Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3596/14.6T8VNF.A.G1
Relator: JOSÉ FLORES
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
TÍTULO EXECUTIVO
PROVA POR DOCUMENTOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/09/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
- O propósito dos elementos probatórios carreados para o processo é o de demonstrar os factos dela necessitados;
- Na oposição à execução que tenha como título uma sentença judicial, esses factos estão limitados aos fundamentos previstos no art. 729º, do Código de Processo Civil;
- No caso particular da excepção prevista na al. g), desse art. 729º, essa prova deve ser feita com o requerimento inicial de embargos, sob pena de se admitir que o executado continuasse a meter pedras na engrenagem executiva, protelando a satisfação do crédito exequendo claramente estabelecido em sentença judicial;
- Sem prejuízo dessa oportunidade, sempre a possibilidade de recorrer ao Tribunal para obter de terceiros ou de outra parte os documentos probatórios exigidos, estará dependente da alegação e prova de que esses documentos não se encontram na disponibilidade do requerente.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES NA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:

I – Relatório

Recorrente(s): X - CONFECÇÕES, LDA., e A. M.;

- Recorrido/a(s): M. B. e M. M..
*
Os Recorridos intentaram, em 17.06.2014, a execução para pagamento da quantia de 48.384,80€ à qual foi deduzida pelos Recorrentes oposição, através de embargos de executado admitidos em 2014 e onde nasce a presente apelação.
Serve de base a essa execução o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, transitado em julgado, no âmbito do Proc. n.º 1371/10.6TBBCL que correu termos pelo extinto 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Barcelos, pelo qual foram os Executados condenados a pagar aos exequentes a quantia de € 48384,80.
No acórdão oferecido à execução foram os ora Executados/ Embargantes condenados a pagar aos Exequentes/Embargados a quantia de 48.384,80€ quantia essa que se provou ser aquela que estes teriam de pagar ao fisco (de Espanha) relativo ao IVA devido pelas transacções a que se referem as facturas dos anos de 1994, 1995 e 1996 emitidas pelos Executados em nome dos Exequentes e que correspondem a facturas fictícias.

Os Executados opuseram-se à execução, mediante os presentes Embargos de Executado, em Novembro de 2014, alegando, em síntese, que:

- Após a prolação da sentença pelo Tribunal Judicial de Barcelos os Exequentes intentaram em Espanha, contra o fisco Espanhol, um recurso extraordinário de revisão, pendente no Tribunal Económico Administrativo Central de Madrid, alegando a falsidade das facturas declarada por aquele Tribunal de Barcelos e requerendo a revogação da decisão do fisco que condenou os Exequentes ao pagamento do valor de 48.384,80 € de IVA;
- Com a revogação da decisão do fisco espanhol, os Exequentes não terão de pagar a referida quantia à fazenda pública espanhola, ou terão direito ao seu reembolso, pelo que não podem exigir dos Embargantes a quantia exequenda.

No seu requerimento de embargos, os embargantes, incluindo a Recorrente, formularam pedido de prova documental consubstanciada em escritos a obter junto de Tribunal espanhol e ainda informações a solicitar a entidade administrativa dessa mesma nacionalidade, destinada à prova de, respectivamente, a prova da inexistência da obrigação exequenda e dos valores efectivamente pagos ou não pelos exequentes ao fisco espanhol.

Os Exequentes não contestaram.

Em audiência prévia, tendo em vista a obtenção de acordo entre as partes, foi em 14.7.2015 ordenada junção de tais dados probatórios.

Em 16.1.2018, após diversas vicissitudes, foi proferido o seguinte despacho:

“Em sede de audiência prévia, ocorrida no dia 14 de Julho de 2015, foi proferido despacho, a fls.33-34 devidamente notificado às partes, que dele não reclamaram, que determinou que fossem solicitadas as informações requeridas a fls.9 – alíneas a) e b) pelos embargantes/executados A. M. e “X – Confecções, Lda.”.
No que concerne à alínea a), compulsados os autos, não vislumbramos que alguma certidão tenha sido remetida pelo “Tribunal Económico – Administrativo Central de Madrid”.
No que concerne à alínea b), na sequência da informação prestada a fls.92ss, a embargante/executada requer que se solicite ao “Juzgado de Primeira Instancia de Santiago de Compostela” que informe se foi cobrado qualquer valor de IVA aos embargados/exequentes, entre o ano de 1994 e o ano de 2016, relativo a facturas emitidas pela mencionada “X”.
Apesar da oposição manifestada pelos embargos/exequentes, a verdade é que os despachos que têm sido proferidos nos autos resultam daquele inicial, que teve lugar na audiência prévia.
Em face do exposto, reiterando tal despacho que, repita-se, não mereceu oposição das partes, determina-se que sejam solicitadas as informações requeridas a fls.9 – alíneas a) e b).
Quanto à referida alínea b), solicite a informação nos termos requeridos a fls.100.
Notifique e demais diligências necessárias.”

