Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
329/15.3T8BCL-E.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: PERITO
REMUNERAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/25/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 – Foi declarada, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que impede a fixação de remuneração de perito em montante superior ao limite de 10 UC, interpretativamente extraída dos n.os 2 e 4 do artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais em conjugação com a sua tabela IV.

2 - É de reconhecer aos peritos o direito geral à justa compensação pelo sacrifício que o exercício da perícia lhes impôs.

3 – Contudo, a determinação do valor remuneratório de uma atividade de coadjuvação do tribunal – perícia - não pode estar sujeita às regras de mercado ou ao jogo da livre concorrência, na fixação de preços.

4 - A harmonização do direito à justa compensação do perito pelo serviço prestado com o direito de acesso à justiça impõe a determinação de alguma contenção na fixação de padrões dos respetivos valores remuneratórios.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

Manuel e outros, autores nos autos em que é réu o Município X, vieram interpor recurso do despacho que fixou a remuneração devida pela perícia que os peritos nomeados levaram a cabo nos autos.

Alegaram e, a final, apresentaram as seguintes

Conclusões:

I. Em sede de douto despacho emergente dos autos de processo em epígrafe, a Meritíssima Juiz a quo, entendeu por despacho julgar inconstitucional a norma do artigo 17º/1/2/3/4, do Regulamento das Custas Processuais, conjugado com a tabela IV que lhe é anexa, no sentido de que o limite superior a 10 UCs é absoluto, impedindo a fixação de remuneração pela perícia em montante superior.
II. Com efeito a título de remuneração pela realização do relatório, pela prestação dos respetivos esclarecimentos e pela comparência em audiência de julgamento, considerando o número de horas despendido, a extensão material do objeto a peritar e a especificidade de matéria, fixou o montante total de 190 UC´S a dividir entre os Exmos Senhores Peritos (a quem caberá, individualmente, a quantia correspondente a 63.33UC).
III. Ora não podem os recorrentes aceitar tal colhimento, se não vejamos,
IV. O presente recurso autónomo de apelação funda-se no risco de o imediato cumprimento dos despacho recorrido, que condenam os recorrentes no pagamento parcial dos honorários e despesas do colégio pericial e os fixam na quantia de €19.380.00, significa, para os Recorrentes, a incapacidade de honrar os seus compromissos do seu dia a dia, visto que os Autores são cidadãos comuns que vivem do salário que auferem, diga-se maioritariamente auferindo o salário mínimo) e consequentemente ao ser fixado tal montante torna difícil suportar tais custos isto é, continuar com a lide, pelo que é necessária a sua impugnação imediata ao abrigo do disposto na alínea h) do n.° 2 do artigo 644.° do CPC.
V. Pelos mesmos motivos os Recorrentes requerem que seja conferido efeito suspensivo ao presente recurso, pois apenas a suspensão da eficácia dos despachos recorridos eximirá os Recorrentes da obrigação do pagamento imediato dos referidos encargos, garantindo assim a utilidade à sua apelação.
VI. Por despacho de 12.02.2018 o Tribunal a quo fixou o montante de honorários aos três peritos que compuseram o colégio pericial em 190UC´S, 19.380.00€, alegando a inconstitucionalidade declarada pelo Tribunal Constitucional no acórdão 656/2014 para fundamentar "a inexistência de teto para a fixação da remuneração dos Srs. Peritos".
VII. Não é conforme à Constituição uma decisão como a do Tribunal a quo, que fixa os honorários dos peritos em 190 UC´S.
