Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
105095/19.4YIPRT.G1
Relator: LÍGIA VENADE
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CONTRATO DE EMPREITADA
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO DO CONTRATO
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO DO CONTRATO
DENÚNCIA DOS DEFEITOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I Em sede de instrução podem resultar factos complementares e concretizadores de uma exceção suficientemente alegada em sede de oposição ao requerimento injuntivo.
II Um relatório técnico sobre deficiências de instalação elétrica elaborado pelo iep – Direção de Inspeção e Auditoria de Instalações Elétricas é um meio de prova livre, sujeito à livre convicção que sobre ele o Tribunal forme, em conjugação com outros meios de prova.
III A admissão de um facto desfavorável em sede de declarações prestadas pelo A., não tendo sido reduzida a escrito, e não valendo como confissão judicial, pode ser valorada positivamente, em conjugação com outros elementos.
IV A invocação da exceção de não cumprimento do contrato deve ser analisada perante o princípio da boa fé, e nomeadamente através da ponderação das ideias de proporcionalidade e adequação.
V No caso de se verificar cumprimento defeituoso do contrato de empreitada, para poder ser invocada a exceção, é necessário que esteja demonstrada a denúncia dos defeitos e que o empreiteiro foi colocado perante a exigência/possibilidade de dar uma solução ao verificado, face às pretensões legalmente previstas para o dono da obra.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

A. T., instaurou o presente procedimento de injunção, subsequentemente tramitado como Ação Especial para Cumprimento de Obrigações Pecuniárias emergentes de contratos, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, contra S. M., peticionando a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 5.095,25 a título de capital, € 20,10 a título de juros de mora e € 102,00 a título de taxa de justiça paga.
Alega para tanto e em síntese que celebrou com a Ré um contrato de prestação de serviços em setembro de 2017, com vista à montagem e instalação elétrica na moradia desta, sita na Rua …, e que ficou acordado entre as partes o pagamento da quantia de € 6.000,00, acrescidos de IVA, e do preço a pagar pelo certificado a pedir à ....
Alega também que a Ré apenas pagou a quantia de € 2.500,00, sendo que o Autor procedeu à instalação elétrica nos termos acordados e pediu o certificado à ... atestando a conformidade da instalação, o qual lhe foi concedido em 16 de janeiro de 2018.
Mais alega que do valor total de € 7.595,25, onde se inclui o IVA e o custo do certificado da ..., permanecem em dívida € 5.095,25.
Alega por fim que apesar de interpelada para o efeito, a Ré não realizou o pagamento da referida quantia.
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A Ré deduziu oposição admitindo a celebração de contrato com o Autor, ainda que com preço diverso -€ 6.000,00 com IVA incluído.
Refere que não pagou o que falta do preço em virtude de ter interpelado por diversas vezes e ter dito que a instalação elétrica tem deficiências, e o sistema de telecomunicações não funciona, a que acresce o desalinhamento da instalação elétrica e o facto das lâmpadas nos corredores e quartos estarem tortas. Disse ao requerente para refazer o trabalho porque está mal feito e as instalações não funcionam, o que este até à data não fez. Refere que nada deve, o requerente é que não terminou o trabalho e o que fez está mal feito.
Conclui pela improcedência da ação, peticionando a condenação do Autor como litigante de má-fé em multa adequada e indemnização de € 500,00.
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Por despacho proferido em 16/09/2020 foi determinada a notificação do Autor para querendo, se pronunciar quanto à matéria de exceção invocada em sede de oposição, nada tendo sido dito.

Apresentada a prova respetiva e realizada audiência de julgamento, foi proferido sentença que fixou o valor da causa em € 5.115,35, e decidiu julgar parcialmente procedente a ação intentada pelo Autor A. T. e, em consequência:
“a) Condena-se a Ré S. M. a pagar ao Autor A. T. a quantia de €3.500,00 (três mil e quinhentos euros), acrescida de juros à taxa legal civil e contabilizados desde a citação até efetivo e integral pagamento.
b) Absolver a Ré do demais peticionado pelo Autor.
c) Não julgar verificada a litigância de má-fé por parte do Autor.”
Mais atribuiu as custas do processo a ambas as partes, na proporção de 32% para o Autor e 68% para a Ré., sendo as custas do incidente de litigância de má-fé pela Ré, fixando-se as mesmas pelo mínimo legal.