Este despacho não mereceu qualquer impugnação.

Em 6.6.2018, sobre a mesma matéria disse-se:
“Do expediente remetido pelo “Juzgado de Primeira Instancia nº4 de Santiago de Compostela” resulta que foi ordenado à Agência Tributária Galega que esclarecesse se, relativamente aos últimos 8 (oito) exercícios fiscais, foi cobrado qualquer valor de IVA a M. B. e M. M., em virtude de qualquer factura emitida por “X – Confecções, Lda.”.
Desconhece-se, porém, se aquela Agência respondeu ao que lhe foi ordenado pelo “Juzgado de Primeira Instancia nº4 de Santiago de Compostela” e, na afirmativa, que esclarecimento prestou.
Em face do exposto, oficie ao mencionado “Juzgado de Primeira Instancia nº4 de Santiago de Compostela” solicitando que informe se a aludida Agência Tributária Galega prestou algum esclarecimento e, na positiva, o que esclareceu.
Informe a secretaria se, na sequência do despacho proferido no dia 16 de Janeiro de 2018 (cfr. referência nº156398767), foi oficiado ao “Tribunal Económico –Administrativo Central de Madrid” nos termos requeridos a fls.9 – alínea a) e, na afirmativa, se foi dada alguma resposta.”

Em 7.9.2018, constatada falta no cumprimento desta determinação de 18.1.2018, insistiu-se no seu cumprimento.
Em 12.2018 determinou-se a tradução da informação prestada pela Agencia Tributária – Delegação Especial da Galiza e insistiu-se pela informação do Tribunal de Madrid, em falta.
Entretanto (29.1.2019) os embargantes juntaram essa tradução e foi junto ofício/resposta do Tribunal de Madrid.
Os embargados requereram o prosseguimento os autos.
Os embargantes insistem pela apreciação do seu pedido probatório de 29.10.2018 (insistência junto do Xulgado – Primeira Instância nº 1 de Santiago de Compostela) e que para que se notifique a embargante para que junte a sentença proferida pelo TEAC.
Na sequência de vários requerimentos, o Tribunal recorrido decide designar data para realização de audiência prévia.
Foram sendo juntas novas informações fornecidas pelas autoridades espanholas.
Em 25.11.2019, data prevista para a audiência prévia, os embargantes formulam novos pedidos de prova junto de instâncias espanholas.
Foi deferido prazo aos embargados para se pronunciarem e para juntarem a decisão do TEAC.
Em 3.12.2019, os embargos juntaram essa decisão.

Em contraditório (18.12.2019), os Embargantes pedem novas diligências de prova junto das instância espanholas, sic:

“- que os embargados juntem aos autos os documentos referidos na fundamentação da sentença do TEAC, ou seja:
• Decisão do TEAR pelas liquidações e sanções impostas no exercício de 1996
• Decisão do Tribunal Superior de Justiça da Galícia, referente ao mesmo exercício
• reclamação com o n.º 15/4063/99 e apensos 15/4064/99, 15/2902/00, 15/2903/00, 15/2974/00 e 15/3581/00), com data de 29 de Outubro de 2001
- que os embargados juntem ainda certidão comprovativa do trânsito em julgado da sentença do TEAC, proferida em 24 de Novembro de 2016
- que esclareçam ainda, com precisão e clareza, porque é que o TEAC não anulou a dívida referente ao ano de 1996
- que, por fim, juntem aos autos a decisão relativa às comias referidas na parte final do requerimento de 25 de Novembro de 2019”

Os embargados opuseram-se.

Foi então proferida decisão com o seguinte dispositivo.

