Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1478/19.4T8BGC.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
FORMALIDADE AD SUBSTANTIAM
CATEGORIA PROFISSIONAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
1. A indicação do motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo constitui uma formalidade ad substantiam, cuja falta implica a nulidade da estipulação de termo.
2. Tal indicação visa permitir a compreensão e fiscalização do cumprimento dos pressupostos legais quanto à motivação da contratação por esta via, bem como o estabelecimento do nexo de causalidade entre o motivo invocado e o termo estipulado, devendo ser suficientemente explicitada tendo em conta tais objetivos.
3. A formalidade constante do aludido n.º 3 do artigo 141.º do CT não pode ser substituída por declaração do trabalhador no sentido de conhecer e aceitar as circunstâncias excecionais e temporárias que justificam a aposição do termo, efetuada no próprio contrato, ou por outro modo.
4. A categoria profissional do trabalhador é aquela que corresponder às funções por si efetivamente exercidas, devendo atender-se ao núcleo essencial das funções efetivamente exercidas.
5. Não obsta à integração numa determinada categoria institucionalizada em CCT o facto de ali se prever um determinado período de tempo de estágio para tal categoria, se nos termos da mesma o estágio não é obrigatório para acesso a essa categoria ou carreira e do contrato não consta qualquer alusão a estágio.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. P., intentou a presente ação declarativa de condenação com processo comum emergente de contrato individual de trabalho contra N. C. – MEDIAÇÃO DE SEGUROS E SERVIÇOS, UNIPESSOAL, LD.ª, formulando o seguinte pedido:

A. Ser a ré condenada a reconhecer que a relação laboral estabelecida com a autora teve início em 10.01.2016, vigorando ininterruptamente até 31.10.2019;
B. Ser a ré condenada a reconhecer que a relação laboral estabelecida com a autora vigorava por tempo indeterminado;
C. Ser declarada a ilicitude do despedimento da autora;
D. Ser a ré condenada a pagar à autora a quantia de € 24.685,36, a título de diferenças retributivas, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento;
E. Ser a ré condenada a pagar à autora a quantia de € 957,60, a título de formação profissional não prestada, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento;
F. Ser a ré condenada a pagar à autora a quantia de € 6.324,80, a título de indemnização por despedimento ilícito, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento
G. Ser a ré condenada a pagar à autora as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento (31.10.2019) até ao trânsito em julgado da decisão a proferir nos presentes autos, deduzido o valor de € 754,83 e acrescida de juros de mora calculados à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Alegou para tanto e em síntese que:
-Foi admitida ao serviço da R. em 10/01/2016, para exercer as funções de gestora de clientes, que acumulava com o cumprimento de tarefas administrativas, sob as ordens, direção e fiscalização do legal representante da R.;
-Inicialmente, entre janeiro e julho de 2016, a A. exerceu as suas funções, por exigência da R., ao abrigo de uma pretensa prestação de serviços, relativamente à qual emitiu uma única fatura-recibo;
-A partir de 15 de julho de 2016 passou a exercer as suas funções ao abrigo de sucessivos contratos a termo, o primeiro dos quais não foi reduzido a escrito e o último dos quais, celebrado em janeiro de 2018, foi a termo incerto, sendo que o motivo indicado como justificativo da contratação foi, apenas, “acréscimo excecional da atividade da empresa”;
-Nesses contratos constava erroneamente que a categoria profissional da A. era a de assistente administrativa, mas a A. prosseguiu no exercício das funções de gestora de clientes;
-A A. auferiu as retribuições mensais de €550,00, €580,00, €600,00 e €700,00, mas tais retribuições são inferiores às previstas no instrumento de regulamentação coletiva aplicável para a categoria profissional de gestora de clientes;
-À margem do vencimento base, a R. pagava à A., pontualmente, comissões de venda, unilateralmente definidas pelo representante da Ré;
-Por comunicação datada de 27/09/2019, a Ré comunicou à A. que o contrato de trabalho caducaria em 31/10/2019, comunicação essa acompanhada de uma declaração de dispensa da prestação de trabalho sem perda de retribuição;
-A A. sempre trabalhou em regime de subordinação à R., e porque, aquando da admissão, as partes não reduziram a escrito qualquer contrato de trabalho, a relação laboral deve ter-se por celebrada, desde o início, por tempo indeterminado;
-Ainda que assim não fosse, os contratos a termo celebrados não obedeceram aos requisitos de forma quanto à concretização do motivo justificativo, sendo omissos quanto ao mesmo, alem de que a A. foi contratada para suprir necessidades de natureza permanente na estrutura da Ré;
Acresce que a sucessão de contratos a termo é proibida por força do prescrito no art. 143º do Código do Trabalho;
Por isso, a relação laboral firmada deve considerar-se em qualquer caso como uma relação por tempo indeterminado;
-Daí que a cessação do contrato de trabalho operada pela Ré constitua um despedimento ilícito, porque não ter sido observado qualquer procedimento ou formalidade;
-A A. recebeu, a título de vencimento, subsídios de férias, de natal e de alimentação, valores substancialmente inferiores àqueles que lhe eram devidos por imposição da contratação coletiva;
-No decurso da relação laboral a R. não proporcionou à A. a formação profissional obrigatória, pelo que é devida à A. a retribuição correspondente ao número de horas em falta;
-A R. pagou à A. a quantia de €754,83 a título de compensação pela cessação do contrato, valor esse que deve ser deduzido á indemnização pelo despedimento ilícito.

