Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
504/17.6T8CHV.G1
Relator: ARMANDO AZEVEDO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
AUTORIA
EMPRESA DE COMUNICAÇÕES ELECTRÓNICAS
DONA DA OBRA
ARTº 70º Nº 2 C) E D) DO ESTATUTO DAS ESTRADAS DA REDE RODOVIÁRIA
APROVADO EM ANEXO À LEI 34/2015
DE 27 DE ABRIL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) O artº 16 do RGCO diferentemente do que sucede no âmbito do direito penal, consagra segundo a doutrina dominante, o conceito extensivo de autor, segundo o qual autor é todo aquele que tiver dado um contributo causal para a realização do facto típico.

II) No caso em apreço, tendo presente a natureza em que se traduz as imputadas contraordenações, correspondentes às alíneas c) e d) do nº 2 do artº 70º do Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária, aprovado em anexo à Lei 34/2015, de 27 de Abril -acesso não autorizado ao CTR e realização de obra sem licença no subsolo da zona de estrada com essa finalidade por empresa de comunicações eletrónicas -, em qualquer delas, o destinatário do dever é a referida empresa de comunicações. Apenas ela poderia e deveria obter a necessária autorização e licença, porque somente ela tem nisso interesse direto, na qualidade de dona da obra.

III) E, para além disso, foi ela quem, na referida qualidade determinou a realização das obras sem licença, criando o risco de violação do dever. Em consequência, somente ela pode ser autora das referidas contraordenações, sendo para o caso irrelevante ter-se socorrido de entidades terceiras independentes, através de contrato de empreitada ou subempreitada, ou de trabalhadores ao seu serviço vinculados por contrato de trabalho subordinado.
Decisão Texto Integral:
I- RELATÓRIO

1. No processo de contraordenação que correu termos na Infraestruturas de Portugal, S.A., por decisão de 16.01.2017, a arguida MB, Lda, com sede em Rua …, em Paredes, NIPC …, foi condenada na coima única de €8.000,00 (oito mil euros) por ter incorrido na prática de duas contraordenações previstas nas alíneas c) e d) do n° 2 do artigo 70° do Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional, aprovado em anexo à Lei n° 34/2015, de 27 de Abril.
2. A arguida interpôs recurso de impugnação judicial da referida decisão, o qual foi admitido e realizada audiência de julgamento, tendo a final sido proferida decisão pela qual foi julgado procedente o recurso interposto e, em consequência, revogada a decisão recorrida e ordenado o arquivamento dos autos.
3. Não se conformando com esta última decisão, dela interpôs recurso o Ministério Público para este Tribunal da Relação de Guimarães, extraindo da respetiva motivação, as seguintes conclusões [transcrição]:

A) No âmbito do processo de autorização de utilização de infraestrutura de Canal Técnico Rodoviário (C.T.R.), em domínio público rodoviário, para acesso e instalação de cabo(s) de telecomunicações, como está em causa na situação de facto trazida pela impugnante, devem considerar-se um conjunto de princípios de ação, decorrentes da legislação aplicável ao caso sub species, que o Tribunal a quo, na nossa humilde perspetiva, ignorou;
B) A Lei n.º 5/2004, de 10-02 (Lei das Telecomunicações) distingue, em termos de redes de comunicações, ativos de telecomunicações e infraestrutura de alojamento;
C) Os ativos de comunicações são da propriedade dos operadores de telecomunicações;
D) As infraestruturas de alojamento de ativos de comunicações instalados em infraestruturas rodoviárias, denominadas por C.T.R., constituem, como decorre da Lei e como é nossa posição, Domínio Público Rodoviário, e são geridas pela entidade gestora da infraestrutura rodoviária, in casu, a I.P.;
E) O Tribunal a quo nem se pronunciou, como a nosso ver se impunha, quanto à necessidade ou não de autorização para a intervenção pela entidade executante;
F) Só depois poderia concluir pela negligência, ou não, da sua ação na execução dos trabalhos em causa;
G) A utilização da infraestrutura de C.T.R., instalada em domínio público rodoviário, pressupõe autorização da I.P.;
H) O titular da Autorização é que é o responsável por todos os danos, diretos ou indiretos, causados, inclusive a terceiros, por motivos de utilização do C.T.R., sendo, nomeadamente, responsável por eventuais acidentes, deformações de pavimento, problemas de drenagem e deficiências de sinalização;
I) Ora, Venerandos Desembargadores, perguntamos nós: num caso como o dos autos, quem assume o risco e é responsabilizado pelas incidências acima, se a entidade impugnante, que executou os trabalhos, não diligenciou pela obtenção de qualquer autorização nem sequer diligenciou pela averiguação se a autorização existia; quando a “TT, S.A.”, que alegadamente subcontratou a impugnante, procedeu exatamente da mesma forma, ou seja, nada averiguou e nenhuma autorização obteve; e a Telecomunicações X, chamada a esclarecer esta questão, nem sequer reconhece a necessidade dela, mais grave ainda, então não se responsabilizaria ninguém?;
J) Nenhuma prova concludente se produziu nos autos no sentido de demonstrar de forma efetiva que existia contratação, subcontratação e/ou assunção de responsabilidades, e se sim em que termos, naquela alegada cadeia de entidades, impugnante, “TT, S.A.” e Telecomunicações X;
K) Mas ainda que existisse, atrevemo-nos a questionar: não é a impugnante a autora imediata, material, não se lhe exigiria outro comportamento, mais diligente?
L) Salvo melhor entendimento de V.as Ex.as, a nosso ver, exigiria, tanto mais que, a assim não se admitir, até podemos atribuir à Telecomunicações X a qualidade processual, como que fazendo um reporte remissivo exemplificativo para o Código Penal, uma instigadora ou pelo menos autora moral da prática da infração, mas nem isso seria bastante para desresponsabilizar a conduta negligente da impugnante;
M) Quem responsabilizamos por danos ou, mais clamoroso ainda, quem responsabilizamos por qualquer deformação de pavimento, problemas de drenagem e deficiências de sinalização que poderia até levar a consequências graves, tragédias até em última análise para transeuntes e/ou condutores de veículos que por ali circulassem?
N) Ocupa-se a via, utiliza-se o C.T.R., domínio público rodoviário, sendo que, no caso dos autos, a sua utilização implicou a ocupação da estrada com cabos, sinais, meios humanos,…;
O) Segundo a impugnante nenhuma autorização é necessária e, no caso de até ser, não quer saber se existe ou não. Não há negligência na intervenção? Não se exigiria à impugnante, profissional da área, que se informasse convenientemente, não realizando as obras mencionadas, sem autorização ou licença da I.P.?
P) Exigir-se-ia, sim, até por razões decorrentes da utilização da via e possíveis danos que pudessem advir daquela intervenção cujos trabalhos estavam a ser executados por ela própria, impugnante, estava e está atribuída à I.P. (art.os 42.º, 43.º e 49.º do E.E.R.R.N.).
Q) Até para dar início aos próprios trabalhos, como bem sabe a impugnante, maxime a Telecomunicações X, careceria daquela autorização prévia, tudo de acordo com o que se encontrasse definido em sede de cronograma de trabalhos;
R) Como empresa da área, que, tal como foi dado como provado em sede de Sentença, dedica-se a prestar serviços e assistência para a Telecomunicações X (com algumas reservas nossas, uma vez que ao longo de todo o processo nunca foi exibida e/ou junta qualquer documentação, de que índole probatória fosse, que o comprove), era-lhe exigível outro comportamento procedimental;
S) Relembramos, mais uma vez, que, em concreto, estamos perante a utilização de um C.T.R., em domínio público rodoviário;
T) A demonstrar esta relevância material do domínio público subjacente, está o facto de até o cabo a instalar ter de estar devidamente identificado com o nome do operador e/ou entidade proprietária, de forma a ser possível o seu reconhecimento a partir de qualquer Caixa de Visita (C.V.);
U) Todos os trabalhos a executar na via pública, como é o caso dos autos (trata-se de uma caixa de visita cuja utilização, por se tratar de uma infraestrutura implantada em plena via pública, sempre dependeria de informação e autorização prévias da I.P. para intervenção e/ou utilização do C.T.R.), têm de estar sinalizados no cumprimento do Regulamento de Sinalização de Trânsito [Decreto Regulamentar 22A/98 e do Código da Estrada];
V) O procedimento de autorização decorre, à saciedade (no nosso humilde entendimento), das disposições conjugadas dos art.os 42.º, 56.º e 65.º do Estatuto da Rede Rodoviária Nacional (Lei nº 34/2015, de 27-04 - E.E.R.R.N.);
W) Nos termos do disposto no art.º 3.º, alí. a), do E.E.R.R.N., a administração rodoviária encontra-se atribuída à I.P., que sucedeu à “E.P.- Estradas de Portugal, S.A.”, nos termos do art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 91/2015, de 29-05;
X) É à I.P. que cabe zelar pelo cumprimento do referido E.E.R.R.N., o qual estabelece as regras que visam a proteção da estrada e sua zona envolvente, fixa as condições de segurança e circulação dos seus utilizadores e as de exercício das atividades relacionadas com a sua gestão, exploração e conservação (in allium, art.º 1.º, n.º1 do E.E.R.R.N.), além das normas de proteção às estradas nacionais, as quais podem ser proibitivas, permissivas ou impositivas;
Y) Só à I.P. é que são conferidos todos os poderes de autoridade administrativa estabelecidos pela legislação em vigor em matéria de gestão de infraestruturas existentes no subsolo das estradas nacionais (infraestruturas essas que são constituídas por condutas, câmaras de visita, redes de tubagens – o C.T.R.), destinadas a alojar redes de telecomunicações;
Z) Nos termos do art.º 15.º do mesmo diploma (E.E.R.R.N.) só a I.P. dispõe de especiais atribuições no que respeita à gestão do C.T.R., infraestrutura destinada ao alojamento das redes de telecomunicações eletrónicas, sita no subsolo das estradas, que, por sua vez, integram o domínio público rodoviário sob gestão da I.P.;