“Termos em que se indefere, na totalidade, o requerido pelos Embargante em 18.12.2019.”
*
Inconformados com esta decisão, dela interpuseram os Embargantes o presente recurso de apelação, em cujas alegações formulam as seguintes
conclusões:

1.ª - A sentença do TEAC não esclarece a razão pela qual, tendo as facturas do ano 1996 emitidas pela recorrente sociedade sido declaradas igualmente falsas pelo Tribunal Judicial de Barcelos, não foi dado deferimento à anulação do exercício de 1996 com a devolução do depósito respectivo efectuado p
2.ª - Essa sentença, nesta parte, limita-se a remeter para a decisão do TEAR pelas liquidações e sanções impostas nos exercícios de 1996 e 1997 e para decisão do Tribunal Superior de Justiça da Galícia, referente a esses mesmos exercícios, bem como para a reclamação com o n.º 15/4063/99 e apensos, sendo por isso essencial conhecer tais decisões
3.ª - Com efeito, só através da informação decorrente de tais decisões se poderá apurar, por um lado, se as facturas consideradas pelo tribunal espanhol e que originaram o IVA de 1996 foram efectivamente emitidas pela recorrente sociedade e, por outro lado, em caso afirmativo, a razão de esse tribunal não anular a dívida referente ao exercício desse ano de 1996, uma vez que tais facturas foram também declaradas falsas pelo Tribunal Judicial de Barcelos - vd. art. 410.º CPC
4.ª - As diligências peticionadas pelos recorrentes constituem, por isso, um elemento de prova pertinente e de imprescindível importância para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa - vd. art.º 411.º e n.º 2 do art.º 429.º do CPC e art.º 341.º CC
5.ª - De resto, os recorridos não se opuseram à realização dessas diligências probatórias e o tribunal a quo, desde o início, considerou sempre pertinente para a decisão a proferir as diligências requeridas pelos recorrentes no sentido de esclarecer esta questão suscitada nos presentes embargos
6.ª - Sendo certo que a lei presume, atenta a especial força probatória dos títulos executivos, maxime a sentença / acórdão condenatório, a constituição da obrigação, o tribunal a quo não deixa ainda assim de estar obrigado a conhecer e apreciar as causas modificativas, impeditivas ou extintivas invocadas pelos embargantes para afastamento dessa presunção - vd. art.º 729.º e n.º 2 art.º 608.º CPC e n.º 2 art.º 342.º CC
7.ª - O facto de a Agência Tributária espanhola ter informado que foi devolvido aos embargados o valor referente ao IVA de 1994 e 1995, não significa, por si só, que a sentença do TEAC tenha transitado em julgado, sendo perfeitamente plausível que os embargados tenham recorrido da mesma na parte que lhes era desfavorável - vd. art.º 628.º CPC
8.ª - Assim, não constando da sentença junta pelos embargados o trânsito em julgado da mesma, afigura-se essencial a requerida certidão comprovativa do trânsito em julgado, por ser imprescindível para se saber se essa decisão é ou não definitiva
9.ª - O indeferimento pelo tribunal a quo da obtenção da informação requerida pelos recorrentes frustra a possibilidade de recurso a um meio de prova essencial e, por outro lado, diminui a possibilidade dos recorrentes provarem em juízo a sua pretensão e, em última análise, lesa o seu direito à prova. - vd. n.º 1 art.º 7.º CPC e art.ºs 341.º e 342.º CC

Os Recorridos apresentaram contra-alegações singelas em que defendem que o despacho em causa é de mera gestão processual e discricionário.

II – Delimitação do objecto do recurso e questões prévias a apreciar:

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos do artº 639º, do Código de Processo Civil (doravante C.P.C.).
As questões enunciadas pelos recorrentes reconduzem-se à de saber se os elementos probatórios requeridos por último, pelos embargantes nos autos, deviam ser admitidos.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

III – Fundamentos

1. Factos (cf. art. 662º, do Código de Processo Civil)
São os que emergem do processo e estão acima relatados.

2. Direito

Está aqui em causa o acerto de decisão do Tribunal a quo que rejeitou em 4.3.2020 determinados elementos probatórios requeridos pelos aqui embargantes/recorrentes no seu requerimento de 18.12.2019.
Esta precisão é importante porque os Recorrentes tentam chamar à colação comportamentos das partes e do Tribunal, requerimentos e decisões anteriores que, atente-se, não estão impugnadas com a presente apelação e por isso não serão aqui apreciadas além do que for pertinente para interpretação da decisão em apreço, a de 4.3.2020.

