Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
297/11.0TTVCT.G1
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
TRABALHADOR POR CONTA PRÓPRIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/03/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: 1- A dupla qualidade de trabalhador e empregador assumida pelo trabalhador independente, requer a adaptação do regime legal de reparação de danos por acidente de trabalho a tal especificidade.
2- Registando-se inobservância de regras legais de segurança – e só destas- por parte do trabalhador por conta própria, não há lugar à reparação do sinistro.
3- Sem dependência da invocação das concretas normas legais sobre segurança que foram objeto de violação, não há como imputar uma tal violação e afastar a reparabilidade.
Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Guimarães:

J.., casado, carpinteiro, residente na Rua.., Viana do Castelo, sinistrado nos autos à margem referenciados, não se conformando com a douta sentença, que julgou totalmente improcedentes os pedidos por si formulados, deles absolvendo a Ré Seguradora, .. – Companhia de Seguros, S.A, vem interpor RECURSO.
Pede a revogação da sentença.
Funda-se nas seguintes conclusões:
1- Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou totalmente improcedentes os pedidos formulados pelo A. e pelo Instituto de Segurança Social, deles absolvendo a Ré Seguradora.
2- Resulta da douta sentença recorrida, dos factos provados, além do mais, o seguinte:
Ponto 7- O A. havia colocado uma peça no interruptor de forma a “simular” que a tampa/proteção estava fechada, de forma a máquina continuar em movimento.
Ponto 8 – Por isso, quando introduziu a sua mão direita para retirar os resíduos, a fresa movimentou-se, provocando-lhe lesões nessa mão.
3- É entendimento do recorrente que não podiam ter sido dados como provados os pontos 7 e 8 da douta sentença, porquanto da prova produzida, bem como, dos documentos a que o Tribunal a quo faz referência na sua fundamentação, não resulta provada essa factualidade.
4- Competia à Ré fazer prova de que o acidente resultou da inobservância das regras de segurança, prova que a mesma não logrou fazer.
5- É a seguinte a fundamentação do Tribunal a quo, quanto à matéria dada como provada: A convicção do tribunal, no que se refere às respostas positivas supra exaradas, resultou do teor do depoimento de A.., bem como da análise crítica dos documentos de fls. 3 (carta enviada ao sinistrado a declinar a responsabilidade) e 51 a 53 (documentos comprovativos de uma eventual reparação na máquina).
A referida testemunha A.., que não tem qualquer interesse no desfecho da causa (trata-se de uma funcionária de uma empresa de peritagem que prestou esse serviço para a R. seguradora), efetuou um depoimento isento, claro, seguro e pormenorizado, onde relatou que o sinistrado, quando foi por ela contactado, descreveu e reconstituiu na sua presença o acidente nos exatos termos em que se deram como provados; nessa altura, em momento algum, o sinistrado fez qualquer referência à existência de uma falha/avaria na máquina em causa, que tivesse sido a origem do sinistro.
Não foi produzida qualquer prova que, de forma significativa, pudesse pôr em causa o conteúdo deste depoimento.
Na realidade, as declarações do A, por ser o principal interessado, são obviamente parciais e têm, por isso, um reduzido valor, quando desacompanhadas de qualquer outro elemento probatório seguro; acresce que era notório um esforço do declarante no sentido de antecipar as consequências das respostas que dava aos pedidos de esclarecimento que lhe eram pedidos, adequando as suas réplicas ao efeito que pretendia alcançar; por fim, deixou por esclarecer dois pontos essenciais: a razão pela qual estaria a mentir de forma frontal e despudorada a testemunha supra referida, sem que nisso tivesse qualquer aparente vantagem; a razão pela qual a eventual reparação da máquina apenas ter sido efetuada após a comunicação formal da seguradora a declinar a sua responsabilidade por entender que houve negligência grosseira da sua parte (cfr. datas dos supra citados documentos), o que aponta no sentido da versão com a falha mecânica ter surgido apenas para ultrapassar a posição assumida pela entidade seguradora.
Por outro lado, o depoimento da outra testemunha ouvida em audiência – a Sra. Inspetora da ACT – limitou-se a confirmar o que constava do seu relatório de fls. 26 a 31; mas a própria inspetora alertou, com absoluta pertinência, que tal relatório tinha apenas como base as declarações efetuadas pelo sinistrado muitos meses após o acidente e os documentos a que já se fez referência, ou seja tinha um valor meramente residual.”
