Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
185/19.2T8VCT-A.G1
Relator: ALEXANDRA ROLIM MENDES
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
DEFERIMENTO TÁCITO
INDEFERIMENTO POSTERIOR
ACTO ADMINISTRATIVO ANULATÓRIO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDÊNCIA DA APELAÇÃO
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Tendo o Instituto de Segurança Social proferido decisão expressa no sentido do indeferimento do pedido de apoio judiciário após o decurso do prazo de formação do ato tácito (deferimento tácito), o ato expresso posterior ao ato tácito constitui um ato administrativo anulatório (v. art. 165º, nº 2 do CPA).

II- A anulação administrativa do ato tácito pode ocorrer no prazo de seis meses a contar da data do conhecimento pelo órgão competente da causa de invalidade (v. art. 168º, nº 1 do CPA)

III- A questão respeitante à possibilidade ou não de o ISS emitir ato expresso de indeferimento do pedido de apoio judiciário após o decurso do prazo previsto no art. 25º, nº 1 da Lei nº 34/2004 tem que ser arguida pela via da impugnação judicial.

IV- Não ocorrendo tal impugnação judicial, o ato tácito de deferimento deixou de ser invocável, por ter desaparecido da ordem jurídica, subsistindo apenas o ato expresso de indeferimento.
Decisão Texto Integral:
Relatório:

Na ação acima identificada que A. B. & Filhos – Hotelaria, Lda intentou contra Restaurante Convento ..., Catering, Lda, a Ré requereu apoio judiciário junto do Instituto de Segurança Social em 14/2/19.
Em 21/5/19 o Instituto de Segurança Social informou os autos que havia sido indeferido o pedido de apoio judiciário formulado pela Ré, tendo a proposta de decisão desse Instituto sido proferida em 12/3/19.
Na sequência dessa informação foi proferido despacho que determinou a notificação da Ré nos termos do disposto no art. 570º, nº 3 e 4 do C. P. Civil.
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Inconformada veio a Ré recorrer formulando as seguintes Conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto da decisão que determina que se “cumpra o disposto no artigo 570º, 3 e 4 CPC”.
2. O despacho recorrido não é de mero expediente mas uma verdadeira decisão e condenação em multa. Não concorda nem pode concordar a recorrente com a posição assumida, que compromete o mais elementar princípio jurídico do acesso ao direito.
3. A recorrente elaborou e enviou pedido de apoio judiciário a 14 de Fevereiro de 2019.
4. A 16 de Maio de 2019, sem ter havido resposta do Instituto da Segurança Social, IP, tem-se por existente o deferimento tácito da proteção jurídica na modalidade requerida.
5. Não obstante ter o Instituto de Segurança Social, IP enviado a 21 de Maio de 2019 informação com indeferimento do pedido de apoio judiciário, antes do ato a indeferir o apoio judiciário, o deferimento tácito produziu efeitos, desde logo porque foi invocado no processo a 16 de Maio de 2019.
6. Rege os nºs. 1 e 2 do artº. 25º da Lei 34/2004 de 29 de Julho, que decorridos 30 dias contados da data do requerimento sem que a Segurança Social tenha proferido decisão, considera-se o apoio judiciário tacitamente deferido – Neste sentido vide Neste sentido, citamos Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21 de Junho de 2011, Proc.6650/07.7TDLSB. L1 in www.dgsi.pt. 9/12
7. O artº 25 da Lei do Apoio Judiciário determina um prazo que não pode ser entendido como meramente indicativo.
8. A atribuição de apoio judiciário a pessoas coletivas está legalmente prevista, tendo sido reforçada pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 242/2018 que “Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 7.º, n.º 3, Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, na redação dada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, na parte em que recusa proteção jurídica a pessoas coletivas com fins lucrativos, sem consideração pela concreta situação económica das mesmas, por violação do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa”.
9. A decisão recorrida compromete o efetivo acesso ao direito sendo inconstitucional por violação ao artigo 20º CRP.
Modos pelos quais, deve o referido despacho ser revogado, reconhecendo-se o deferimento tácito do pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo,
Assim se fazendo a já acostumada JUSTIÇA!
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Questão a decidir:

- Verificar se a Ré têm ou não direito a beneficiar de apoio judiciário.
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Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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Temos como assentes os factos que resultam do relatório desta decisão

- Em 12/3/19 foi dirigida a cada um dos ora Opoentes a seguinte missiva:

“Assunto: REQUERIMENTO DE PROTEÇÃO JURÍDICA

Em conformidade com o disposto nos arts (…) informa-se V. Exª que é intenção deste serviço INDEFERIR o pedido de apoio judiciário apresentado em 14-02-2019 (…) com fundamento na impossibilidade de apreciação do pedido por falta de junção dos documentos mencionados no despacho de 12-03-19, que se junta.

Na presente data foi a requerente notificada para se pronunciar, podendo alegar por escrito o que tiver por conveniente, juntando os documentos solicitados, no prazo de dez dias a partir da receção da notificação (…).

Na falta de resposta, a proposta de decisão torna-se definitiva, não havendo lugar a nova notificação.
(…)”
- No sentido de habilitar o ISS a proferir decisão sobre o pedido de apoio judiciário formulado, por decisão proferida em 12/3/19, a Ré foi notificada pelo ISS para entregar neste Instituto:
. Cópia do modelo 22 relativo ao ano de 2017;
. Balanço, Balancete e demonstração de resultados relativos aos últimos três meses;
. Cópia da informação Empresarial Simplificada (IES)
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O Direito:

O apoio judiciário compreende diversas modalidades, entre elas, a dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e o pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos com o processo (v. art. 16º, nº 1, alíneas a) e d) da Lei nº 34/2004 de 29/7).

