Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
103/14.4TTVCT.G1
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: REMUNERAÇÃO
PRINCÍPIO DE TRABALHO IGUAL SALÁRIO IGUAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/16/2015
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: Se, numa mesma organização, dois trabalhadores desempenham tarefas qualitativamente coincidentes e em idêntica quantidade, deve ser-lhes atribuída, por força do princípio constitucional a trabalho igual, salário igual, idêntica remuneração.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães:

N… interpôs recurso da sentença.
Pede a revogação da sentença.
Alega e, seguidamente, formula as seguintes conclusões:
1. Tendo presente a matéria de facto dada como provada pelo M.M. Juiz do Tribunal a quo, e tendo presente todas soluções plausíveis da questão direito, a não ser reconhecida ao Recorrente a categoria de TQE, nível 3, sempre lhe deveria ter sido reconhecido o direito a auferir a retribuição base mensal de 956,17 € a partir de 1 de Janeiro de 2008 e de 983,90€ desde 2009 até hoje e a receber a quantia, a título de diferenças salariais constante dos autos.
2. Com efeito, o M. M. Juiz do Tribunal a quo, na sua douta sentença, decidiu que nenhuma das atividades asseguradas pelo Autor faz parte do núcleo essencial das funções de um preparador técnico TQE, pois que nenhuma delas corresponde à atividade de um profissional altamente qualificado a quem compete estudar e estabelecer os modos operatórios a utilizar na fabricação, tendo em vista o melhor aproveitamento de mão-de-obra e dos equipamentos, concluindo que, as funções que o Recorrente desempenha não podem subsumir-se àquele núcleo essencial caracterizador da categoria profissional de “preparador Técnico TQE”.
3. Refutou também a solução de que o facto de o Recorrente estar a desempenhar as mesmas exatas funções que eram anteriormente desempenhadas por um colega com aquela categoria, daria ao Recorrente, ipso facto, direito a essa categoria e consequentemente aos valores de diferenças salariais que reclama.
4. Pois, no douto entendimento do M.M. Juiz a quo, a empresa poderia, por qualquer razão, ter tido necessidade de colocar um trabalhador seu a efetuar um trabalho que não corresponde à sua categoria, mantendo-lhe em todo o caso, como não podia deixar de ser, as inerentes regalias.
5. E conclui que, nem o Recorrente nem o seu antecessor, embora este estivesse classificado como tal, desempenhavam tarefas típicas de um preparador técnico TQE, sendo por isso, quanto a este aspeto a ação que intentou improcedente.
6. Sucede que, nos termos do disposto no artigo 74.º do CPT, o Juiz deve condenar em quantia superior ao pedido, ou em objeto diverso do pedido quando isso resulta da aplicação de preceitos inderrogáveis e leis ou instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho à matéria provada.
7. É incontestável que resultou provado que o Recorrente foi transferido em 1 de Janeiro de 2008 para o serviço SEEP (Serviço de Ensaios e Provas) para substituir o trabalhador da Recorrida D…, o qual se iria reformar.
8. E, está também provado que o Recorrente desde essa data até hoje tem desempenhado as funções que anteriormente eram desempenhadas pelo referido trabalhador D….
9. Que este recebeu em 2008 a quantia de 956,17€ de retribuição base mensal e que o Recorrente, em 2008 recebeu 733,78€.
10. Que os trabalhadores classificados como TQE, grau de remuneração 3, passaram a auferir após 2008 a retribuição base mensal de 983,90€.
11. Por isso, o A., como resulta da economia da petição inicial, e de estar provado que lhe foi cometido pela Ré, de modo duradouro, o exercício de funções que envolvem uma retribuição superior, sempre teria direito a auferir esta retribuição mais elevada.
12. E, este dever de a Ré proceder ao pagamento da retribuição mais elevada mantém-se enquanto o trabalhador se encontrar a desempenhar essas funções.