6- Perante o depoimento das duas testemunhas e das declarações de parte do sinistrado, podemos dizer, em suma, o seguinte.
Depoimento da testemunha A.., testemunha indicada pela Ré: Audiência de Julgamento no dia 13 de Abril de 2015 – depoimento gravado através do sistema Habilus media player, duração 33 minutos e 1 segundo – Gravação 10:13:46 a 10:46:47.
- não assistiu ao acidente,
- as declarações por si prestadas foram baseadas nas declarações do sinistrado;
- refere que elaborou um relatório e que fez fotografias, mas os mesmos não constam dos autos e desconhece a data em que, alegadamente, os elaborou;
- refere que foi sozinha ao local do sinistro;
- conta uma versão totalmente contrária à versão do A/recorrente.
Depoimento da testemunha C.., técnica do ACT: Audiência de Julgamento no dia 13 de Abril de 2015 – depoimento gravado através do sistema Habilus media player, duração 14 minutos e 35 segundos) – Gravação 11:23:19 a 11:37:54
- não assistiu ao acidente;
- as declarações por si prestadas foram baseadas nas declarações do sinistrado;
- elaborou um relatório e o mesmo consta dos autos;
- conta uma versão coincidente à do A/recorrente.
Declarações de parte do A: Audiência de Julgamento no dia 13 de Abril de 2015 – depoimento gravado através do sistema Habilus media player, duração 35 minutos e 11 segundos – 10:47:44 a 11:22:55
- relata, quer a instâncias da sua mandatária, quer a instâncias do mandatário do Réu, sempre a mesma versão sobre o acidente, concretamente, de que levantou a tampa da máquina para retirar os resíduos, não se tendo apercebido que, apesar de ter levantado a tampa, a máquina não bloqueou, tendo sido atingido na sua mão direita;
- refere que o técnico foi ao local do acidente, após a ocorrência do mesmo, o qual constatou uma avaria da máquina, tendo substituído o sensor;
- a mudança desse sensor consta de documento junto aos autos – fls. 51 a 53;
- referiu, várias vezes, que explicou e exemplificou perante “duas moças” que pensa serem da companhia de seguros, (e não apenas perante uma senhora, como refere a testemunha A..) como ocorreu o acidente, tendo utilizado a peça avariada para melhor explicar o sucedido;
- a sua versão do acidente é exatamente a mesma que relatou à técnica da ACT e consta do relatório por esta subscrito.
7- O recorrente discorda da valoração da prova dada pelo Tribunal a quo.
8- Nenhuma das testemunhas inquiridas assistiu ao sinistro e ambas fizeram um depoimento baseado nas declarações que lhes foram prestadas pelo sinistrado/recorrente.
9- A testemunha A.., no seu depoimento faz referência a um relatório e fotografias, que não se encontram juntos aos autos, sendo certo ainda que, questionada sobre a data em que elaborou o alegado relatório e fotografias, respondeu não saber.
10- O relatório da ACT está junto aos autos, tendo sido subscrito pela testemunha C.., Inspetora do Trabalho, a qual o elaborou e explicou o seu conteúdo em audiência de julgamento.
11- Apenas com o depoimento da testemunha A.., depoimento esse alegadamente baseado nas declarações do sinistrado, não logrou a recorrida provar o nexo de causalidade entre a inobservância das regras de trabalho e a ocorrência do acidente.
12- A testemunha A.. tem interesse no desfecho da causa, uma vez que é sócia gerente da empresa “A ..peritagens”, sendo que os serviços por si prestados foram no interesse da Ré/recorrida, a qual lhe pagou o serviço.
13- A Inspetora de Trabalho não tem qualquer interesse na causa, tendo o relatório que elaborou sido solicitado pela Sra. Magistrada do Ministério Público.
14- A única testemunha que referiu ter havido inobservância das regras de segurança foi a indicada pela recorrida e baseada, segundo ela, nas declarações prestadas pelo sinistrado.