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Inconformada a R. apresentou recurso tendo terminado as suas alegações com as seguintes
-CONCLUSÕES-(que se reproduzem)

“1. A douta sentença de fls. deve ser revogada.
2. A Mma. Juiz a quo confundiu a instalação ITED, que se prende com as telecomunicações, com toda a instalação elétrica.
3. Ao cometer este erro proferiu uma sentença injusta e contrária à lei.
4. Foi junto aos autos um Relatório elaborado pela Direção de Inspeção e Auditoria a Instalações Elétricas do Instituto Eletrotécnico Português, que identifica todos os problemas de eletricidade da obra.
5. Este Relatório merecia ter tido outra atenção por parte da Mma. Juíza, atendendo à sua importância.
6. Estamos perante o cumprimento defeituoso de uma obra no que toca à instalação da eletricidade e telecomunicações.
7. Foram incorretamente dados como provados os factos 4), 6) e 8)
8. Foram incorretamente dados como não provados os factos c); d); e) e f).
9. Entendemos da leitura da sentença que a Mma. Juíza a quo confunde a instalação elétrica com a instalação das telecomunicações, que são coisas diferentes e autónomas.
10. Foi referido pela testemunha D. G. que existia sim o projeto ITED, relativo às telecomunicações, mas que não existia projeto de eletricidade.
11. Não é o projeto de telecomunicações que está refletido no Relatório Técnico do Instituto Eletrotécnico Português.
12. Este Relatório, como o próprio diz, é uma Auditoria às instalações elétricas.
13. Da análise do Relatório Técnico realizado pela Direção de Inspeção e Auditoria para as Instalações Elétricas, do Instituto Eletrotécnico Português, realizado em 20/08/2020, conclui-se pela existência de 14 (catorze) deficiências do tipo Grave e Não Grave.
14. São deficiências GRAVES as anomalias que constituem perigo para a segurança de pessoas e que devem ser imediatamente corrigidas, e são deficiências NÃO GRAVES-1 as anomalias cuja gravidade permite a manutenção da exploração da instalação elétrica, mas que devem ser corrigidas num prazo de 60 dias.
15. Foram identificadas como GRAVES as anomalias identificadas nos pontos 1, 2, 3, 4, 5, e 6.
16. Todos estes pontos (à exceção do ponto 1 da bomba do furo da água que não foi, mas devia ter sido) foram trabalhos feitos pelo Recorrido.
17. O Instituto Eletrotécnico Português é uma das maiores infraestruturas nacionais com atividade inspetiva e está reconhecido pela Direcção-Geral de Energia e Geologia como Entidade Inspetora de Instalações Elétricas (EIIEL), pelo que tem este Relatório Técnico de ter força probatória especial, não carecendo das declarações do seu subscritor para dar força ao mesmo.
18. Portanto, concluímos que houve uma confusão entre a instalação de telecomunicações e a instalação elétrica, e que não foi dada a devida importância ao Relatório Técnico realizado pela Direção de Inspeção e Auditoria para as Instalações Elétricas do Instituto Eletrotécnico Português, realizado em 20/08/2020.
19. A partir do momento que se distingue a instalação elétrica da instalação das telecomunicações, a prova altera-se totalmente.
20. Até porque, consequentemente se dará a devida importância ao Relatório Técnico realizado pela Direção de Inspeção e Auditoria para as Instalações Elétricas do Instituto Eletrotécnico Português, realizado em 20/08/2020.
21. Os defeitos identificados deverão ser os constantes da sentença, mais todos os identificados no Relatório Pericial, à exceção da anomalia 1 porque diz respeito à bomba de água.
22. A instalação elétrica efetuada pelo Autor tem deficiências graves que se traduzem num mau funcionamento da mesma.
23. A Recorrente referiu que também estava incluído no contrato os trabalhos a instalação dos anexos, da piscina e do furo da água.
24. Trabalhos que não foram executados pelo Recorrido e por esse motivo entende a Recorrente que a obra não foi terminada.
25. Ficou provado que a Recorrente desde logo reclamou dos defeitos visíveis e reclamava das falhas/quebras na eletricidade.
