Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3823/18.0T8BRG.G1
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: CONSUMIDOR
DIREITO DE INFORMAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator):

I - O direito de o consumidor ser informado de que pode requerer à Direcção Geral de Energia uma vistoria (de forma a funcionar como ‘contra-vistoria’) justifica-se não só no caso de interrupção de energia eléctrica ab initio, como quando o distribuidor opte primeiro por exigir o pagamento do consumo de energia facturado, uma vez que o disposto no artº 4º, nº 1, do Dec.Lei nº 328/90, de 22.10, está interligado com o preceituado no seu artº 5º, para o qual remete.

II - Tratando-se de um bem essencial - a energia eléctrica - cuja distribuição constitui serviço público, são exigíveis maiores cautelas ao fornecedor, a fim de serem assegurados os direitos do consumidor, como seja o direito à informação para o consumo, consagrado no artº 3º, al. d), do Dec. Lei nº 24/96, de 31.07 e no artº 4.º, nº 1, da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório;

Recorrente: (…), SA. (ré/reconvinte);
Recorrido: (…) (autor/reconvindo)
*****

No presente processo comum que o autor (…) intentou contra a ré (…) SA., realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença a julgar a acção totalmente procedente e, consequentemente, declarou-se a inexistência do direito da ré em reclamar do autor o pagamento do valor referido em 9º da petição inicial e de suspender ou interromper o fornecimento de energia eléctrica ao autor.
Mais se julgou totalmente improcedente o pedido reconvencional deduzido pela ré e, dessa forma, absolveu-se o autor de todos os pedidos contra si formulados.

Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso a ré, de cujas alegações se extraem as seguintes conclusões:

A. O presente Recurso de Apelação vem interposto por Distribuição – Energia, S.A. – ora Recorrente - por não se conformar com a sentença que julgou a ação totalmente procedente e, por outro, julgou totalmente improcedente o pedido reconvencional deduzido pela Ré, ora Recorrente.
B. Conforme resulta da Petição, está em causa uma ação declarativa de condenação, pela qual o Autor, ora Recorrido, pede que seja reconhecida e declarada a inexistência ou inexigibilidade de qualquer direito da Ré, ora Recorrente, a receber o valor de € 8.834,41. C. A Ré, ora Recorrente, deduziu contestação e reconvenção, pugnando pela improcedência do pedido formulado pelo Autor, aqui Recorrido, e pedindo que o Tribunal julgasse a reconvenção provada e procedente e, em consequência, condenasse o Autor a proceder ao pagamento da indemnização de € 8.834,41.
D. O Recorrido apresentou réplica, alegando que não tinha procedido nem por si nem por intermédio de outrem a qualquer viciação no contador.
E. De forma sintética, o Tribunal a quo deu como não provado que os técnicos verificaram que o contador havia sido manipulado, mas devido a erro na apreciação da matéria de facto.
F. Por outro lado, o Tribunal a quo considerou que a Ré, aqui Recorrente, violou o dever de informar o consumidor – o Autor, ora Recorrido – dos seus direitos, nomeadamente, de requer uma vistoria ao contador.
G. Salvo o devido respeito, que é muito, entende a Recorrente que a sentença enferma de um erro na aplicação do Direito, designadamente, no que diz respeito à interpretação do Decreto-Lei 328/90, de 22 de outubro.
H. Por esse motivo, o Recurso versa sobre a matéria de facto e de Direito.
I. O auto de vistoria de 26.06.2017 e a fotografia recolhida no mesmo dia permitem concluir que o selo da tampa de bornes do contador estava rebentado e que os shunts da fase L1 e L3 estavam danificados.
J. Tal realidade foi confirmada por um dos técnicos da Recorrente na audiência de julgamento – a testemunha F. P..
K. A adulteração verificada teve como consequência que cerca de 2/3 da energia consumida na instalação não fosse medida pelo contador.
L. O depoimento das testemunhas F. P., A. C. e P. S., articulado com a documentação junta ao processo (designadamente, os documentos 02 a 06 da contestação) impunha que o Tribunal a quo tivesse dado como provados os seguintes factos:
Os técnicos verificaram que o contador havia sido manipulado.
O selo da tampa de bornes estava rebentado.
Os shunts da fase L1 e L3 estavam danificados.
O que fazia com que parte dos consumos efectuados na instalação não fossem contabilizados em virtude da manipulação infligida no equipamento de medida.
Sendo a instalação trifásica, a adulteração detectada tinha como consequência de 2/3 do consumo de energia efectuado não fosse medido nem registado pelo contador.
O quadro factual narrado ocorreu sem o conhecimento e autorização da Distribuição – Energia e contra a sua vontade.
Apenas um técnico com conhecimento na matéria conseguiria detectar a manipulação.
O A. consumiu energia eléctrica que não foi registada pelo equipamento de medida por força de manipulação que o mesmo, pelo menos, aproveitou.
Na sequência da execução da ordem de serviço junta como documento 04, os técnicos ao serviço da Ré detectaram, no equipamento técnico que serve, em exclusivo, a instalação da A., que o selo da tampa de bornes estava rebentado e os shunts da fase L1 e L3 estavam danificados.
Facto tecnicamente idóneo de fazer com que duas das três fases do equipamento não registassem a energia eléctrica que pelas mesmas passava.
M. As declarações de parte do Recorrido, conjugadas com os depoimentos das testemunhas G. R. e F. P. impõem que seja aditado novo facto ao elenco da factualidade dada como provada:
Na vistoria de 26.06.2017, os técnicos da Ré informaram o representante do Autor de que o contador tinha sido adulterado.
N. A testemunha P. S. explicou de que forma a Recorrente apurou os prejuízos, confirmando o teor dos mapas de cálculo juntos como documento 10 à contestação, o que revela a necessidade de aditar novo ponto aos factos dados como provados:
A adulteração verificada no contador que serve a instalação do Autor aquando da vistoria de 26.06.2017 implicou que a Ré sofresse prejuízos no montante de €8.834,41.
O. Das declarações de parte do Autor, ora Recorrido, resulta inequivocamente que a Recorrente jamais comunicou que teria intenção de interromper o fornecimento de energia elétrica à instalação, motivo pelo qual deverá ser aditado o seguinte facto provado:
A Ré nunca tencionou interromper o fornecimento de energia elétrica ao Autor.
P. Ao contrário do que é referido pelo Tribunal a quo, sobre a Recorrente não recaía a obrigação de informar o consumidor de que poderia requerer uma vistoria à DGEG porquanto não se aplica, in casu, o disposto no número 1 do artigo 4º do DL 328/90, de 22/10.
Q. O artigo 3º do DL 328/90 estatui que, face a um procedimento fraudulento, o distribuidor tem direito a interromper o fornecimento de energia e a ser ressarcido pelos consumos irregulares e pelas despesas com a verificação e correção da fraude.
R. O DL 328/90 só faz depender a interrupção do fornecimento eléctrico da prévia informação ao consumidor dos seus direitos (número 1 do artigo 4º).
S. Essa dependência não existe quanto ao ressarcimento do valor do consumo irregular e das despesas inerentes à verificação e eliminação da fraude e respetivos juros.
T. A Recorrente actuou no estrito cumprimento da lei, mormente, do disposto no DL 328/90, de 22/10 e na Secção IV, ponto 31.1 da Directiva n.º 5/2016 da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (Guia de Medição, Leitura e Disponibilização de Dados de energia elétrica em Portugal continental).
U. Em conclusão, mal andou o Tribunal a quo ao ter declarado a ação procedente e, consequentemente, ao não ter conhecido do pedido reconvencional.
V. Funciona em pleno a presunção constante do número 1, do artigo 2º do DL 328/90, de 22 de Outubro, que dispõe que Qualquer procedimento fraudulento detectado no recinto ou local exclusivamente servido por uma instalação de utilização de energia eléctrica presume-se, salvo prova em contrário, imputável ao respectivo consumidor.
W. A factualidade integrante do direito à indemnização traduz-se, como é sabido:
i. Na verificação de um facto voluntário, ilícito, neste caso, a desselagem do contador e a abertura dos shunts das fases L1 e L3;
ii. Na imputação subjectiva desse facto ao agente, neste caso, ao Recorrido;
iii. Na existência de um dano reparável, neste caso, o prejuízo correspondente à energia utilizada pelo Recorrido e não registada pelo contador, no período da anomalia;
iv. Num nexo causal entre o facto e o dano, neste caso, a adequação técnica entre a desselagem do contador e a abertura dos shunts das fases L1 e L3 e o não registo da energia medida nessas fases e, consequentemente, não facturada.
X. Operando-se – como se pretende – a alteração da matéria de facto dada como provada e não provada, então forçosamente terá que proceder o pedido reconvencional, uma vez que os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos se encontram preenchidos.
Y. Pode o tribunal ad quem conhecer do enriquecimento sem causa, caso entenda não estar demonstrado o requisito da culpa no âmbito da responsabilidade civil por factos ilícitos.
Z. Assim, deve o Recorrido – subsidiariamente – ser condenado a restituir à Recorrente o valor com que se locupletou em virtude da adulteração nos shunts de tensão, com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, previsto no artigo 473.º do Código Civil.

