos factos fundamento da medida II. Só dessa forma está o impugnante em condições de impugnar a resolução. III. A deficiência de fundamentação do ato não pode ser suprida em sede de contestação à ação de impugnação, com indicação de novo quadro factual ou outros vícios.”
13. Ou ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 12-04-2011, relatado pela Desembargadora Maria Luísa Ramos, in www.dgsi.pt: “Não se incluindo os negócios jurídicos em apreço no caso “sub judice” na categoria dos atos previstos no art.º 121º do CIRE, determinativos de “Resolução Incondicional”, estando, assim, sujeitos à verificação dos requisitos previstos no art.º 120º, do citado código, nas cartas remetidas pelo Administrador da Insolvência às aqui Autoras/apeladas, com vista à Resolução em beneficio da massa, deveria especificar-se a causa da prejudicialidade dos negócios por aquelas celebrados com a insolvente, sob pena de nulidade da Resolução.”
14. Em sentido idêntico vejam-se os Acórdãos da Relação do Porto, de 27-11-2012, sob o processo 4694/08.0TBSTS-O.P1, de 18-02-2013, sob o processo 462/10.8TBVFR-J.P1, de 11-03-2013, de 17-01-2012, sob o processo 2451/06.8TBVCD-E.P1 e de 24-11-2011, sob o processo 297/09.0TBCPV-E.P1, todos in www.dgsi.pt., nulidade essa que aqui expressamente se invoca.
15. O dinheiro resultante da venda correspondia a uma injeção de liquidez nos cofres da Insolvente, de modo a que esta continuasse com a sua atividade e fosse cumprindo os seus compromissos para com o Estado, trabalhadores, fornecedores e credores.
16. Assim, a venda dos prédios supra descrita não se mostra prejudicial para os credores da insolvente, uma vez que os autores procederam efetiva e integralmente ao pagamento do preço de €50.000.00 [cinquenta mil euros], valor pelo qual adquiriu os imóveis.
17. Em consequência, o património da insolvente não ficou diminuído pela venda dos referidos prédios, porquanto o valor ou o preço liquidado pelos autores se mostra ajustado, dentro dos valores de mercado.
18. Tanto assim é que, por um lado, a Insolvente sempre pugnou por laborar, não tendo requerido a sua insolvência, e por outro, o valor liquidado e que foi efetivamente pago pelos autores sempre seria superior caso os prédios fossem vendidos na presente data (se é que seriam alienados atendendo às condições financeiras atuais).
19. Com efeito, não se encontram preenchidos no caso presente, os pressupostos que pudessem determinar a resolução de tais escrituras públicas de transmissão dos prédios.
20. Na verdade não existem nos autos quaisquer indícios de má-fé por parte dos autores, nem tão pouco por parte da insolvente.
21. Os negócios em causa, foram cumpridos em todos os seus pontos pelos aqui autores, não colhendo o argumento da prejudicialidade, por se estar perante atos onerosos, efetivamente realizados.
22. Não se verificam os pressupostos necessários para a resolução de tais contratos.
23. Os atos não foram prejudiciais à massa insolvente, pois o preço foi efetivamente liquidado pelos autores tendo agido de boa-fé, o que desde já se invoca para todos os efeitos legais.
24. Face ao exposto, é manifesto que os autores agiram durante os negócios que a ré massa insolvente pretende resolver, e durante o próprio ato, de boa-fé. Como tal, sendo os autores adquirentes de boa-fé não pode operar contra si, a resolução comunicada pela ré, nos termos do disposto no artigo 120º do CIRE.
25. Sendo por conseguinte válida a escritura realizada, nos seus precisos termos e fundamentos, por não ser prejudicial à ré massa insolvente, uma vez que não diminuiu a satisfação dos credores da insolvência.
26. Aquando da realização das referidas escrituras não existiam quaisquer sinais económico-financeiros de que a insolvente estaria numa situação de insolvência iminente.
27. A empresa encontrava-se com dificuldades económicas, sim, mas não em “falência”.
Da contestação
26-A. Como se torna óbvio pela análise da contabilidade da insolvente, constante dos autos principais, esta, à data dos referidos contratos já se encontrava na situação de insolvência ou de iminência da mesma.
27-A. Resulta com mediana clareza que a alegada compra por parte do sócio-gerente da insolvente, desviaria da esfera da insolvente, património que devia responder para pagamento dos credores desta.
28. E não digam os autores que o dinheiro alegadamente pago à insolvente aumentou o seu património, quando se sabe que, à data da insolvência, a “P” não tinha qualquer valor em dinheiro em caixa ou em depósitos.
29. A realidade é que, resulta dos factos supra descritos que a referida compra e venda dos imóveis prejudicou efetivamente os credores da insolvente, desviando património que responderia pelas dívidas desta.