VIII. Tal como consta dos autos, aquando o deferimento da realização da perícia, a 19 casas de habitação, objeto da presente lide, efetuaram os recorrentes competente pagamento para a realização daquela mesma perícia, sendo que aos mesmos recaiu a quantia de 1.129.86€ e a ré igual montante.
IX. Sucede que, por requerimento datado de 05/09/2016, sob a referência citius nº 4318076, os senhores peritos vieram solicitar a fixação dos seus honorários em quantia em muito superior ao que as partes teriam pago, conforme se verifica pelo documento junto aos autos.
X. Prontamente os recorrentes, opuseram-se ao pedido pelos senhores peritos, tanto mais que tal montante mostra-se na ótica dos mesmos exorbitante, atento o objeto da perícia que diga-se se torna repetitiva.
XI. A meretissima juíza a quo, relegou fixar a perícia em causa, para momento ulterior, fixando agora por despacho de que ora se recorre.
XII. Porém, conforme salientado no acórdão do Tribunal Constitucional n.° 16/2015, a compensação de um perito que colabora com a Justiça não pode ser fixada a preço de mercado, pois que o direito de propriedade privada deve ser restringido quando conflitue com valores constitucionais preponderantes; desde logo, o interesse público num sistema judicial orientado para a descoberta da verdade material e a tutela efetiva dos direitos subjetivos dos cidadãos.
XIII. Pelo contrário, e uma vez reconhecida a manifesta insuficiência do limite constante da Tabela IV do Regulamento das Custas para a fixação de um valor que permita compatibilizar o direito à justa compensação do perito pelo trabalho prestado e o direito de acesso à justiça e a uma tutela jurisdicional efetiva dos cidadãos, urge recorrer aos princípios constitucionais da proporcionalidade e da segurança jurídica no arbitramento de determinado montante de honorários a peritos que colaborem com os tribunais, princípios esses que vinculam e orientam toda a atividade dos Tribunais.
XIV. Não é possível alcançar qual o critério utilizado pelo Tribunal a quo na fixação da remuneração dos peritos em questão, pois a fundamentação aduzida é manifestamente incongruente face à decisão de fixação dos preparos aquando o deferimento da realização da perícia.
XV. A decisão do Tribunal a quo ao fixar a remuneração dos peritos num total de €19.380.00 (incluindo IVA) é, pois, desproporcional e imprevisível, consubstanciando uma forma de denegar aos Recorrentes o seu direito de acesso à justiça e a uma tutela jurisdicional efetiva, pelo que os Recorrentes alegam a sua inconstitucionalidade por violação dos princípios da proporcionalidade, da segurança jurídica, e do disposto no artigo 20.° da Constituição.
XVI. A tabela IV estabelece o limite máximo de 10 UC para a remuneração aos peritos.
XVII. O Tribunal a quo estribou-se nos Acs. do Tribunal Constitucional nºs 656/2014, de 14-10-2014, citando passagens deste, os quais, entre outros arestos do TC, foram concluindo pela inconstitucionalidade do “tecto” estabelecido naquela tabela.
XVIII. Ora, os Apelantes defendem, como se viu, que não é conforme à Constituição uma decisão como a do Tribunal a quo, que fixa os honorários dos peritos de um colégio pericial em €19.380.00 quando a perícia no seu global tem o mesmo objeto e tipo de patologias em todas as casas, ou seja com o mesmo objeto, considerando que a compensação de um perito que colabora com a Justiça não pode ser fixada a preço de mercado, estando em causa o interesse público num sistema judicial orientado para a descoberta da verdade material e a tutela efectiva dos direitos subjectivos dos cidadãos (art. 20º da CRP).
XIX. Essa preocupação tem surgido nos Acórdãos do Tribunal Constitucional que incidem sobre esta problemática e, naturalmente, é também reflectida no Ac. nº 33/2017, no qual se elencam e sopesam todos os interesses em jogo, como se extrai da seguinte passagem:
XX. Como referido no Acórdão n.º 656/2014: «18–O motivo apresentado para a limitação referida passa pela necessidade de controlo das [custas] a ser pagas pelas partes litigantes, de forma a não restringir excessivamente o direito de acesso à justiça.
XXI. De facto, a preocupação de evitar que as partes litigantes sejam oneradas com [custas] excessivamente elevadas, tendo em vista não frustrar o direito de acesso aos tribunais garantido no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, encontra-se bem patente na jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria de custas.
XXII. Como salientado no Acórdão n.º 467/91, 'o asseguramento da garantia do acesso aos tribunais subentende uma programação racional e constitucionalmente adequada dos custos da justiça: o legislador não pode adotar soluções de tal modo onerosas que impeçam o cidadão médio de aceder à justiça.»
XXIII. Efetivamente, «o Tribunal tem afirmado que a liberdade de conformação do legislador, designadamente em matéria de definição do montante de taxas integradoras das custas judiciais, 'não implica que as normas definidoras dos critérios de cálculo sejam imunes a um controlo de constitucionalidade, quer no que toca à sua aferição segundo regras de proporcionalidade, decorrentes do princípio do Estado de Direito (artigo 2.º da Constituição), quer no que respeita à sua apreciação à luz da tutela constitucional do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da Constituição); em qualquer dos casos, sob cominação de inconstitucionalidade material (cf. Acórdãos n.os 1182/96 ou 352/91) [...]. E proferiu, mesmo, alguns julgamentos de inconstitucionalidade por violação combinada de ambos os princípios (por exemplo, nos Acórdãos n.os 1182/96 e 521/99' (Acórdão n.º 227/07)» (Acórdão n.º 656/2014, ponto 18.). Como refere o Acórdão n.º 16/2015, ponto 7., in fine:
XXIV. «O dever de agir do legislador em vista da garantia da compensação dos sacrifícios legitimamente impostos em benefício do interesse público não prejudica que o mesmo goze de uma ampla liberdade de conformação.
XXV. Por isso, não podem excluir-se soluções legais diferenciadas.
XXVI. Mas, por outro lado, cada uma das soluções estabelecidas pelo legislador não pode contrariar o sentido teleológico fundamental da compensação, ou seja, a satisfação de exigências de justiça distributiva.
XXVII. O problema que se põe, em concreto, agora, é o de saber se a remuneração encontrada é a adequada ao caso, não olvidando todos os interesses em jogo, designadamente o facto de estarmos perante um «caso de prestação de serviços em colaboração com a justiça» e não em mercado livre.
XXVIII. Consideram os Apelantes que não é possível alcançar qual o critério utilizado pelo Tribunal recorrido na fixação da remuneração dos peritos em questão, pois a fundamentação aduzida é manifestamente infundada.
XXIX. Entende-se, contudo, porque estamos perante uma perícia extensiva porém como se disse, repetitiva, atento os quesitos e as anomalias nas referidas casas serem as mesmas que parece excessiva o valor ora fixado, parecendo-nos mais adequado atento as horas tidas em conta para a realização da referida perícia, a remuneração de 100UC´S a que corresponde 10.200.00€, responsabilidade de Autores e ré, de que se deverá descontar o montante já pago.
XXX. Assim a decisão do Tribunal a quo ao fixar a remuneração dos peritos num total de €19.380.00 (incluindo IVA) é, pois, desproporcional e imprevisível, consubstanciando uma forma de denegar aos Recorrentes o seu direito de acesso à justiça e a uma tutela jurisdicional efetiva, pelo que os Recorrentes alegam a sua inconstitucionalidade por violação dos princípios da proporcionalidade, da segurança jurídica, e do disposto no artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa.
XXXI. Veja-se o Acórdão da Relação de Lisboa, proferido em 09-03-2017, nos autos de processo nº 111662/12.0YIPRT-B.L1-2, disponível em www.dgsi.pt.

Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, deverá o despacho em crise e aqui recorrido, ser revogado e substituído por outro que altere a fixação da remuneração dos senhores peritos.

Assim decidindo, Vossas Excelências, muito ilustres Desembargadores farão, como sempre, JUSTIÇA!

Os peritos nomeados contra alegaram, pugnando pela improcedência do recurso dos autores e interpuseram recurso subordinado, cujas alegações finalizaram com as seguintes

Conclusões:

I – Aceitando todos os intervenientes que o limite geral das 10 UCs, a que se refere a Tabela IV do Regulamento das Custas Judiciais, é insuficiente, entende-se que a transposição ao caso concreto do princípio da proporcionalidade operou em detrimento dos Peritos, ora Recorrentes e do direito à sua justa remuneração.
II - Antes de mais importa sublinhar que não estamos em presença de uma perícia, mas de dezanove, pois os Autores optaram por se coligar para fazer valer direitos diversos, emergentes de relações jurídicas distintas: dezanove contratos de compra e venda.
III – Em sintonia com o critério do douto Acórdão da Relação de Coimbra de 04/06/2013 (proc. 1342/11.5TBPMS-A.C1) “deve adotar-se um critério objetivo ou funcional, no sentido de que haverá tantas perícias quantos os juízos periciais, ou seja, quantos os bens avaliados, logo a remuneração terá que ser fixada em função de cada avaliação, devido ao caráter autónomo de cada uma delas, por implicar uma distinta operação (perceção/apreciação) o que equivale a dizer um juízo singular (técnico-científico) sobre cada um dos prédios”.
IV - Outro aspeto deve ser especialmente valorado no juízo de proporcionalidade que se impõe: há que considerar que há dezanove Autores (abstraindo dos cônjuges ou outros contitulares) para suportar o custo da perícia.
V - Há outro parâmetro de proporcionalidade que a douta decisão recorrida não teve em conta: é que o valor da peritagem é repartido por três. Aspeto que penaliza os Peritos, já que estes são alheios à opção entre uma perícia singular ou colegial.
VI - No juízo de proporcionalidade há, ainda, que considerar a carga de laboriosidade em concreto da perícia em causa, espelhada pelo volume de folhas do relatório pericial e seus anexos, na ordem dos 60 cm de espessura (!). Se é certo que não se trata de trabalho a peso ou ao metro, não é menos certo que alguém teve de produzir, estudar e analisar aquele acervo documental.
VII - O trabalho plasmado no volume do relatório pericial implicou elevada laboriosidade, no qual se reflecte de forma direta e imediata, apoiada nas regras comuns da experiência
VIII - Destaca-se que, além de se tratar de 19 moradias absolutamente distintas, foram formulados cerca de 81 quesitos relativamente a cada uma, o que traduz um total de … 1.484 quesitos (!).
IX - O colégio de Peritos é integrado por três engenheiros civis, que são técnicos qualificados. A justiça tem o seu custo e não é – seguramente – com remunerações miserabilistas que se logrará contar com recursos humanos de qualidade em matérias que podem condicionar diretamente uma decisão judicial.
X - O valor final da perícia que veio a ser indicado pelos Recorrentes foi de 243 UCs, conforme referido, o que corresponderia a 8.262,00 € por Perito. Considerado um dispêndio de 350 horas por cada um, este valor reflectiria um valor/hora de 23,60 € [243 x 102 : 3 : 350] o qual, apesar de parco, teria um mínimo de dignidade.
XI - Não colhe a invocação de dificuldade financeira dos Autores e o argumento das limitações no acesso ao direito à tutela jurisdicional efetiva. Pois, na verdade, se ocorresse uma situação de insuficiência económica, originária ou superveniente, poderiam aqueles recorrer ao mecanismo apoio judiciário.
XII - Assim, deveria a douta sentença ter fixado um valor global de 243 UCs em lugar de 190 UCs, o que melhor se compatibilizaria com o princípio da proporcionalidade a considerar, o qual se entende violado.

TERMOS EM QUE deve o presente recurso de apelação subordinado ser julgado procedente, elevando-se o valor fixado aos peritos, ora Recorrentes, de 190 para 243 Unidades de Conta.

Com o que se fará JUSTIÇA

Os recursos foram admitidos como de apelação, a subirem imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo.

Foram colhidos os vistos legais.

A questão a resolver prende-se com a fixação da remuneração devida pela perícia realizada nos autos.