Pede que seja revogada a sentença recorrida, substituindo-se a decisão por outra que julgue a ação improcedente e o pedido reconvencional procedente, condenando o Recorrido a pagar à Recorrente a quantia de €8.834,41.

Houve contra alegações, pugnando-se pela confirmação do julgado.

II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar;

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos dos artº 639º do CPC (doravante CPC).

As questões suscitadas pela Recorrente são as seguintes são as seguintes:

a) Erro na apreciação da prova;
b) Erro na subsunção jurídica:
- Da inaplicabilidade do disposto no nº 1 do artº 4º do Dec. Lei 328/90, de 22.10;
- Da não ilisão da presunção de culpa pelo recorrido;
- Da responsabilidade civil por factos ilícitos;
- Do enriquecimento sem causa;

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

III – Fundamentos;

1. De facto;

A factualidade dada como assente na sentença recorrida é a seguinte:

Factos provados:

1.
A R. exerce, em regime de concessão de serviço o público, a actividade de distribuição de energia eléctrica em alta e média tensão, sendo ainda concessionária da rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão no concelho de Braga.
2.
Para consumo na sua residência, sita na Rua …, n.º …, …, Braga, à qual corresponde o local de consumo número ....
3.
No mês de Junho de 2017, o autor dirigiu à Ré um pedido de mudança de contador, para contador bi-horário.
4.
No seguimento do seu pedido, em 26.06.2017, a Ré realizou uma vistoria técnica à instalação de utilização do Autor.
5.
Por carta enviada pela Ré, datada de 10-10-2017, assunto - utilização irregular de energia eléctrica, PN … – CPE PT000020000…JW, a Ré deu um prazo de 10 (dez) dias para o Autor pagar a quantia de € 8.834,41 (oito mil oitocentos e trinta e quatro euros e quarenta e um cêntimo).
6.
Alegando que, aquando da auditoria técnica, do dia 26-06-2017, identificaram uma utilização irregular de energia eléctrica decorrente de actuação indevida do contador.
7.
E da verificação da existência de não conformidades no contador de energia, em consequência do mesmo se encontrar danificado, com a tampa de bornes desselada e com os shunts danificados.
8.
O Autor respondeu, por carta registada datada de 23-10-2017 e por email datadas de 28-11-2017.
9.
Alegando que não procedeu, nem por si, nem por intermédio de outrem, qualquer viciação do contador.
10.
O contador de energia eléctrica encontra-se no exterior da moradia, na via pública.
11.
O aqui A. é utilizador do local de consumo com o número nº ..., correspondente à instalação sita no Lugar …, em ….
12.
Em 19-05-2005, para este local de consumo, o A. celebrou um contrato de fornecimento de energia eléctrica com um dos comercializadores que operam no mercado, in casu, com a sociedade Distribuição – Energia Serviço Universal, S.A., tendo cessado efeitos no dia 30-01-2015.
13.
Data em que o A. celebrou novo contrato com a Distribuição – Energia Comercial – Comercialização de Energia S.A., e que mantém em vigor até à presente data.
14.
Sendo na qualidade de Operador de Rede que a Distribuição – Energia abastece a instalação de energia eléctrica, e visando efectuar mediação e registo dos consumos de energia eléctrica, instalou, em 13-11-2013, um contador trifásico, com o número de identificação 168080…22 (cfr. doc. 02) que serve exclusivamente a instalação do A..
15.
Aquando da instalação do contador na habitação em causa – em 13-11-2013- este foi devidamente selado e encontrava-se em normais condições de funcionamento e exploração.
16.
A R. enviou uma equipa técnica à instalação do A., por força da alteração contratual por si solicitada.
17.
Para tanto, gerou a respectiva ordem de serviço (número ...), cumprindo-a no dia 26 de Junho de 2017.
18.
Data em que houve uma deslocação ao local pelos técnicos da R..
19.
Nesta circunstância, os técnicos elaboraram e entregaram ao autor um documento intitulado “auto de vistoria do ponto de medição” junto com a contestação (doc. 5), e cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido uma vez que, atendendo ao formato do documento, não é possível a sua reprodução integral.
20.
Os técnicos ao serviço da R. substituíram o equipamento por uma Distribuição – Energia Box.
21.
A equipa técnica não teve acesso ao DCP – dispositivo de controlo de potência.
22.
Na sequência de um pedido de aumento de potência (de 6,90 KVA para 13,80 KVA) solicitado pelo A., a R. gerou a ordem de serviço nº 1000…493 (doc. 07), cumprindo-a no dia 06-10-2017.
23.
Chegados ao local, os técnicos da R. verificaram que o DCP estava desselado.
24.
Os técnicos lavraram o auto de vistoria e procederam à recolha de evidências fotográficas.
25.
Os leitores (atentos ao registo dos números inscritos no painel), pese embora possam detectar uma anomalia, não têm a preparação profissional idónea que lhes permita verificar os contadores e detectar situações fraudulentas encobertas, além do mais, nem é essa a função que lhes está incumbida.
26.
Não tendo sido detectado qualquer ato de vandalismo ou sabotagem.
27.
No cálculo efectuado a R. teve em conta um período de três anos, obtido por referência à data da vistoria e compreendido entre 28-06-2014 e 25-06-2017.
28.
A R. efectuou um cálculo por estimativa, com base nos consumos registados no contador no período entre 11-06-2014 a 25-06-2017, acrescido de um factor de correcção de 2/3.
29.
O contador instalado no local de consumo do autor, é o 00..., e número de OS ... e, encontra-se no exterior da moradia do autor.
30.
O número mencionado de PN (Parceiro de negócio) é … e de CPE (Ponto de entrega) PT000200006...3JW, o que não corresponde ao número do ponto de entrega do autor, nem tão pouco o número de parceiro de negócio (PN).
31.
A ré enviou ao autor, que a recebeu, a missiva junta a fls. 50 dos autos com o seguinte teor:
Utilização irregular de energia eléctrica
PN 7027977 – CPE PT000200006...3JW
Deveria constar o PN- 2005444987 e CPE PT0002000...2CK
Exma., Senhora Dra. C. A.,
Analisámos com atenção a sua reclamação de 30 de Outubro de 2017, sobre o processo 3090081, referente ao CPE PT0002000...2CK, que corresponde à instalação situada no Lugar … – ….
Por lapso, na nossa carta 20442/17/SC-OP-SF de 10 de Outubro, foi indicado o Código Ponto Entrega (CPE) errado e o número de Parceiro de Negócio (PN) também errado, pelo que pedimos as nossas desculpas.
Esclarecido o erro na identificação”.
32.
A ré não informou o autor de que poderia requerer a realização de outra vistoria junto da Direcção-Geral de Energia.
*
Factos não provados:

O Autor sempre pagou as facturas que lhe foram apresentadas pela Ré, correspondentes ao fornecimento de energia eléctrica.
Sucede, porém, que o Autor insatisfeito pelos elevados valores facturados pela Ré, com os quais não concordava.
O Autor não foi informado do direito de estar presente e não acompanhou a vistoria.
A ré informou o autor de que iria proceder o corte de energia caso o mesmo não liquidasse a quantia em dívida.
O Autor é pessoa séria, tendo sempre cumprido o contrato com a comercializadora, cumprindo-o, isto é, ponto por ponto e seria incapaz de levar a cabo a viciação do contador em causa.
O Autor sempre pagou, as facturas de electricidade referentes aos períodos de consumo,
O Autor não violou a caixa do contador, nem por si nem por intermédio de outrem procedeu a tal violação, nem contribuiu de modo algum para isso, ignorando quem assim, adulterou o contador em causa.
Com possibilidade de manipulação de pessoas estranhas ao A. e dos próprios funcionários da Ré, sendo que a acção de desselagem poderia ter ocorrido por acção dos próprios funcionários.
Com a mudança para o contador bi-horário em 26/06/2017, o consumo reduziu substancialmente.
Há ainda a ter em conta, que o Autor utiliza fogão a gaz, aquecimento a gaz e esquentador a gaz, daí, os consumos que a Ré atribui ao Autor são de todo inaceitáveis, por este não ter beneficiado de qualquer menor pagamento de energia eléctrica.
Além do mais, o A. não foi informado de qualquer resultado de inspecções, vistorias e desconhece a existência a existência de quaisquer autos ou relatórios, só tendo conhecimento de um “Auto de vistoria do Ponto de Medição” em Janeiro de 2018.
Conforme alegado na Petição Inicial, o Autor não procedeu por si nem por intermédio de outrem a qualquer viciação no contador eléctrico, instalado na sua moradia.
Nem tão pouco contribuiu de modo algum para isso, ignorando, assim, quem o adulterou, ou se alguém o adulterou.
De modo que, o autor não beneficiou de um menor pagamento das facturas da Distribuição – Energia.
O autor não foi notificado, por escrito, do valor presumido do consumo regularmente.
Os técnicos verificaram que o contador havia sido manipulado.
O selo da tampa de bornes estava rebentado.
Os shunts da fase L1 e L3 estavam danificados.
O que fazia com que parte dos consumos efectuados na instalação não fossem contabilizados em virtude da manipulação infligida no equipamento de medida.
Sendo a instalação trifásica, a adulteração detectada tinha como consequência de 2/3 do consumo de energia efectuado não fosse medido nem registado pelo contador.
O quadro factual narrado ocorreu sem o conhecimento e autorização da Distribuição – Energia e contra a sua vontade.
Apenas um técnico com conhecimento na matéria conseguiria detectar a manipulação.
O A. consumiu energia eléctrica que não foi registada pelo equipamento de medida por força de manipulação que o mesmo, pelo menos, aproveitou.
Na sequência da execução da ordem de serviço junta como documento 04, os técnicos ao serviço da R. detectaram, no equipamento técnico que serve, em exclusivo, a instalação do A., que o selo da tampa de bornes estava rebentado e os shunts da fase L1 e L3 estavam danificados.
Facto tecnicamente idóneo de fazer com que duas das três fases do equipamento não registassem a energia eléctrica que pelas mesmas passava.

2. De direito;

a) Erro na apreciação da prova;

O recorrente impugna a matéria de facto, no que concerne aos factos dados como não provados em parte, os quais deveriam ter merecido resposta contrária, relativamente ao seguinte:

«Os técnicos verificaram que o contador havia sido manipulado.
O selo da tampa de bornes estava rebentado.
Os shunts da fase L1 e L3 estavam danificados.
O que fazia com que parte dos consumos efectuados na instalação não fossem contabilizados em virtude da manipulação infligida no equipamento de medida.
Sendo a instalação trifásica, a adulteração detectada tinha como consequência de 2/3 do consumo de energia efectuado não fosse medido nem registado pelo contador.
O quadro factual narrado ocorreu sem o conhecimento e autorização da Distribuição – Energia e contra a sua vontade.
Apenas um técnico com conhecimento na matéria conseguiria detectar a manipulação.
O A. consumiu energia eléctrica que não foi registada pelo equipamento de medida por força de manipulação que o mesmo, pelo menos, aproveitou.
Na sequência da execução da ordem de serviço junta como documento 04, os técnicos ao serviço da R. detectaram, no equipamento técnico que serve, em exclusivo, a instalação do A., que o selo da tampa de bornes estava rebentado e os shunts da fase L1 e L3 estavam danificados.
Facto tecnicamente idóneo de fazer com que duas das três fases do equipamento não registassem a energia eléctrica que pelas mesmas passava».
Baseia-se para tal no auto de vistoria de 26.06.2017 e na fotografia recolhida no mesmo dia, bem como no depoimento das testemunhas F. P., A. C. e P. S., conjugado com a documentação junta ao processo (designadamente, os documentos 02 a 06 da contestação).