A ré contestou impugnando parcialmente os factos alegados pelo A., sustentando, em síntese, que a A. iniciou a sua colaboração com a Ré através de uma prestação de serviços enquanto aguardava a aprovação de estágio profissional, que, não obstante a aprovação de tal estágio, a A. não era elegível, pelo que a R. celebrou com a mesma os contratos de trabalho a termo, situação que resultou da necessidade da ré manter o escritório aberto, pois o gerente da empresa encontrava-se a diligenciar novos projetos para a empresa, com vista a aquisição de nova carteira de clientes, o que veio a acontecer em maio de 2018. Juntamente com a aquisição da carteira de clientes foi condição a integração na empresa da ré de uma trabalhadora que já exercia as mesmas funções da A.. Ao fim de um ano a empresa normalizou o seu trabalho, pelo que a R. comunicou à A. a caducidade do contrato de trabalho, por terem desparecido as circunstâncias que motivaram a sua celebração. A. exercia com carácter regular tarefas administrativas e de atendimento, pelo que a categoria profissional que lhe corresponde é a de empregada administrativa e, posteriormente de assistente operacional. A R. proporcionou à A. a formação para o curso de PDAM – pessoa diretamente envolvida na atividade de mediação de seguros, que seria ministrado na modalidade de e-learning, sendo da responsabilidade da A. a sua frequência.
Realizado o julgamento a Mmª juíza proferiu decisão julgando a ação nos seguintes termos:

Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente, por em igual medida provada, a presente ação e, em consequência:

A. Condeno a Ré N. C. – MEDIAÇÃO DE SEGUROS E SERVIÇOS, UNIPESSOAL, LD.ª a reconhecer que a relação laboral estabelecida com a autora I. P. teve início em 10.01.2016, vigorando ininterruptamente até 31.10.2019, por tempo indeterminado;
B. Declaro a ilicitude do despedimento da autora;
C. Condeno a Ré a pagar à autora a quantia de €19.495,76 (dezanove mil quatrocentos e noventa e cinco euros e setenta e seis cêntimos) a título de diferenças na retribuição de base e no subsídio de refeição, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento;
D. Condeno a Ré a pagar à autora a quantia de €328,32 (trezentos e vinte e oito euros e trinta e dois cêntimos), a título de formação profissional não prestada, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento;
E. Condeno a Ré a pagar à autora a quantia de €4.995,00 (quatro mil novecentos e noventa e cinco euros), a título de indemnização por despedimento ilícito, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal desde a data do trânsito em julgado da decisão final até efetivo e integral pagamento.
F. Ser a ré condenada a pagar à autora as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento (31.10.2019) até ao trânsito em julgado da decisão a proferir nos presentes autos, deduzido o valor de € 754,83, as quais perfazem até esta data o montante global de de €15.246,96, montante final a que, porém, haverá que descontar o subsídio de desemprego que a autora tiver, eventualmente, auferido, condenando-se a R. a entregar essa quantia relativa a subsídio de desemprego à segurança social, bem como as importâncias que a trabalhadora autora tiver auferido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, tudo a liquidar oportunamente, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal desde a data do trânsito em julgado da decisão final até efetivo e integral pagamento.
Custas por A. e R., na proporção do respetivo decaimento.”
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Inconformada a ré interpôs recurso, apresentando as seguintes conclusões:

1. Entendeu a sentença recorrida que a relação jurídica que vigorou entre Recorrente e Recorrida configura um único contrato de trabalho por tempo indeterminado, em virtude de, no entender da mesma, a estipulação do termo nos contratos de trabalho celebrados é inválida.
2. Ora, entende o Recorrente que os contratos de trabalho a termo celebrados são válidos, estando os respetivos termos perfeitamente fundamentados e justificados.
3. Efetivamente, demonstrou a Recorrente que o motivo justificativo da contratação a termo, que constava da redação das cláusulas contratuais, consubstanciava uma necessidade de acréscimo transitório e temporário da sua atividade.
4. Tal demonstração foi feita com o recurso à matéria controvertida dada como assente na sentença recorrida, nomeadamente os factos 24 e 25 da matéria de facto assente.
5. Acresce que a Recorrida sempre esteve bem ciente da realidade subjacente à fundamentação dos seus contratos de trabalho, bem como da sua correspondência com a realidade, o que reforça a manifesta validade formal e material das cláusulas de fundamentação.
6. A validade dos contratos celebrados, acarreta a revogação da sentença recorrida na parte em que declarou a ilicitude do despedimento da Recorrida, bem como a consequente revogação das prestações nela fixadas a título de indemnização pelo despedimento ilícito, a título de retribuições vencidas desde a data do despedimento até ao seu trânsito em julgado.
7. Por outro lado, e sem qualquer tipo de explicação ou justificação, a sentença recorrida enquadrou a categoria profissional da Recorrida na de Adjunto de Gestor de Clientes, que por força do novo CCT se passou a designar de especialista operacional.
8. Este enquadramento não tem o mínimo sentido, porque esta categoria profissional, conforme decorre do citado CCT, é uma categoria exclusiva para profissionais qualificados, quando a própria sentença recorrida dá como assente que “as atividades de natureza comercial exigem conhecimentos técnicos específicos da atividade seguradora, que a Autora não possuía”.
9. Acresce que o mesmo CCT, na sua cláusula 9ª, estatui que os estagiários de gestor de clientes só serão promovidos a adjuntos de gestor de clientes após completarem cinco anos de serviço nessa categoria.
10. Ora, a Recorrida só esteve ao serviço da Recorrente durante três anos e nove meses, pelo que também por este motivo nunca faria sentido atribuir à Recorrida a categoria de Adjunta de Gestor de Clientes.
11. Assim, quando muito a sentença recorrida poderia ter enquadrado as funções desempenhadas pela Recorrida na categoria de Estagiária de Gestor de Clientes,
12. Categoria que, com a entrada em vigor do novo CCT, passou a denominar-se de assistente operacional, e a ser-lhe fixado um salário de 643,00€.
13. Pelo que, mesmo que se atendesse que à Recorrida teria de ser atribuída a categoria de Assistente Operacional, nunca existiriam quaisquer diferenças salariais a pagar à Recorrida.
14. Assim sendo deverá a sentença recorrida ser revogada na parte em que fixou a categoria de Adjunta de Gestor de Clientes à recorrida, bem como na parte em que condenou a Recorrente a pagar à mesma as diferenças salariais correspondentes.
Em contra-alegações a autora sustenta o julgado.
Neste tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos das Ex.mas Srªs. Adjuntas há que conhecer do recurso.
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Factualidade:

1- A Ré é uma sociedade comercial por quotas, cujo objeto social consiste, no essencial, na mediação de seguros.
2- Em 10.01.2016, a Autora iniciou a prestação de trabalho a favor da Ré.
3- A prestação da Autora era efetuada nas instalações da Ré, sitas na Rua …, em Miranda do Douro, com recurso aos meios técnicos e humanos da empregadora e em cumprimento do período normal de trabalho diário de 8 (oito) horas e semanal de 40 (quarenta) horas, com o seguinte horário de trabalho: 9:00h às 18:00.
4- As funções da A. começaram por ser executadas, por exigência da Ré, ao abrigo de uma prestação de serviços, relativamente à qual foi emitida pela A., em 4/10/2016, uma única fatura-recibo, com data de 04.10.2016, reportada a todo o período compreendido entre janeiro de 2016 e julho do mesmo ano e pelo valor de €4.210,00.
5- Em 15.07.2016, A. e R. outorgaram um contrato de trabalho a termo certo pelo prazo de seis meses, com início a 15/7/2016 e términus em 15/01/2017, por meio do qual a R. admitiu a A. ao seu serviço para as funções inerentes á categoria profissional de “assistente administrativa”, mediante o pagamento da retribuição mensal de €550,00 (quinhentos e cinquenta euros), contrato essa cuja cópia consta de fls. 36 e vº e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
6- Na mesma data a Ré emitiu e entregou à aqui Autora o documento intitulado “Objeto do Dever de Informação ao Trabalhador”, nos termos do qual a Autora prestaria trabalho ao serviço da Ré ao abrigo de um contrato de trabalho a termo certo, outorgado para o exercício das funções de “Assistente Administrativa”, pelo prazo de 6 (seis) meses e mediante o pagamento da retribuição mensal de €550,00 (quinhentos e cinquenta euros).
7- Tendo a Autora prosseguido no exercício das funções que, até então, vinha exercendo.
8- Já em 15 de janeiro de 2017, as partes subscreveram, uma vez mais a solicitação da Ré, um contrato de trabalho a termo certo com o prazo de 1 (um) ano, com início a 16/1/2017 e términus a 15/01/2018, mediante o pagamento da retribuição mensal de € 580,00 (quinhentos e oitenta euros), constando do mesmo contrato a categoria profissional de “Assistente Administrativa”, contrato essa cuja cópia consta de fls. 38 e vº dos autos e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido.
9- Por sua vez, em 15 de Janeiro de 2018, a Ré apresentou à Autora a minuta do contrato de trabalho a termo incerto, cuja cópia consta de fls. 40 e vº e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido, no qual, uma vez mais, constava a categoria de “Assistente Administrativa”, contrato este que as partes igualmente subscreveram, com data de 15.01.2018 e com o início de produção de efeitos em 16.01.2018, mediante o pagamento da retribuição mensal ilíquida então fixada em € 600,00 (seiscentos euros).
10- A qual foi, posteriormente, aumentada para € 700,00 (setecentos euros).
11- À margem do vencimento base pago pela prestação do respetivo trabalho, a Ré pagava à Autora, pontualmente, comissões de venda.
12- Entregas essas unilateralmente definidas pelo legal representante da Ré, que decidia “quanto” e “quando” pagava.
13- A Autora sempre desempenhou com zelo e diligência as funções de que estava incumbida, efetuando todo e qualquer serviço que lhes fosse solicitado e/ou que necessário fosse.
14- Pese embora o exposto, por comunicação datada de 27.09.2019, a Ré comunicou à Autora que o respetivo contrato de trabalho caducaria em 31.10.2019, data a partir da qual esta última deixaria de desempenhar funções ao seu serviço.
15- Comunicação esta acompanhada de uma declaração de dispensa da prestação do trabalho sem perda de retribuição.
16- A R. pagou à Autora, aquando da cessação do contrato de trabalho, a quantia de € 754,83 (setecentos e cinquenta e quatro euros e oitenta e três cêntimos), a título de compensação.
17- Desde a data em que iniciou funções ao serviço da ré a A. desempenhava as seguintes tarefas: fazer cobranças, emitir recibos, atender clientes, controlar as cobranças, avisar das faltas, rever prémios de seguro de acordo com procedimentos previamente instituídos antes de vencimento da apólice, informar o legal representante da Ré e mediador da possibilidade de fazer “uma atenção” ao cliente, atender o telefone, promover a contratação de seguros junto de potenciais clientes e prestar a estes últimos a assistência e o acompanhamento necessários na execução dos seguros contratados.
18- Funções que a A. desempenhava sob a orientação e supervisão do legal representante da Ré.
19- A A., ao serviço da Ré, auferiu as seguintes retribuições de base:
De julho de 2016 a dezembro de 2016, €550,00;
De janeiro a maio de 2017, €580,00;
De junho a dezembro de 2017, €600,00;
De janeiro a dezembro de 2018, €637,00;
De janeiro a outubro de 2019, €700,00.
20- E a título de subsídio de refeição, auferiu os seguintes valores:
De julho de 2016 a dezembro de 2016, €4,27/dia;
De janeiro a dezembro de 2017, €4,52/dia;
De janeiro a dezembro de 2018, €4,52/dia;
Janeiro de 2019, €4,52/dia;
De fevereiro a outubro de 2019, €8,10/dia.
21- Nos anos de 2016, 2018 e 2019 a R. não proporcionou formação profissional à A.
22- A R. apresentou uma candidatura de estágio e no lapso de tempo da sua aprovação, que ocorreu em 29 de junho de 2016, a A. exerceu a sua atividade nas condições referidas supra no nº 4.
23- Contudo, e após aprovação do estágio, apresentado o nome da autora, a mesma não apresentava as condições exigidas para o mesmo.
24- O gerente da empresa encontrava-se a diligenciar a aquisição de uma nova carteira de clientes, pertencente a outro mediador, o que veio acontecer em maio de 2018.
25- Juntamente com a aquisição da carteira de clientes foi condição a integração na empresa da ré da trabalhadora que já exercia as mesmas funções da autora.
26- As atividades de natureza comercial exigem conhecimentos técnicos específicos da atividade seguradora, que a autora não possuía aquando da admissão.
27- Todos os Trabalhadores da ré desempenham funções idênticas.
28- Nunca por qualquer meio ou forma a autora, enquanto trabalhadora da ré, reclamou qualquer outra categoria.
29- A ré, em novembro de 2017, proporcionou à autora a frequência de curso de PDEAM – pessoa diretamente envolvida na atividade da mediação de seguros, com a duração de 83 horas, que conferia competências para a atividade de Mediador de Seguros Vida Não Vida com certificação ASF.
30- A entidade formadora era o “SISEP”, entidade formadora certificada pela DGERT.
31- Com tal formação visava a entidade empregadora / ré, que a autora trabalhasse sem a necessidade da supervisão do mediador.
32- Tal curso seria ministrado na modalidade de e-learning, com a formação a ser feita à distância e eletronicamente e com um exame presencial.
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Conhecendo do recurso:

Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.

Questões levantadas:
- Validade dos contratos de trabalho a termo e licitude da cessação do vínculo contratual
- Enquadramento profissional da autora.
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Vejamos a questão do contrato de trabalho.
A recorrente sustenta a validade da estipulação de termo nos contratos celebrados.
Relativamente à fundamentação da estipulação do termo refere o artigo 141º a obrigatoriedade de forma escrita exigindo-se designadamente:

e) Indicação do termo estipulado e do respectivo motivo justificativo;

3 - Para efeitos da alínea e) do n.º 1, a indicação do motivo justificativo do termo deve ser feita com menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado.

Por sua vez o artigo 140º do CT refere as situações em que é permitida a contratação a termo.
A enumeração das situações em que é admitido o contrato a termo visa garantir o direito à segurança no emprego e o princípio da indeterminação da duração do trabalho.
A indicação do motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo constitui como flui da lei, uma formalidade ad substantiam, cuja falta implica a nulidade da estipulação de termo, considerando-se o contrato celebrado sem termo, não podendo a falta ser suprida por outros meios de prova.

A indicação do motivo deve permitir:

- Ao Trabalhador e ao tribunal avaliar da efetiva verificação do motivo, permitir a compreensão e fiscalização do cumprimento dos pressupostos legais quanto à motivação.
- Estabelecer o nexo de causalidade entre o motivo invocado e o termo estipulado.
Tal exigência não demanda um detalhe total, uma explicação ao nível de um documento técnico elaborado, mas tão só uma explanação de modo a que se ache suficientemente explicitada e percetível a situação de facto concreta que fundamenta a celebração do contrato de trabalho a termo, e de tal modo que permita a um qualquer declaratário colocado na posição do trabalhador, a compreensão do motivo, e ao tribunal proceder á respectiva fiscalização.