30. Acresce que, os autores agiram de má-fé na celebração do aludido negócio, a qual se presume, uma vez que o autor era sócio gerente da insolvente, tratando-se assim de participação de pessoa especialmente relacionada com a insolvente, nos termos do disposto no nº 3 do artº 120º do C.I.R.E.
31. Devendo concluir-se que tal negócio de compra e venda foi bem resolvido porque prejudicial à massa insolvente dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência.
32. Reafirmando assim a demandada, que estão reunidos os pressupostos para a procedência da resolução, nos termos do artº 120º do CIRE.
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B) O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
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C) O recurso visa a reapreciação da decisão quanto à matéria de facto e quanto à decisão propriamente jurídica.
Quanto à matéria de facto os apelantes discordam dos pontos 4, 5, 15, 16, 17, 18, 23, 24, 25, 26 e 27 dos factos não provados, que entendem que deveriam considerar-se provados.
Os factos em questão constam da matéria apurada acima transcrita.
E importa, antes de mais, esclarecer que o tribunal a quo agrupou não só os factos não provados, mas também os conclusivos e a matéria de direito, ao arrepio do estabelecido no artigo 607º NCPC, quer quanto à matéria provada, quer quanto à matéria não provada (cfr. nº 3 e 4 do indicado artigo).
O que a lei estabelece que se valore na fundamentação de facto é a matéria de facto (provada ou não provada) e não conclusões, matéria de direito, matéria irrelevante ou meramente conjetural.
E, avançando já para a apreciação da impugnação da matéria “de facto”, dir-se-á que:
- os pontos 4 e 5 se traduzem em meras conclusões;
- o ponto 15 é meramente conjetural e irrelevante;
- os pontos 16 e 17 são conclusivos;
- o ponto 18 é conjetural e irrelevante;
- o ponto 23 é conclusivo;
- o ponto 24 é conclusivo e contém matéria de direito;
- os pontos 25, 26 e 27 contêm matéria conclusiva.
Assim sendo, a matéria em questão nem sequer deveria constar dos “factos não provados” e, menos ainda, poderia ter assentos nos factos provados, motivo pelo qual terá de improceder a pretensão dos apelantes.
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Quanto à apreciação das questões propriamente jurídicas, trata-se de saber se, quando ocorreu a resolução em benefício da massa insolvente, havia já decorrido o prazo legal para o efeito.
O tribunal recorrido entendeu que tal resolução foi tempestiva e, como tal decidiu mantê-la.
Vejamos.
Relativamente ao princípio geral em matéria de resolução em benefício da massa insolvente, diz-se no nº 1 do artigo 120º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) que podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os atos prejudiciais à massa praticados ou omitidos dentro dos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência.
Pressupõe-se, assim, que os atos em questão sejam prejudiciais à massa insolvente e que tenham sido praticados (ou omitidos) nos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência.
No que se refere à prejudicialidade, o nº 2 do artigo em questão refere que se consideram prejudiciais à massa os atos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.
Por outro lado, o nº 3 estabelece uma presunção inilidível (juris et de jure) de atos prejudiciais em relação à massa insolvente, nas situações previstas no artigo 121º.
Exige-se ainda que exista má-fé por parte do terceiro, entendendo-se como tal o conhecimento, à data do ato, de qualquer das seguintes circunstâncias:
a) De que o devedor se encontrava em situação de insolvência;
b) Do carácter prejudicial do ato e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente;
c) Do início do processo de insolvência.
O artigo 123º CIRE estabelece que:
1 - A resolução pode ser efetuada pelo administrador da insolvência por carta registada com aviso de receção nos seis meses seguintes ao conhecimento do ato, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência.
2 - Enquanto, porém, o negócio não estiver cumprido, pode a resolução ser declarada, sem dependência de prazo, por via de exceção.
O facto determinante da contagem do prazo é o conhecimento do ato, sendo a partir deste momento que se inicia a contagem do prazo.
Importa, por isso, saber o que se entende por conhecimento do ato.
A sentença recorrida refere que «… para se poder ter como cabalmente alegados os factos atinentes à caducidade de que tratamos, pois o que importaria alegar - e, subsequentemente, provar - para contar como termo “a quo” desse prazo, não era a mera data em que o Sr. Administrador tomara conhecimento do negócio jurídico em causa, mas sim a data em que aquele tomara conhecimento das circunstâncias que habilitavam a resolvê-lo, pois, como se diz no Acórdão da Relação do Porto, de 26/11/2012 (Apelação nº 1056/09.6TBLSD-D.P1, nota 7), «o conhecimento do ato não se basta, em nosso entender, com o simples conhecimento da realização do ato cuja eficácia se pretende atacar mediante a resolução, mas requer também o conhecimento dos requisitos necessários à existência do direito de resolução do ato em causa em benefício da massa insolvente. A não se fazer esta interpretação, poderia caducar o direito de resolução do ato sem que ainda se tivesse conhecimento do preenchimento dos pressupostos legais necessários para a resolução em benefício da massa insolvente.
