Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5819/18.3T8BRG-A.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
RESOLUÇÃO ILÍCITA DO CONTRATO
TRANSMISSÃO DA POSIÇÃO DO EMPREGADOR
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – Em regra só existe omissão de pronúncia nos termos da al. d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, quando o Tribunal deixa de apreciar questões submetidas pelas partes à sua apreciação.
O Tribunal tem de apreciar e decidir as questões processuais trazidas aos autos pelas partes – pedidos formulados e excepções deduzidas – e todos os factos em que assentam, mas não está obrigado a pronunciar-se sobre todos os argumentos esgrimidos pelas partes nos autos, nem tão pouco está obrigado a atentar em todo o acervo fáctico trazido pelas partes, designadamente quando o mesmo é desprovido de interesse.

II – Não estamos perante o apontado vício da sentença, na situação em que foram apreciadas todas as questões relevantes submetidas à apreciação do juiz, nomeadamente as referentes à resolução do contrato.

III – Sempre que a transmissão para o adquirente da posição do empregador no respetivo contrato de trabalho possa causar prejuízo sério ao trabalhador, quer por manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente, ou se a política de organização do trabalho deste não lhe merecer confiança, ou noutras situações em que se formule um juízo de prognose de prejuízo sério, o trabalhador poderá exercer o direito de oposição de forma a manter-se vinculado ao transmitente ou por termo ao vínculo contratual (justa causa de resolução objectiva do contrato da iniciativa do trabalhador).

IV- Incumbe ao autor especificar, por escrito, de forma objectiva e detalhada os factos e circunstâncias subsumíveis no conceito de prejuízo sério ou seja que a transmissão da empresa ou estabelecimento, tem a virtualidade de poder vir a causar-lhe um prejuízo que não é insignificante, nem de pequena monta, designadamente por virtude da falta de solvabilidade da adquirente, ou se o nível de organização do trabalho deste, não lhe merecer confiança, de forma tornar inexigível a manutenção da relação laboral.

V – Não se encontrando a causa justificativa da resolução do contrato suficientemente alegada, não pode considerar-se de lícita a desvinculação que se invoca que ocorreu com justa causa.
Decisão Texto Integral:
APELANTE - A. J.
APELADAS - X – Comércio de Gás e Electrodomésticos, Lda” e “Y Braga – Sociedade de Distribuição de Gás, S.A.
Tribunal da Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de Braga, Juiz 2

Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

A. J. instaurou acção declarativa comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra “X – COMÉRCIO DE GÁS E ELECTRODOMÉSTICOS, LDA” e Y BRAGA – SOCIEDADE DE DISTRIBUIÇÃO DE GÁS, S.A., pedindo a condenação solidária das Rés a pagar-lhe:

a) Indemnização por resolução com justa causa, no montante de €14.509,09 (catorze mil quinhentos e nove euros e nove cêntimos);
b) Remuneração relativa a férias, proporcionais de férias, respectivos subsídios de férias e de Natal, no montante de 2.466,57 (dois mil, quatrocentos e sessenta e seis euros e cinquenta e sete cêntimos);
c) Remuneração relativa a horas de formação, no montante de 380,00 (trezentos e oitenta euros);
d) Remuneração relativa a diuturnidades 8.342,21 (oito mil, trezentos e quarenta e dois euros e vinte um cêntimos).

As Rés apresentaram contestação.

Seguidamente, o Tribunal a quo considerou que os autos continham todos os elementos necessários para conhecer parcialmente do mérito da causa, no que respeita ao pedido de declaração da licitude da resolução do contrato de trabalho e consequente condenação da 2ª Ré no pagamento da indemnização no valor de 14.509,09 € (alínea a) do pedido), bem como ao pedido de condenação no pagamento da remuneração relativa a diuturnidades no montante de 8.342,21 € (alínea d) do pedido).

Da referida decisão fez constar o seguinte dispositivo:

2.3. Em face do exposto, julgando ilícita a resolução do contrato de trabalho, absolvo as Rés do pedido condenatório no pagamento da quantia de 14.509,09 €, a título de indemnização pela resolução do contrato de trabalho.
Vão ainda ambas as RR. absolvidas do pedido de condenação no pagamento de qualquer valor, a título de diuturnidades.
Custas nesta parte a cargo do Autor, a contar a final.
Notifique.”