II. FUNDAMENTAÇÃO

O despacho recorrido tem o seguinte teor:

“O montante peticionado, a título de remuneração pela coadjuvação prestada, nas notas de honorários de fls. 2030 a 2031, ultrapassa o limite legal previsto na Tabela anexa ao Regulamento das Custas Processuais.
Notificadas para se pronunciarem acerca do montante a fixar pela perícia, as partes nada disseram (cfr. fls. 2156).

Apreciando:

No Acórdão do Tribunal Constitucional com o n.º 656/2014, publicado na Diário da República, n.º 230, de 27.11.2014, decidiu-se julgar inconstitucional, a norma do artigo 17º/1 a 4, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), conjugado com a Tabela IV do mesmo Regulamento, no sentido de que o limite superior de 10 UCs é absoluto, impedindo a fixação de remuneração do Perito em montante superior.

Pode ler-se, na sua fundamentação, que «(…) a ausência de uma cláusula geral que permita acautelar a consideração de circunstâncias excecionais na fixação judicial da remuneração pela realização da perícia, inviabiliza a tomada em consideração, por um juiz, do caso concreto em que a justa compensação pelo sacrifício não se contém nos limites do valor tabelado. Neste condicionalismo, a imposição de um “teto” inultrapassável abre a possibilidade de excessos, sendo, pois, de entender que o limite imposto se mostra excessivo ou intolerável em termos de poder considerar-se que afronta o princípio da proporcionalidade.

E, sendo assim, impõe-se concluir que a impossibilidade de o juiz exceder, em qualquer circunstância, o valor máximo definido para remunerar a atividade pericial se apresenta como uma solução de tal modo onerosa do sacrifício exigido ao perito que, no limite, pode resultar desproporcionada, por não encontrar na garantia do acesso à justiça razão suficiente que a justifique. Impor a alguém o dever de colaborar com o tribunal, exercendo as funções de perito, e limitar a respetiva remuneração a 10 UCs, «ainda que o tipo de serviço, os usos de mercado, a complexidade da perícia e o tempo necessário à sua realização levassem a considerar que a remuneração devida era superior», como pretende o digno recorrente, pode configurar solução excessiva.

O legislador tem mandato constitucional para implementar medidas que promovam e garantam o acesso à justiça de todos os cidadãos. Mas esse mandato não lhe confere legitimidade para o garantir à custa da imposição de um sacrifício excessivo aos agentes que colaboram na administração da justiça.

Na articulação dos vários interesses que se jogam na delimitação do valor da remuneração devida ao perito pela sua atividade de colaboração com a justiça, a operar no respeito pela garantia do acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, a norma trazida ao Tribunal Constitucional não satisfaz as exigências de proporcionalidade impostas pela Constituição (artigo 18.º, n.º 2), devendo ser, por isso, julgada inconstitucional.»

O direito à prova é corolário do princípio geral do acesso ao direito e aos tribunais, constitucionalmente consagrado no artigo 20º/1, da Constituição da República Portuguesa (CRPort).

Por outro lado, a exigência de um processo equitativo impõe que as normas processuais proporcionem aos interessados meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos e paridade entre as partes (cfr. artigo 20º/4, da CRPort). A fixação dum limite inultrapassável à remuneração dos peritos afeta o direito à produção efetiva de as partes prosseguirem a atividade de instrução, na medida em que pode comprometer a análise qualificada da questão técnica que se coloca no processo. Para além disso, impõe um sacrifício desproporcionado a todos quanto colaboram na administração da justiça.

No caso em concreto, face à extensão material do objeto a sujeitar a perícia, o tempo que foi necessário empregar para a conclusão do relatório e a especificidade da matéria, o limite previsto no artigo 17º, em conjugação com a Tabela IV anexa ao Regulamento das Custas Processuais (RCP), não seria proporcional ao trabalho desenvolvido.

No entanto, a realização do relatório não revelou vicissitudes adicionais face àquelas que foram estimadas pelos Ex.mos Senhores Peritos no requerimento que deram entrada a 05.09.2016, sobre o qual incidiu o despacho de 27.09.2016.