AA) Somente nas normas impositivas o E.E.R.R.N. identifica o sujeito passivo da relação jurídica (art.º 54.º - ditas obrigações reais);
BB) Sempre por reporte ao E.E.R.R.N., afigura-se-nos que as normas proibitivas e permissivas não distinguem a qualidade do sujeito passivo, razão porque se aplicam diretamente ao autor material das obras, in casu, à impugnante;
CC) O escopo das nomas do E.E.R.R.N. que, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo desconsiderou, é a defesa do património rodoviário do Estado, sendo indiferente a qualidade em que intervém o agente que executa materialmente a obra;
DD) In casu, a ocupação ou utilização do solo, subsolo ou espaço aéreo da zona da estrada (domínio público rodoviário) por equipamentos, materiais ou infraestruturas não relacionadas com a exploração ou com a segurança das estradas constitui uso privativo do domínio público rodoviário (neste sentido, de forma expressa, o impõe o art.º 56.º, n.º2 do E.E.R.R.N.);
EE) Aquele uso só é permitido desde que seja compatível com o uso público viário e não exista prejuízo para as condições de circulação e segurança rodoviárias, bem como para a estabilidade, conservação e exploração da infraestrutura (complementa e esclarece o n.º1 do mesmo art.º 56.º do E.E.R.R.N.);
FF) Ora, a compatibilidade do uso da estrada por terceiros é aferida perante a obra em concreto, independentemente da qualidade em que intervém o seu executante (em nome próprio ou por conta de terceiros, sem prejuízo de posterior regresso e/ou assunção de responsabilidades nos termos em que documentalmente tiverem acordado a execução da obra);
GG) O mesmo sucede com a observância das normas do Código da Estrada, em que a infração é imputada ao autor material do ato;
HH) Pelo exposto, ao decidir que não era exigível à impugnante, profissional da área, que se informasse convenientemente, não realizando as obras mencionadas, sem autorização ou licença, estamos a contradizer de forma flagrante e inadmissível as normas do E.E.R.R.N., onde não se distingue o sujeito passivo da relação jurídica (para efeitos do seu escrupuloso cumprimento e adveniente fiscalização e/ou controlo pelas entidades competentes – I.P.);
II) Ao decidir nos termos em que o fez, o Tribunal a quo sempre inviabilizaria por parte da I.P. toda e qualquer fiscalização prática. Com uma dificuldade acrescida: é que se mesmo sem qualquer documentação que o sustente (nem um email sequer) o Tribunal a quo entendeu desresponsabilizar a impugnante, como poderia a I.P. levantar os autos de contraordenação e fiscalizar de forma efetiva toda e qualquer execução de trabalhos em C.T.R., executados em domínio público rodoviário?
JJ) É que, Venerandos Desembargadores, não estamos no domínio privado. Não estamos a falar de um trabalho privado em terreno privado. Estamos a falar de utilização de um C.T.R., em domínio público do Estado. Com tudo o que isso implica para a circulação e segurança de todos nós;
KK) O Ministério Público interpõe o presente recurso no prosseguimento da justiça material e maxime da legalidade. E, por razões objetivas decorrentes dos factos trazidos a juízo e, sobretudo, de interpretação normativo-material mas também de génese substantiva, não podemos concordar com o juízo valorativo que o Tribunal a quo formulou do cotejo de tudo quanto se extrai dos autos;
LL) O Tribunal a quo violou desde logo os ditames previstos no art.º 56.º do E.E.R.R.N., cuja ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas (no sentido, aliás, decorrente do art.º 6.º do Código Civil);
MM) Violou também o Tribunal a quo o disposto no art.º 3.º, alí. a) do E.E.R.R.N., que estipula e define os termos de atuação da I.P., enquanto administração rodoviária, pois que tal normativo cairia em letra morta, uma vez que ficaria a I.P. dependente de uma posterior legalização da obra e impedida de fiscalizar e sancionar a sua execução em tempo real, correndo-se o risco sério e irrecuperável de prejudicar, com gravidade e total insegurança para todos nós, as condições de circulação e segurança rodoviárias, bem como a estabilidade, conservação e exploração da própria infraestrutura;
NN) O sentido decisório do Tribunal a quo é, pois, incompatível com o dever geral de fiscalização pela I.P., única entidade com competência na matéria, das condições de segurança da estrada impostas legalmente aquela, quer por força do disposto nos normativos especiais acima citados, quer decorrente, nos termos gerais, do art.º 493.º do Código Civil, quer ainda em virtude do contrato de concessão (art.º 12.º, n.º1 do Decreto-Lei n.º 91/2015, de 29-05);
OO) Nos termos do art.º 15.º do E.E.R.R.N só a I.P. dispõe de especiais atribuições no que respeita à gestão do C.T.R., que é integrado pela rede de alojamento das redes de telecomunicações eletrónicas sita nas estradas, que, por sua vez, integram o domínio público rodoviário;
PP) Só à I.P. são conferidos todos os poderes de autoridade administrativa estabelecidos pela legislação em vigor em matéria de gestão de redes de telecomunicações;
QQ) Como resulta dos autos, e para nós é muito grave, a impugnante e a própria Telecomunicações X negam à I.P. qualquer autoridade no cumprimento do referido E.E.R.R.N.;
RR) Para ambas, o exercício da sua atividade na zona da estrada beneficiaria de imunidade administrativa, sendo-lhe permitido entrar na estrada, ocupá-la e utilizar os equipamentos e infraestruturas aí instalados, relembre-se, de domínio público rodoviário, sem qualquer condicionalismo legal (nem sequer a necessidade de comunicação prévia admitem);
SS) No caso concreto dos autos, simplesmente invadem a estrada, ocupam a via, abrem, utilizam e alteram o que entendem na infraestrutura da caixa de visita sem sequer reconhecerem qualquer autoridade à I.P. de legitimidade e competência de controlo, fiscalização e até informação prévia para intervenção;
TT) A impugnante recusa à I.P. qualquer autoridade no cumprimento do E.E.R.R.N., cujos atos, não esqueçamos, são suscetíveis de impugnação administrativa;
UU) Venerandos Desembargadores, o que está em causa nos autos, substancial e objetivamente, é a atuação da impugnante que invadiu a estrada sem qualquer ato permissivo da I.P., contrariando as normas previstas, in allium, nos art.º 15.º (CT.R.) e 56.º (permissões na zona da estrada), punidas pelo art.º 70.º, n.º2, alís. c) e d) do E.E.R.R.N.;
VV) Mas nem a impugnante, nem a “TT, S.A.”, nem a Telecomunicações X juntaram qualquer elemento comprovativo definitivo do licenciamento da obra inicial que permitiu a construção do C.T.R., sendo que o Tribunal a quo nem uma linha escreveu a este respeito;
WW) Terá, pois, na nossa humilde perspetiva, de concluir-se pela legalidade do procedimento adotado pela aqui autoridade administrativa, em especial, pela integração dos factos descritos no auto de notícia no ilícito de contraordenação previsto e punido pelo referido art.º 70.º, n.º2, alís. c) e d) do E.E.R.R.N., com a consequente improcedência, in totum, da impugnação judicial.