15- O sinistrado explicou toda a dinâmica do acidente, referindo que esteve desde manhã a trabalhar na máquina em causa e que a mesma parava sempre que era necessário abrir a tampa para retirar os resíduos.
16- No momento do acidente, tendo aberto a tampa para retirar os resíduos, contrariamente ao que deveria ter acontecido, a máquina não parou. Como não se apercebeu que a máquina não bloqueou, colocou a sua mão direita para retirar os resíduos, momento em que é nela atingido.
17- Após o acidente, um mecânico deslocou-se ao local do acidente e substitui o sensor da máquina por o mesmo estar avariado, encontrando-se junto aos autos o documento comprovativo dessa substituição, documento esse que em momento algum foi impugnado pela Seguradora.
18- É entendimento unânime da Jurisprudência que, nos acidentes de trabalho, não basta que se verifique a inobservância das regras sobre a segurança, higiene e saúde no trabalho para excluir a responsabilidade da seguradora, sendo necessário provar o nexo de causalidade entre essa conduta ou inobservância e a produção do acidente.
19- Muito embora o Tribunal a quo tenha também fundamentado os factos provados, nomeadamente os pontos 7 e 8, na carta enviada ao sinistrado de fls. 3, a verdade é que tal carta é um documento particular e as suas declarações apenas vinculam a parte que a emitiu.
20- Do teor da carta não resulta qual a dinâmica do acidente, limitando-se a mesma a referir que “houve negligência grosseira” por parte do sinistrado.
21- Não se compreende o alcance da fundamentação do Tribunal a quo quando refere que sinistrado não esclareceu “a razão pela qual a eventual reparação da máquina apenas ter sido efetuada após a comunicação formal da seguradora a declinar a sua responsabilidade por entender que houve negligência grosseira da sua parte (cfr. datas dos supra citados documentos- fls. 3 e 51 a 53), o que aponta no sentido da versão com a falha mecânica ter surgido apenas para ultrapassar a posição assumida pela entidade seguradora.”
22- A carta de fls. 3, remetida pela recorrida ao sinistrado, tem como data de emissão 2011/03/22, mas não resulta dos autos quando a mesma foi rececionada pelo sinistrado.
23- A empresa de reparações denominada M.. procedeu à reparação da máquina nos dias 23.03.2011 e 31.03.2011.
24- Não têm fundamento a ilação e as conclusões retiradas pelo Tribunal a quo de que o sinistrado apenas reparou a máquina após ter conhecimento de que a Companhia de Seguros declinava a sua responsabilidade, com o objetivo de “ultrapassar a posição assumida pela entidade seguradora”.
25- Não obstante as inúmeras perguntas e pedidos de esclarecimentos que lhe foram feitos, por ambos os mandatários, o sinistrado sempre respondeu e explicou, de forma espontânea, consistente e precisa, sobre a forma como ocorreu o acidente, concretamente que a máquina não parou quando abriu a tampa para retirar os resíduos.
26- Alega o Tribunal a quo que o sinistrado “deixou por esclarecer …. a razão pela qual estaria a mentir de forma frontal e despudorada a testemunha supra referida” (a testemunha A..)
27- Se por um lado, não competia e não compete ao sinistrado saber porque é que a testemunha alegadamente estaria a mentir, também ninguém soube explicar por que razão, alegadamente, o sinistrado teria colocado a tal peça para simular que a tampa da máquina estava sempre fechada.
28- O Tribunal a quo não tomou em consideração o inquérito de acidente de trabalho da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), de fls. 25 a 60.
29- A douta sentença recorrida, face à prova produzida em sede de audiência de julgamento, deveria ter dado como não provados os factos contantes dos pontos 7 e 8 dos factos provados e, por conseguinte, condenar a Ré/recorrida nos pedidos contra si formulados.
30- O Tribunal a quo ao não condenar a recorrida, violou, por errada interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 5º, n.º 1, alínea f), 3º e 23º da norma regulamentar do Instituto de Seguros de Portugal n.º 3/2009-R, o disposto nos artigos 18º, 48º, 50º 75º e 79º da LAT e o disposto no artigo 607º, n.º 4 do CPC.

..– COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., com sede na Rua.., Lisboa, Ré no processo supra referenciado, tendo sido notificada da apresentação pelo Autor de alegações de recurso, vem, apresentar contra-alegações, vindo a concluir pela improcedência.