26. Os defeitos detetados no Relatório Técnico realizado pela Direção de Inspeção e Auditoria para as Instalações Elétricas do Instituto Eletrotécnico Português foram apenas comunicados à Recorrida no início de 2021 (data em que veio a Portugal), tendo logo de seguida solicitado o orçamento também junto aos autos, pois só aí teve noção da gravidade/custo dos mesmos, tendo os defeitos sido comunicados/denunciados ao Recorrido na audiência de julgamento de
08/09/2021.
27. Só com este Relatório é que foi possível concretizar os reais defeitos da obra, ou seja, só após agosto de 2020 é que se concluiu qual a gravidade dos erros na instalação elétrica.
28. Portanto, é legítimo e suficiente a reclamação que a Recorrente fez durante todo este percurso, desde o momento anterior à presente ação judicial até agora que estão identificados e dados a conhecer os erros na execução dos trabalhos.
29. Assim, há que dar como provado que a Recorrente interpelou várias vezes o Recorrido para que corrigisse os defeitos da obra, ainda que os mesmos não estivessem totalmente identificados à data.
30. O simples facto de a Recorrida comunicar que algo de errado se passava com a instalação elétrica por não conseguir utilizar os eletrodomésticos é uma denúncia e uma interpelação ao Recorrido.
31. Por último, ao ser julgada parcialmente procedente a ação como foi, ficou provado que o Autor peticiona valores que sabia não lhe serem devidos, falamos do IVA sobre os 6.000,00€. Ainda que este facto possa apenas dizer respeito à litigância de má-fé, o mesmo, da forma que se encontra redigido, não vai de acordo com os factos constantes dos autos.
32. Por tudo o exposto, concluímos que a matéria de facto constante da sentença não faz jus ao que se passou.
33. Os documentos acima analisados, bem como os depoimentos transcritos provam o erro de julgamento quanto a estes factos.
34. Por tudo o exposto, entendemos que o tribunal a quo fez uma incorrecta interpretação da prova junta aos autos e da prova produzida em julgamento, devendo ser alterada a matéria de facto constante da sentença, concluindo-se pela improcedência total da ação.
35. Considera a Mma. Juíza que os defeitos na obra são apenas o desalinhamento das tomadas e dos focos, os quais não são suficientes para invocar a exceção do cumprimento.
36. Alterando-se a matéria de facto, entendemos que já pode sim ser invocada a exceção do cumprimento do preço, atendendo à gravidade dos erros.
37. Da análise factual também concluímos que os defeitos foram sim denunciados, em várias fases, não só com o “abandono” da obra, como no decurso destes autos.
38. As conversas e as interpelações que foram ocorrendo no decurso do tempo têm de ser consideradas denúncias e interpelações para cumprimento, e a junção aos autos do Relatório Técnico tem de ser tido como comunicação ao Recorrido dos defeitos da obra, os quais apenas foram detetados na data em causa, pelo que a comunicação estava em prazo.
39. Conclui-se, assim, que estamos perante uma situação de cumprimento defeituoso da obra, devendo proceder a exceção de cumprimento invocada pela Recorrida.”
Pede por isso que seja dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso de apelação foi admitido com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo, o que foi confirmado por este Tribunal.
Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II QUESTÕES A DECIDIR.

Decorre da conjugação do disposto nos artºs. 608º, nº. 2, 609º, nº. 1, 635º, nº. 4, e 639º, do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que se resultem dos autos.
Impõe-se por isso no caso concreto e face às elencadas conclusões decidir se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto provada e não provada e consequentemente deve ser alterado o sentido do decidido de procedência para improcedência da ação face à exceção de não cumprimento.
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III IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO.

A recorrente anuncia pretende rever a apreciação da prova, porque entende que o Tribunal de 1ª instância errou, relativamente à matéria de facto que consta provada nos pontos 4, 6 e 8 dos factos dados como provados, e nos não provados vertidos nas alíneas c), d), e) e f).
Para melhor alcance do que está em causa e inclusive para verificar se este Tribunal está em condições de proceder à sua reanálise, vejamos antes de mais o elenco dos factos provados e não provados como tal considerados pelo Tribunal recorrido, destacando-se a negrito os impugnados.
“Factos Provados: (…)
1) Em 1 de setembro de 2017 o Autor e a Ré acordaram entre si, que o primeiro realizaria a montagem da instalação elétrica na moradia da segunda, sita na Rua … em ….
2) Pela realização do trabalho descrito em 1) a Ré obrigou-se ao pagamento ao Autor do montante de €6.000,00 (seis mil euros).