13. Tal decorre do princípio constitucional de que para trabalho igual, salário igual, previsto na alínea a) do artigo 59.º da Constituição da República Portuguesa, principio, aliás também consagrado no artigo 270.º do Código do Trabalho.
14. Este princípio de equidade retributiva, nas palavras de António Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 14.ª ed. Almedina, Maio de 2009, assume projeção direta e efetiva nas relações de trabalho, e é vinculante para as entidades públicas e particulares.
15. E, sendo certo que o princípio de igualdade de tratamento previsto no artigo 270.º do Código do Trabalho não diga o que se entende por trabalho igual, o seu sentido será: “igual é, para estes efeitos, o trabalho com a mesma duração (quantidade), a mesma ou idêntica dificuldade, perigosidade e penosidade (natureza) e que requeira as mesmas ou equivalentes habilitações profissionais e implique a mesma ou equiparável responsabilidade (qualidade) ”, conforme Jorge Leite, Direito do Trabalho, serviços de Acção Social da U.C. – Serviço de Textos - Coimbra.
16. E, continuando a citar o mesmo Autor “trabalho igual é, pois, não apenas o que corresponde às funções de uma mesma categoria profissional mas também o que corresponde a funções idênticas mesmo que respeitantes a diferentes categorias profissionais. A quantidade, a natureza e a qualidade do trabalho constituem, pois, os únicos critérios com base nos quais se podem estabelecer salários diferentes”.
17. Como resulta dos autos o Recorrente passou a desempenhar as mesmas funções que o seu antecessor por ele substituído e, ocasionalmente, desempenhou ainda outras funções que aquele não desempenhava.
18. Acresce que, como resulta dos factos dados por provados, a Recorrida utiliza na empresa um sistema de classificação profissional com origem no CCT anteriormente aplicável, in casu, o CCT entre a F… e a F…, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 31 de 22/08/2000.
19. Ora, do mesmo CCT, extrai-se na cláusula 81.ª que “sempre que o trabalhador executa funções de profissão a que corresponde retribuição superior, adquire para todos os efeitos ao fim de três meses consecutivos ou 5 intercalados, a nova profissão e respetiva retribuição, sem prejuízo do recebimento desta retribuição durante os períodos referidos”.
20. Assim, repete-se, salvo o devido e merecido respeito, e tendo presenta todas soluções plausíveis da questão direito, a não ser reconhecida ao Recorrente a categoria de TQE, nível 3, sempre lhe deveria ter sido reconhecido o direito a auferir a retribuição base mensal de 956,17 € a partir de 1 de Janeiro de 2008 e de 983,90€ desde 2009 até hoje e a receber a quantia, a título de diferenças salariais constante dos autos.
21. Ao não fazê-lo a douta sentença violou os artigos 13.º e 59.º, n.º 1 da CRP, os artigos 267.º, n.º 1 e 270.º do Código do trabalho e o artigo 74.º do Código do Processo do Trabalho.

E…, S.A. em contra-alegações sustenta o julgado.

O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer de acordo com o qual o recurso merece procedência.
Respondeu a apelada.

Exaramos, abaixo, um breve resumo dos autos para melhor compreensão.
N… veio intentar a presente ação de processo comum (emergente de contrato individual de trabalho) contra E…, S.A., pedindo a condenação da R.:
- a reconhecer-lhe a categoria profissional de preparador de trabalho TQE desde Janeiro de 2008;
- a pagar-lhe a quantia de €15.721,86 a título de diferenças salariais;
- a fazer os respetivos complementos de descontos para a Segurança Social;
- a pagar a quantia de €1.844,88 de juros vencidos e os vincendos, até integral pagamento.
Alega, em síntese, que mantém contrato de trabalho com a R. tendo, a partir de determinada altura, substituído um trabalhador que tinha a categoria profissional de TQI. Desde então desenvolve as funções que este desempenhava sem que lhe tivesse sido atribuída a respetiva categoria ou remuneração.