O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer no qual se pronuncia pela rejeição do recurso em matéria de facto e, não se optando por esta via, pela improcedência do recurso.
O Recrte. respondeu.

Exaramos, abaixo, um breve resumo dos autos para melhor compreensão.
J.. veio intentar a presente ação especial de acidente de trabalho contra Companhia de Seguros .., S.A.”, pedindo a condenação da R. no pagamento:
- Do capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia de €484,70, com início no dia 13/2/2012;
- Da quantia de €6.333,54 corresponde à indemnização pelos períodos de incapacidade temporária;
- Da quantia de €1.331,12 a título de taxas moderadoras, deslocações, consultas médicas, medicamentos, almoços e portagens;
- Juros de mora, à taxa legal.
Alega, para tanto, e em síntese, que é carpinteiro por conta própria; havia celebrado com a R. um seguro de acidentes de trabalho; no dia 5/2/2011, ao acertar a máquina orladora, foi atingido na mão direita.
O Centro Distrital de Viana do Castelo do Instituto de Segurança Social deduziu contra a R. seguradora pedido de reembolso no montante global de €5.260,05, acrescido de juros de mora, em virtude dos subsídios por doença que pagou ao A.
A R. seguradora apresentou a sua contestação na qual alega, em resumo, que o acidente apenas ocorreu por negligência grosseira do A., que utilizava a máquina sem esta se encontrar munida do respetivo mecanismo de segurança; que esta atitude também consubstancia uma clara violação das regras de segurança.
No apenso próprio foi decidido que o A. ficou com uma IPP de 7,38%, tendo tido as seguintes incapacidades temporárias:
- ITA desde 5/2/2011 a 25/10/2011;
- ITP de 30% desde 26/10/2011 a 12/2/2012, data da alta.
Procedeu-se à realização de audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados pelo A. e pelo Instituto de Segurança Social, deles absolvendo a R. seguradora.

Sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, as conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
1ª - Não podiam ter sido dados como provados os pontos 7 e 8 da douta sentença?
2ª – Em consequência a Recrdª deve ser condenada nos pedidos?
3ª – Ao não condenar a Recrdª o Tribunal violou, por errada interpretação, o disposto nos Artº 5º/1-f), 3º e 23º da norma regulamentar nº 3/2009-R do ISP e os Artº 18º, 48º, 50º, 75º e 79º da LAT?

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
A 1ª questão que enunciámos prende-se com o erro de julgamento da matéria de facto.
Pretende o Recrte. que os pontos 7 e 8, correspondentes aos quesitos 14º e 15º, deveriam ter obtido respostas de não provado.
Funda-se nos depoimentos proferidos por A.. e C.. e nas suas próprias declarações.
O Ministério Público pronunciou-se pela rejeição do recurso decorrente da falta de indicação das concretas passagens da gravação em que se funda a impugnação.
Comecemos por aqui.
Efetivamente decorre de quanto se dispõe no Artº 640º/1 e 2 a necessidade de observância de um conjunto de regras sempre que se impugne a matéria de facto.
Entre os ónus a cargo do recorrente, sempre que a prova tenha sido gravada, está o de indicação com exatidão das passagens da gravação em que funda o seu recurso.
Tal como bem observa o Ministério Público este ónus não foi cumprido, porquanto em parte alguma da sua peça, que transcreve os depoimentos, o Recrte. indica aquelas concretas passagens.
Contudo, se bem atentarmos, o Recrte. pretende obter respostas de não provado, alegando que dos depoimentos e declarações não emerge quanto se deu como provado – segundo a alegação do Recrte. nenhuma das testemunhas assistiu ao sinistro e ambas fizeram um depoimento baseado nas declarações que lhes foram prestadas pelo sinistrado, razão pela qual discorda da valoração da prova.
Ora, nestas circunstâncias, pretendendo-se uma resposta de não provado, afigura-se-nos que o disposto no Artº 640º/2-a) não tem cabimento. Pois se o que se invoca é que os depoimentos não são reveladores da convicção adquirida pelo Tribunal, parece que não existirão passagens a destacar. Já assim não seria se se pretendesse obter uma resposta de provado, circunstância em que dos depoimentos há-de resultar quanto se pretende.