Inconformada com esta decisão, dela veio o Autor interpor recurso de apelação, em separado para este Tribunal da Relação, apresentando alegações que depois de aperfeiçoados terminaram mediante a formulação das seguintes conclusões:

A- Os fundamentos deste recurso prendem-se essencialmente sobre a questão do “prejuízo sério” e da “confiança” na nova entidade patronal.
B- No entendimento do Tribunal a quo o Autor não invocou factos concretos que pudessem corroborar o sua resolução com justa causa, pois, no seu entendimento, não existe nenhum prejuízo sério, nem sequer factos que demonstram a falta de confiança.
C- Conforme dado como provado – “no dia 23 de agosto de 2018, foi enviada comunicação ao Autor, na qualidade de trabalhador da 1ª Ré, que era intenção desta última proceder à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho, em virtude da transmissão do seu estabelecimento comercial –“X” – para a 2ª Ré.”
D- A referida comunicação violou a norma legal prevista no artigo 286.º do Código do Trabalho.
E- Acresce que, os trabalhadores não foram informados da possibilidade de designarem, entre eles, uma comissão representativa, com vista à consulta prévia à transmissão, prevista no n.º 4 do artigo 286.º do Código do Trabalho.
F- Nem tão pouco, da possibilidade de deduzir oposição à transmissão, prevista no artigo 286º-A do Código do Trabalho, instituto jurídico introduzido pela Lei n.º 14/2018, de 19 de março, o que revela a falta de transparência e segurança jurídica em que ocorreu a referida transferência;
G- Deste modo, e na sequência da referida comunicação de que iria haver a transmissão, os recorrentes enviaram à 1ª Ré, transmitente, uma missiva a opor-se à transmissão (documento nº 4 da petição inicial), porém não foi aceite a oposição manifestada pelos Recorrentes.
H- Assim, a 1ª Ré veio confirmar a transmissão definitiva da posição do empregador no seu contrato de trabalho, com efeitos a 1 de outubro de 2018 (documento nº 5 da petição inicial);
I- Estes documentos, foram olvidados pelo Tribunal a quo, e estes demonstram que os Recorrentes se oposeram à transmissão!!
J- Aqui, o recorrente invocou um prejuízo sério que foi veiculado pela falta de informação!!!
K- A Lei n.º 14/2018 veio possibilitar ao trabalhador opor-se à transmissão do contrato com fundamento na falta de confiança no transmissário (com o qual não celebrou nenhum contrato), reconhece a existência e dignidade daquele enquanto pessoa, e não como mero elemento do estabelecimento.
L- Por outro lado, a Lei n.º 14/2018 passou a prever que a transmissão do estabelecimento nos termos do art. 285.º constitui justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, caso em que o trabalhador terá direito a uma compensação calculada nos termos do art. 366.º.
M- Em suma, o trabalhador passa a poder opor-se à transmissão do estabelecimento, fundamentando em prejuízo sério ou falta de confiança na organização do transmissário.
N- Podendo optar pela manutenção do contrato com o transmitente, ou pela resolução com justa causa, sem prejuízo da aplicação das normas respeitantes à caducidade do contrato. Esta solução legislativa revela uma valorização da autonomia contratual e da dignidade e liberdade do trabalhador.
O- O Recorrente tal como supra mencionado resolveu com justa causa o contrato de trabalho celebrado com a 1º Ré e cuja posição do empregador se transmitiu para a 2ª Ré, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 3 do artigo 394.º do Código do Trabalho;
P- A motivação da presente resolução prendeu-se com o facto de a transmissão poder causar-lhe prejuízo sério.
Q- Acresce que, o há ainda falta de confiança, pois os Recorrentes desconhecem os contornos e os motivos em que a referida transmissão ocorreu, assim como, as consequências e medidas projetadas para este, por falta de transparência e de informação por parte da 1ª e 2ª Rés, em clara violação do disposto no artigo 286.º do Código do Trabalho,
R- Concluindo, a factualidade descrita e a motivação apresentada, corroborada documentalmente, constitui legítima justa causa de resolução do contrato, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 394.º do Código do Trabalho, pelo que não andou bem o Tribunal a quo.”