Sem esquecer que nos embargos em causa, ao incidente declarativo enxertado na execução de que é apenso, se aplicam as regras gerais do processo de declaração (arts. 551º, nº 1, e 732º, nº 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das especificidades previstas para o mesmo, nomeadamente nesse art. 732º, é aqui determinante, a vários níveis, a previsão especial do art. 729º, do Código de Processo Civil.
Com efeito, não se deve olvidar que o propósito dos elementos probatórios carreados para o processo durante a instrução é o de demonstrar os factos dela necessitados (cf., v.g., o citado art. 410º, do Código de Processo Civil), sendo também importante relembrar que as regras do art. 342º e ss., do Código Civil, citadas só relevam para efeitos de apreciação do mérito da posição das partes, em momento posterior ao julgamento daqueles, uma vez que o Tribunal está adstrito ao princípio da aquisição processual estabelecido no art. 413º, do Código de Processo Civil.
Acontece que, neste caso concreto e, em função da argumentação factual e de direito exposta pelos embargantes no seu requerimento inicial, o que está em causa é um alegado ou apelidado “facto extintivo/inexigibilidade da obrigação exequenda” (cf. ponto b- do seu articulado inicial), que os mesmos de modo confuso e embrionário invocaram na altura e ainda hoje não qualificaram devidamente com a expressa referência à concreta norma de direito que lhes possa valer, como é vulgo e denota falta de clareza expositiva.
Com efeito, os embargantes, tanto se referem a um alegado facto misto “extintivo/inexigibilidade” como ao conceito de “inexistência da obrigação exequenda”, esquecendo o escrutínio da sua fundamentação legal ou a coerência da sua qualificação o que denuncia abordagem empírica.
Na verdade, estamos no domínio de uma execução em que, indiscutivelmente, é título uma sentença judicial, circunstância determinante que nos remete para o citado art. 729º, do Código de Processo Civil, onde se estabelecem os seguintes fundamentos exclusivos de oposição àquela: a) Inexistência ou inexequibilidade do título; b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução; c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento; d) Falta ou nulidade da citação para a acção declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo; e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução; f) Caso julgado anterior à sentença que se executa; g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio; h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos; i) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transacção, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses actos.
É de notar que estes fundamentos são naturalmente limitados ou restritos ao que se enumera nessa norma especial “tendo em conta que, na execução fundada em sentença condenatória, já existe uma fase declarativa prévia, em que as partes tiveram a possibilidade e a oportunidade de discutir, com toda a amplitude, o mérito da causa, os fundamentos passíveis de serem alegados em sede de oposição à execução” (1).
A ideia que ilumina esta norma é assim a de restringir a discussão de argumentos, em geral oponíveis à obrigação exequenda, àqueles que não puderam ser apreciados na acção declarativa que deu causa à sentença judicial exequenda e estarão a coberto do caso julgado.
Na verdade, o que os embargantes aqui invocam não é mais do que um potencial (2) facto extintivo da obrigação exequenda que dizem ser cronologicamente posterior à sentença exequenda, ou seja, ao encerramento da discussão que a precedeu no processo declarativo acima identificado.
Em nosso entender estamos aqui perante uma potencial excepção à obrigação exequenda que, em tese, cabe apenas e só na previsão da acima citada al. g), do art. 729º e, por isso, não tem qualquer possibilidade de ser confundida com a inexigibilidade da mesma, prevista na sua al. e), ou com a inexistência do título, prevista na sua al. a), conceitos que os Recorrentes usam de forma imprópria.
Assente essa premissa qualificativa, temos de esclarecer o que deve ser considerado viável à luz dessa al. g), do art. 729º.

Desde logo, resulta da letra dessa norma que é apenas atendível: o facto extintivo ou modificativo da obrigação (abrangendo, para o que aqui releva, às várias causas de extinção das obrigações), que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento, sendo que apenas a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio
Exige-se, por isso, cumulativamente, que esse facto seja posterior ao momento do encerramento da discussão ocorrida no julgamento prévio à sentença exequenda e que seja provado documentalmente, ressalvada a confissão, para quem a admita como prova nestes casos (3), que não é o nosso caso (4).
De acordo com esta última exigência, “a presunção estabelecida pelo título judicial quanto à existência da obrigação só pode ser destruída, na oposição à execução, por prova documental” (5), meio este que, em nosso entender, deve ser desde logo apresentado sob pena de rejeição liminar do requerimento e sem prejuízo da propositura da competente acção declarativa para restituição do que eventualmente pague de modo indevido no processo executivo (6).