Nesta medida, reapreciaremos as provas invocadas.

O depoimento de C.. não tem qualquer interesse, na medida em que se detém sobre o relatório que fez a pedido do Ministério Público (e que consta dos autos) muito tempo depois da ocorrência do acidente – dois anos depois, segundo o próprio sinistrado – e com base essencialmente no depoimento deste.
O mesmo não se pode dizer relativamente ao depoimento de A... Esta fez a peritagem por conta de empresa de que é sócia e a pedido da R. . Deslocou-se ao local pouco tempo após a ocorrência do sinistro para fazer a averiguação (segundo o próprio sinistrado, esta deslocação aconteceu ainda antes de o mecânico fazer a substituição de uma peça alegadamente avariada). Explicou que o próprio sinistrado lhe fez a demonstração da máquina e explicou a dinâmica do acidente – com a máquina em funcionamento aproximou a mão da zona cortante. Segundo depôs, e consta do manual de instruções da máquina, a cabina de insonorização deve funcionar fechada. Mas, na altura a tampa da cabine estava levantada e a máquina funcionava porque o sinistrado introduziu uma peça no sensor que a deveria desligar nestas circunstâncias, peça essa que impediu a paragem do motor. A máquina tem um dispositivo que, estando aberta a tampa da cabine, faz parar o funcionamento da máquina. Isto também consta daquele manual. A máquina, contudo, não parou porque o sinistrado colocou uma peça estranha sobre o sensor de modo a induzi-lo no sentido do funcionamento. Aquela peça dava indicação ao sensor que a porta estava fechada. Para que a máquina pudesse funcionar com a tampa da cabina aberta. Ele cortou-se porque a fresa estava em movimento. O próprio sinistrado lhe mostrou onde colocou a mão e fez a demonstração de como a peça colocada no sensor enganou a máquina. Ainda esclareceu que nunca o sinistrado lhe referiu que a máquina estivesse avariada e, por sua vez, naquele momento viu que a máquina funcionava perfeitamente. Ainda o sinistrado lhe explicou que com a tampa levantada, quando se fazem os acertos, consegue-se uma melhor visualização.
O sinistrado, por seu turno, negou a colocação da peça no sensor. Explicou que no dia anterior ao acidente a máquina tinha sido alvo de uma manutenção, funcionando perfeitamente. No momento do acidente, como a máquina não orlasse, abriu a tampa para ver e verificou a existência de resíduos. Pensou que a máquina estava parada quando meteu a mão. Ainda esclareceu que após o acidente (mas depois da ida da perita) chamou lá o mesmo mecânico, tendo este explicado que um sensor estava avariado.
Estranhamente não fez qualquer reparo ao mecânico, não obstante no dia anterior ao acidente este ter afiançado a máquina! Também estranhamente, do nosso ponto de vista, sendo um trabalhador experiente, pensou que a máquina tinha parado quando aproximou a mão da zona de corte!
Da análise destas provas não resulta evidente qualquer erro de julgamento por parte do Tribunal recorrido. É certo que o depoimento testemunhal é indireto. Porém, a forma como foi prestado é reveladora de segurança, é desinteressada e de muita clareza. Já o do sinistrado revela-se algo titubeante.
Improcede, deste modo a questão em apreciação.

FACTOS PROVADOS:
1 - O A. nasceu a 13/9/64.
2 - Exerce a atividade profissional de carpinteiro mecânico, como trabalhador independente.
3 - Nessa qualidade celebrou com a R. seguradora contrato de seguro, ramo de acidentes de trabalho, pela remuneração anual de €8.731,80.
4 - No dia 5 de Fevereiro de 2011, pelas 16,30 horas, encontrava-se a trabalhar numa máquina orladora – máquina rebordeadora automática monolateral, indicada para rebordear painéis de madeira e similares, a qual permite aplicar bordas em papel melamínico, PVC, folheado e material em rolos.
5 - Quando colocou a peça de madeira, o A. constatou que a freza não estava a cortar a orla e estava a deixar resíduos, tendo ido tirar os resíduos com a mão, com a máquina e as frezas em funcionamento, introduzindo as mãos numa zona de corte.