Realizada audiência de partes, os autos prosseguiram, tendo a R. contestado alegando que não se lhe aplica o CCT invocado por não ser filiada na associação patronal subscritora, e, bem assim, que o A. desempenhou funções não correspodnentes à categoria profissional invocada.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente.

Sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, as conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, é a seguinte a questão a decidir, extraída das conclusões:
- a não ser reconhecida ao Recorrente a categoria de TQE, nível 3, sempre lhe deveria ter sido reconhecido o direito a auferir a retribuição base mensal de 956,17 € a partir de 1 de Janeiro de 2008 e de 983,90€ desde 2009 até hoje e a receber a quantia, a título de diferenças salariais constante dos autos?

FACTUALIDADE:
1 – O A. foi admitido ao serviço da R. em 14/1/2000 para, sob as suas ordens, direção e fiscalização lhe prestar a atividade de montador de construções metálicas.
2 – Atualmente a categoria profissional atribuída pela R. ao A. é de “preparador auxiliar de trabalho”, com mais de 3 anos.
3 – O A. frequentou e teve aproveitamento numa ação de formação em “AUTOCAD” a expensas suas.
4 – A R. passou a atribuir a categoria referida em 2) ao A. a partir de 2006, tendo ficado adstrito à Direcção Técnica de Projeto e ao Gabinete de Apoio ao Projeto.
5 – No interesse da R., em 1 de Janeiro de 2008, o A. foi formalmente transferido para o serviço SEEP (Serviço de Ensaios e Provas), embora já desde Novembro de 2007 se encontrasse ali a desempenhar funções.
6 – O A. foi transferido para o serviço referido em 5) para substituir o trabalhador da R. de nome D…, o qual se iria reformar.
7 – O trabalhador D… tinha a categoria profissional atribuída pela R. de “preparador de trabalho TQE”, grau de remuneração 3.
8 – Desde a data referida em 5) e até hoje, o A. tem desempenhado as funções que anteriormente eram desempenhadas pelo trabalhador referido em 6).
9 – O A., tal como o trabalhador referido em 6), desempenha fundamentalmente as seguintes funções:
- faz o ponto dos restantes elementos do serviço;
- tira fotocópias de documentação de provas;
- colabora na organização das cerimónias de batismo e entrega de novas construções;
- envia por correio eletrónico informação e documentação para as entidades oficiais;
- assegura, em terra, o contacto entre os navios em provas de mar e os Estaleiros;
- levanta nos armazéns peças para as construções;
- coordena o apoio logístico do SEEP;
- convoca os técnicos de acordo com as datas previamente planeadas;
- organiza a logística (v.g. hotéis) dos técnicos externos;
- atualiza os planeamentos semanais das provas definidas pelo SEEP;
- assegura a manutenção atualizada dos documentos dos serviços, nomeadamente os desenhos provenientes da área de projeto;
- mantém ordenados os verbetes de provas e assegura-se que se encontram assinados por todos os responsáveis intervenientes;
10 – Ocasionalmente, o A. desempenha ainda outras funções que aquele funcionário não desempenhava, socorrendo-se dos seus conhecimentos de “AUTOCAD”.
11 – O A. tem conhecimentos de inglês escrito e falado, o que lhe permite contactar os técnicos estrangeiros que se deslocam às instalações da R.
12 – Foram as seguintes as remunerações base pagas pela R. aos seus trabalhadores com a classificação de “preparador de trabalho TQE”, grau de remuneração 3:
- em 2008 - €956,17;
- desde 2009 até hoje - €983,90.
13 – O A. auferiu as seguintes retribuições base:
- em 2008 - €733,78;
- desde 2008 até hoje - €803,78.