Nestes termos, por não padecer a decisão administrativa de qualquer nulidade, pelo contrário, sendo de legalidade plena o procedimento adotado pela “Infraestruturas de Portugal, S.A.” (I.P.), deverá a mesma ser mantida nos seus precisos termos, revogando-se a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, por violar, in allium, a Lei n.º 5/2004, de 10-02, os artigos 1.º, n.º1, 3.º, alí. a), 15.º, 42.º, 54.º, 56.º, n.os 1 e 2, 65.º e 70.º, n.º2, alís. c) e d), todos da Lei n.º 34/2015, de 27-04 - Estatuto da Rede Rodoviária Nacional (E.E.R.R.N.) -, art.º 493.º do Código Civil e art.º 12.º, n.º1 do Decreto-Lei n.º 91/2015, de 29-05.

Farão, contudo, Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, a reiterada e mais sábia JUSTIÇA.

3. A arguida, apesar de notificada, não respondeu ao recurso.
4. Nesta instância, a Ex.ª Senhora Procuradora - Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá ser julgado procedente pelas razões aduzida pelo M.P. na primeira instância.
5. Cumprido que foi o disposto no artigo 417º nº2 do CPP, a arguida respondeu, defendendo a manutenção da decisão recorrida.
6. Após ter sido efetuado exame preliminar, foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.

II- FUNDAMENTAÇÃO

1. Objeto do recurso

O âmbito do recurso (1), conforme jurisprudência corrente, é delimitado pelas suas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo naturalmente das questões de conhecimento oficioso do tribunal.
O nº 1 do artigo 412º do C.P.P. estabelece que “A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.
Nas conclusões do recurso, o recorrente deverá, pois, fazer uma síntese das razões da sua discordância relativamente à decisão recorrida, tal como se encontram delineadas na respetiva motivação.
No caso vertente, considerando o teor das conclusões do recurso interposto pelo Ministério Público, a única questão a decidir consiste em saber se, no âmbito do Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional, a arguida, enquanto entidade meramente executante de obras levadas a efeito no subsolo da zona de estrada por solicitação e em exclusivo benefício de uma empresa de comunicações eletrónicas, dona da obra, deverá ser responsabilizada, em termos contraordenacionais, por falta de autorização ou licença para acesso ao Canal Técnico Rodoviário (CTR) e realização das ditas obras.

2- A decisão recorrida

1. A sentença recorrida deu como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respetiva motivação de facto e de direito [transcrição]:

Factos Provados:

1. A arguida/recorrente utilizou o Canal Técnico Rodoviário (CTR) existente e, realizou obras e actividades na zona da estrada que interferem com o solo e subsolo, na EN 103 ao Km 169+070, União de Freguesias de … e Concelho de Chaves, sem qualquer autorização ou licença emitida por parte da Infraestruturas de Portugal, S.A. para a utilização do Canal Técnico Rodoviárío (CTR) e para a realização de obras e atividades na zona da estrada..
2. O escopo da empresa MB, Lda, é a actividade em redes de transporte e distribuição de electricidade e redes de telecomunicações.
3. A arguida tem uma parceria com a empresa TT, S.A. e dedicam-se quase exclusivamente a prestar serviços e assistência para empresa Telecomunicações X - Serviços de Comunicações e Multimédia, S.A. (doravante designada por Telecomunicações X), com quem têm contrato celebrado.
4. A arguida por intermédio da empresa TT,SA. é contratado/subcontratado pela Telecomunicações X que a incumbe, em vários pontos do país, de proceder à instalação, manutenção e reparação de avarias de infraestruturas das telecomunicações.
5. Sempre que o Telecomunicações X solicita/contrata os serviços da arguida por intermédio da sua parceira TT, S.A., transmite a estas instruções claras e inequívocas de como devem proceder, o tipo de intervenção o efectuar e o local.
6. É o Telecomunicações X que, quando necessário, procede às comunicações legais e promove a obtenção das autorizações ou licenças junto das entidades competentes, procedimentos que são alheios à arguida ou à sua parceira que se limitam o seguir os ordens e instruções dadas pelo Telecomunicações X, dono da obra, e o agir no seu exclusivo interesse.
7. No caso em apreço nos autos, a arguida foi subcontratado pelo seu parceiro TT, S.A. para executar os trabalhos contratados pelo Telecomunicações X que era o dono do obra, seguindo as suas ordens e instruções e no seu exclusivo interesse, pelo que, foi esta o único beneficiário com o execução de tais serviços.
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Factos Não Provados:

Não resultou provado, com interesse para a boa decisão da causa, qualquer outro facto e, designadamente, que:

a) À Arguida, profissional da área, era-lhe exigível que se informasse convenientemente, não realizando as obras mencionadas, sem autorização ou licença.
***

III - Motivação e Exame crítico da prova

O Tribunal procedeu à inquirição das testemunhas arroladas, sem deixar de sublinhar que a prova é concludente, no sentido de que a dona da obra em causa era a Telecomunicações X a qual devia obter a licença em causa nos autos, o que decorreu de toda a prova testemunhal que desfilou em audiência de julgamento.