Por sua vez, pretende o aditamento da seguinte factualidade considerada provada:

«Na vistoria de 26.06.2017, os técnicos da Ré informaram o representante do Autor de que o contador tinha sido adulterado.
A adulteração verificada no contador que serve a instalação do Autor aquando da vistoria de 26.06.2017 implicou que a Ré sofresse prejuízos no montante de €8.834,41.
A Ré nunca tencionou interromper o fornecimento de energia elétrica ao Autor.
Funda-se, para o efeito, nas declarações de parte do recorrido e articuladas com os depoimentos das testemunhas G. R. e F. P., P. S..

Apreciando.

Em matéria de valoração das provas, nomeadamente dos depoimentos e dos documentos juntos aos autos, o tribunal a quo aprecia-os livremente, por força do disposto no artº 607º, nº5, do CPC, salvo o estatuído no nº 2, do mesmo preceito.
É certo que, no que respeita à questão da alteração da matéria de facto, face ao invocado erro na avaliação da prova testemunhal e documental, cabe a esta Relação, ao abrigo dos poderes conferidos pelo citado artº 662º, do CPC, e, enquanto tribunal de 2ª instância, reapreciar, não apenas se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os restantes elementos constantes dos autos revelam (1), mas, também, avaliar e valorar (de acordo com o aludido princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto (2).
Mas importa, no entanto, não olvidar que, mesmo havendo gravação sonora dos meios de prova produzidos oralmente, o Tribunal de recurso está cerceado de toda a panóplia de elementos probatórios ao dispor do Tribunal a quo que enriquecem a reconstituição dos factos, como seja, desde logo, a nível testemunhal, a espontaneidade do testemunho, a linguagem gestual, os silêncios ou hesitações, enfim, a percepção do imediatismo desse depoimento.

Como quer que seja, ouvidos e analisados o conteúdo das declarações de parte do autor e dos depoimentos das testemunhas F. P., electricista, A. C. e P. S., ambos funcionários da ré, e G. R., irmão do autor, em conjugação com os aludidos documentos juntos com a contestação, a saber autos de vistoria dos pontos de medição e fotografias anexas do contador e do DCP (dispositivo de controlo de potência), não se descortina qualquer erro de julgamento quanto à assinalada materialidade fáctica não provada e aditar.
A recorrente cinge-se em fazer uma impugnação genérica da decisão de facto, escudando-se em excertos parciais, desgarrados e desconexos de determinados testemunhos em relação à globalidade da prova.
Ora, a materialidade fáctica julgada provada e não provada de acordo com apontado princípio da liberdade de julgamento, além de não padecer de qualquer erro, é consentânea, em termos de razoabilidade e adequação, com os elementos probatórios que resultam dos depoimentos gravados em audiência e com os documentos carreados para os autos, seja os referidos autos de vistoria e fotografias, seja a correspondência postal entre as partes, os documentos de fls. 24vº, 25vº, 26, 30 e 50.
Em suma, escrutinada tal prova documental, testemunhal e declarações de parte, podemos concluir que, além de essa valoração da prova oral e escrita se mostrar conforme o que foi trazido aos autos, é de sufragar toda a factualidade dada como provada e não provada.
Atente-se que o tribunal recorrido não deixou de valorar os relatos feitos pelas assinaladas testemunhas P. S., A. C., F. P. e G. R., além de ponderar as declarações do autor J. C., conforme decorre da motivação de facto na sentença recorrida, apreciando-as de forma objectiva e global, consistente e verosímil.
Inclusive, dando, de modo relevante, ênfase ao relato de G. R., irmão do autor, que, em 26.06-2017, foi ao local aquando da alteração do contador para ‘bi-horário’ e, quando chegou ao local, foi informado de que o contador tinha sido adulterado, “vi o contador desmontado e não deu para ver nada” - o que serviu de base para o tribunal a quo se convencer que os técnicos contratados pela ‘Distribuição – Energia’ se deslocaram ao local e informaram aquele de que haveria uma irregularidade no contador, entregando o respectivo auto de vistoria.
Inexiste, assim, fundamento para se modificar a matéria de facto considerada provada e não provada na sentença recorrida, bem como para se aditar o pretendido factualismo supramencionado.