14 – O SEEP (Serviço de Ensaios e Provas) onde o A. presta a sua atividade tem as seguintes funções na R.:
- acolher, coordenar e apoiar a fiscalização dos armadores, as sociedades de classificação e os técnicos dos equipamentos;
- coordenar e acompanhar, em conjunto com o controlo e a inspeção, a aprovação dos ensaios e provas efetuadas no navio;
- coordenar a preparação e elaboração das provas, à muralha, de estabilidade e de mar, do navio;
- elaborar planeamentos de execução das provas, à muralha, de estabilidade e de mar, do navio;
- elaborar e executar procedimentos técnicos adequados às atividades do serviço;
- propor a nomeação dos coordenadores das construções.
15 – A R. utiliza na empresa um sistema de classificação profissional com origem no CCT anteriormente aplicável (CCT entre a F… e a F… – BTE nº. 31 de 22/8/2000), com adaptações à realidade da empresa, de acordo com o documento de fls. 43-verso a 46 (que aqui se dá por integralmente reproduzido).

ANÁLISE JURÍDICA:
Pretende o A. que, por força do princípio constitucional a trabalho igual, salário igual, não lhe sendo reconhecida, embora, a categoria que reclama, deve arrecadar as diferenças salariais correspondentes ao salário pago ao trabalhador que substituiu.
Decidiu-se na sentença, e subscrevemos, que “…nenhuma destas atividades asseguradas pelo A. faz parte do núcleo essencial das funções de um preparador técnico TQE, tal como ficou supra definido, pois que nenhuma delas corresponde à atividade de um profissional altamente qualificado a quem compete estudar e estabelecer os modos operatórios a utilizar na fabricação, tendo em vista o melhor aproveitamento da mão-de-obra e dos equipamentos.”
E ponderou-se ali que, entendendo o A. que, para efeitos remuneratórios, e de acordo com as funções que desempenha na R., lhe deve ser atribuída a categoria profissional de “preparador de trabalho TQE”, grau de remuneração 3, “não se apurou qualquer factualidade que permita afirmar que à relação de trabalho existente entre o A. e a R. é aplicável o CCT referido pelo A. no artº. 23 da sua douta petição inicial (filiação das partes nas organizações subscritoras ou circunstâncias que permitam invocar uma Portaria de extensão), na qual aparece descrita aquela categoria profissional. Em todo caso, provou-se que a R. utiliza na empresa um sistema de classificação profissional com origem no CCT anteriormente aplicável (CCT entre a F… e a F… – BTE nº. 31 de 22/8/2000), com adaptações à realidade da empresa, de acordo com o documento de fls. 43-verso a 46 e aí também aparece a citada categoria profissional. Quanto ao conteúdo desta categoria torna-se necessário o recurso à definição que consta desta regulamentação coletiva, a qual descreve o trabalhador assim qualificado como sendo aquele que, utilizando elementos técnicos, estuda e estabelece os modos operatórios a utilizar na fabricação tendo em vista o melhor aproveitamento de mão-de-obra, máquinas e materiais, podendo eventualmente atribuir tempos de execução e específicas máquinas e ferramentas.”
Neste recurso, o A. conforma-se com a não atribuição da categoria profissional, mas defende que, por aplicação do princípio a trabalho igual, salário igual, merece as remunerações correspondentes ao salário auferido pelo colega substituído ou, mais propriamente, pelos trabalhadores que, com a categoria profissional deste, permaneceram na empresa.
A sentença também enfrentou esta questão concluindo que “parece claro, no nosso caso, que o A. aufere uma retribuição inferior àquela que a empresa pagava ao colega que foi substituir.
Simplesmente, não se trata aqui de uma atuação discriminatória por parte da empresa, mas antes com uma justificação com acolhimento legal: é que, como vimos, o trabalhador que o A. foi substituir tinha uma categoria profissional superior à que era necessária para o desempenho daquelas funções e era por força dessa categoria profissional tinha aquela remuneração.
Não se tratando de uma atitude discriminatória por parte da R., também por aqui terá que improceder na íntegra a ação intentada pelo A.”.
Vejamos!

O princípio a trabalho igual salário igual encontra expressão a nível constitucional, mais propriamente no Artº 59º/1-a) que estabelece que todos os trabalhadores têm direito à retribuição do trabalho segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna.