Senão vejamos.
José, fiscal técnico da Infraestruturas de Portugal, explicou o contexto em que se deram os factos, designadamente as obras em causa que consistiam em trabalhos de fibra óptica, ocupando a plataforma do Estado, inexistindo qualquer licença por parte desta. É certo que os responsáveis que estavam no local disseram que estavam a trabalhar para a Telecomunicações X, sendo esta a dona da obra, sendo que não se recorda de existir policiamento e inexistindo danos visíveis.
Miguel, gerente e trabalhador da empresa recorrente, explicou que esta estava a trabalhar para a empresa TT que por sua vez trabalha para a Telecomunicações X, sendo que as obras foram realizadas em proveito desta última.
As ordens foram-lhe transmitidas pela TT, sendo que o licenciamento nunca é feito pela recorrente, pois apenas executa as ordens verbais da TT, pressupondo que a dona da obra, a ser necessário, obtenha o devido licenciamento, não tendo consciência de estar a incumprir qualquer norma.
Quando forma abordados pelo técnico das Infra-estruturas de Portugal, disse que desconhecia qualquer licenciamento, transmitindo por conta de quem estava a trabalhar, tendo sido uma surpresa, pois nunca tinham tido problemas deste género.

André, gestor de projectos da empresa TT, explicou que contratou a recorrente para executar trabalhos em benefício da Telecomunicações X, enquanto dona da obra, pois que não tendo recursos para executar, subcontratam num outro prestador de serviços, neste caso a recorrente, sendo que o trabalho é supervisionado pela TT. Mais explicou que celebrou um contrato verbal com a Telecomunicações X que informa que a obra está pronta a executar, confiando-se na boa-fé da mesma, isto é, que tenha obtido o devido licenciamento, sendo que o projecto já vem totalmente elaborado pela Telecomunicações X. Em suma, há uma ordem de trabalho e um projecto da Telecomunicações X para executar.

C. C., funcionário da Telecomunicações X, trabalhando nesta zona na gestão de equipas de avarias, explicou que a recorrente é uma sub-empreiteira, sendo que a parceria é com a TT e, por sua vez, ela subcontrata.
O prestador de serviços recebe uma ordem de trabalho, com base num projecto elaborado pela Telecomunicações X, sendo esta quem pede o licenciamento, quando devido. Se não houver licenciamento, é porque a Telecomunicações X entende não ser necessário. Se houver necessidade de licenciamento, ele é reflectido logo no projecto que depois é encaminhado para os prestadores do serviço que não têm de se preocupar com essa parte.
Analisou o Tribunal, ainda o auto de notícia por contra-ordenação de fls. 6; os documentos remetidos pela Telecomunicações X de fls. 77-80 e fotografias de fls. 81-83 e de fls. 118-121.
Em consonância com os depoimentos prestados, analisou-se a informação da Telecomunicações X de fls. 124, confessando que celebrou contrato com a empresa TT, S. A., tratando-se de um contrato de empreitada verbal, inexistindo documentação escrita e que quando é necessário licenciamento, nestes casos, cabe o mesmo ao dono da obra, a Telecomunicações X, estando a recorrente a realizar a obra para si.
Da contundência da prova coligida no sentido de a recorrente ser apenas uma subcontratada e de a dono da obra ser a Telecomunicações X, a quem incumbia, nessa qualidade, obter o licenciamento e todas as autorizações devidas, o Tribunal deu como não provado o facto enunciado em a).
*
IV – Fundamentação de Direito

A recorrente foi condenada pela prática das contra-ordenações correspondentes às alíneas c) e d) do n° 2 do artigo 70° do Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional, aprovado em anexo à Lei 34/2015, de 27 de Abril.

Dispõe tal normativo que:

“1 - Sem prejuízo da responsabilidade civil, criminal ou disciplinar, constituem contraordenações leves puníveis com coima de (euro) 500 a (euro) 2500, quando praticadas por pessoas singulares, e de (euro) 3000 a (euro) 10 000, quando praticadas por pessoas coletivas, as seguintes infrações:
(…)
2 - Constituem contraordenações graves, puníveis com coima de (euro) 1500 a (euro) 6000, quando praticadas por pessoas singulares, e de (euro) 12 000 a (euro) 24 000, quando praticadas por pessoas coletivas, as seguintes infrações:
(…)
c) A utilização indevida do CTR ou em desrespeito pelos regulamentos referidos no n.º 5 do artigo 15.º;

d) A realização de obras e actividades de terceiros que interfiram com o solo, subsolo, ou espaço aéreo da zona da estrada em violação do artigo 53.º;
(…). “
Ora, quanto à al. c) desde logo a mesma remete para o art.º 15.º, n.º 5 da mesma Lei que dispõe:

“Compete à entidade administradora do CTR estabelecer a regulamentação que contenha os procedimentos para a atribuição, às empresas de comunicações eletrónicas, dos respetivos direitos de passagem e direitos de acesso e utilização, bem como estabelecer as instruções técnicas aplicáveis, devendo observar, na fixação destes procedimentos e instruções, o disposto na Lei das Comunicações Eletrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro, e no regime aplicável à construção de infraestruturas aptas ao alojamento de redes de comunicações eletrónicas e à instalação de redes de comunicações eletrónicas, estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de maio, alterado pelo Decreto-Lei n.º 258/2009, de 25 de setembro, e pelas Leis n.os 47/2013, de 10 de julho, e 82-B/2014, de 31 de dezembro.”

A recorrente não é empresa de comunicações electrónicas, sendo antes, a mesma a Telecomunicações X, dona da obra, pelo que a recorrente não está abrangida objectivamente, desde logo por tal normativo que se encontra naturalmente pensado para empresas como a Telecomunicações X, pelo que não entrando a recorrente no âmbito objectivo da norma, não praticou a referida contraordenação, impondo-se a sua absolvição, neste particular.

No que se refere à al. d) do n.º 2 do art.º 70.º da Lei em causa, foi comprovado em audiência de julgamento (confessado pela própria Telecomunicações X, a fls. 124-125) que a dona da obra que estava a ser realizada não era a recorrente, pois estava sub-contratada pela empresa TT, a qual tinha celebrado com a Telecomunicações X um contrato verbal de empreitada.

