Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2611/06-1
Relator: CARVALHO MARTINS
Descritores: MÚTUO
CLÁUSULA
DECLARAÇÃO
VONTADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/22/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: DADO PROVIMENTO
Sumário: O advérbio «pontuaImente do n.º 1 do art. 406.º, CC, é aí empregado não no sentido restrito de cumprido a tempo, mas no sentido amplo de que o cumprimento deve coincidir ponto por ponto, em toda a linha, com a prestação a que o devedor se encontra adstrito, extraindo-se da regra da pontualidade a conclusão de que a prestação debitória deve ser realizada integralmente e não por partes, não podendo o credor ser obrigado a aceitar o cumprimento parcial.
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I - A Causa:

C... — Indústria Torrefactora do Café, SA, com local para notificação na rua Ló Ferreira, n.° 281, andar 3.°, sala 31, Matosinhos, apresentou contra António B... e de Joaquina T..., com local para notificação no lugar de Pinheiro, Vieira do Minho, o requerimento de injunção de fls. 2 e 2/verso, na qual pediu a condenação dos requeridos no pagamento da quantia global de € 11.627,20, sendo € 11.003,40, a título de capital, e € 623,80, a título de juros. Para tanto, alegou, em síntese, que:
• Celebrou com os requeridos um contrato de fornecimento e compra exclusiva com o n.° 2001/144, em 05/11/2001, o qual não foi cumprido, designadamente as cláusulas 10, 40 e 6°, dado que não adquiriram o consumo máximo e mensal a que se obrigaram, tendo ainda comprado produtos a marcas concorrentes;
• Em consequência, resolveu o mencionado contrato, exigindo a indemnização prevista na cláusula 5 acrescida dos respectivos juros de mora.
Juntou documentos (cfr. fls. 3 a 6).

Regularmente notificados, os requeridos deduziram oposição, tendo invocado, em primeiro lugar, a excepção de erro na forma do processo.

Subsidiariamente, alegaram que:
• O contrato apenas foi concluído com a requerente pela intervenção de José F..., L.da, a qual exercia as funções de distribuidor exclusivo na área onde o estabelecimento comercial do requerido se localizava;
• A requerente tentou impor a aquisição directa dos produtos contratados, ao que se opuseram, tendo passado a adquirir produtos de marcas diversas da requerente à José F..., L.da, já que aquela deixou de fornecer à sociedade distribuidora quaisquer produtos.



Oportunamente, foi proferida decisão, onde se consagrou que:

Em face do exposto, julgo a acção parcialmente procedente. Em consequência:
a) Declaro a nulidade do ponto 5.1, da Cláusula 5 das Condições Gerais, do contrato a que se alude na alínea a), da fundamentação de facto;
b) Condeno o requerido António B... a restituir à requerente C... — Indústria Torrefactora do Café, SA, o equipamento, identificado nas Condições Particulares, do contrato a que se alude na alínea a), da fundamentação de facto;
c) Condeno os requeridos António B... e de Joaquina T... a pagarem à requerente C... — Indústria Torrefactora do Café, SA, o montante de € 7.348,78 (sete mil trezentos e quarenta e oito enros e setenta e oito cêntimos), sobre o qual acrescem juros moratórios vencidos desde 27/09/2004 e vincendos até integral pagamento, às taxas legais aplicáveis para as obrigações comerciais;
d) Absolvo os requeridos António B... e de Joaquina T... do restante peticionado.
As custas da presente acção são da responsabilidade da requerente C... — Indústria Torrefactora do Café, SA, e dos requeridos António B... e de Joaquina T..., na proporção do respectivo decaimento (cfr. artigo 446°/1/2, do CPCiv).
C..., S.A., autora nos autos à margem referidos, não se conformando com a sentença de fls., veio da mesma interpor recurso de APELAÇÃO, por sua vez alegando e concluindo que

1 A M. Juiz «a quo» fez, salvo melhor opinião, errada interpretação do acordo constante do contrato de exclusividade ajuizado no que ao fornecimento do equipamento aí previsto nas condições particulares, para o qual se remete, diz respeito, ao considerar tais declarações de vontade como configuradoras de um contrato de comodato/ empréstimo de coisas móveis — máquina e moinho de café,
2 quando, conforme se alcança do teor da cláusula 3.1, aí se estipulou que “ Como contrapartida das obrigações assumidas pelo segundo outorgante Manuel Pacheco de Barbara], a C... empresta—lhe... o equipamento... descrito nas condições particulares....” ( o sublinhado é nosso)
3 Dessas obrigações não consta, só, a restituição do equipamento fornecido que, diga-se, é a obrigação principal do comodatário — cf. art. 1129° do CC.
4 E entre comerciantes, como o são a A. e o R., o comodato ou empréstimo de coisa(s) não é gratuito — cf. art°s 394° e 395° do CComercial.
5 Partindo, assim, deste errado pressuposto de direito, decidiu a M. Juiz não atribuir à A., ora recorrente, a indemnização que o contrato previa e lhe outorgava para o caso do seu incumprimento, mediante cláusula penal, a um tempo compulsória e indemnizatória.
6 Assim, além de errada interpretação daquela cláusula contratual, a M. Juiz ao, «de officio», o direito da A. à indemnização prevista naquele contrato, por via da declaração de nulidade, sem que a nulidade dessa cláusula lhe fosse pedida pelos RR, violou o art.24° do DL 446/85, 20/10,bem como o princípio processual civil do dispositivo, acomodado no art. 264° do CPC,
7 sendo que, outrossim, tal acto decisório padece de nulidade, por excesso de pronúncia, sancionada pelo art. 668°/l— d ) do CPC,
8 nulidade essa que aqui se invoca para os devidos efeitos.
9 A doutrina na palavra autorizada, seguramente, dos Prof. Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 9a edição, Prof. Calvão da Silva, in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1995, p.275, nota 502, e Prof. Pinto Monteiro, in Cláusula Penal e Indemnização, p.724, e a jurisprudência do Supremo tribunal de Justiça, convergem no sentido de que a redução equitativa de cláusulas penais contratuais só poderão ser apreciadas pelo tribunal se, pelos interessados, devedores, for pedida tal redução e, ainda, que por eles seja alegada e provada a excessiva onerosidade dessa(s) cláusula(s) penal(ais), sendo exemplo dessa corrente o Ac. STJ, de 27.01.2004, ( .dgsi.pt/proc.03A4080 ), o Ac. STJ, 12.01.2006 ( .dgsi.pt/proc.05B3664 ) onde aí se referem aquele Acórdão e o Acórdão de 20.11.2003, revista n°3514/03, e muito recentemente, publicado na C.J., Acórdãos do STJ, n°189, ano XIV, Tomo 1/2006, o Ac. STJ, de 7.03.2006, p.101, donde se respiga do seu sumário o seguinte excerto - « II - A primeira condição para que o tribunal possa ajuizar sobre o montante excessivo da pena é que o devedor solicite a sua redução; o tribunal não o pode fazer oficiosamente sob pena de julgar ultra petitum», e o Ac. do STJ, de 14/03/2006, p.135 e ss., donde igualmente se respiga do seu sumário o seguinte excerto - « v - À redução, como excepção invocável pelo devedor, deverá decidir-se se é, ou não, de aplicar oficiosamente o disposto no art. 812° do CC .»
10º Ora, salvo sempre melhor opinião, parece que esta doutrina é perfeitamente aplicável ao caso de declaração oficiosa de nulidade por eventual existência de cláusula penal contratual desproporcionada aos danos a ressarcir, ao abrigo do art.19a_c) do DL 446/85, 25/10.
11º Aliás, em momento algum os RR alegaram e provaram que a A. não tivesse tido danos com o seu incumprimento pelo que não podiam, assim, beneficiar da declarada nulidade da cláusula penal em causa, por não terem alegado e provado factos que demonstrassem que a referida era “desproporcionada aos ... danos(!?) a ressarcir”.
12 Finalmente, haverá erro de julgamento quando, tendo sido dado por provado que o R. recebeu a carta que continha a declaração de resolução do contrato ajuizado, em 16/09/2004, da sentença consta a condenação daquele a pagar juros de mora somente a partir de 27/09/2004, 10 dias depois daquele recebimento.