Termina peticionando a revogação da decisão com a sua consequente substituição por outra que declare que os fundamentos invocados pelo autor para o despedimento por justa causa são efectivamente válidos.

Respondeu a Recorrida/Apelada defendendo a manutenção do julgado.
*
Admitido o recurso na espécie própria, com o adequado regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a esta 2ª instância.
Foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 87.º n.º 3 do C.P.T., tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
Não foi apresentada qualquer resposta ao parecer.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões do recorrente (artigos 635º, nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, que aqui se não detetam, colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:
- Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
- Da resolução lícita do contrato de trabalho com direito a indemnização.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Encontram-se provados os seguintes factos:

a) O Autor foi admitido a trabalhar sob a autoridade e direcção da 1ª Ré no dia 9 de Maio de 1990, através de contrato verbal.
b) O Autor sempre exerceu as funções de distribuidor.
c) Ultimamente auferia a retribuição base mensal de 750,00 €, acrescida de abono para falhas no valor de 37,50 €/mês e cartão ticket refeição, no valor de 6,83€.
d) No dia 23 de Agosto de 2018 foi enviada ao Autor comunicação, na qualidade de trabalhador da 1ª Ré, que era intenção desta proceder à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho, em virtude da transmissão do seu estabelecimento comercial – “X” – para a 2ª Ré.
e) Por contrato de trespasse celebrado entre a “Y Braga” e a “X – Comércio de Gás e Electrodomésticos, Limitada” – e com efeitos a partir de 1 de Outubro de 2018 – a “Y Braga” adquiriu o estabelecimento comercial de comércio de gás situado em Braga, que era, até essa data, propriedade da sociedade “X”.
f) Por carta registada com aviso de recepção, datada de 10 de Outubro de 2018, o Autor comunicou à 2ª Ré a resolução do seu contrato de trabalho, nos termos constantes da respectiva cópia junta com a petição a fls. 8/9 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

IV - APRECIAÇÃO DO RECURSO

1. Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia

O Autor, Recorrente/Apelante veio arguir a nulidade da sentença, por alegada omissão de pronúncia sobre questões que seriam essenciais à boa decisão da causa, já que não foi tomada posição sobre toda a factualidade alegada na petição inicial, como causa de pedir e que seria relevante para a procedência do pedido de declaração de licitude da resolução do contrato de sua iniciativa.

Dispõe o artigo 615º n.º 1 do C.P.C. o seguinte:

“1 – É nula a sentença quando:
a) (…)
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; (negrito nosso)
e) (…).”

A nulidade invocada está relacionada o incumprimento do poder/dever de resolver todas as questões submetidas à apreciação do tribunal, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, em conformidade com o previsto no n.º 2 do artigo 608.º do C.P.C.
O vício processual de omissão de pronúncia reconduz-se a uma ausência de emissão de um juízo apreciativo sobre uma questão processual ou de direito material-substantivo que os sujeitos tenham, expressamente, suscitado e que o juiz em observância ao princípio da cognoscibilidade deva tomar conhecimento. O juiz tem por obrigação emitir um juízo de valoração e de apreciação sobre todas as questões que os sujeitos processuais reputem pertinentes para a decisão do pleito.
Contudo, conforme resulta do n.º 3 do art.º 5.º do CPC., o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação e aplicação das regras de direito, mas apenas tem de se pronunciar “sobre questões que devesse apreciar” e “conhecer de questões de que não podia deixar de tomar conhecimento”.
Tudo isto para dizer que ao Tribunal cabe o dever de conhecer do objecto do processo definido pelo pedido deduzido e respectiva causa de pedir.
A este propósito da omissão de pronúncia escreveu-se no Acórdão do STJ de 3/07/2008, proferido no Proc. n.º 08P13112, relatado pelo Senhor Conselheiro Simas Santos o seguinte: “A omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes ou de que deva conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidos pelas partes na defesa das teses em presença.”