Em qualquer empreitada, incumbe sempre ao dono da obra obter os licenciamentos devidos pois que é ela a único a tirar as respectivas vantagens e, por isso, a suportar os respectivos ónus, em especial os de natureza administrativa, como o aqui em causa.

Seria fácil à dona de uma obra, designadamente de grandes dimensões como a Telecomunicações X, para a utilização do Canal Técnico Rodoviário (CTR) e para a realização actividades na zona de uma estrada incumbir um empreiteiro que, por sua vez sub-contrata com outra empresa a obtenção de licenciamentos ou autorizações junto da autoridade administrativa, desonerando-se dessa responsabilidade.

Ficou provado que a recorrente, encontra sub-empreiteira realizou trabalhos que a Telecomunicações X, enquanto dona da obra ordenou e verteu num projecto apenas por ela elaborado e sendo ela a beneficiária final das obras em causa.

Independentemente da questão de saber se a infraestrutura é privada como alega a Telecomunicações X, sendo desnecessário o licenciamento, a verdade é que no âmbito da relação contratual estabelecida era a dona da obra a obrigada a obter (se necessário) o respectivo licenciamento, pelo que a autoridade administrativa deveria ter gizado o processo de contraordenação contra a Telecomunicações X (ou a TT enquanto empreiteira desta) e não contra a recorrente, pelo que, entendemos, absolver a recorrente, também, da prática desta contraordenação.
*
3- Apreciação do recurso

3.1- No caso vertente, porque estamos em sede de processo contraordenacional, importa ter presente o disposto no artigo 75º, nº 1 do RGCC, segundo o qual “Se o contrário não resultar deste diploma, a 2ª instância apenas conhecerá da matéria de direito…”.
Ora, segundo a interpretação que, na jurisprudência, tem sido feita do referido preceito legal, e que não vemos razões para discordar, o Tribunal da Relação funciona como tribunal de vista e apenas conhece da matéria de direito (2).

A intervenção do Tribunal da Relação no processo contraordenacional é idêntica à do Supremo Tribunal de justiça no processo penal. E daí que o Tribunal da Relação possa ser confrontado com os vícios e as nulidades dos nºs 2 e 3 do artigo 410º do C. P. Penal, sendo que os vícios do nº 2 estão ligados, por vezes umbilicalmente, com a (re) apreciação da matéria de facto (3), cfr. António Beça Pereira, Regime Geral das Contraordenações e Coimas, Almedina, 2017, 12ª ed., pág. 236 e seguintes.

Assim, face ao teor das conclusões do recurso interposto pelo M.P., vejamos a questão essencial a decidir acima enunciada.

No caso, porque não se vislumbra a verificação de qualquer dos vícios do nº 2 do artigo 410º do CPP, aliás não suscitados, temos como definitivamente assente a matéria de facto fixada na decisão recorrida.

Assim sendo, não tem cabimento questionar, neste momento e nesta sede de recurso, a ocorrência dos factos fixados na decisão recorrida ou, melhor dizendo, de parte deles, como o faz o recorrente, quando questiona, designadamente, a qualidade em que a arguida interveio na realização das obras, sustentando que “Nenhuma prova concludente se produziu nos autos no sentido de demonstrar de forma efetiva que existia contratação, subcontratação e/ou assunção de responsabilidades, e se sim em que termos, naquela alegada cadeia de entidades, impugnante, “TT, S.A.” e Telecomunicações X” (conclusão J)).

Por isso, temos como assente, designadamente, que nas circunstâncias descritas nos factos provados foram realizadas obras no subsolo da zona de estrada, sendo a Telecomunicações X a dona da obra e a arguida sua executante (cfr. factos provados da decisão recorrida sob os números 2, 3, 4, 5, 6 e 7)..

Não obstante, a ser assim, segundo o recorrente a arguida seria a autora imediata, material, pelo que era de se lhe exigir outro comportamento, sendo a Telecomunicações X, fazendo um reporte remissivo para o código penal, uma instigadora ou pelo menos uma autora moral da prática da infração, mas isso não bastaria para desresponsabilizar a conduta negligente da arguida (conclusões K) e L)).

Não podemos concordar com a transposição para o âmbito do direito contraordenacional do regime da comparticipação do Código Penal. Isto porque, o RGCC contém norma específica própria, a qual não coincide com o regime geral previsto no âmbito penal.

Assim, artigo 16º do RGCC refere que:

“1 - Se vários agentes comparticipam no facto, qualquer deles incorre em responsabilidade por contraordenação mesmo que a ilicitude ou o grau de ilicitude do facto dependam de certas qualidades ou relações especiais do agente e estas só existam num dos comparticipantes.
2- Cada comparticipante é punido segundo a sua culpa, independentemente da punição ou do grau de culpa dos outros comparticipantes.
3- É aplicável ao cúmplice a coima fixada para o autor, especialmente atenuada.”
A referida norma, diferentemente do que sucede no âmbito do direito penal, consagra segundo a doutrina dominante (4), que não vemos razões válidas para discordar, o conceito extensivo de autor, segundo o qual autor é todo aquele que tiver dado um contributo causal para a realização do facto típico.
No entanto, como bem refere o Prof. Silva Dias (5) “Esta formulação é extremamente ampla, inadequada e inoperante, pois contributos causais todos dão, mesmo quem intervém numa fase muito recuada na cadeia causal, sendo impossível efetuar distinções com base nela”.
Daí que, segundo este Ilustre Professor (6) “…autor será em regra a pessoa singular ou coletiva que surge como destinatária do dever e pratica a ação ou omissão que se traduz na respetiva violação”.
E mais adiante (7), no que se refere à distinção dos contributos para o facto entre o autor e o cúmplice, acrescenta o citado professor, “A caraterização da autoria requer a acumulação de dois elementos: pertença do agente ao círculo dos destinatários do dever; e criação por ele de um risco proibido de violação desse dever”, sendo que o critério do domínio do facto, pensado para o âmbito do direito penal, pouca utilidade oferece.