3) No momento da celebração do acordo descrito em 1) a Ré pagou ao Autor a quantia de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), através de cheque.
4) Em cumprimento do acordo referido em 1) o Autor realizou os seguintes trabalhos:
- colocação de 40 tomadas interiores e exteriores;
- colocação de 20 pontos de luz e cinco pontos dos muros,
- um intercomunicador de voz;
- instalou o fornecimento de luz para o portão e respetiva iluminação;
- assegurou o prolongamento da corrente para uma cozinha atrás da moradia e respetivos acabamentos
- executou o projeto ITED
5) Em agosto de 2019 o Autor solicitou à Ré o pagamento do remanescente do valor descrito em 3), até perfazer o preço acordado entre as partes, descrito em 2), não tendo a Ré realizado esse pagamento.
6) Em julho de 2018 o Autor finalizou a instalação elétrica na moradia descrita em 1) e pediu à ... a efetivação da ligação elétrica, o que logrou.
7) Em 02/10/2019 o Autor emitiu a fatura com o n.º 228, no montante de €7.595,25 (sete mil, quinhentos e noventa e cinco euros e vinte e cinco cêntimos).
8) De entre os trabalhos realizados pelo Autor e descritos em 4 resultam os seguintes defeitos:
i) Desalinhamento de alguns dos focos colocados no tecto;
ii) Desnivelamento de algumas tomadas e interruptores;

Factos Não Provados:

a) o valor descrito em 2) acresceria o valor do IVA e o preço do certificado a emitir pela ....
b) O certificado concedido pela ... em 16 de janeiro de 2018 atestava a conformidade da instalação elétrica.
c) O sistema de telecomunicações não funciona em virtude de má execução dos trabalhos descritos em 4), por parte do Autor.
d) A Ré interpelou por diversas vezes o Autor para que este refizesse os trabalhos mal executados, designadamente a instalação elétrica e de telecomunicações, sendo que o Autor nada fez.
e) O Autor não terminou o trabalho a que se obrigou por via do acordo descrito em 1).
f) O Autor peticiona valores que sabe que não lhe são devidos, fazendo uso reprovável da presente ação.
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A fundamentação do Tribunal recorrido no que àqueles factos destacados por impugnados interessa foi a seguinte: “(…) Para apuramento da factualidade vertida em 4), 5), 6) e 7) o Tribunal socorreu-se das declarações de parte do Autor, neste particular prestadas de modo objetivo, circunstanciado e consistente, tendo as mesmas sido corroboradas, no que tange aos trabalhos realizados, pelas declarações de parte da Ré, que igualmente a confirmou.
Na verdade, ambas as partes confirmaram a realização dos trabalhos descritos, não obstante a Ré ter invocado defeitos na sua execução. Também M. V. confirmou que o Autor procedeu à execução dos trabalhos a que se havia comprometido.
Conjugadamente atentou-se ainda na fatura junta aos autos a fls. 63 e cuja emissão foi confirmada pelo Autor, da qual se extrai a descrição do trabalhos e valor global dos mesmos, acrescido do pagamento alegadamente realizado à ..., por parte do Autor.
Relativamente à factualidade vertida em 5) foi a mesma corroborada por ambas as partes, cumprindo por isso julgar a mesma provada.
Para apuramento da factualidade vertida em 8), atentou-se sobretudo no depoimento, menos interessado, da testemunha D. G., que referiu ser topógrafo e agente técnico de arquitetura e engenharia e que afirmou, de modo objetivo e sereno, que prestou serviços à Ré, no âmbito do projeto de engenharia de construção da sua casa.
Conjugadamente atentou-se também nas declarações de parte da Ré, que igualmente a confirmou e adicionalmente, foram consideradas as fotos constantes de fls. 79 a 82 dos autos, que permitem concluir pelo desalinhamento de parte dos focos colocados no teto da casa da Ré, bem como de algumas tomadas e interruptores ali aplicados. Cumpre salientar que as mesmas fotos foram exibidas às testemunhas M. V. e A. L. que igualmente confirmaram o desalinhamento daquelas aplicações, sendo visíveis à vista desarmada.
Assim, não restaram dúvidas de que os defeitos apontados se verificavam como, aliás, ainda se verificarão à data de hoje.
(…) Quanto à decisão negativa expressa na factualidade vertida em c), adveio da circunstância de não se ter produzido prova cabal quanto à sua verificação.