Com efeito, nessa data, era já conhecido o objeto da perícia, a formulação dos quesitos, o local e a matéria sobre a qual incidiria a investigação pericial, desconhecendo-se o que motiva o agravamento dos honorários inicialmente estimados e os apresentados nas notas de fls. fls. 2030 a 2031.

Para além disso, estando em causa 19 moradias que fazem parte do mesmo empreendimento, houve repetição de anomalias e de procedimentos, o que, nessa perspetiva, há uma economização de recursos.

Na medida do exposto, tudo ponderando, entendo que a remuneração a fixar deverá ser equivalente ao montante de 10 UC’s por cada moradia multiplicado pelo seu número total, sendo o resultado dividido irmãmente pelos Exmos. Senhores Peritos intervenientes.

Decidindo:
Ponderando o exposto:

1. Julgo inconstitucional a norma do artigo 17º/1/2/3/4, do RCP, conjugado com a Tabela IV que lhe é anexa, no sentido de que o limite superior de 10 UCs é absoluto, impedindo a fixação de remuneração pela perícia em montante superior;
2. A título de remuneração pela realização do relatório, pela prestação dos respetivos esclarecimentos e pela comparência em audiência em julgamento, considerando o número de horas despendido, a extensão material do objeto a peritar e a especificidade da matéria, fixo o montante total de 190 UC’s, a dividir entre os Ex.mos Senhores Peritos (a quem caberá, individualmente, a quantia correspondente a 63,33 UC)”.

Considerando que ambos os recorrentes aceitam a decisão recorrida quanto ao julgamento de inconstitucionalidade da norma do artigo 17.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4 do RCP, conjugado com a Tabela IV que lhe é anexa, no sentido de que o limite superior de 10 UCs é absoluto, impedindo a fixação de remuneração pela perícia em montante superior – inconstitucionalidade esta, atualmente já declarada com força obrigatória geral, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 33/2017, in Diário da República n.º 48/2017, Série I de 2017-03-08 “Declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que impede a fixação de remuneração de perito em montante superior ao limite de 10 UC, interpretativamente extraída dos n.os 2 e 4 do artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais em conjugação com a sua tabela IV” -, cabe-nos apenas apreciar a fixação em concreto da remuneração devida aos peritos, atendendo a esse juízo de inconstitucionalidade e tendo em vista que os autores consideram justo e equilibrado, o montante de 100 Ucs, enquanto os peritos pugnam pela fixação do montante de 243 UCs, ambos em substituição do montante de 190 UCs, fixado no despacho recorrido.

Serão, assim, apreciados os dois recursos em simultâneo.

Desde logo, deve dizer-se que, como decorre do disposto nos artigos 417.º n.ºs 1 e 2 e 469.º do CPC os peritos estão obrigados a prestar a sua colaboração com o tribunal sob pena de multa, caracterizando-se a atividade pericial pela prestação esporádica no exercício de um serviço público, com a tendencial obrigatoriedade de aceitação da nomeação, já que só invocando motivos pessoais que permitam concluir pela inexigibilidade da nomeação será possível ver deferido o correspondente pedido de escusa.

Conforme se pode ler no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 16/2015, in Diário da República n.º 132/2015, Série II de 2015-07-09: “A fundamentação constitucional desse dever de colaboração resulta de um princípio geral da cooperação cívica nas tarefas públicas, decorrente da própria ideia de Estado de Direito democrático (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 3.ª edição, pág. 793, anotação ao, então, artigo 205.º, atual artigo 202.º). Só havendo essa cooperação pode o Tribunal, levar a cargo a administração da justiça que a Constituição lhe impõe com exclusiva sujeição à lei (artigo 203 da Constituição da República Portuguesa)”.

Partindo deste pressuposto, é de reconhecer aos peritos o direito geral à justa compensação pelo sacrifício que o exercício da perícia lhes impôs, direito esse que constitui uma exigência do princípio do Estado de direito democrático.