Como se sabe este princípio é uma das expressões do princípio da igualdade de tratamento, também constitucionalmente protegido (Artº 13º), e veio a ser acolhido ao nível das leis laborais, e muito concretamente, no que por ora releva, no Artº 270º do atual e anterior (2009) CT (263º do precedente Código de 2003).
Ensina Monteiro Fernandes que o sentido geral do princípio assenta em que “uma idêntica remuneração deve ser correspondida a dois trabalhadores que, na mesma organização (ou seja, sob as ordens de uma mesma entidade empregadora) ocupem postos de trabalho iguais, isto é, desempenhem tarefas qualitativamente coincidentes, em idêntica quantidade (duração) ” (Direito do Trabalho, 12ª Ed., Almedina, 446).
Assim, a base do princípio reside na identidade de natureza da atividade e na igualdade do tempo de trabalho. Nunca no regime legal sob o qual os trabalhadores exercem funções.
Admite-se, porém, que a identidade de funções possa não corresponder a trabalho igual, se houver como ponderar fatores que influam no rendimento individual, como por exemplo o maior rendimento de um trabalhador, a maior perfeição na execução das tarefas, o maior grau de autonomiza na execução.
Isto mesmo veio a ser reconhecido pela jurisprudência constitucional (Ac. nº 315/89 de 9/03/89), o que no fundo se traduz em declarar que só as distinções sem fundamento objetivo são discriminatórias.
Como refere Bernardo Lobo Xavier, não deve haver “discriminação retributiva entre trabalhadores que não resulte da sua categoria profissional, tarefas executadas, rendimento e qualidade de execução”, sendo que não violam a Constituição as “formas de retribuição que escapam aos critérios acima definidos (v.g. retribuições em função da antiguidade ou que contemplam situações pessoais...) ” (Curso de Direito do Trabalho, Verbo, 401).
A legislação laboral, adotou, como já acima mencionámos, o princípio de que nos ocupamos aplicado às relações jurídicas de emprego e proíbe atos discriminatórios (Artº 25º/1 do CT).
Por sua vez, ainda definindo conceitos, diz-se que é trabalho igual aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são iguais ou objetivamente semelhantes em natureza, qualidade e quantidade e trabalho de valor igual aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são equivalentes, atendendo nomeadamente à qualificação ou experiencia exigida, às responsabilidades atribuídas, ao esforço físico e psíquico e às condições em que o trabalho é efetuado (Artº 23º/1-c) e d)).
O STJ vem entendendo que quando não se mostra invocado qualquer dos fatores característicos de discriminação (v.g., sexo, idade, raça, etc.), para se concluir pela existência de discriminação retributiva entre trabalhadores, ofensiva dos princípios constitucionais da igualdade/do trabalho igual, salário igual, é necessário provar que os vários trabalhadores diferentemente remunerados produzem trabalho igual quanto à natureza (dificuldade, penosidade e perigosidade), qualidade (responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência, etc.) e quantidade (duração e intensidade), competindo o ónus da prova ao trabalhador que se diz discriminado (Ac. STJ de 12/10/2011, proferido no âmbito do procº 343/04.4TTBCL.P1.S1, disponível no sítio www.dgsi.pt).
Defende, assim, o STJ, que, não vindo alegada matéria suscetível de afrontar, direta ou indiretamente, o princípio da igual dignidade sócio laboral, subjacente a qualquer dos fatores característicos da discriminação, não funciona o particular regime de repartição do ónus da prova consagrado no Código do Trabalho, competindo a quem alega a discriminação, provar factos que, respeitantes à natureza, qualidade e quantidade do trabalho prestado por trabalhadores da empresa com a mesma categoria, viabilizem concluir, comparativamente, que, o pagamento que vem sendo feito pelo empregador afronta o princípio para trabalho igual salário igual.