Foram celebrados três contratos a termo certo, o primeiro com data de 15/6/2016 com termo a 15/1/2017, constando deste:
Clª 4ª
A 2ª outorgante declara ter conhecimento e aceitar as circunstâncias excecionais e temporárias que justificam a respetiva aposição do termo certo”.
A 15/1/2017 foi celebrado novo contrato agora com termo a 15/1/2018, mantendo a clª 4ª teor idêntico.
A 15/1/2018 foi celebrado novo contrato com termo incerto, constando da clª 3ª:
O presente contrato é celebrado a termo incerto, merecendo o seu inicio as 16/1/2018 e perdurará enquanto se mantiverem as circunstâncias que motivaram a contratação da 2º outorgante nos termos da alínea f) nº 2 do artigo 140º da lei 7/2009 de 12/02 com as alterações introduzidas pela lei 23/2012 de 26/06, (acréscimo excecional de atividade da empresa).
Na decisão considerou-se que a fundamentação reveste caráter genérico não sendo suficientemente clara e precisa a explicitação da motivação.
A recorrente invoca que ficou demonstrada a motivação da celebração dos contratos, referindo designadamente os factos 24 e 25.
Ora os contratos esbarram desde logo numa irregularidade formal, não constar dos mesmos a indicação do motivo, nos termos exigidos pelo artigo 141º, nº 3.
Como se refere na sentença recorrida, “não podem, pois, as partes, substituir essa formalidade de menção expressa dos factos que integram o motivo justificativo por mera declaração de aceitação do motivo genericamente invocado”.
Também não resulta do estipulado qualquer relação entre a duração temporal do termo estipulado e aquele motivo.
Nos termos do artigo 147.º, nº 1, c), considera-se sem termo o contrato de trabalho, em que se omitam ou sejam insuficientes as referências ao termo e ao motivo justificativo.
Por outro, sempre haveria que considerar sem termo o contrato nos termos da al. a) deste mesmo artigo, já que ocorre violação do artigo 149º, nº 3 e 4.
Em resumo, no caso dos autos o motivo concreto não é percetível, sendo a indicação demasiado vaga e genérica, não permitindo a sua fiscalização.
Assim e nesta parte é de confirmar o decidido, sendo que em virtude da nulidade do termo e da natureza indeterminada da relação contratual, a caducidade invocada implica despedimento ilícito conforme se esclarece na decisão recorrida.
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Quanto à categoria profissional.
Defende a recorrente que decorre do CCT que a categoria em que a autora foi enquadrada é exclusiva para profissionais qualificados, quando a própria sentença recorrida dá como assente que “as atividades de natureza comercial exigem conhecimentos técnicos específicos da atividade seguradora, que a Autora não possuía”. Refere ainda que na sua cláusula 9ª, a CCT estatui que os estagiários de gestor de clientes só serão promovidos a adjuntos de gestor de clientes após completarem cinco anos de serviço nessa categoria.
Refere que poderia ter sido enquadrada como Estagiária de Gestor de Clientes, categoria que, com a entrada em vigor do novo CCT, passou a denominar-se de assistente operacional, e a ser-lhe fixado um salário de 643,00€.
A categoria profissional do trabalhador é aquela que corresponder às funções por si efetivamente exercidas. A empregadora não pode qualificar em desarmonia com as funções efetivamente exercidas, sendo que, quando institucionalizada a categoria, como no caso, a mesma é vinculativa, devendo a categoria atribuída corresponder à categoria institucional cujos conteúdos, conteúdos funcionais pré-determinados correspondam ao núcleo essencial das funções efetivamente exercidas - STJ de 21/10/2009, www.dgsi.pt, processo nº 1996/05.1TTLSB.S1.

Resulta da factualidade:
- Desde a data em que iniciou funções ao serviço da ré a A. desempenhava as seguintes tarefas: fazer cobranças, emitir recibos, atender clientes, controlar as cobranças, avisar das faltas, rever prémios de seguro de acordo com procedimentos previamente instituídos antes de vencimento da apólice, informar o legal representante da Ré e mediador da possibilidade de fazer “uma atenção” ao cliente, atender o telefone, promover a contratação de seguros junto de potenciais clientes e prestar a estes últimos a assistência e o acompanhamento necessários na execução dos seguros contratados.
Funções que a A. desempenhava sob a orientação e supervisão do legal representante da Ré.
- A R. apresentou uma candidatura de estágio e no lapso de tempo da sua aprovação, que ocorreu em 29 de junho de 2016, a A. exerceu a sua atividade nas condições referidas supra no nº 4.
- Contudo, e após aprovação do estágio, apresentado o nome da autora, a mesma não apresentava as condições exigidas para o mesmo.
- As atividades de natureza comercial exigem conhecimentos técnicos específicos da atividade seguradora, que a autora não possuía aquando da admissão.
- Todos os Trabalhadores da ré desempenham funções idênticas.
- Nunca por qualquer meio ou forma a autora, enquanto trabalhadora da ré, reclamou qualquer outra categoria.
- A ré, em novembro de 2017, proporcionou à autora a frequência de curso de PDEAM – pessoa diretamente envolvida na atividade da mediação de seguros, com a duração de 83 horas, que conferia competências para a atividade de Mediador de Seguros Vida Não Vida com certificação ASF.
- Com tal formação visava a entidade empregadora / ré, que a autora trabalhasse sem a necessidade da supervisão do mediador.