É que, de outro modo, como neste caso, podemos assistir ao protelamento inadmissível da execução (que mais configura uma suspensão da instância por via de decisão a proferir noutra lide) com base em factos indeterminados, como consubstancia a alegação inicial dos embargantes.
Estes mencionaram uma potencial decisão das autoridades espanholas que a final aparentemente não se verifica, pelo menos em parte, tendendo para a discussão renovada da obrigação indemnizatória original com fundamento em meras suposições indemonstradas.
Acresce que, no requerimento probatório, nem sequer foi alegada a impossibilidade de obter essa documentação atempadamente (como agora se faz de forma difusa, mas indemonstrada (7) e extemporânea, em sede de recurso) para exigir a intervenção do Tribunal ou de terceiros (cf. arts. 429º e 432º, do C.P.C.) na sua obtenção prolongada no tempo, mercê de requerimentos e decisões que, em bom rigor, nunca apreciaram e julgaram a exigência probatória em causa à luz das normas citadas, antes tendo desencadeado essa busca ao sabor do consenso das partes (facto que parece ter sido esquecido até à decisão agora impugnada) e visando primordialmente um acordo que nunca vimos sequer ser escrutinado ou procurado nos autos entretanto!

Por todas essas razões, o requerimento probatório que os embargantes formulam em 18.12.2019 devia ser, como foi, rejeitado e, ainda que essas não fossem colhidas, é necessário sublinhar que, prima facie, os embargantes não justificaram a necessidade de recorrer ao Tribunal ou à parte contrária para obter/requisitar tais documentos às entidades espanholas competentes, o que deste logo, só por si, imporia a decisão de rejeição dessa diligência nos moldes requeridos.

Além disso, de forma que só pode estar fundada num grande equívoco ou insólito, em relação a boa partes dos elementos probatórios complementares pretendidos, o que os embargantes parecem pretender é a renovada e inadmissível discussão do julgado original através de uma aberrante impugnação da decisão do Tribunal espanhol, sem qualquer relevo probatório, já que a mesma vale aqui como facto histórico, pelo seu julgamento e nada mais.

No demais, secundamos a posição do Tribunal a quo quando afirma que a prova do trânsito da decisão, aliás favorável à posição defendida pelos embargantes, resulta presumida do efectivo reembolso do IVA de 1994/1995, pelo menos quanto a esses anos, factos que embargantes não discutem nesta instância recursiva e nada permite alterar (cf. art. 662º, Código de Processo Civil).

No que diz respeito a 1996, ainda que fosse considerado interessante esse dado, certo é que, pelas restantes razões acima expostas, essa prova há muito deveria ter sido produzida pelos embargantes, se de facto era viável na pendência desta instância executiva, e a sua produção ou apresentação não pode ser imputada aos restantes sujeitos processuais ou ao Tribunal, anos depois do requerimento de embargos, muito menos sem a devida arguição e prova da impossibilidade de os embargantes obterem ou terem obtido atempadamente esse documento, sob pena de se admitir, como parece ter sido o caso, um protelamento consecutivo e injustificado da lide executiva através deste expediente, como retrata o sumário dos autos acima exposto (cf. arts. 293º, nº 1, 429º e 432º, do Código de Processo Civil).

Dito isto, se é certo que, contrariamente ao defendido pelos embargados, a decisão do Tribunal a quo não é, neste caso, de mera gestão processual ou discricionária, não deixa de estar a coberto da melhor interpretação das normas aplicáveis, razão pela qual improcedem as conclusões dos Recorrentes.

IV. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente a apelação, mantendo a decisão recorrida.

Condenam-se nas custas da apelação os Recorrentes, em partes iguais (cf. art. 527º, do Código de Processo Civil).
N.
*
*
Guimarães, 22-07-2020

Assinado digitalmente por:
Rel. – Des. José Flores
1º Adj. - Des. Sandra Melo
2º - Adj. - Des. Conceição Sampaio



1. Cf. Marco Carvalho Gonçalves, in Lições de Processo Civil Executivo, 2ª Ed., p. 230
2. …porque não parecem ter certeza dele
3. Como é o caso de J. Lebre de Freitas, in A Acção Executiva – À luz do Código de Processo Civil de 2013, 6ª Ed., p. 198
4. Entendemos estar mais de acordo com a ratio legis a exclusão deste outro meio de prova, dado que se iria admitir que o executado continuasse a meter pedras na engrenagem executiva, protelando a satisfação do crédito exequendo claramente estabelecido em sentença judicial (cf. art. 733º, nº 4, do Código de Processo Civil), como adiantam Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, in A Acção Executiva Anotada e Comentada, 2ªEd., p. digital 229.
5. Cf. Lebre de Freitas, ob. cit., p. 199
6. Quanto a esta última alternativa, vide Lebre de Freitas, ob., cit., p. 199, nota 18
7. Mal se percebendo porque é que, a final, se existe sigilo em relação a esses factos, eles, de algum modo chegaram ao conhecimento dos embargantes!