Como escreve também Alberto dos Reis, CPC Anotado, V, pág.143, a este propósito, “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão jurídica produzida pela parte”, “o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão (…)”.
Alega a recorrente que a sentença é nula por existirem questões que foram submetidas à apreciação do juiz cuja resposta foi omitida, designadamente a oposição que consta do documento n.º 4 e a resposta que consta do documento n.º 5 ambos juntos com a p.i.
Ao percorrermos a alegação da recorrente constatamos que esta invoca a omissão de pronúncia não sobre questões que deveriam ter sido apreciadas (pois estas, não as identifica), mas centra-se na análise da prova e na valoração dos elementos contantes do processo, que na sua ótica poderia conduzir a uma outra decisão.
Salvo o devido respeito, por opinião em contrário, não estamos perante o apontado vício da sentença, ao invés o que ressalta da análise da decisão recorrida é precisamente apreciação e valoração de todas as questões relevantes submetidas à apreciação do juiz, designadamente foi tomada posição sobre toda a factualidade invocada na petição inicial relevante para a apreciação do pedido de declaração de licitude da resolução do contrato.
O pedido formulado respeita à apreciação da justa causa de resolução do contrato e indemnização daí adveniente, pedido este que se mostra apreciado, a que acresce dizer que na fundamentação da decisão foram tidos em atenção os documentos relevantes para apreciação das questões suscitadas, designadamente a carta de resolução do contrato, sendo pouco ou nada relevante, quer a eventual oposição à transmissão pelo Autor, quer a comunicação da intenção de rescindir o contrato caso ocorresse a transmissão.
Questão diversa é a de saber se a decisão recorrida padece de erro de julgamento, em matéria de direito, o que será apreciado em momento próprio.
Em suma, em regra só existe omissão de pronúncia nos termos da al. d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, quando o Tribunal deixa de apreciar questões submetidas pelas partes à sua apreciação, sendo certo que o Tribunal tem de apreciar e decidir as questões processuais trazidas aos autos pelas partes – pedidos formulados e excepções deduzidas – e todos os factos em que assentam, mas não está obrigado a pronunciar-se sobre todos os argumentos esgrimidos pelas partes nos autos, nem tão pouco está obrigado a atentar em todo o acervo fáctico trazido pelas partes, designadamente quando o mesmo é desprovido de interesse.
Não ocorre a invocada nulidade, improcede nesta parte o recurso interposto

2. Da resolução lícita do contrato de trabalho com direito a indemnização.

Sustenta a Recorrente que os fundamentos por si invocados são suficientes para que lhe seja reconhecida a justa causa de resolução do contrato de sua iniciativa, nos termos previstos nos artigos 286.º, 366.º e 394.º, n.º 3, alínea d), do CT, decorrendo a invocação do “prejuízo sério” e da “falta de confiança” no transmissário, da alegada falta de transparência e de informação, prévia à transmissão operada – cfr. conclusões A) a R).

Vejamos:

Prescreve o art.º 394.º do Código do Trabalho que:

“1 - Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.
2 - Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador:
a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;
b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador;
c) Aplicação de sanção abusiva;
d) Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho;
e) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador;
f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, incluindo a prática de assédio denunciada ao serviço com competência inspetiva na área laboral, praticada pelo empregador ou seu representante.
3 - Constituem ainda justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador:
a) Necessidade de cumprimento de obrigação legal incompatível com a continuação do contrato;
b) Alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício lícito de poderes do empregador;
c) Falta não culposa de pagamento pontual da retribuição.
d) Transmissão para o adquirente da posição do empregador no respetivo contrato de trabalho, em consequência da transmissão da empresa, nos termos dos n.os 1 ou 2 do artigo 285.º, com o fundamento previsto no n.º 1 do artigo 286.º-A” (negrito nosso).
4 - A justa causa é apreciada nos termos do n.º 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações.
5 - Considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo.”

Por conseguinte estatui o n.º 1 do art.º 286.º-A, do Código do Trabalho, introduzido pela Lei n.º 14/2018, de 19/03, que procedeu à 13ª alteração ao Código do Trabalho de 2009, “alterando o regime jurídico aplicável à transmissão de empresa ou estabelecimento e reforçando os direitos dos trabalhadores”, o seguinte:

“O trabalhador pode exercer o direito de oposição à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho em caso de transmissão, cessão ou reversão de empresa ou estabelecimento, ou de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, nos termos dos n.os 1 ou 2 do artigo 285.º, quando aquela possa causar-lhe prejuízo sério, nomeadamente por manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente ou, ainda, se a política de organização do trabalho deste não lhe merecer confiança(negrito nosso).