Pelas razões acima expendidas, mantém-se inalterada a decisão de facto plasmada na sentença – artº 663º, nº 6, do CPC.

b) Erro na subsunção jurídica:

- Da inaplicabilidade do disposto no nº 1 do artº 4º do Dec. Lei 328/90, de 22.10;
- Da não ilisão da presunção de culpa pelo recorrido;
- Da responsabilidade civil por factos ilícitos;
- Do enriquecimento sem causa;

Esgrime ainda a recorrente que existe erro de julgamento, quanto à matéria de direito, argumentando, desde logo, que não é aplicável ao caso o disposto no nº 1 do artº 4º do Dec. Lei 328/90, de 22.10, como decidiu o tribunal recorrido.
Discorda-se de tal.
Com efeito, sufraga-se o elemento fulcral que alicerça a fundamentação jurídica da sentença e que se prende com a omissão do dever de informação ao consumidor, aqui autor, por parte da ré, aquando da vistoria que detectou a alegada viciação ou manipulação do contador de energia eléctrica, com vista a poder aquele requerer à Direcção-Geral de Energia (adiante DGA) uma vistoria da instalação eléctrica.
Escuda-se a ré na desnecessidade e obrigatoriedade dessa informação com o argumento de que o apontado diploma - o Dec.Lei nº 328/90 - só faz depender essa prévia informação ao consumidor dos seus direitos, no caso de interrupção do fornecimento eléctrico (artº 4º, nº 1) e não quanto ao ressarcimento do valor do consumo irregular e das despesas inerentes à verificação e eliminação da fraude e respetivos juros.
Não se acolhe tal fundamento.
Como se alcança do citado diploma, destinado a estabelecer medidas tendentes a evitar o consumo fraudulento de energia eléctrica, neste regula-se de forma assaz favorável ao distribuidor os mecanismos legais no caso de violação do contrato de fornecimento de energia eléctrica devido à existência de situações fraudulentas, como seja a presunção de procedimento fraudulento imputável ao consumidor (artº 1º, nº 2).
Por sua vez, no caso de o distribuidor concluir que da inspecção à respectiva instalação eléctrica houve violação do contrato de fornecimento de energia eléctrica por fraude imputável ao consumidor, aquele goza dos direitos de interromper o fornecimento de energia eléctrica, selando a respectiva entrada e de ser ressarcido do valor do consumo irregularmente feito e das despesas inerentes à verificação e eliminação da fraude e dos juros que estiverem estabelecidos para as dívidas activas do distribuidor (artº 3º, nº 1, als. a) e b) – direitos estes que o legislador enquadrou de forma conexa, como decorre ainda do conteúdo dos artºs 4º, nºs 1, 2 e 3, e 5º, nºs 1, 2 e 3.
Deste modo, contrariamente ao aduzido pela recorrente, o direito de o consumidor ser informado de que pode requerer à DGA uma vistoria (de forma a funcionar como ‘contra-vistoria’) justifica-se não só no caso de interrupção de energia eléctrica ab initio, como quando o distribuidor opte primeiro por exigir o pagamento do consumo de energia facturado, uma vez que o disposto no artº 4º, nº 1, do Dec.Lei nº 328/90 está interligado com o preceituado no seu artº 5º, para o qual remete, aliás, sendo que no nº 2 deste último se preceitua que “Sempre que o consumidor entenda não ter cometido qualquer fraude, poderá requerer à Direcção-Geral de Energia, sem prejuízo do direito de recorrer aos tribunais, a vistoria da instalação eléctrica, a qual será sempre realizada no prazo máximo de 48 horas”.
Atente-se ainda que o citado artº 4º, nº 2, consigna que 2 - O consumidor pode obstar à interrupção do fornecimento, assumindo, por escrito, perante o distribuidor a responsabilidade pelo pagamento, no prazo que, na falta de acordo, este estabelecer, das verbas que lhe forem devidas nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º”.

E o seu nº 3 prescreve que “ Se o consumidor não efectuar, no prazo estabelecido ou acordado, o pagamento das verbas referidas no número anterior, o distribuidor retoma o direito de interromper o fornecimento”.