13° Foram violadas as seguintes normas substantivas:
-artigos 1129° do CCivil e 394° e 395° do CComercial, quanto à interpretação formulada pela M. Juiz do acordo estabelecido entre A. e R., como se de um contrato de comodato/empréstimo se tratasse;
— artigos 15°, 16° e 19°—o) do DL 446/85, 25/10, ao ser pela M. Juiz declarada a nulidade da cláusula penal contratual sem que os interessados RR tivessem alegado e provado factos que, avaliados à luz dos factores de ponderação previstos nas alíneas a) e b) daquele art.16°, permitissem um juízo de que tal cláusula penal fosse desproporcionada aos danos a ressarcir;
- artigos 436°/l e 224°/l db CCivil quanto à data a partir da qual o R. deveria ter sido condenado no pagamento de juros moratórios.
14 Foram violadas as seguintes normas adjectivas: - artigos 264° e 668°/1 — d) do CPC ainda por via da oficiosa declaração de nulidade da cláusula penal contratual sem que tivesse havido pedido do interessado nessa declaração, e art.24° do DL 446/85, 25/10.

António B... e Joaquina T..., Réus nos autos supra referenciados, não se conformando com a sentença proferida, vieram da mesma interpor Recurso de Apelação para o Tribunal da Relação, alegando e concluindo o que consta de fls. 170-200, que, aqui, se considera integralmente reproduzido, por remissão intertextual expressiva (tendo em conta a deficiente reprodução gráfica, em termos de impressão, esbatida, do texto, nas folhas apresentadas, revelado insusceptível de reprodução mecânica).



Notificados, reciprocamente, das alegações, os recorrentes vieram apresentar as suas contra-alegações, que pugnaram pela improcedência dos recursos interpostos.

II. Os Fundamentos:

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

Matéria de Facto assente na 1 Instância e que consta da sentença recorrida:

a) Em 05/11/2001, a requerente e os requeridos subscreveram o acordo, denominado «Contrato de fornecimento e compra exclusiva», que consta de fls. 3 e 3/verso, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido;
b) Durante o período do acordo referido em a), os requeridos adquiriram 463 kg de café;
c) Durante o período do acordo referido em a), os requeridos adquiriram produtos a marcas concorrentes;
d) Em 13/09/2004, a requerente enviou ao requerido a carta, registada e com aviso de recepção, que consta de fis. 6, cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido, a qual foi recepcionada a 16/09/2004;
e) O acordo a que se alude em a) foi concluído pela intervenção da sociedade José F..., L.da;
O Os requeridos sabiam que a requerente tinha como seu agente e representante exclusivo para a área de localização do seu estabelecimento a sociedade identificada em e);
g) A partir do final de 2003, a requerente prescindiu da intermediação de José F..., L.da, na execução do acordo mencionado em a);
h) A partir da data a que se alude em g), a requerente deixou de fornecer quaisquer produtos à José F..., L.da, na execução do acordo mencionado em a);
i) O requerido fez logo saber à requerente que não aceitava alterações do que havia sido contratado com ele e com a José F..., L.da, pondo, de imediato, à sua disposição os equipamentos indicados no acordo a que se alude em a), que se assim quisesse os poderia levantar;
j) A requerente enviou ao requerido, em 12/01/2004, a carta que consta de fls. 21, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.


Nos termos do art. 684°, n°3, e 690°,n°1, do CPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n°2, do art. 660º, do mesmo Código.

No que respeita ao recurso de C..., S.A., das suas conclusões, ressaltam as seguintes questões:

1. Foram violadas as seguintes normas substantivas:

1.1. -artigos 1129° do CCivil e 394° e 395° do C.Comercial, quanto à interpretação formulada pela M. Juiz do acordo estabelecido entre A. e R., como se de um contrato de comodato/empréstimo se tratasse?

1.2.— artigos 15°, 16° e 19°—o) do DL 446/85, 25/10, ao ser pela M. Juiz declarada a nulidade da cláusula penal contratual sem que os interessados RR tivessem alegado e provado factos que, avaliados à luz dos factores de ponderação previstos nas alíneas a) e b) daquele art.16°, permitissem um juízo de que tal cláusula penal fosse desproporcionada aos danos a ressarcir?

1.3. - artigos 436°/l e 224°/l do CCivil quanto à data a partir da qual o R. deveria ter sido condenado no pagamento de juros moratórios?

1.4. Foram violadas as seguintes normas adjectivas: - artigos 264° e 668°/1 — d) do CPC ainda por via da oficiosa declaração de nulidade da cláusula penal contratual sem que tivesse havido pedido do interessado nessa declaração, e art.24° do DL 446/85, 25/10?