No que respeita às formalidades e prazos que esta forma de cessação do contrato de trabalho está obrigada a observar, prescreve o n.º 1 do art.º 395.º do CT que “O trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos” (negrito nosso).

Decorre ainda do disposto no n.º 3 do art.º 351.º, do Código do Trabalho que:

Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.”
Por fim, resulta ainda do disposto no artigo 398.º, n.º 3 do CT, que na acção em que for apreciada a justa causa de resolução do contrato o tribunal apenas poderá atender aos factos que tenham sido invocados pelo trabalhador na comunicação que, para tanto, dirigiu ao empregador.
Tudo isto significa que a declaração de resolução emitida pelo trabalhador deverá ser cuidadosamente pensada, sem menções genéricas ou meras remissões para normas legais, sendo necessária a alegação de factos concretos, devendo por isso o trabalhador descrever, ainda que de forma concisa e sucinta, o quadro factual revelador da impossibilidade de continuar a manter a relação contratual com o empregador.
Das citadas disposições legais resulta inequívoco que na acção judicial onde for apreciada a ilicitude da resolução apenas são atendíveis para a justificar, os factos constante da respectiva comunicação, são apenas estes e não outros que podem ser invocados judicialmente.

Refere Maria do Rosário Palma Ramalho, “Tratado de Direito do Trabalho, Parte II - Situações Laborais Individuais”, 5ª edição, pág.1099, que “A resolução do contrato por justa causa depende da observância do procedimento previsto no art.395º do CT”, devendo a declaração de resolução “ser emitida sob forma escrita e com a indicação sucinta dos respectivos factos justificativos (art. 395º n.º 1). Apesar da referência da lei ao carácter “sucinto” desta indicação, a descrição clara dos facto justificativos da resolução é importante, uma vez que, em caso de impugnação judicial da resolução, são esses factos os únicos atendíveis pelo tribunal, nos termos do artigo 398º n.º 3”.
Importa ainda realçar que com as necessárias adaptações a justa causa é apreciada tendo em atenção a inexigibilidade na subsistência do contrato de trabalho, em face do fundamento invocado para a resolução do contrato pelo trabalhador.
Com a entrada em vigor da Lei n.º 14/2018, de 19/03, o trabalhador passou a poder exercer um direito de oposição à transmissão da empresa ou do estabelecimento – cfr. art.º 286.º A- ou seja foi introduzido o direito de oposição de transmissão da posição do empregador relativamente ao seu contrato de trabalho, como foi também introduzida como solução alternativa ao exercício deste direito, passando a constar da citada al. d) do n.º 3 do art.º 394.º do CT., uma justa causa de resolução objectiva do contrato pelo trabalhador, com direito a compensação calculada no termos do art.º 366.º do CT, sempre que na pendência da transmissão, se verifique algum dos motivos que legitimem o exercício do direito de oposição.
Para que o trabalhador possa exercer quer o direito de oposição, quer a resolução do contrato com justa causa terá a transmissão de lhe puder causar prejuízo sério, nomeadamente, por manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente ou, se a política de organização do trabalho deste não lhe merecer confiança.