Na hipótese de a ação ter por fundamento algum dos fatores característicos da discriminação, então, aí sim, “ o trabalhador que se sinta discriminado, uma vez provados os factos que integram o invocado fundamento, não tem que se preocupar com os factos relativos à natureza, qualidade e quantidade das prestações laborais em comparação, funcionando a presunção de que a diferença salarial a ele se deve, com inversão do ónus da prova quanto ao nexo causal presumido” (idem).
Ora, no caso concreto, não se alegando embora nenhum daqueles concretos fatores de discriminação, o acervo factual contém matéria que nos permite concluir pelo preenchimento de todos os pressupostos factuais exigidos.
Na verdade, provou-se que no interesse da R., em 1 de Janeiro de 2008, o A. foi formalmente transferido para o serviço SEEP (Serviço de Ensaios e Provas), embora já desde Novembro de 2007 se encontrasse ali a desempenhar funções. O A. foi transferido para tal serviço para substituir o trabalhador D…, o qual se iria reformar. Este tinha a categoria profissional atribuída pela R. de “preparador de trabalho TQE”, grau de remuneração 3. Desde 1/01/2008 e até hoje, o A. tem desempenhado as funções que anteriormente eram desempenhadas pelo trabalhador acima mencionado, desempenhando ainda, ocasionalmente, outras funções que aquele não desempenhava. Porém, auferiu retribuição inferior (quer à daquele, quer à dos que, permanecendo na empresa, eram remunerados pela mesma classificação profissional).
Ou seja, logrou o A. provar que vem sendo remunerado de forma diferente da de outro trabalhador a quem, por força de categoria profissional atribuída sem dependência de preenchimento dos respetivos requisitos, era paga distinta (superior) remuneração. Melhor dizendo, aos trabalhadores classificados com a categoria do substituído é paga remuneração superior, sendo que o substituído tinha tal categoria sem que dos autos emirja razão para tal e era remunerado pelo valor correspondente à mesma.
Note-se que se consignou na sentença que as tarefas concretamente desempenhadas não permitem, nem ao A., nem ao seu antecessor, aceder à categoria profissional pretendida, “…embora este estivesse classificado como tal, sendo que se ignora a razão pela qual lhe foi atribuída tal categoria”.
Não estando justificada a atribuição da categoria, é pelo núcleo essencial de funções que se há-de aferir a violação do princípio que nos ocupa.
Podemos, em presença do acervo fático, concluir que o A. produz trabalho igual quanto à natureza (dificuldade, penosidade e perigosidade), qualidade (responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência, etc.) e quantidade (duração e intensidade) daquele que foi substituir, pelo que não pode deixar de se considerar violado o alegado princípio e, como consequência, concluir pela vinculação à retribuição que aquele auferiria.
Procede, desta forma, a apelação.

Tem, assim, o Recrte. direito às diferenças salariais reclamadas no valor global de 15.721,86€, a que acrescem os juros moratórios à taxa anual de 4%, conforme peticionado.

Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência, condenar a Recrdª a pagar ao Recrte. a quantia de quinze mil setecentos e vinte e um euros e oitenta e seis cêntimos (15.721,86€), acrescida de juros de mora á taxa anual de 4% conforme peticionado.
Custas pela Recrdª.
Notifique.
Gumarães, 16/04/2015
Manuela Fialho
Moisés Silva
Antero Veiga (vencido nos termos do voto junto)


VOTO

Confirmaria a decisão, conforme extracto do projecto elaborado.
Importa no essencial saber se o autor tem direito à categoria, ao estatuto que reclama, e na negativa se tem direito à remuneração que auferia o trabalhador seu colega.
Quanto à categoria, sabido que o que importa essencialmente são as funções efetivamente exercidas, resulta do confronto do facto 9 (funções exercidas), com o elenco de funções da categoria reclamado, considerando o núcleo verdadeiramente delimitador desta, que lhe não assiste razão, como se salienta na decisão de primeira instância. Refere-se nesta:
“O A. entende que, para efeitos remuneratórios, e de acordo com as funções que desempenha na R., lhe deve ser atribuída a categoria profissional de “preparador de trabalho TQE”, grau de remuneração 3.