Apreciando, dir-se-á que o contrato de comodato, regulado no art. 1129.° do Cód. Civil, como contrato que juridicamente é, tem a sua subsistência na verificação necessária de duas declarações negociais contrapostas. Para haver declaração negocial que leve à constituição do contrato, tem de haver um comportamento declarativo, ou seja, um comportamento que, visto de fora, apareça como significativo de uma vontade negociável, ainda que a validade jurídica da aparência possa ser afectada se ela não corresponder, efectivamente, ao estado de espírito, à intenção do seu autor, do autor do comportamento que se poderá manifestar, para além da palavra e da escrita, mas que deve aparecer exteriorizada com um certo conteúdo de vontade negocial, ainda que não declarado, mas agindo e executando para o revelar.

Assim, pois que interpretar e integrar, segundo os critérios legais, a declaração negocial, bem como qualificar e interpretar os negócios jurídicos, é matéria de direito; todavia, fixar a verificação, ou não, da declaração negocial constitui matéria de facto (Ac. STJ, 27-11-1991: BMJ, 411.°-513).

Tanto assim que o empréstimo mercantil nunca se presume gratuito; mas, nada impede que a gratuitidade seja expressamente convencionada; e assim podemos ter comodato mercantil e mútuo mercantil. Sendo mercantil o empréstimo quando destinado a acto mercantil, isto é, a uma operação lucrativa, justo era que ele fosse também havido como acto naturalmente lucrativo ou oneroso, quando nada a tal respeito foi estipulado (CUNHA GONÇALVES, Coment. ao Cód. Com. Port., 2.º, pág. 458).

Embora o art. 395.°, do Código Comercial disponha que o empréstimo mercantil «é sempre retribuído», trata-se de uma mera presunção, pois nada justificaria que um tal empréstimo tivesse forçosamente de ser retribuído (VAZ SERRA, RLJ, 110.°-16). Assim se determinando e interpretando, inarredavelmente, que o art. 395.° do Cód. Com., estabelece mera presunção de retribuição do mútuo mercantil, presunção esta que pode ser ilidida (Ac. RE, de 1-3-1974: BMJ, 235.°-317).

Relevando, a este pretexto, assim procedendo, que, conforme se alcança do teor da cláusula 3.1, aí se estipulou que “como contrapartida das obrigações assumidas pelo segundo outorgante, Manuel Pacheco de Barbara], a C... empresta-lhe... o equipamento... descrito nas condições particulares....”. Sendo que, dessas obrigações - o que ressalta, por constatação - não consta, só !), a restituição do equipamento fornecido que é a obrigação principal do comodatário.

Numa outra vertente, e na linha lógica de discurso decisório, Calvão da Silva faz notar que

“na apreciação do carácter manifestamente excessivo da cláusula penal, o juiz não deverá deixar de atender à natureza e condições de formação do contrato (...); à situação respectiva das partes, nomeadamente a sua situação económica e social, os seus interesses legítimos, patrimoniais e não patrimoniais; à circunstância de se tratar, ou não, de um contrato de adesão; ao prejuízo previsível no momento da celebração do contrato e ao efectivo prejuízo do credor; às causas explicativas do não cumprimento da obrigação, em particular à boa ou má fé do devedor (aspecto importante, senão mesmo determinante, ...); ao carácter à forfait da cláusula e, obviamente, à salvaguarda do seu valor cominatório” (in “Cumprimento e Sanção Pecuniária”, pág. 274 e ss.).

Igual sentido é, efectivamente, colhido na lição de Pinto Monteiro, que, no entanto, não deixa de sublinhar a importância na averiguação da finalidade prosseguida com a estipulação da cláusula penal,

“a fim de averiguar a essa luz, se existe uma adequação entre o montante da pena e o escopo visado pelos contraentes”, sendo que na pena estipulada a título de indemnização o grau de divergência entre o dano efectivo e o montante pré-fixado assume importância decisiva” (in “Cláusula Penal e Indemnização”, pág.741 e segs.).

O nº 1 do art. 812 do Cód. Civil prescreve que a cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, mas isso não significa que tal operação possa ser realizada de ofício.
Entendemos, com efeito, igualmente, que tal redução não pede ser feita de modo oficioso pelo tribunal.
Di-lo de forma clara Pinto Monteiro:

“a primeira condição para que o tribunal possa ajuizar sobre o montante excessivo da pena, é que o devedor solicite a sua redução, ainda que de forma indirecta ou mediata, contestando o seu elevado valor” (obra citada, pág. 734).

E Calvão da Silva alinha pelo mesmo diapasão:

“julgamos melhor solução dizer que o juiz não pode reduzir a pena convencionada oficiosamente, sob pena de estar a julgar ultrapetitum”(obra citada, pág. 275, nota501, in fine).

Nesta ordem de ideias, tendo a A. invocado violação do contrato e, por via dela, reclamado o pagamento da indemnização previamente fixada, competia aos RR., se essa fosse a sua intenção, defender a redução da cláusula, por a considera excessiva.
Na verdade, tomando em linha de conta as regras relativas à repartição do ónus probatório, dúvidas não podem restar que a redução surge aqui como matéria modificativa da pretensão da A. e, como assim, deveriam os RR., de acordo com o disposto no nº 2 do art. 342º, do Cód. Civil, alegar factos concretos que, tendo em conta os ensinamentos supra vazados, proclamasse a sua pretensão, em confronto com a petição da A..
O que esteve, notoriamente, ausente da sua retórica argumentativa.

Com este enquadramento, pois, «o juiz tem o poder de reduzir, mas não de invalidar ou suprimir a cláusula manifestamente excessiva, e só tem o poder de reduzir a cláusula manifestamente excessiva e não a cláusula excessiva... (Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 276, Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, 724 e segs.).
A redução como excepção invocável pelo devedor, deverá decidir se é, ou não, de aplicar, oficiosamente, o disposto no art. 812 do CC, assim colhendo circunstancial resposta negativa.

Do mesmo modo, o disposto no art. 436.º. n.º 1, CCivil, não exclui que, se a parte a quem a resolução é declarada, entender não existir o direito de resolução ou que ele foi mal exercido, se venha a discutir em juízo se ele existia ou foi bem exercido; mas, neste caso, a sentença que julgue existente e bem exercido o direito de resolução é simplesmente declarativa, limitando-se a declarar que o direito foi correctamente exercido. Os efeitos de resolução contam-se, portanto, da data da declaração de resolução, ou antes, daquela em que esta declaração, segundo o princípio aplicável à eficácia das declarações de vontade receptícias ou recipiendas, produz efeitos (Vaz Serra, RLJ, 102-168).