Resumindo, sempre que a transmissão para o adquirente da posição do empregador no respetivo contrato de trabalho possa causar prejuízo sério ao trabalhador, quer por manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente, ou se a política de organização do trabalho deste não lhe merecer confiança, ou noutras situações em que se formule um juízo de prognose de prejuízo sério, o trabalhador poderá exercer o direito de oposição de forma a manter-se vinculado ao transmitente ou por termo ao vínculo contratual (justa causa de resolução objectiva do contrato da iniciativa do trabalhador).
Como referem de forma conclusiva David Falcão e Sérgio Tenreiro Tomás in “Algumas notas sobre o regime jurídico aplicável à transmissão de empresa”, Prontuário de Direito do Trabalho, 2018 – I, pág. 116 “Portanto, sempre que a transmissão possa causar prejuízo sério ao trabalhador, nomeadamente, por manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente ou, se a política de organização do trabalho deste não lhe merecer confiança, o trabalhador dispõe da possibilidade de exercer o direito de oposição de forma a manter-se vinculado ao transmitente (quando viável) ou de romper o vínculo contratual.”
Por fim, cabe-nos dizer que recaía sobre o Autor o ónus de prova, referente ao facto constitutivo da justa causa invocada, que no caso respeita à transmissão da empresa ou estabelecimento, concretamente operada, que cause ao trabalhador prejuízo sério ou que tenha a virtualidade de poder vir a causar-lhe um prejuízo sério, designadamente por falta de solvabilidade da adquirente, ou se o nível de organização do trabalho deste, não lhe merecesse confiança, de forma tornar inexigível a manutenção da relação laboral.
O conceito de prejuízo sério, que constitui o fundamento da justa causa de resolução terá de ser concretizado através dos respectivos factos constitutivos, por parte daquele a quem aproveitam – no caso o autor, cfr. art.º 342.º do CC.
Incumbe assim ao autor especificar, por escrito, de forma objectiva e detalhada os factos e circunstâncias subsumíveis no conceito de prejuízo sério ou seja que a transmissão da empresa ou estabelecimento, tem a virtualidade de poder vir a causar-lhe um prejuízo que não é insignificante, nem de pequena monta, designadamente por virtude da falta de solvabilidade da adquirente, ou se o nível de organização do trabalho deste, não lhe merecer confiança, de forma tornar inexigível a manutenção da relação laboral.
Como refere David Carvalho Martins in “Novo regime da transmissão de unidade económica: algumas notas” in Prontuário de Direito do Trabalho, 2018, I, pág. 134, “O trabalhador tem o ónus de identificar factos e circunstâncias dos quais possa resultar a existência de um prejuízo sério, nomeadamente tendo em conta as situações-tipo anteriormente referidas. Por outro lado, o dever de concretização deste conceito indeterminado, através dos respectivos factos constitutivos, por parte daquele a quem aproveitam (art. 342.º, n.º 1, do CC) tem plena aplicação.
Em suma, o trabalhador deve comunicar, por escrito, os factos e circunstâncias dos quais pode resultar, nomeadamente segundo um juízo de prognose, um prejuízo sério para a sua situação jurídico-laboral emergente da modificação subjectiva da posição jurídica de empregador.”
Tal indicação basta-se com uma referência factual concretizada, não sendo por isso suficiente as indicações genéricas e conclusivas, pois só assim, por um lado se permite apreciar a justa causa invocada pelo trabalhador e por outro lado se permite ao empregador conhecer a razão da resolução, para que se possa poder defender.