No caso em apreço está em causa a realização de obras no âmbito do domínio público rodoviário, no subsolo da zona de estrada, por empresa de comunicações eletrónicas – na situação presente a Telecomunicações X - que as levou a cabo por intermédio de entidade terceira e o consequente necessário acesso ao chamado canal técnico rodoviário ou CTR, o qual, segundo a definição legal, consiste na: “ infraestrutura de alojamento, que não seja propriedade privada, instalada no subsolo da zona da estrada, em obras de arte ou túneis, constituída por rede de tubagens, condutas, câmaras de visita, dispositivos e respetivos acessórios, destinada à instalação de cabos de comunicações eletrónicas, equipamentos ou quaisquer recursos de redes de comunicações, bem como dispositivos de derivação, juntas ou outros equipamentos necessários à transmissão de comunicações eletrónicas naquelas redes; cfr. al. j) do artigo 3º do Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional, aprovada pela Lei nº 34/2015, de 27.04.
Estão em discussão duas contraordenações, correspondentes às alíneas c) e d) do n° 2 do artigo 70° do Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional, aprovado em anexo à Lei 34/2015, de 27 de Abril.

Esta norma estabelece que:

“1 - Sem prejuízo da responsabilidade civil, criminal ou disciplinar, constituem contraordenações leves puníveis com coima de (euro) 500 a (euro) 2500, quando praticadas por pessoas singulares, e de (euro) 3000 a (euro) 10 000, quando praticadas por pessoas coletivas, as seguintes infrações:
(…)
2 - Constituem contraordenações graves, puníveis com coima de (euro) 1500 a (euro) 6000, quando praticadas por pessoas singulares, e de (euro) 12 000 a (euro) 24 000, quando praticadas por pessoas coletivas, as seguintes infrações:
(…)
c) A utilização indevida do CTR ou em desrespeito pelos regulamentos referidos no n.º 5 do artigo 15.º;
d) A realização de obras e actividades de terceiros que interfiram com o solo, subsolo, ou espaço aéreo da zona da estrada em violação do artigo 53.º;
(…). “
A al. c) remete para o art.º 15.º, n.º 5 da mesma Lei que dispõe:

“Compete à entidade administradora do CTR estabelecer a regulamentação que contenha os procedimentos para a atribuição, às empresas de comunicações eletrónicas, dos respetivos direitos de passagem e direitos de acesso e utilização, bem como estabelecer as instruções técnicas aplicáveis, devendo observar, na fixação destes procedimentos e instruções, o disposto na Lei das Comunicações Eletrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro, e no regime aplicável à construção de infraestruturas aptas ao alojamento de redes de comunicações eletrónicas e à instalação de redes de comunicações eletrónicas, estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de maio, alterado pelo Decreto-Lei n.º 258/2009, de 25 de setembro, e pelas Leis n.os 47/2013, de 10 de julho, e 82-B/2014, de 31 de dezembro.”

Tendo presente a natureza específica da conduta em que se traduz as imputadas contraordenações – acesso não autorizado ao CTR e realização de obras sem licença no subsolo da zona de estrada com essa finalidade por empresa de comunicações eletrónicas - em nosso entender, em qualquer delas, o destinatário do dever é a empresa de comunicações eletrónicas, no caso a Telecomunicações X. Apenas ela poderia e deveria obter a necessária autorização e licença, porque somente ela tem nisso interesse direto, na qualidade dona da obra. E, para além disso, foi ela quem, na referida qualidade, determinou a realização das obras sem licença, criando o risco de violação do dever. Em consequência, somente ela pode ser autora das referidas contraordenações, sendo para o caso irrelevante ter-se socorrido de entidades terceiras independentes, através de contrato de empreitada ou subempreitada, ou de trabalhadores ao seu serviço vinculados por contrato de trabalho subordinado.
Por outo lado, considerando a factualidade considerada como provada na decisão recorrida (factos provados 2 a 7), fica arredada a possibilidade de responsabilizar a arguida como cúmplice pelas contraordenações em discussão (nº 3 do artigo 16º do RGCC).
Efetivamente, pese embora a arguida seja a executante das obras, julgamos não ser difícil de reconhecer que a sua intervenção, no contexto da relação que tem com o dono da obra, não poderá deixar de ser considerado secundária ou acessória.
Importa ainda enfatizar que estão aqui em causa infrações que se traduzem na violação de deveres. Por isso, não podemos deixar de chamar à colação o princípio da confiança aplicável em situações de trabalho em equipa ou de colaboração necessária, cujo campo de eleição é o direito rodoviário, mas que tem vindo ser aplicado a todos os domínios da vida social. Segundo este princípio “quem se comporta no tráfico de acordo com a norma de cuidado deve poder confiar que o mesmo sucederá com os outros; salvo se tiver razão concretamente fundada para pensar ou dever pensar de outro modo” (8)
No caso vertente, não está em causa a responsabilização por deficiente realização de obras, mas somente responsabilidade contraordenacional devido à falta de autorização ou licença para as realizar atento o tipo de obras e a localização da sua realização em domínio público rodoviário.
Considerando a factualidade provada - factos 2 a 7 da decisão recorrida - não podemos deixar de reconhecer a verificação de uma situação de colaboração necessária em que a arguida, até prova em contrário, tem de poder confiar no dono da obra.