Esclareça-se, antes de mais, que não se apurou qualquer factualidade que permita afirmar que à relação de trabalho existente entre o A. e a R. é aplicável o CCT referido pelo A. no artº. 23 da sua douta petição inicial (filiação das partes nas organizações subscritoras ou circunstâncias que permitam invocar uma Portaria de extensão), na qual aprece descrita aquela categoria profissional.
Em todo caso, provou-se que a R. utiliza na empresa um sistema de classificação profissional com origem no CCT anteriormente aplicável (CCT entre a F… e a F…. – BTE nº. 31 de 22/8/2000), com adaptações à realidade da empresa, de acordo com o documento de fls. 43-verso a 46 e aí também aparece a citada categoria profissional.
Quanto ao conteúdo desta categoria torna-se necessário o recurso à definição que consta desta regulamentação colectiva, a qual descreve o trabalhador assim qualificado como sendo aquele que, utilizando elementos técnicos, estuda e estabelece os modos operatórios a utilizar na fabricação tendo em vista o melhor aproveitamento de mão-de-obra, máquinas e materiais, podendo eventualmente atribuir tempos de execução e específicas máquinas e ferramentas….
nenhuma destas actividades asseguradas pelo A. faz parte do núcleo essencial das funções de um preparador técnico TQE, tal como ficou supra definido, pois que nenhuma delas corresponde à actividade de um profissional altamente qualificado a quem compete estudar e estabelecer os modos operatórios a utilizar na fabricação, tendo em vista o melhor aproveitamento da mão de obra e dos equipamentos. “
Assim e quanto a esta matéria improcede a apelação.
*
Quanto à pretensão de retribuição idêntica à do trabalhador seu colega.
Sustenta o autor que exercia as mesmas funções deste.
O artigo 59º da CRP dispõe:
(Direitos dos trabalhadores)
1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:
a) À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna;

O princípio “trabalho igual salário igual”, constitui a concretização nesta sede do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da CRP, e encontra eco nos artigos 23º ss. do CT.
O normativo faz apelo a uma igualdade material, devendo tratar-se de igual modo o que é essencialmente igual e de forma desigual o que é desigual.
O que se pretende é impedir o abuso, o arbítrio, proibindo diferenciações sem justificação razoável e objetiva. Proíbe-se a discriminação.
Pode ocorrer diferenciação por exemplo baseada na produtividade e eficiência, nas habilitações, na antiguidade, de acordo com critérios objetivos controláveis.
Proíbe-se se retribua de maneira diferente trabalhadores nas mesmas condições, que com as mesmas habilitações, prestem trabalho da mesma natureza, com a mesma qualidade, quantidade, intensidade, dificuldade, penosidade e perigosidade.
Nos termos do nº 5 do artigo 25º do CT compete a quem alega discriminação indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer fator de discriminação.
Verifica-se pois uma parcial inversão do ónus da prova constante do artigo 342º do CC. Ao trabalhador caberá demonstrar sempre a diferenciação salarial, acrescida da prova de uma destas circunstâncias:
- Ou da prova de que a situação de desigualdade constitui descriminação, provando as comuns circunstâncias, entre si e os trabalhadores em relação aos quais se considera descriminado, – demonstrando exercer as mesmas funções, com idênticas caraterísticas conforme acima referidas, tendo as mesmas habilitações, etc…;
- Ou então demonstrando a verificação de um fator discriminativo, seja, um dos fatores elencados no nº 1 do artigo 24º do CT seja outro equiparado. Demonstrada a existência de um fator discriminativo, compete então ao empregador provar que a diferenciação assenta em critérios objetivos atendíveis.