Na carta que o Autor enviou à 2ª Ré a comunicar a resolução do contrato de sua iniciativa, sobre os motivos fundamentadores da justa causa apenas consta o seguinte:

“(…)
18º-A motivação da presente resolução prende-se com o facto de a transmissão poder causar-lhe prejuízo sério;
20º-O Autor desconhece os contornos e os motivos em que a referida transmissão ocorreu, assim como, as consequências e medidas projetadas para este, por falta de transparência e de informação por parte da 1ª e 2ª Rés, em clara violação do disposto no artigo 286.º do Código do Trabalho,
21º- O que, efetivamente coloca o Autor numa posição frágil e de total desconhecimento e insegurança quanto à sua relação laboral, a que o mesmo não está obrigado a sujeitar-se ou sequer assumir os riscos que a mesma pode acarretar.
22º- Ademais, a 2ª Ré, na qualidade de adquirente do referido estabelecimento comercial, foi criada recentemente, desconhecendo o Autor a sua credibilidade no mercado, a sua própria estabilidade e capacidade financeira, assim como, a detenção de estabelecimentos comerciais com escopo comercial idêntico, o que também acarreta uma certa desconfiança na sua política de organização do trabalho;

Pelo exposto,
23º-A factualidade descrita e a motivação apresentada constitui legítima justa causa de resolução do contrato, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 394.º do Código do Trabalho.
(…)”
Do teor da referida missiva resulta desde logo que o Autor/Recorrente não concretiza o sério prejuízo resultante da transmissão, designadamente não alega qualquer facto relacionado com a falta de solvabilidade da adquirente ou situação financeira difícil do adquirente, ou a nível de organização do trabalho deste, não lhe merecer confiança, de forma tornar inexigível a manutenção da relação laboral.
É certo que no que respeita à desconfiança na politica de organização do trabalho esta teria de se traduzir, no receio de um prejuízo futuro, que se deve fundar em indícios concretos, sob pena, de tal como afirma o Conselheiro Júlio Gomes, de não vermos qualquer utilidade em a lei exigir a indicação desse “fundamento”.
No entanto, tal como alega o recorrente,” a 2ª Ré, na qualidade de adquirente do referido estabelecimento comercial, foi criada recentemente…”e sendo assim parece um pouco estranho e até inverosímil que se pudesse desconfiar da política de organização do trabalho, que ainda nem sequer existe.
Por outro lado, o facto de na opinião do trabalhador não lhe ter sido prestada informação suficiente sobre os contornos da transmissão, não tendo esta sido transparente, tal não redunda em concreto num qualquer e eventual prejuízo, pois na altura própria incumbia ao trabalhador solicitar ao seu empregador mais informação, que ao que tudo indica não foi solicitada.

Com efeito, o trabalhador/recorrente não alega na sua missiva quaisquer factos materiais e concretos que nos permitam concluir que a 2ª Ré que não tem credibilidade no mercado, nem usufrui de estabilidade financeira originando assim um eventual, concreto e sério prejuízo para o trabalhador a transferência operada.
Como bem observa o juiz a quoO Autor apenas manifesta a sua desconfiança naquela empresa, não adiantando qualquer base factual que pudesse gerar tal desconfiança.”
Resumindo, podemos afirmar que do teor da carta de resolução do contrato enviada não se extrai qualquer conclusão sobre a eventualidade de, a transmissão operada, redundar em concreto e sério prejuízo para Autor, qualquer que ele fosse. E assim sendo teremos de concluir que causa justificativa da resolução do contrato não se encontra suficientemente alegada, pelo que não pode considerar-se de lícita a desvinculação que se invoca que ocorreu com justa causa.
Ora, não estando reunidos os requisitos de natureza procedimental previstos no n.º 1 do art.º 395.º do CT., teremos de concluir que a sentença recorrida não padece de qualquer erro na subsunção dos factos ao direito, pelo que é de manter.

V – DECISÃO

Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos artigos 87.º do C.P.T. e 663.º do C.P.C., acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso de apelação interposto por A. J., confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.
Custas a cargo do Recorrente.
Notifique.
Guimarães, 17 de Dezembro de 2019

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso
Antero Dinis Ramos Veiga

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Sumário – artigo 663º n.º 7 do C.P.C.

I – Em regra só existe omissão de pronúncia nos termos da al. d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, quando o Tribunal deixa de apreciar questões submetidas pelas partes à sua apreciação.
O Tribunal tem de apreciar e decidir as questões processuais trazidas aos autos pelas partes – pedidos formulados e excepções deduzidas – e todos os factos em que assentam, mas não está obrigado a pronunciar-se sobre todos os argumentos esgrimidos pelas partes nos autos, nem tão pouco está obrigado a atentar em todo o acervo fáctico trazido pelas partes, designadamente quando o mesmo é desprovido de interesse.
II – Não estamos perante o apontado vício da sentença, na situação em que foram apreciadas todas as questões relevantes submetidas à apreciação do juiz, nomeadamente as referentes à resolução do contrato.
III – Sempre que a transmissão para o adquirente da posição do empregador no respetivo contrato de trabalho possa causar prejuízo sério ao trabalhador, quer por manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente, ou se a política de organização do trabalho deste não lhe merecer confiança, ou noutras situações em que se formule um juízo de prognose de prejuízo sério, o trabalhador poderá exercer o direito de oposição de forma a manter-se vinculado ao transmitente ou por termo ao vínculo contratual (justa causa de resolução objectiva do contrato da iniciativa do trabalhador).
IV- Incumbe ao autor especificar, por escrito, de forma objectiva e detalhada os factos e circunstâncias subsumíveis no conceito de prejuízo sério ou seja que a transmissão da empresa ou estabelecimento, tem a virtualidade de poder vir a causar-lhe um prejuízo que não é insignificante, nem de pequena monta, designadamente por virtude da falta de solvabilidade da adquirente, ou se o nível de organização do trabalho deste, não lhe merecer confiança, de forma tornar inexigível a manutenção da relação laboral.
V – Não se encontrando a causa justificativa da resolução do contrato suficientemente alegada, não pode considerar-se de lícita a desvinculação que se invoca que ocorreu com justa causa.

Vera Sottomayor