Também o Cód. Civil vigente, nos seus arts. 224.º e seguintes, consagrou a teoria da recepção, ainda que temperada pela teoria do conhecimento, diferentemente do que acontecia no Cód. Civil de Seabra, que, para a perfeição dos contratos, seguia a teoria da aceitação (Ac. STJ. 24-11-1984: BMJ. 331-461). No n.° 1 consagra-se uma teoria mista: o declaratário ficará vinculado logo que conheça o conteúdo da declaração, ainda que o texto ou documento não lhe tenha sido entregue. Mas ficará igualmente vinculado — nos termos da teoria de recepção — logo que a declaração chegue ao seu poder, à sua esfera pessoal, ainda que não tome conhecimento dela.
O que importa é que a declaração seja colocada ao alcance do destinatário, que este seja posto em condições de, só com a sua actividade, conhecer o seu conteúdo. Mas, se porventura o não conhecer, isso nada afecta a perfeição ou eficácia da declaração. Esta solução destina-se a evitar fraudes e evasivas por parte do destinatário (RLJ, 102.º-143, 144). O que quer dizer que a declaração receptícia ou recipienda é a declaração que carece de ser dada a conhecer a um destinatário, e a declaração não receptícia, a declaração que não carece para a sua completa relevância ou eficácia, de ser dada a conhecer a um destinatário, valendo logo que a vontade do declarante, se manifesta em forma legal (R. Alarcão, Confirmação dos Negócios Jurídicos, 1º, 180).

O que faz ressumar haver, efectivamente, erro de julgamento - ainda que, de forma evidente, revelado incidental e não compromissório -, quando, tendo sido dado por provado que o R. recebeu a carta que continha a declaração de resolução do contrato ajuizado, em 16/09/2004, da sentença consta a condenação daquele a pagar juros de mora somente a partir de 27/09/2004, 10 dias depois daquele recebimento (!...).

Torna-se, deste modo, relevante a circunstância de o n.° 1 do art. 264º, CPC, manter a consagração do princípio do pedido, competindo exclusivamente às partes a delimitação dos termos do litígio, mediante o enunciado dos fundamentos (causa de pedir) e a formulação das respectivas pretensões (pedido) e a selecção dos meios de defesa tidos por adequados.
O que quer, igualmente, significar que, em sentido lato, o princípio dispositivo, enquanto contraposto ao princípio inquisitório ou da oficialidade, significa que «as partes dispõem do processo, como da relação jurídica material. O processo é coisa ou negócio das partes (concepção privatística, contratualista ou quase-contratualista do processo). E uma luta, um duelo entre as partes, que apenas tem de decorrer segundo certas normas. O juiz arbitra a pugna, controlando a observância dessas normas e assinalando e proclamando o resultado (concepção duelística ou «guerresca» do processo). Donde a inércia, inactividade ou passividade do juiz (hoc sensu), em contraste com a actividade das partes. Donde também que a sentença procure e declare a verdade formal (intra-processual) e não a verdade material (extra-processual)» (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1963, págs. 347 e s.).
Como corolários ou consequências do mencionado princípio, o processo só se inicia sob o impulso da parte, mediante o respectivo pedido — princípio do pedido —, assim como só prossegue desde que tal impulso se mantenha, podendo as partes pôr-lhe termo (desistência da instância) e/ou determinar o conteúdo da sentença de mérito, seja através de confissão ou de desistência do pedido, seja mediante transacção, e, acima de tudo, só às partes compete proporcionar ao juiz, mediante as suas afirmações de facto e as provas que produzam, a base factual da decisão, obedecendo a apreciação das provas a critérios legais rígidos.

Por sua vez, a nulidade prevista na 1ª. parte da al. d) do n.° 1 do art. 668.°CPC está directamente relacionada com o comando fixado no n.° 2 do art. 660°, segundo o qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
Tal norma suscita, de há muito, o problema de saber qual o sentido exacto da expressão «questões» ali empregue, o qual é comummente resolvido através do recurso ao ensinamento clássico de Alberto dos Reis Cód. Proc. Civ. Anot., 5.°-54, que escreve: «... assim como a acção se indentifica pelos seus elementos essenciais (sujeitos, pedido e causa de pedir) (...), também as questões suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objecto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado».
No âmbito lógico deste raciocínio, doutrina e jurisprudência distinguem, por um lado, «questões», e, por outro, «razões» ou «argumentos», e concluem que só a falta de apreciação das primeiras — das «questões» — integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das «razões» ou «argumentos» invocados para concluir sobre as questões (vid., assim, Alberto dos Reis, ob. e vol. cits., pág. 143; RT, 78.°-172, 89.°-456, e 90.°- -219; Acs. STJ, de 2.7.1974, de 6.1.1977, de 13.2.1985, de 5.6.1985, entre muitos outros).
Enfermando de nulidade a sentença que condenou por factos não invocados pelas partes, conforme a alínea d) do n.° 1 do art. 668.° do CPC. (Ac. RL, de 12.7.1989: BTE, 2.ª série, n.os 1-2-3/92, pág. 254).

Consequentemente, colhem resposta afirmativa as questões (todas as questões) formuladas.

No que respeita ao recurso de António B... e Joaquina T..., das suas conclusões, ressalta a seguinte questão:

1. Ao decidir-se como se decidiu, foram violadas, por erro de interpretação e aplicação, as disposições dos arts. 334º, 349º, 406º, nº1, 483º e sstes, 812º e 813º do CC, e as dos arts. 264º, nº2, 514º, 653º, nº2, 659º, nºs 2 e3 e 664º, do CPC, e art. 1º, nºs 1, 2 e 3, do regime jurídico das “cláusulas contratuais gerais”, na redacção que lhe foi dada pelo Dec. Lei 249/99, de 7 de Julho.