Refere-se no Ac. Do STJ de 12/10/2011, www.dgsi.pt, processo nº 343/04.4TTBCL.P1.S1:
“… este Supremo Tribunal, quando chamado a dirimir litígios em que não se mostra invocado qualquer dos fatores caraterísticos de discriminação (v.g., sexo, idade, raça, etc.), tem entendido, em termos uniformes, que, para se concluir pela existência de discriminação retributiva entre trabalhadores, …, é necessário provar que os vários trabalhadores diferentemente remunerados produzem trabalho igual quanto à natureza (dificuldade, penosidade e perigosidade), qualidade (responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência, etc.) e quantidade (duração e intensidade), competindo o ónus da prova ao trabalhador que se diz discriminado.
Com efeito … quem invoca a prática discriminatória tem igualmente de alegar e provar, além do diferente tratamento resultante de tal prática, os factos integrantes de um daqueles fatores de discriminação, uma vez que o juízo a emitir, (seja por discriminação direta, seja por discriminação indireta, na noção dos conceitos adiantada nas acima transcritas alíneas a) e b) do n.º2 do art. 32.º do RCT), pressupõe que…‘em razão de um fator de discriminação uma pessoa seja sujeita a um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável’.
Só se/quando alegado e demonstrado um desses fatores é que a Lei faz presumir que dele resultou o tratamento diferenciado, fazendo então recair sobre o empregador a prova do contrário, ou seja, a prova de que a diferença de tratamento não se deveu ao fator indicado, mas sim a motivos legítimos, entre os quais se contam os relacionados com a natureza, qualidade e quantidade do trabalho prestado pelos trabalhadores em confronto.
Assim, na hipótese de a ação ter por fundamento algum dos fatores caraterísticos da discriminação … o trabalhador que se sinta discriminado, uma vez provados os fatos que integram o invocado fundamento, não tem que se preocupar com os fatos relativos à natureza, qualidade e quantidade das prestações laborais em comparação, funcionando a presunção de que a diferença salarial a ele se deve, com inversão do ónus da prova quanto ao nexo causal presumido.
Na situação aprecianda – em que efetivamente não vem alegado, como causa petendi, factologia suscetível de afrontar, direta ou indiretamente, o princípio da igual dignidade sócio-laboral, subjacente a qualquer dos fatores caraterísticos da discriminação – não funciona o particular regime de repartição do ónus da prova, cuja inversão, atenuando as dificuldades do cumprimento do ónus em tais circunstâncias, beneficiaria a posição processual do trabalhador…”
No mesmo sentido o Ac. STJ de 12/18/2013, www.dgsi.pt, processo nº 248/10.0TTBRG.P1.S1.
No caso dos autos não resulta da prova suficientemente demonstrado que tenha ocorrido discriminação ou tratamento desigual abusivo.
O autor reporta-se apenas ao trabalhador por si substituído, substituição que ocorre porque o mesmo se ia reformar. Este tinha categoria superior à sua, não se demonstrando que o salário por si auferido estivesse em desconformidade com essa categoria. Não se demonstra que a categoria não tenha sido corretamente atribuída nem que o referido trabalhador não tenha nunca exercido as respetivas funções, bem diversas das que o autor alega exercer. Bem pode ter acontecido, como se refere na decisão recorrida, que o dito trabalhador tenha sido colocado a exercer funções correspondentes a uma categoria diversa da sua, “por necessidades de organização interna da empresa, ou seja, a R, poderia, por qualquer razão, ter tido necessidade de colocar um trabalhador seu a efetuar um trabalho que não corresponde à sua categoria, mantendo-lhe em todo o caso, como não podia deixar de ser, as inerentes regalias.”. Note-se que conforme flui da factualidade, o trabalhador encontrar-se-ia no fim da sua carreira na empresa, dado que se ia reformar, o que reforça esta possibilidade. A factualidade demonstrada não é de molde a caraterizar uma diferenciação que possa considerar-se discriminativa e violadora do comando constitucional…”
Antero Veiga