Refere a recorrente que a autora poderia ter sido enquadrada como Estagiária de Gestor de Clientes, categoria que, com a entrada em vigor do novo CCT, passou a denominar-se de assistente operacional, e a ser-lhe fixado um salário de 643,00€.
É aplicável CTT para o setor da mediação de seguros, BTE 20/2008, com PE no BTE 38/2008.
Sobre categorização dispõe a Clª 7ª, referindo no seu nº 1 que “a entidade patronal é obrigada a proceder à classificação dos trabalhadores, de acordo com a função que cada um efetivamente exerce, nas categorias profissionais enumeradas no presente CCT”.

A clª 9ª, invocada pela recorrente, refere:
Promoções
Cláusula 9.ª
Promoções obrigatórias
1 — Os estagiários serão promovidos, respetivamente, a adjunto de gestor de clientes, a empregado administrativo e a empregado de serviços gerais quando completarem 5 anos de serviço na categoria e na atividade.
2 — Sem prejuízo da atualização anual da tabela salarial, os estagiários que completem 2 anos de serviço na categoria e na atividade, terão direito a um suplemento de ordenado de 10%.
3 — O suplemento de ordenado referido no número anterior será renovado anualmente, até que o estagiário seja promovido nos termos do n.º 1.
A recorrente assenta a sua alegação no pressuposto de que a autora foi admitida como estagiária. Tal não resulta do contrato. A candidatura apresentada, pela ré, saliente-se, teve em vista conseguir benefícios, não demonstrado por si que a autora tenha sido contratada nessa qualidade. Nos contratos nada se refere a propósito. A autora foi contratada para exercer as funções de assistente administrativa, categoria contratual, a qual corresponderá, à categoria de empregado administrativo, tendo na realidade desenvolvido, além dessas funções, as enunciadas atrás – fazer cobranças, emitir recibos, atender clientes, controlar as cobranças, avisar das faltas, rever prémios de seguro de acordo com procedimentos previamente instituídos antes de vencimento da apólice, informar o legal representante da Ré e mediador da possibilidade de fazer “uma atenção” ao cliente, atender o telefone, promover a contratação de seguros junto de potenciais clientes e prestar a estes últimos a assistência e o acompanhamento necessários na execução dos seguros contratados.
Funções que a A. desempenhava sob a orientação e supervisão do legal representante da Ré. Aliás todos os trabalhadores da ré desempenham funções idênticas. A CCT prevê a categoria de gestor de clientes como quadro médio, referindo que “é o trabalhador que desenvolve ação comercial, prestando assistência e acompanhando o processo dos clientes”. Prevê como profissional qualificado o “adjunto do gestor de cliente”

Da CCT, designadamente a referida clª 9ª, não resulta que a realização do estágio seja obrigatória para ingresso na categoria, ou carreira em causa. Veja-se que a CCT publicada no BTE 40/2018 na Clª 6ª se refere:
“Estágios de ingresso
1- O ingresso nas categorias dos grupos profissionais de gestor, técnico, operacional e apoio poderá ficar dependente de um período de estágio que, em caso algum, poderá exceder 24 meses de trabalho efetivo na empresa”.
Assim e tendo em conta o núcleo essencial das funções exercidas e seu modo de exercício, como se refere na decisão recorrida, a categoria correta é a de adjunto de gestor de clientes. Com a entrada em vigor do CCT publicada no BTE nº 40/2018, tal categoria foi integrada na carreira profissional de operacional e de acordo com a tabela de correspondências estabelecida no seu Anexo IV, passou a designar-se especialista operacional.
Consequentemente mostra-se correta a qualificação efetuada. Por tudo o exposto, e pelas demais razões expendidas na decisão recorrida é de manter a mesma.
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DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação confirmando-se a decisão.
Custas pela recorrente
15/06/2021

Antero Veiga
Alda Martins
Vera Sottomayor