Apreciando, e fazendo aqui valer as considerações anteriormente feitas, conexas à problemática que aqui se dilucida, dir-se-á, também,

que o abuso de direito abrange o exercício de qualquer direito por forma anormal, quanto à sua intensidade, ou à sua execução, de modo a poder comprometer o gozo de direitos de terceiros e a criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito, por parte do seu titular, e as consequências que outros têm que suportar (Ac. RL. 2-2-1982: CJ, 982. 1.°-166).
O abuso do direito, no alcance do disposto no art. 334º, CC, é um limite normativo imanente ou interno dos direitos subjectivos — pelo que no comportamento abusivo são os próprios limites normativos-jurídicos do direito particular invocado que são ultrapassados (Baptista Machado, CJ, 984, 2.°-17, citando Castanheira Neves, Questão de Facto e Questão de Direito, 526 e nota 46). O que quer dizer que, no abuso de direito pode compreender-se (como sanção adequada à sua natureza), qualquer processo em que se consiga a paralisação do respectivo direito, mas o que não pode é suprimir-se o próprio direito a pretexto de que o seu uso e abusivo (Ac.RP. 20-4-1978: CJ, 1978, 2-680).

Por sua vez, as presunções, como decorrência da noção estabelecida no art. 349º, CC, são, afinal, o produto de regras de experiência: o juiz, valendo-se de certo facto e de regras de experiência, conclui que aquele denuncia a existência doutro facto. Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode utilizar o juiz a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro: procede então mediante uma presunção ou regra da experiência ou, se se quiser, vale-se de uma prova de primeira aparência» (A. Lopes Cardoso: RT, 86.°,112 e AA. aí cits.).
São, pois, as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido. As presunções naturais, judiciais ou de facto são aquelas que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos retirados da observação empírica dos factos (Ac. STJ. 29.1.1992: AD. 373-117).
E não são propriamente meios de prova, mas processos lógicos mentais ou afirmações que são formados em regra de experiência. As mesmas presunções pressupõem a existência de um facto conhecido, para se concluir dele a existência de outro facto, dito presumido, servindo-se o julgador, para esse fim, das regras deduzidas da experiência da vida (Ac. STJ. 24-5-1989: BTE, 2. série, n.ºs 10-11-12/91. pág. 1046).

O advérbio «pontuaImente do n.º 1 do art. 406.º, CC, é aí empregado não no sentido restrito de cumprido a tempo, mas no sentido amplo de que o cumprimento deve coincidir ponto por ponto, em toda a linha, com a prestação a que o devedor se encontra adstrito, extraindo-se da regra da pontualidade a conclusão de que a prestação debitória deve ser realizada integralmente e não por partes, não podendo o credor ser obrigado a aceitar o cumprimento parcial (cf. art. 763.º do Cód. Civil) (Ac.RP 30-4-1971: BMJ. 308-333).

Nos termos do que se consagra no art 483º, CC, para que o fundamento da responsabilidade possa ser invocado é preciso que a norma em causa vise directamente a protecção do interesse do lesado (ou de um círculo de pessoas no qual o lesado se compreende) e, além disso, que o dano se produza no bem jurídico que aquela norma pretendia justamente proteger (P. Coelho, Obrigações, 33).
Trata-se de normas, leis, que embora protejam interesses particulares não conferem aos titulares um direito subjectivo a essa tutela, e de leis que tendo também ou até principalmente em vista a protecção de interesses colectivos não deixam de atender aos interesses particulares subjacentes. Como requisitos para ter direito: a) que a tutela dos interesses do lesado figure de facto entre os fins da norma violada (que não sejam reflexo): b) que o dano se tenha registado no círculo de interesses que a lei visa tutelar (A. Varela, Obrigações, 365).
Em todo o caso, a recusa de contratar, mesmo quando existe essa obrigação ou dever jurídico, dá direito à reparação do prejuízo, nos termos gerais (Almeida Costa, Obrigações, 3ª ed, 190).

O que serve, igualmente para dizer, neste enquadramento e em referência imperativa e decorrentemente pleonástica, que julgamos melhor solução voltar a dizer que o juiz não pode reduzir a pena convencionada oficiosamente, sob pena de estar a julgar ultrapetitum.
Nesta ordem de ideias, tendo a A. invocado violação do contrato e, por via dela, reclamado o pagamento da indemnização previamente fixada, competia aos RR., se essa fosse a sua intenção, defender a redução da cláusula, por a considera excessiva.
Na verdade, tomando em linha de conta as regras relativas à repartição do ónus probatório, dúvidas não podem restar que a redução surge aqui como matéria modificativa da pretensão da A. e, como assim, deveriam os RR., de acordo com o disposto no nº 2 do art. 342º, do Cód. Civil, alegar factos concretos que, tendo em conta os ensinamentos supra vazados, proclamasse a sua pretensão, em confronto com a petição da A..
O que esteve, notoriamente, ausente da sua retórica argumentativa.
Com este enquadramento, pois, «o juiz tem o poder de reduzir, mas não de invalidar ou suprimir a cláusula manifestamente excessiva, e só tem o poder de reduzir a cláusula manifestamente excessiva e não a cláusula excessiva...(Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 276, Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, 724 e segs.).
A redução como excepção invocável pelo devedor, deverá decidir se é, ou não, de aplicar, oficiosamente, o disposto no art. 812 do CC, assim colhendo circunstancial resposta negativa.

Ainda nos termos expressos pelo art.264º, do CPC, maxime do seu n.° 3, para que os factos essenciais à procedência da acção ou das excepções deduzidas, resultantes da instrução e/ou da discussão da causa, e que sejam complemento ou concretização de outros oportunamente alegados, possam ser tomados em consideração, para efeitos de decisão, é indispensável a verificação cumulativa de um duplo requisito: (i) que a parte interessada manifeste, por forma suficientemente clara e inequívoca, vontade de deles se aproveitar, seja por iniciativa própria e autónoma, seja por sugestão do Tribunal; (ii) que à parte contrária tenha sido facultado um efectivo contraditório quer em relação aos factos propriamente ditos, quer ao seu aproveitamento e/ou relevância. Tal como circunstancialmente aconteceu.
«Além dos factos essenciais que às partes, no uso do dispositivo, cumpre alegar para preenchimento da substanciação da causa de pedir — e sem os quais a petição seria inepta, exactamente por falta de causa de pedir — e que, portanto, interessam à procedência da acção, poderá conferir-se relevância, oficiosamente, a factos instrumentais, que, por sua vez, interessarão essencialmente à prova; além disso, complementarmente, poderão ainda ser introduzidos — mas, novamente, na disponibilidade das partes, embora com poderes oficiosos de suscitar a respectiva necessidade de inclusão nos autos outros factos, igualmente interessantes à procedência da acção ou da excepção.
Desta forma, em casos, nomeadamente, de causas de pedir complexas ou em que a «causa petendi» ou alegação tenha sido incompleta, deficiente ou imperfeitamente expressa, por omissão de algum elemento fundamentalmente integrante ou por referenciação a realidades conclusivas ou de índole normativa, será ainda possível ao tribunal — repete-se, sem quebra da disponibilidade, de princípio, das partes, sobre os fundamentos da acção — vir a considerar factos reputados como decisivos para o julgamento da causa, os quais, num critério estritamente formalista do entendimento do princípio dispositivo e numa óptica de pura preclusão, não poderiam ser introduzidos ou aperfeiçoados, do que resultaria prejuízo considerável, ou mesmo, ev insanável para a correcta definição do direito» (J. Pereira Batista, Reforma do Processo Civil, 1997, págs. 18 e ss.).