6 - Aquela máquina originalmente para automaticamente se a tampa/proteção da cabina for levantada.
7 - O A. havia colocado uma peça no interruptor de forma a “simular” que a tampa/proteção estava fechada, de forma à máquina continuar em movimento.
8 - Por isso, quando introduziu a sua mão direita para retirar os resíduos, a fresa movimentou-se, provocando-lhe lesões nessa mão.
9 - O A. era um trabalhador experimentado.
10 - O CD de Viana do Castelo da Segurança Social pagou ao A. a quantia de €5.260,05, a título de subsídio de doença pelo período de 9/2/2011 a 8/2/2012.
11 - Em consequência do sinistro, o A. teve que se deslocar várias vezes ao Centro de Saúde de Darque, tendo gasto €60,75 em taxas moderadoras.
12 - E em consultas externas na ULSAM despendeu a quantia de €24,80 em taxas moderadoras.
13 - E em exames complementares de diagnóstico gastou €242,60
14 - Teve que se submeter a 74 sessões de fisioterapia, tendo gasto €384,80 em deslocações.
15 - Gastou €107,50 em 21 sessões de fisioterapia na “Policlínica Vianense” e €109,20 em deslocações para essas sessões.
16 - Numa consulta médica na cidade de Coimbra, gastou €95,00, mais €170,20 em transporte e portagens, bem como €8,65 numa refeição.
17 - Em farmácia despendeu €74,87.
18 - Em taxas moderadoras, para análises clínicas e exames radiológicos, gastou a quantia de €42,35.
19 - Em deslocações ao GML e a este tribunal, gastou €10,40.
20 - O A. ficou com uma IPP de 7,38%, tendo tido as seguintes incapacidades temporárias:
- ITA desde 5/2/2011 a 25/10/2011;
- ITP de 30% desde 26/10/2011 a 12/2/2012, data da alta.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
A 2ª questão, intimamente conexionada com a 1ª, fica prejudicada pela resposta que esta obteve.
Resta a última questão – o erro na aplicação do direito.
A sentença concluiu pela improcedência da ação em virtude da violação de regras de segurança pelo sinistrado.
Na verdade, tendo, embora, afastado, a possibilidade de negligência grosseira do mesmo – o que não mereceu impugnação -, veio a concluir que a causa única de produção do sinistro é a inobservância de regras de segurança no trabalho.
Vejamos!
O acidente ocorreu em 5/02/2011.
Diferentemente da Lei 100/97 de 13/04, a atual LAT não contém uma norma semelhante ao antecedente Artº 3º daquela lei que acolhia a aplicabilidade do regime jurídico dos acidentes de trabalho a esta categoria de trabalhadores.
O regime da LAT – Lei 98/2009 de 4/09 – aplica-se, como dele emerge, a trabalhadores por conta de outrem, ainda que praticantes, aprendizes ou estagiários (Artº 3º).
Porém, o Artº 4º/2 da Lei 7/2009 de 12/02 (que aprovou a revisão do Código do Trabalho), dispôs que o trabalhador que exerça atividade por conta própria deve efetuar um seguro que garanta o pagamento das prestações previstas nos Artº 283º e 284º do Código do Trabalho e respetiva legislação complementar.
Por sua vez, o Artº 184º da Lei 98/2009 de 4/09 dispõe que a regulamentação relativa ao regime do seguro obrigatório de acidentes de trabalho dos trabalhadores independentes consta de diploma próprio.
Este conjunto de normas permite-nos concluir não só pela aplicabilidade do regime ínsito no DL 159/99 de 11/05 – diploma que regulamentou a anterior LAT e que não foi revogado – como também, inferir que as remissões efetuadas ali para a Lei 100/97 se fazem, agora, para a Lei 98/2009.
Donde, o conceito de acidente de trabalho abrangerá também os trabalhadores por conta própria que tenham contratualizado o respetivo seguro.
O seguro há-de, nos termos do DL 159/99 garantir, com as necessárias adaptações, as prestações definidas na lei (Artº 1º/1).
Não oferecendo discussão que a matéria fática é reveladora de um acidente de trabalho, importa, contudo, que decidamos se está afastada a reparabilidade do acidente em consequência de violação de normas de segurança.