No caso, a Ré requereu a concessão de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

A Ré foi notificada para entregar ao ISS determinados elementos contabilísticos, no sentido de conferir àquele Instituto elementos para poder proferir decisão, no entanto a Ré não entregou ao ISS tais elementos.

O ISS indeferiu o pedido de apoio judiciário.

A mencionada decisão do ISS não foi impugnada judicialmente, sendo pois definitiva.

Uma vez que a decisão do ISS não foi proferida no prazo de 30 dias contados da apresentação do requerimento de apoio judiciário, a Ré defende que se formou um ato tácito no sentido do deferimento de tal apoio.

Vejamos:

Decorre do art. 25º, nº 1 da Lei nº 34/2004 de 29 de julho, que o prazo para conclusão do procedimento administrativo e decisão sobre o pedido de proteção jurídica é de 30 dias, é contínuo e não se suspende durante as férias judiciais. Por sua vez o nº 2 deste preceito diz-nos que, decorrido aquele prazo sem que tenha sido proferida uma decisão, considera-se tacitamente deferido e concedido o pedido de proteção jurídica.

A norma em causa estabelece um ato ficcionado (deferimento tácito), através do qual se concede ao particular, nos termos da mesma, o correspondente à sua pretensão na sequência do decurso de um lapso de tempo sem que a Segurança Social se tenha pronunciado sobre a mesma (v. art. 130º, nº 1 do Cód. do Procedimento Administrativo).

No caso, existiu uma manifestação expressa da vontade (decisão no sentido do indeferimento) após a formação do ato tácito.

Existiu assim um afastamento implícito do ato tácito de deferimento, por incompatibilidade de conteúdo desse ato com a decisão administrativa (expressa) posterior, destruindo os efeitos desse ato.

Como dizia Marcello Caetano “O ato tácito de aprovação, se não for constitutivo de direitos, pode ser confirmado ou substituído por um ato expresso contrário mas se o ato expresso tiver sentido contrário à ilação legal tirada do silêncio, só à luz da teoria da revogação do ato administrativo, poderá discutir-se a sua validade (in, Manual de Direito Administrativo, vol. I, pág. 477).

No anterior CPA a figura da revogação abrangia duas modalidades – a revogação de atos válidos e a revogação de atos inválidos. No atual Código do Procedimento Administrativo (aprovado pelo DL 4/2015 de 17/1) a figura da revogação abrange unicamente a prática de atos com vista à cessação do ato “por razões de mérito ou oportunidade”, tendo sido criada uma nova figura – a anulação administrativa – que consiste no “ato administrativo que determina a destruição dos efeitos de outro com fundamento da invalidade (v. Acs. TCA Sul de 5/7/17 e de 15/1/15, ambos in www.dgsi.pt e Luiz Cabral de Moncada, Código do Procedimento Administrativo anotado, 3ª ed. rev. e atualizada, pág. 546).

Uma vez que, no momento da formação do ato tácito, a ora Recorrente não estava em condições de beneficiar de apoio judiciário na modalidade requerida, desde logo porque ainda não tinha sido feita prova da sua insuficiência económica (v. art. 7º, nº 1 e art. 8º da Lei 34/2004 de 29/7 e art. 14º da Portaria 1085-A/2004) de 31/8) a decisão expressa do ISS configura uma anulação administrativa.

Assim, o ato expresso posterior ao ato tácito constitui um ato administrativo anulatório (v. art. 165º, nº 2 do CPA).

Uma vez que o ato tácito em causa é constitutivo de direitos (art. 167º, nº 3 do CPA), a sua anulação administrativa podia ocorrer no prazo de seis meses a contar da data do conhecimento pelo órgão competente da causa de invalidade (v. art. 168º, nº 1 do CPA)

O ato tácito de indeferimento foi proferido dentro do prazo de seis meses posterior ao ato tácito, tendo pois tal anulação obedecido ao disposto no mencionado art. 168º do CPA).

Contudo, ainda que assim não se entenda, a questão respeitante à possibilidade ou não de o ISS emitir ato expresso de indeferimento do pedido de apoio judiciário após o decurso do prazo previsto no art. 25º, nº 1 da Lei nº 34/2004 tinha que ser arguida pela via da impugnação judicial (v. art. 26, nº 2, 27º e 28º da Lei nº 34/2004)

Deste modo, não tendo sido corretamente impugnada a decisão da Segurança Social que revogou o ato tácito de deferimento da pretensão dos Requerentes no sentido de lhe ser concedida proteção jurídica na modalidade de dispensa de pagamento taxa de justiça e demais encargos com o processo o ato tácito de deferimento deixou de ser invocável, por ter desaparecido da ordem jurídica, subsistindo apenas o ato expresso de indeferimento. Este prevalece sobre o ato tácito que se possa ter formado por inércia da administração, porque o revogou tacitamente sem que os interessados o tenham impugnado (v. neste sentido Ac. Tribunal da Relação do Porto de 9/4/13 in www.dgsi.pt).
Este entendimento não viola qualquer princípio constitucional, designadamente o da igualdade, previsto no art. 20º da CRP.
Na verdade, o benefício de apoio judiciário apenas deve ser concedido a quem efetivamente esteja numa situação de carência económica, a fim de proporcionar, também a estes o acesso ao direito e aos Tribunais.
O facto de o legislador estabelecer regras objetivamente fundadas para regular tal acesso em nada contende com tal princípio.

Pelo exposto, há que julgar improcedente o recurso.
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Decisão:

Pelo exposto, julgo improcedente a Apelação, confirmando assim a decisão recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.
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Guimarães, 14 de novembro de 2019

Alexandra Rolim Mendes
Maria de Purificação Carvalho
Maria dos Anjos Melo Nogueira