Continua, por seu lado, a vincular que, não carecendo de alegação, os factos previstos no n.° 2 do art. 514.º do Cód. Proc. Civil, devem no entanto, ser comprovados por documentação (Ac. RL, de 4.11.1998: BMJ, 481.°-535).

Mais se diga, de acordo com o disposto no art.712° (modificabilidade da decisão de facto), a decisão do tribunal de 1ª instância, sobre a matéria de facto, pode ser, efectivamente, alterada pela Relação: a) se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa, ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690.°-A, a decisão com base neles proferida; b) se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou. Todavia, tudo visto, e reconstituída a prova na sua integral dimensão, o certo é que, desde logo, se revela que os elementos que se evidenciam, nos Autos, em que o contraditório foi plenamente logrado, não alcançam, impondo, decisão diversa.
Como explica LOPES DO REGO, Comentários cit., art. 712, II, “a expressão ponto da matéria de facto procura acentuar o carácter atomístico, sectorial e delimitado que o recurso ou impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto deve revestir, estando em harmonia com a terminologia usada pela alínea a) do n.° 1 do art. 690.°- A (vide, igualmente, ALEXANDRE PESSOA VAZ, Direito processual civil (do antigo ao novo código), Coimbra, Almedina, 1998, ps. 143 e ss.; FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, Coimbra, Coimbra Editora, 1974, 1, ps. 230-231, e ANTU NES VARELA, Linhas fundamentais cit., 121, ps. 42-44; ac. do STJ de 12.1.99, BMJ, 483, p. 160; ABRANTES GERALDES, Temas cit., II, ps. 260- 261, e ac. do STJ de 16.10.2002, www.dgsi.ptljstj.nsf954) na verdade, o alegado erro de julgamento normalmente não inquinará toda a decisão proferida sobre a existência, inexistência ou configuração essencial de cedo facto, mas apenas sobre determinado e específico aspecto ou circunstância do mesmo, que cumpre à parte concretizar e delimitar claramente”. Só que, na circunstância, não se vislumbra qualquer erro na apreciação da prova.


Abonando esta apreciação, convoque-se a justificação, plural, expressa a fls. 99 a 102, onde, para além do que se consagra de forma afirmativa, se destaca que

a decisão negativa quanto à matéria encerrada nos artigos mencionados em epígrafe deveu-se ao facto de não ter sido realizada actividade instrutória que permitisse a formação dum juízo positivo com o grau de certeza relativa exigido.

Leve-se ainda em consideração que, de resto, nem o art. 653°, n°. 2, nem o art. 712°, n.° 3, ambos do Cód. Proc. Civil, proíbem a fundamentação, em conjunto, de várias respostas, o que é até aconselhável no caso de serem os mesmos os meios concretos de prova. (Ac. RP, de 17.7.1974: BMJ, 239.°-263). Sendo que o art. 653.°, n.° 2, do Cód. Proc. Civil, ao ordenar a especificação dos fundamentos que basearam a convicção do julgador, relativamente aos factos julgados provados pelo tribunal, pretende que este revele a motivação das respostas dadas aos quesitos, de modo a esclarecer o processo racional a que aquelas obedeceram. (Ac. STJ, de 25.11.1975: BMJ, 25l.°-127). O que foi, plenamente logrado.
Por sua vez, o n°4 do art. 712° CPC, prevê, que a falta dos elementos probatórios que permitam a reapreciação da matéria de facto justifique a anulação, mesmo a título oficioso, da decisão proferida em 1ª instância. Este poder de anulação pode ser exercido quando a Relação considere “deficiente, obscura ou contraditória” a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto. O que, no caso, pelas razões expostas, não acontece.

O próprio n.° 5, do art. 712°, do CPC, só confere ao tribunal da relação a possibilidade de mandar que o tribunal de primeira instância fundamente a sua decisão sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, quando não exista um mínimo de fundamentação. Tanto mais que a redacção de 1995 impõe a devida fundamentação, com maior grau de exigência. O tribunal recorrido deve dar cumprimento a essa determinação, feita a requerimento da parte, levando em conta os depoimentos gravados ou registados ou repetindo a produção da prova, quando necessário. Devendo ligar-se este n.° 5 ao disposto no art. 653-2, ponde se impõe que o tribunal especifique os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, traduzindo a respectiva redacção, introduzida pelo DL 39/95, uma exigência alargada do cumprimento do dever de fundamentação das decisões. O que foi inteiramente satisfeito (José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil, ob. cit., pág.98).
Pelos mesmos motivos, na anterior imediação, invocados, inexiste contradição, ou qualquer obscuridade. Continuando a vincular que as respostas aos quesitos não têm de ser meramente afirmativas ou negativas, podendo ser restritivas ou explicativas, desde que se contenham dentro da matéria articulada, tal como sucede (Ac. STJ, de 3.12.1974:BMJ, 242.°-2 12).