A sentença, partindo do pressuposto que da conjugação do disposto nos Artº 18º e 79º da LAT resulta que a responsabilidade, em caso de violação de regras de segurança, recai em primeira linha sobre o empregador, vem a concluir que, tendo a máquina sido manipulada pelo sinistrado, há inobservância de regras de segurança que é causa única e exclusiva do acidente, não havendo lugar à aplicação de quanto ali se dispõe. Ou seja, verificada a dupla natureza de empregador e trabalhador no sinistrado, “terá que se considerar extinta, por confusão, a obrigação de a entidade empregadora proporcionar … adequadas condições de segurança…”, pelo que não há obrigação de reparar por parte da seguradora.
A resposta para a questão terá que ser encontrada nas especificidades do regime aplicável.
Sendo trabalhador independente, o sinistrado assume, no caso concreto, a dupla posição de empregador e trabalhador, circunstância que requer a adaptação do regime legal vigente a tal reunião de posições, especialmente se, como no caso em apreciação, se reclamar que o acidente resulte de violação de regras de segurança.
É que, por um lado, a violação de tais regras por parte do sinistrado afasta a reparabilidade (Artº 14º/1-a) da LAT) e, por outro, a violação das mesmas por parte do empregador, impõe-lhe prestações reforçadas (Artº 18º/1), devendo a Seguradora satisfazer o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse atuação culposa (Artº 79º/3). Daí a dificuldade de adaptação, a que acresce a circunstância de apenas a lei estabelecer as situações que excluem o dever de reparação (Artº 283º/4 do CT, aplicável ex vi Artº 4º/2 da Lei 7/2009).
Em presença do conjunto de normas referido, é clara a vontade de o legislador aproximar os regimes aplicáveis a trabalhadores por conta de outrem e trabalhadores por conta própria no que se reporta a reparação de danos emergentes de acidente de trabalho e doenças profissionais.
Podendo, embora, concluir-se que a lei teve esta pretensão de aproximação do regime de proteção a ambas as classes de trabalhadores, não podemos concluir por uma total convergência.
Na verdade, o diploma regulamentar mantido -DL 159/99- reporta-se à garantia de regime com as necessárias adaptações. Donde, não poderá haver coincidência absoluta de regime. Desde logo porque o sinistrado reúne, na sua pessoa, uma dupla qualidade, situação que, com o vimos, resulta nalguns constrangimentos.
Segundo o disposto no Artº 5º/1-f) da norma regulamentar do Instituto de Seguros de Portugal com o nº 3/2009-R – que aprova a Parte Uniforme das Condições Gerais da Apólice de Seguro Obrigatório de Acidentes de Trabalho para Trabalhadores Independentes e que surgiu da necessidade de adaptação da apólice do seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores independentes motivada pelas alterações introduzidas no regime legal do contrato de seguro através do DL 72/2008 de 16/04-, além dos acidentes excluídos pela legislação aplicável, não ficam cobertos pelo contrato de seguro relativo a trabalhadores independentes os acidentes que sejam consequência da falta de observância das disposições legais sobre segurança.
Será este o mote para que se ultrapassem os constrangimentos a que nos reportámos. Ou seja, a aplicabilidade adaptada do regime legal vigente importa o afastamento da reparabilidade em caso de sinistro decorrente de violação de regras de segurança. Ou seja, não fica coberto pelo contrato de seguro o acidente em que se conclua pela existência de regras legais de segurança cuja violação seja determinante do mesmo.
E, assim, registando-se inobservância das regras legais de segurança por parte do trabalhador por conta própria, não há lugar à reparação do sinistro. Mas se não pudermos concluir pela inobservância, então há reparação por parte da seguradora, que responderá na medida da responsabilidade transferida, ou seja, na medida da retribuição declarada para efeitos de prémio de seguro.
Donde, a confusão de posições na relação jurídica estabelecida, leva a que o regime legal conduza ao afastamento da reparabilidade no primeiro caso, e pontue pela respetiva aplicação no segundo.
Ficamos, assim, também perante uma outra diferença – é que só a violação de regras legais de segurança afasta a reparabilidade.