Ou seja, a interrupção do fornecimento de energia está correlacionado com o pagamento do consumo e vice-versa, não podendo a mera opção do distribuidor pela exigência do pagamento do invocado consumo irregular afastar a obrigação de informação de o consumidor poder requerer a ‘contra-vistoria’ pela DGA, sempre que aquele entenda não ter cometido qualquer fraude, enquanto procedimento adequado ao exercício do contraditório e de tutela efectiva do direito de defesa do consumidor.
E esse dever de informar é tanto mais premente e necessário quanto é certo que o consumidor, além de ser o elo mais fraco nessa relação contratual, por via da presunção de culpa estabelecida no referido artº 1º, nº 2, do mesmo diploma se impõe com mais acuidade esse mesmo dever de informação para efeitos da redita ‘contra-vistoria’, em qualquer das situações – interrupção da energia ou exigência do pagamento do consumo facturado.
Até porque, de outro modo, estaria encontrada a solução de o distribuidor contornar esse dever de informação (dever esse contemporâneo da elaboração do auto de vistoria), optando num primeiro momento por exigir o pagamento do consumo e só depois (face ao não pagamento porque o consumidor entende não ter cometido a invocada fraude) interromper-lhe o fornecimento de energia.

Acresce dizer que não se descura aqui a ratio legis que presidiu a tal diploma, com vista a erradicar o consumo fraudulento de energia eléctrica.
Todavia, tratando-se de um bem essencial - a energia eléctrica - cuja distribuição constitui serviço público, são exigíveis maiores cautelas ao fornecedor, a fim de serem assegurados os direitos do consumidor, como seja o direito à informação para o consumo, consagrado no artº 3º, al. d), do Dec. Lei nº 24/96, de 31.07.
É o que também decorre da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, destinada a proteger o utente de serviços públicos essenciais, como seja o serviço de fornecimento de energia eléctrica (artº 1º, nº 2, al. b)), cujo artº 4.º, nº 1, estatui o dever de informação (“O prestador do serviço deve informar, de forma clara e conveniente, a outra parte das condições em que o serviço é fornecido e prestar-lhe todos os esclarecimentos que se justifiquem, de acordo com as circunstâncias”).

Perfilhando o mesmo entendimento – de relevância do dever de informar numa perspectiva global ínsita ao mencionado diploma (Dec.Lei nº 328/90) - veja-se o acórdão do STJ de 10.05.2016, proc. 1929/13.1TBPVZ.P1.S1, in dgsi.pt.

Pelo que se deixa expendido, no caso em apreço, a ré violou o seu dever de informar o autor, seu cliente/consumidor, dos seus direitos, nomeadamente, na sequência da vistoria por si realizada em que detectou anomalias no contador, imputando-as ao consumidor, do direito deste a requerer uma vistoria ao contador – vide facto provado nº 32 supra.
Como sublinha o tribunal recorrido, “com este comportamento omissivo, a ré inibiu o autor de produzir um meio de prova que, em abstracto, poderia colocar em crise a conclusão da ré de que teria sido o autor a manipular o quadro ou, mais importante, de que essa manipulação realmente ocorreu. A preterição deste direito essencial do consumidor (do autor, leia-se) faz soçobrar o direito da ré de cortar o abastecimento de energia eléctrica e de exigir a quantia (supostamente) em dívida na medida em que privou o autor de fazer uso de uma ferramenta fidedigna e isenta (rectius, sem qualquer interesse na relação comercial em causa) que permitisse apurar com rigor o facto ilícito imputado pela ré”.
A procedência deste fundamento preclude o conhecimento das demais questões atinentes à não ilisão da presunção de culpa pelo recorrido, à responsabilidade civil por factos ilícitos e ao enriquecimento sem causa.

Não procede, pois, a apelação.

IV – Decisão:

Em face do exposto, acordam os Juizes da 1ª Secção Cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela apelante.

Guimarães, 21.11.2019

Júlio Costa Sobrinho
Ramos Lopes
Jorge Teixeira



1. Nesta concepção, a divergência quanto ao decidido pelo tribunal a quo na fixação da matéria de facto só assumirá relevância no Tribunal da Relação se for demonstrada, pelos meios de prova indicados pelo recorrente, a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório.
2. A jurisprudência tem vindo a evoluir no sentido de se firmar um entendimento mais abrangente no que se refere aos poderes de alteração da matéria de facto pela Relação, considerando-os com a mesma amplitude que a dos tribunais de 1ª instância. Nessa medida, e no que se refere à questão da convicção, já não estará em causa cingir apenas a sua actividade de apreciação ao apuramento da razoabilidade da convicção do julgador da 1ª instância, mas antes formar a sua própria convicção nos elementos probatórios disponíveis nos autos (cfr., entre outros, o Acórdão do STJ de 16.12.2010, proc. 2401/06.1TBLLE.E1.S1, in www.dgsi.pt).