Assim, exactamente, pois que a decisão sobre matéria de facto — por decorrência do disposto no art.653°, do CPC, não pode confinar-se nem à mera declaração de quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, nem a essa declaração acompanhada da fundamentação genérica dos meios de prova que conduziram a um ou outro daqueles resultados: o n°2 deste artigo exige, por um lado, a análise crítica dos meios de prova produzidos no processo, e, por outro, manda especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, expressa na resposta, positiva ou negativa, dada à matéria de facto controvertida.
Não se trata, por conseguinte, de um mero juízo arbitrário ou de intuição sobre a realidade ou não de um facto, mas de uma convicção adquirida através de um processo racional, alicerçado — e, de certa maneira, objectivado e transparente na análise criticamente comparativa dos diversos dados trazidos através das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações essencialmente determinantes da opção feita e cuja enunciação, por exigência legal, representa o assumir das responsabilidades do julgador inerentes ao carácter público da administração da Justiça» (J. Pereira Batista, Reforma do Processo Civil, 1997, págs. 90 e seg; Vide sobre a fundamentação das respostas aos quesitos: Gonçalves Salvador, Motivação, em BMJ, 121 85; estudo em Justiça Portuguesa, 29°- 49; Oliveira Matos; A motivação das respostas e os processos da alínea a) do art. 168°, do CPC, em Justiça Portuguesa. 31°- 97; Gonçalves Pereira, Poderes do juiz em matéria de facto, em Justiça Portuguesa, 32.°-81).
Constitui jurisprudência uniforme a de que não obedece à exigência legal da fundamentação a mera afirmação de que as respostas aos quesitos resultaram da prova produzida. A boa interpretação teleológica do princípio da motivação, expresso no n.° 2 deste artigo, impõe que a fundamentação se refira a cada facto, isolada e autonomamente considerado, e que tenha por objecto a indicação dos meios probatórios decisivos na formação da convicção do julgador. O que foi observado.
Por força do princípio da livre apreciação das provas, consagrado no art. 655.° do Cód. Proc. Civil, o tribunal, nas respostas aos quesitos, deve atender aos depoimentos das testemunhas, ainda que - mesmo - indicadas para responderem a outros quesitos, ainda que tenham sido oferecidas pela parte contrária àquela a quem as respostas delas aproveitam(Ac, RL, de 2.11.1979: BMJ, 296.°-323).
O tribunal aprecia livremente as provas e responde segundo a convicção que formar acerca de cada facto quesitado, tudo em harmonia com o disposto no art. 655° do Cód. Proc. Civil (Ac. RL, de 17.3.1980: BMJ, 300º - 444). Isto porque o regime de prova é dominado pelo princípio da prova livre — o tribunal aferir livremente as provas (Ac. RL, de 20.4.1 989:Col. Jur., 1989, 2.°-143); em qualquer circunstância, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.
Com efeito, o principio da livre apreciação de provas consignadas no art. 655°, n°1, do Cód. Proc. Civil, só cede perante situações de prova legal que, fundamentalmente, se verifiquem nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares e por presunções legais (arts. 350°, n°1, 358°, 371° e 376°, todos do Código Civil) (Ac. RE, de 20.9.1990: BMJ, 399°- 603).
O julgador não é arbitrário na apreciação das provas pericial e testemunhal, mas é, legalmente até, livre, na apreciação desses meios probatórios. Entre essas provas nem lhe é exigido e não será exigível que optasse por alguma delas. Sendo a prova de livre apreciação pelo tribunal recorrido, não pode o tribunal para onde se recorre, sem elementos que formalmente isso determinem, aquilatar do «grau de convicção» que na instância recorrida dado à prova testemunhal e à prova pericial (Ac. RE. de 13.1.1994: BMJ, 433°-646). Mais ainda, quando conformes à evidência dos Autos.
A decisão mostra-se, do mesmo modo, conforme ao dictat do que se consigna no art. 659°, do CPC, maxime, no seu n°3, pois na fundamentação da sentença, imperativamente, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer. O que, igualmente, se mostra observado.

Sendo que o ónus consiste - na referência do art. 342°,1, do CCivil - na necessidade de observância de determinado comportamento, não para satisfação do interesse de outrem, mas como pressuposto da obtenção de uma vantagem para o próprio, a qual pode inclusivamente cifrar-se em evitar a perda de um beneficio antes adquirido (A. Varela, Obrigações, 35): traduz se, para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova: ou na necessidade de, em todo o caso, sofrer tais consequências se os autos não contiverem prova bastante desse facto (trazida ou não pela mesma parte) (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1956, pág. 184).
O ónus da prova traduz-se, pois, para a parte a quem compete, no dever de fornecer a prova do facto visado, sob pena de sofrer as desvantajosas consequências da sua falta (Ac. RC, 17-11-1987: CJ 1987, 50-80).
Assim, pois que os elementos considerados deficitários, ou alegadamente inconsiderados, pelos recorrentes (no que à matéria fáctica respeita), aludidos, foram levados em devida conta, na decisão proferida (diversamente do enquadramento jurídico, nos termos supra referenciados).

Sempre na vinculação de que «o tribunal não tem liberdade absoluta na qualificação jurídica da causa de pedir, a qual não lhe é reconhecida pela lei; o que ela (Cód. Proc. Civil, art. 664.°) lhe impõe é a qualificação da causa de pedir independentemente da feita pelo autor, sem que, por isso, seja lícito ao tribunal convolar oficiosamente para outra causa de pedir.
O autor não tem o ónus de qualificar juridicamente a causa de pedir, bastando-lhe expor os factos, e cabendo depois ao tribunal a qualificação jurídica destes...» (Vaz Serra, RLJ, 105.°-233, em anotação ao Ac. STJ, de 15.10.197 1).
Que o mesmo é dizer que o juiz só está vinculado aos factos articulados pelas partes, mas não quanto à sua qualificação jurídica, visto que, como se diz no art. 664.° do Cód. Proc. Civil, não está sujeito às alegações das partes, no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (Ac. STJ, de 4.12.1979: BMJ, 292.°-352).

O que, tudo visto, também, permite concluir pela intangibilidde do art. 1º, nºs 1, 2 e 3, do regime jurídico das “cláusulas contratuais gerais”, na redacção que lhe foi dada pelo Dec. Lei 249/99, de 7 de Julho.
Colhe, deste modo, resposta negativa a questão formulada.

Podendo, assim, concluir-se que:

1. Embora o art. 395.°, do Código Comercial disponha que o empréstimo mercantil «é sempre retribuído», trata-se de uma mera presunção, pois nada justificaria que um tal empréstimo tivesse forçosamente de ser retribuído. Assim se determinando e interpretando, inarredavelmente, que o art. 395.° do Cód. Com., estabelece mera presunção de retribuição do mútuo mercantil, presunção esta que pode ser ilidida.

2. O juiz tem o poder de reduzir, mas não de invalidar ou suprimir a cláusula manifestamente excessiva, e só tem o poder de reduzir a cláusula manifestamente excessiva e não a cláusula excessiva (...). A redução como excepção invocável pelo devedor, deverá decidir se é, ou não, de aplicar, oficiosamente, o disposto no art. 812 do CC, assim colhendo circunstancial resposta negativa.