Poderá suceder que o conhecimento do ato por parte do Sr. Administrador e o conhecimento, por parte deste, dos requisitos necessários à existência do direito de resolução, coincidam temporalmente - o que acontecerá, em regra, mas não necessariamente, nos casos de resolução incondicional - mas, nesse caso, competirá, a quem pretenda aproveitar-se da caducidade prevista no artº 123º, nº 1, do CIRE, alegar essa circunstância» - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21.5.2013, no Processo 928/11.2TBFIG-J.C2.
No caso em apreço, retira-se da factualidade assente (n.ºs 6 e 7) que a Ex.ma Administradora de Insolvência elaborou, em 27.1.2012, relatório de que resulta o conhecimento de negócios efetuados pela Insolvente que poderiam eventualmente ser resolvidos, sugerindo até a apreciação pela Assembleia de Credores da eventual resolução.
Mas está, também, assente (nºs 4 e 5) que depois de tomar conhecimento dos contornos concretos dos negócios aqui em causa em janeiro de 2013, logo em 8 de fevereiro de 2013 a ré Massa Insolvente, representada pela sua Administradora, notificou o autor marido da resolução dos referidos negócios (cfr. doc. de fls. 26), tendo a autora mulher sido notificada a 22 de fevereiro de 2013 (cfr docs. de fls. 28).
Assim, e de acordo com a interpretação aqui acolhida (em sentido contrário, pode ver-se o Ac. da Relação de Guimarães de 10-04-2014, no Processo 738/12.0TBFAF-J.G1) do disposto no art.º 123º CIRE, as missivas resolutivas foram expedidas dentro dos seis meses seguintes ao conhecimento fundado dos atos a resolver, pelo que não estava prescrito o direito de proceder à sua resolução.
Termos em que improcede a invocada exceção perentória da prescrição (ou caducidade, para quem assim a classifique).
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Temos assim que o tribunal a quo entendeu que o prazo para a comunicação da decisão de resolução se conta a partir da data em que a Sra. Administradora tenha tido conhecimento fundado dos atos a resolver, não se bastando com o simples conhecimento do ato.
Para a aplicação de uma dada norma é necessário buscar o seu sentido, isto é, interpretá-la.
E para se fazer essa interpretação, que não se deve limitar à letra da lei, terá de se procurar reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo, tendo em conta, sobretudo, a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
No entanto, não pode, contudo, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
Por outro lado, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
São estas as diretrizes que estão estabelecidas no artigo 9º do Código Civil.
No Parecer nº 61/91, da Procuradoria-Geral da República, publicado na II Série do DR de 26/11/1992, diz-se que:
«O limite da interpretação é a letra, o texto da norma.
A apreensão literal do texto, ponto de partida de toda a interpretação, é já interpretação, embora incompleta, pois será sempre necessária uma ‘tarefa de interligação e valoração que escapa ao domínio literal’.
Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica.
O elemento sistemático ‘compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos).
Compreende ainda o [lugar sistemático] que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.
O elemento histórico compreende todas as matérias relacionadas com a história do preceito material da mesma ou de idêntica questão, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios.
O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar.
Segundo a doutrina tradicional, o intérprete, socorrendo-se dos elementos interpretativos acabados de referir, acabará por chegar a um dos seguintes resultados ou modalidades de interpretação: interpretação declarativa, interpretação extensiva, interpretação restritiva, interpretação revogatória e interpretação enunciativa.
Na interpretação declarativa, o intérprete limita-se a eleger um dos sentidos que o texto direta e claramente comporta por ser esse aquele que corresponde ao pensamento legislativo.
Ou seja: há interpretação declarativa quando o sentido da lei cabe dentro da sua letra, quando o intérprete fixa à norma, como seu verdadeiro sentido, o sentido ou um dos sentidos literais, nada mais fazendo que declarar o sentido linguístico coincidente com o pensar legislativo.
A interpretação declarativa pode ser restrita ou lata, segundo toma em sentido limitado ou em sentido amplo as expressões que têm vários significados: tal distinção, como adverte FRANCESCO FERRARA, não deve confundir-se com a de interpretação extensiva ou restritiva, pois nada se restringe ou se estende quando entre os significados possíveis da palavra se elege aquele que parece mais adaptado à mens legis.»
Cremos que quando se afirma que a resolução pode ser efetuada nos seis meses seguintes ao conhecimento do ato, não significa que tal prazo se conte a partir do conhecimento fundado dos atos a resolver, isto é, dos contornos concretos dos negócios aqui em causa, que é uma realidade diferente.