Contudo, é compreensível que a determinação do valor remuneratório de uma atividade de coadjuvação do tribunal não esteja sujeita às regras de mercado ou ao jogo da livre concorrência, na fixação de preços, só assim se assegurando a compatibilização da sua repercussão no valor final das custas devidas, com a garantia do acesso à justiça.

Como se pode ler no citado Acórdão do Tribunal Constitucional: “A harmonização do direito à justa compensação do perito pelo serviço prestado com o direito de acesso aos tribunais antes impõe a determinação de alguma contenção na fixação de padrões dos respetivos valores remuneratórios”.

Daqui decorre que a compensação de um perito que colabora com a Justiça não pode ser fixada a preço de mercado, estando em causa o interesse público num sistema judicial orientado para a descoberta da verdade material e a tutela efectiva dos direitos subjectivos dos cidadãos (art. 20º da CRP). O legislador não pode adotar soluções de tal modo onerosas que impeçam o cidadão médio de aceder à justiça.

Esta preocupação da garantia do acesso à justiça não impediu, contudo, como vimos, que se tivesse considerado que a fixação de um limite máximo de 10 UCs, impedindo a fixação de remuneração de perito em montante superior, sem a previsão da possibilidade da sua flexibilização, é excessivamente limitadora da justa compensação devida aos peritos pelo sacrifício que o exercício da perícia lhes impôs.

O problema que se põe, em concreto, agora, é o de saber se a remuneração encontrada é a adequada ao caso, não esquecendo todos os interesses em jogo.

Não há dúvida que a perícia realizada se revestiu de complexidade, abrangendo 19 moradias, tendo os autores formulado 81 quesitos para cada uma delas (se bem que iguais para cada uma), apresentando-se o resultado de fls. 1538 a 2085 dos autos, incluindo os esclarecimentos prestados pelos peritos e suscitados por reclamação dos autores. Houve necessidade de proceder ao estudo do processo, do licenciamento e do caderno de encargos, bem como outros estudos de cariz técnico. Os peritos deslocaram-se sete vezes ao local, para análise das diferentes moradias e registo fotográfico e reuniram-se 12 vezes para elaborar o relatório (que contém 18 anexos processados em ambiente CAD)
A extensão da perícia terá, no entanto, que ser mitigada pelo facto de as anomalias/defeitos das obras, se repetirem em muitas das habitações.

Não deve, de igual modo, esquecer-se que a ação foi proposta por 19 autores (casais), coligados contra a ré, pelo que a remuneração global fixada de 190 UCs, terá que ser dividida entre todos (sendo o preparo dividido por dois, uma vez que a perícia foi requerida, também, por um dos chamados).

Os autores não têm razão quando se arrimam ao preparo por eles pago, para sustentar que não poderia ser fixado um valor superior, uma vez que os peritos só tiveram noção do trabalho que iriam realizar, quando começaram a estudar o processo e logo vieram aos autos dar conta da previsão de honorários por si estimada, tendo de imediato sido proferido despacho que sustentou a inconstitucionalidade do tecto de 10 UCs fixado no artigo 17.º do RCP, mas relegando para final a fixação definitiva da remuneração.

Ora, da análise de todo o processo, no confronto entre a necessidade de dar pagamento ao trabalho laborioso efetuado pelos peritos - justa compensação pelo sacrifício que o exercício da perícia lhes impôs – com o direito de acesso à justiça, que impõe a determinação de alguma contenção na fixação de padrões dos respetivos valores remuneratórios, entendemos como proporcional, justa e adequada a remuneração fixada em 1.ª instância, não se vendo motivo para a alterar.

Improcedem, portanto, ambos os recursos.

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar improcedentes ambas as apelações, confirmando-se o despacho recorrido.
Custas de cada apelação pelo apelante respetivo.
***
Guimarães, 25 de outubro de 2018

Ana Cristina Duarte
Fernando Fernandes Freitas
Alexandra Rolim Mendes