3. Com o disposto no art. 436.º. n.º 1, C. Civil, os efeitos de resolução contam-se, portanto, da data da declaração de resolução, ou antes, daquela em que esta declaração, segundo o princípio aplicável à eficácia das declarações de vontade receptícias ou recipiendas, produz efeitos.

4. A declaração receptícia ou recipienda (art.224º CC) é a declaração que carece de ser dada a conhecer a um destinatário, e a declaração não receptícia, a declaração que não carece para a sua completa relevância ou eficácia, de ser dada a conhecer a um destinatário, valendo logo que a vontade do declarante, se manifesta em forma legal.

5. O n.° 1 do art. 264º, CPC, mantém a consagração do princípio do pedido, competindo exclusivamente às partes a delimitação dos termos do litígio, mediante o enunciado dos fundamentos (causa de pedir) e a formulação das respectivas pretensões (pedido) e a selecção dos meios de defesa tidos por adequados.

6. A nulidade prevista na 1ª. parte da al. d) do n.° 1 do art. 668.°CPC está directamente relacionada com o comando fixado no n.° 2 do art. 660°, segundo o qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».

7. O abuso do direito, no alcance do disposto no art. 334º, CC, é um limite normativo imanente ou interno dos direitos subjectivos — pelo que no comportamento abusivo são os próprios limites normativos-jurídicos do direito particular invocado que são ultrapassados. O que quer dizer que, no abuso de direito pode compreender-se (como sanção adequada à sua natureza), qualquer processo em que se consiga a paralisação do respectivo direito, mas o que não pode é suprimir-se o próprio direito a pretexto de que o seu uso é abusivo.

8. As presunções, como decorrência da noção estabelecida no art. 349º, CC, são, afinal, o produto de regras de experiência: o juiz, valendo-se de certo facto e de regras de experiência, conclui que aquele denuncia a existência doutro facto. Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode utilizar o juiz a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro: procede então mediante uma presunção ou regra da experiência ou, se se quiser, vale-se de uma prova de primeira aparência».

9. O advérbio «pontuaImente do n.º 1 do art. 406.º, CC, é aí empregado não no sentido restrito de cumprido a tempo, mas no sentido amplo de que o cumprimento deve coincidir ponto por ponto, em toda a linha, com a prestação a que o devedor se encontra adstrito, extraindo-se da regra da pontualidade a conclusão de que a prestação debitória deve ser realizada integralmente e não por partes, não podendo o credor ser obrigado a aceitar o cumprimento parcial.

10. Nos termos do que se consagra no art 483º, CC, para que o fundamento da responsabilidade possa ser invocado é preciso que a norma em causa vise directamente a protecção do interesse do lesado (ou de um círculo de pessoas no qual o lesado se compreende) e, além disso, que o dano se produza no bem jurídico que aquela norma pretendia justamente proteger.

11. Ainda nos termos expressos pelo art.264º, do CPC, maxime do seu n.° 3, para que os factos essenciais à procedência da acção ou das excepções deduzidas, resultantes da instrução e/ou da discussão da causa, e que sejam complemento ou concretização de outros oportunamente alegados, possam ser tomados em consideração, para efeitos de decisão, é indispensável a verificação cumulativa de um duplo requisito: (i) que a parte interessada manifeste, por forma suficientemente clara e inequívoca, vontade de deles se aproveitar, seja por iniciativa própria e autónoma, seja por sugestão do Tribunal; (ii) que à parte contrária tenha sido facultado um efectivo contraditório quer em relação aos factos propriamente ditos, quer ao seu aproveitamento e/ou relevância. Tal como circunstancialmente aconteceu.

12. Não carecendo de alegação, os factos previstos no n.° 2 do art. 514.º do Cód. Proc. Civil, devem no entanto, ser comprovados por documentação.

13.O tribunal aprecia livremente as provas e responde segundo a convicção que formar acerca de cada facto quesitado, tudo em harmonia com o disposto no art. 655° do Cód. Proc. Civil. Isto porque o regime de prova é dominado pelo princípio da prova livre — o tribunal aferir livremente as provas; em qualquer circunstância, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador. Tal como foi feito.

14. O julgador não é arbitrário na apreciação das provas pericial e testemunhal, mas é, legalmente até, livre, na apreciação desses meios probatórios. Entre essas provas nem lhe é exigido e não será exigível que optasse por alguma delas. Sendo a prova de livre apreciação pelo tribunal recorrido, não pode o tribunal para onde se recorre, sem elementos que formalmente isso determinem, aquilatar do «grau de convicção» que na instância recorrida foi dado à prova testemunhal e à prova. Mais ainda, quando conformes à evidência dos Autos.

15. As respostas aos quesitos não têm de ser meramente afirmativas ou negativas, podendo ser restritivas ou explicativas, desde que se contenham dentro da matéria articulada, tal como sucede.

16. A decisão mostra-se, do mesmo modo, conforme ao dictat do que se consigna no art. 659°, do CPC, maxime, no seu n°3, pois na fundamentação da sentença, imperativamente, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer. O que, igualmente, se mostra observado.

17. O ónus da prova traduz-se, pois, para a parte a quem compete, no dever de fornecer a prova do facto visado, sob pena de sofrer as desvantajosas consequências da sua falta. Assim, exactamente, pois que todos os elementos considerados deficitários, alegadamente inconsiderados, pelos Autores, recorrentes, foram levados em devida conta, na decisão proferida.

18. O juiz só está vinculado aos factos articulados pelas partes, mas não quanto à sua qualificação jurídica, visto que, como se diz no art. 664.° do Cód. Proc. Civil, não está sujeito às alegações das partes, no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.

III. A Decisão:

Pelas razões expostas, concede-se provimento ao recurso interposto por C..., S.A., revogando-se a decisão, na parte ora impugnada, e, em consequência, declarando a acção totalmente procedente, condenam-se os RR a pagar à A. a quantia de € 11.003,40, a título de capital, acrescida de juros de mora vencidos desde a resolução do contrato — 16.09.2004 — até integral pagamento da dívida, à taxa legal prevista para as obrigações comerciais; com este perfil se negando provimento ao recurso interposto por António B... e Joaquina T....

Custas pelos recorrentes António B... e Joaquina T..., fixando-se a taxa de justiça em 5 UC.

Guimarães, 22 , Março, de 2007.