Com efeito, resultou provado, nomeadamente, que “Sempre que o Telecomunicações X solicita/contrata os serviços da arguida por intermédio da sua parceira TT, S.A., transmite a estas instruções claras e inequívocas de como devem proceder, o tipo de intervenção o efectuar e o local. É o Telecomunicações X que, quando necessário, procede às comunicações legais e promove a obtenção das autorizações ou licenças junto das entidades competentes, procedimentos que são alheios à arguida ou à sua parceira que se limitam o seguir os ordens e instruções dadas pelo Telecomunicações X, dono da obra, e o agir no seu exclusivo interesse.”

Assim, no contexto dos factos considerados provados julgamos dever concluir no sentido de que a arguida, quanto à questão essencial deste recurso (ausência de autorização para acesso ao Canal Técnico Rodoviário (CTR) e realização de obras sem licença) confiou e não poderia ter deixado de confiar no dono da obra, não sendo de lhe exigir outro comportamento, motivo pelo qual a sua conduta não é censurável.
Acresce dizer que a imputação das sobreditas contraordenações apenas ao dono da obra, no caso a Telecomunicações X, e não ao empreiteiro ou subempreiteiro é também uma questão de justiça quanto à responsabilidade pelos ónus e encargos de quem exerce uma atividade de âmbito alargado da qual apenas ela colhe os benefícios.

Por isso, concorda-se com o vertido na decisão recorrida quando se refere que “Em qualquer empreitada, incumbe sempre ao dono da obra obter os licenciamentos devidos pois que é ela a único a tirar as respectivas vantagens e, por isso, a suportar os respectivos ónus, em especial os de natureza administrativa, como o aqui em causa.

Seria fácil à dona de uma obra, designadamente de grandes dimensões como a Telecomunicações X, para a utilização do Canal Técnico Rodoviário (CTR) e para a realização actividades na zona de uma estrada incumbir um empreiteiro que, por sua vez sub-contrata com outra empresa a obtenção de licenciamentos ou autorizações junto da autoridade administrativa, desonerando-se dessa responsabilidade.

Ficou provado que a recorrente, encontra sub-empreiteira realizou trabalhos que a TELECOMUNICAÇÕES X, enquanto dona da obra ordenou e verteu num projecto apenas por ela elaborado e sendo ela a beneficiária final das obras em causa.”

Por último, refira-se ainda que, no caso vertente, está em causa apenas a responsabilidade contraordenacional, mais precisamente, a responsabilidade pelas duas contraordenações acima indicadas, e nada mais do que isso. Aliás, o citado artigo 70° do Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional, aprovado em anexo à Lei 34/2015, de 27 de Abril, definindo a responsabilidade contraordenacional, ressalva outros tipos de responsabilidade, mais precisamente a responsabilidade civil, criminal e disciplinar.

Neste sentido, encontram-se deslocadas no presente recurso, por não estarem em causa, questões como a da responsabilidade civil por eventuais danos causados a terceiros em consequência da realização de obras na zona de estrada (conclusões M, N, O, e P), a qual, a existir, deverá ser assacada, em último termo, naturalmente a quem a ela tiver dado causa; o cumprimento da sinalização das obras em obediência ao Regulamento de Sinalização de Trânsito (conclusão U)); e da competência e dos poderes de autoridade administrativa da Infraestruturas da Portugal, S.A (I.P.), designadamente de fiscalização (conclusões Y, MM) NN)).

Todas estas questões, referidas pelo recorrente, extravasam o objeto do processo, sendo, por isso, irrelevantes para o efeito de atingir, em qualquer sentido, a decisão recorrida.
Por conseguinte, julgamos não existir razão ao recorrente no recurso que interpôs, pelo que irá ser julgado integralmente improcedente e, consequentemente, mantida a decisão recorrida.

III – DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem a Secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar integralmente a decisão recorrida.
Sem custas, por delas estar isento o recorrente Ministério Público (artigo 4º, nº 1 al. a) do RCP).
Guimarães, 18.06.2018
(Texto elaborado pelo relator e revisto por ambos os signatários (artigo 94º, nº 2 do CPP)

(Armando da Rocha Azevedo - Relator)
(Clarisse Machado S. Gonçalves - Adjunta)



1. Por força do disposto no nº 4 do artigo 74º do RGCO - Regime Geral das Contraordenações e Coimas, aprovado pelo DL nº 433/82, de 27.10, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo DL nº 356/89, de 17.10, pelo DL nº 244/95, de 14.09 e pela Lei nº 109/2001, de 24.12, diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem - o recurso seguirá a tramitação do recurso em processo penal, tendo em conta as especialidades que resultam deste diploma.
2. Assim, vide, v.g, Ac RE de 06.01.2015, processo 2090/10.9TBLLE.E2, acessível em www.dgsi.pt.
3. E são de conhecimento oficioso do tribunal, cfr. Ac. do STJ nº 7/95, de 19.10, in DR, I-A, de 28.12.1995.
4. Assim, vide, entre outros, Frederico da Costa Pinto, O ilícito de mera ordenação social e a erosão do princípio da subsidiariedade da intervenção penal, RPCC, Ano 7, Fasc. 1, pág. 7 e segs.; F. Dias, O movimento de descriminalização e o ilícito de mera ordenação social, pág. 332; Para uma dogmática do direito penal secundário, pág. 64 e anotação 104; Augusto Silva Dias, Direito das Contra-Ordenações, Almedina, 2018, pág. 135 e segs.; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações, Universidade Católica Editora, pág. 72. Vide também os Acs. TC nºs 99/2009, 198/2010 e 139/2012.
5. Ob. cit., pág. 138.
6. Ob. cit., pág. 139.
7. Ibidem.
8. Cfr. F. Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, pág. 882.