Aqui chegados, cumpre aquilatar do invocado erro interpretativo na aplicação do disposto na norma regulamentar acima mencionada, o mesmo é dizer, revela a factualidade cuja prova se obteve que o acidente é consequência da falta de observação de disposições legais sobre segurança?
Compulsados os autos não se vê que em alguma das suas peças se tenham indicado as normas legais sobre segurança violadas.
Nem na contestação, nem na sentença, nem no recurso…
Aliás, a contestação faz uma vaga referência a violação de normas de segurança (Artº 25º a 27º), tudo naquela peça levando a concluir que a defesa assentava, afinal, em negligência grosseira (tese que a sentença repudiou).
Ora, sem dependência da invocação das concretas normas legais sobre segurança que foram objeto de violação, não há como aprofundar a discussão.
Donde, não obstante a comprovada falta de cuidado do Recrte. no manuseamento da máquina, e a utilização de procedimentos eventualmente contrários ao manual de instruções da mesma, não fica afastada a reparabilidade dos danos emergentes do acidente.

Passamos, assim, a concretizar as prestações.
O A. reclama capital de remição da pensão, indemnização por IT, valores despendidos em taxas moderadoras, despesas de transporte, fisioterapia, consultas e farmácia.
O direito á reparação compreende prestações em espécie e em dinheiro, tal como previsto no Artº 23º da LAT. Compreende-se ali a assistência médica, cirúrgica, medicamentosa, tratamentos, transportes…
Comprovando-se que em consequência do sinistro, o A. teve que se deslocar várias vezes ao Centro de Saúde de Darque, tendo gasto €60,75 em taxas moderadoras; em consultas externas na ULSAM despendeu a quantia de €24,80 em taxas moderadoras; em exames complementares de diagnóstico gastou €242,60; teve que se submeter a 74 sessões de fisioterapia, tendo gasto €384,80 em deslocações; gastou €107,50 em 21 sessões de fisioterapia na “Policlínica Vianense” e €109,20 em deslocações para essas sessões; numa consulta médica na cidade de Coimbra, gastou €95,00, mais €170,20 em transporte e portagens, bem como €8,65 numa refeição; em farmácia despendeu €74,87; em taxas moderadoras, para análises clínicas e exames radiológicos, gastou a quantia de €42,35 e em deslocações ao GML e a este tribunal, gastou €10,40, conclui-se que, á exceção do valor despendido na refeição, todos os demais lhe são devidos.
Os valores em dívida ascendem à quantia global de 1.322,47€.
Acresce o valor relativo a indemnizações por IT.
Provou-se que o A. esteve em ITA desde 5/02/2011 a 25/10/2011 (258 dias) e com ITP de 30% desde 26/10/2011 a té 12/02/2012 (106 dias).
Considerando o salário anual seguro – 8.731,80€ -:
- Pela ITA é-lhe devida a quantia de 4.380,45€ (Artº 48º/3-d));
- Pela ITP é-lhe devida a quantia de 539,92€ (Artº 48º/3-e)).
Além disso é ainda devido, em consequência da IPP de 7,38%, um capital de remição de uma pensão anual vitalícia de 451,10€.
Sobre as prestações acima referidas incidem juros de mora à taxa anual de 4%. Os que incidem sobre o capital de remição são devidas desde 13/02/2012 (dia seguinte ao da alta); os que incidem sobre a indemnização por IT são devidos desde a data de vencimento de cada uma das prestações que integra o montante global e os que incidem sobre as demais prestações desde a citação.

Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência, e na revogação da sentença condenar a R. a pagar ao A.:
a) Um capital de remição de uma pensão anual vitalícia de quatrocentos e cinquenta e um euros e dez cêntimos (451,10€), desde 13/02/2012, acrescido de juros de mora á taxa anual de 4%;
b) A quantia de quatro mil novecentos e vinte euros e trinta e sete cêntimos (4.920,37€), acrescida de juros de mora á taxa anual de 4% conforme sobredito, até integral pagamento e
c) A quantia de mil trezentos e vinte e dois euros e quarenta e sete cêntimos (1.322,47€), acrescida de juros de mora à taxa anual de 4% desde a citação até integral pagamento.
Custas pela Recrdª.
Notifique.
Guimarães, 3/12/2015
Manuela Fialho
Alda Martins
Sérgio Almeida