Se a lei se quisesse referir aos fundamentos do ato, ao invés do simples conhecimento do ato, tê-lo-ia dito, como o fez, nomeadamente, na situação prevista no artigo 1410º nº 1 do Código Civil, relativamente à ação de preferência, em que fixou um prazo de seis meses a contar da data em que o interessado tenha tido conhecimento dos elementos essenciais da alienação, o que é diferente de esse prazo se contar desde a alienação.
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10 de abril de 2014, proferido no processo nº 738/12.0TBFAF-J.G1, relatado pelo Desembargador Espinheira Baltar, disponível em www.dgsi.pt, “o tribunal recorrido, na análise da exceção de caducidade invocada pela autora, concluiu que não se verificava, porque o prazo de 6 meses, previsto no artigo 123º nº 1 do CIRE, não se contava a partir do conhecimento do ato resolúvel por parte do administrador da insolvência, mas antes do conhecimento dos requisitos necessários à existência do direito de resolução dos atos em causa.
E apoiou-se nos acórdãos da RP de 26/11/2012 e da RC de 21/05/2013 publicados em www.dgsi.pt, em que aí se defende esta interpretação, com o argumento de que se o prazo se contasse do conhecimento do ato a resolver, poderia caducar o direito de resolução, sem que ainda estivessem apurados os pressupostos fácticos, fundamento da resolução em benefício da massa insolvente.
Julgamos que esta interpretação não tem apoio na letra da lei, nem no seu espírito.
Na verdade, o artigo 123º nº 1 do CIRE refere-se a “conhecimento do ato” e não das circunstâncias que irão influenciar o exercício ou não do direito de resolução por parte do administrador da insolvência.
E, por outro lado, é um prazo curto, que tem por objetivo resolver, rapidamente, uma situação de suspeição, tutelando-se os interesses conflituantes da massa insolvente e dos intervenientes nos atos resolúveis.
Seria incongruente colocar na mão do administrador da insolvência o poder discricionário de avaliar quando é que estava em condições para decidir pela resolução, ou não, do ato.
Seria pôr em causa a segurança jurídica do ato de resolução, cuja arbitrariedade poderia instalar-se, em nome da necessidade de não caducar o direito de resolução.
Com este prazo, quis-se dar a oportunidade ao administrador de insolvência em apurar, rapidamente, os atos suscetíveis de serem resolvidos.
Pois, incumbe-lhe, dentro das suas funções, investigar qual o património que integra a massa insolvente e todo aquele que fazia parte, nos dois últimos anos.
Como se sabe, toda a atividade inerente ao processo de insolvência é urgente, pelo que o administrador terá de ser célere no exercício das suas funções, assim como toda a administração pública o terá de ser, quando solicitada pelo administrador da insolvência.
Daí que não julgamos que esteja em risco, em termos normais, a caducidade do direito de resolução de qualquer ato, se o administrador cumprir, com diligência, as suas funções.
Assim, temos de concluir que o prazo de 6 meses conta-se a partir do conhecimento do ato resolúvel, e não do ato de decisão do administrador em resolver, assente em circunstâncias que o determinaram.”
Cremos bem ser esta a solução mais defensável, de acordo com a letra e o espírito da lei.
O ato resolúvel, rectius, os atos resolúveis, são compras e vendas de que a Sra Administradora da Insolvência teve conhecimento em 27/01/2012 e, tendo a mesma notificado o autor em 08/02/2013 e a autora em 22/02/2013, mostra-se decorrido o prazo para o efeito, tendo caducado o direito de resolução (e é de caducidade que se trata).
Por todo o exposto, ficando prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas, resulta que terá de ser revogada a sentença e julgada procedente a apelação, declarando-se a caducidade da resolução dos negócios referidos nos pontos 1 a 3 dos factos provados.
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D) Em conclusão:
1) A resolução em benefício da massa insolvente, pode ser efetuada pelo administrador da insolvência por carta registada com aviso de receção nos seis meses seguintes ao conhecimento do ato, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência;
2) O prazo conta-se a partir do conhecimento do ato resolúvel por parte do administrador da insolvência e não do conhecimento dos requisitos necessários à existência do direito de resolução dos atos em causa.
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III. DECISÃO
Pelo exposto, tendo em conta o que antecede, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogar a douta sentença recorrida e declarar a caducidade da resolução dos negócios referidos nos pontos 1 a 3 dos factos provados.
Custas pela massa insolvente.
Notifique.
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Guimarães, 23/06/2016
Relator: António Figueiredo de Almeida
1ª Adjunta: Desembargadora Maria Purificação Carvalho
2º Adjunto: Desembargador Joaquim Espinheira Baltar