Na verdade, pese embora a Ré e a testemunha D. G. terem asseverado a desconformidade entre o projeto ITED e a execução do mesmo por parte do Autor, o certo é que tal se mostra manifestamente insuficiente para, sem mais, concluir por essa desconformidade.
O certo é que a existir um projeto, como parece ter existido segundo as declarações das partes e da referida testemunha, é inequívoco que apenas o confronto do mesmo com a instalação efetivamente realizada pelo Autor na casa da Ré, permitiria, sem margem para dúvidas, sedimentar essa realidade.
Importa ainda salientar que a Ré asseverou a desconformidade com base no denominado “Relatório Técnico” elaborado a seu pedido e junto aos autos, o qual não reveste qualquer força probatória especial, sendo que estava na sua disponibilidade arrolar como testemunha o seu subscritor, o que não fez.
Por seu turno a testemunha D. G. quase que reproduziu o dito “Relatório Técnico” do qual teve conhecimento previamente à audiência de julgamento, por lhe ter sido enviado pela Ré via email, sendo que não teve qualquer intervenção na sua elaboração.
Esclareceu que a manga colocada na referida instalação ITED na casa da Ré era de 16cm, quando de acordo com o projeto, deveria ter sido de 20 ou 25 centímetros de diâmetro. Sucede que resultou igualmente claro que este seu conhecimento não decorreu da análise do projeto ITED e respetivo acompanhamento da obra, tanto mais que a vistoria de tal instalação foi feita por engenheiro da área, que identificou como sendo José Henriques.
A este propósito referiu que foi este engenheiro quem, no fim da obra que ocorreu no final do ano de 2017, lhe transmitiu a existência dessa desconformidade das medidas da manga colocada, com a vertida no projeto e que deu conta disso mesmo à Ré, nada tendo dito ao Autor.
Ora, atenta a dúvida quanto à existência de prova consistente do alegado mau funcionamento, por via da desconformidade com o projeto original, da instalação ITEL (telecomunicações) cumpria lançar mão das regras do ónus da prova.
Nesta senda, verifica-se que a prova da alegada desconformidade entre a execução do trabalho e o projeto previamente aprovado ITED cabia à Ré, porquanto configura o mesmo um defeito da obra (enquanto facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito a que o Autor se arroga, designadamente o de receber o preço) – cfr. artigo 342.º, nº 2 do Código Civil.
Todavia, por tudo quanto vem dito, entendemos que a Ré não logrou essa prova, pelo que se decidiu em conformidade, julgando não provada a factualidade em análise.
Relativamente à decisão quanto à factualidade não provada vertida em d), resultou a mesma da falta de prova cabal que permitisse concluir pela sua verificação.
O Autor afirmou que a Ré apenas lhe falou nos focos do tecto desalinhados e numa correção no encaixe de um deles, sendo que o Autor se prontificou a corrigir ou a custear a correção. Por seu turno a Ré afirmou que pediu ao Autor que corrigisse o alinhamento das tomadas, bem como as luminárias exteriores, junto à rampa, que se enchiam de água, a ausência de fios de terra em alguns pontos da casa e problemas na instalação elétrica, sendo certo que assim declarou sempre por reporte ao aludido “Relatório Técnico” por si junto aos autos.
Não obstante, neste particular foi muito relevante o depoimento da testemunha A. L., irmão da Ré e que afirmou que também ajudou o Autor a executar alguns dos trabalhos. Com efeito, pese embora todo o seu relato fosse invariavelmente coincidente com a Ré, a determinada altura no seu depoimento e de modo genuíno e que se afigurou honesto, afirmou que o Autor chegou a falar com ele para que ele compusesse os problemas, mas que não o fez “porque tinha ordem da dona para não tocar naquilo” uma vez que “ia compor e tinha que mexer no tecto todo, ia ficar mancha e era preciso pintar o tecto todo outra vez”.
Ora, se assim é, e cremos que seja, atenta a genuinidade do depoimento da testemunha, que ademais é irmão da Ré, dificilmente se concebe que a mesma tenha solicitado as aludidas reparações ao Autor.
De todo o modo, não resulta dos autos qualquer outro elemento probatório que permita concluir pela verificação da factualidade em análise, cumprindo assim julgar a mesma como não provada.
No que tange à falência de prova quanto à factualidade vertida em e), resultou a mesma da ausência de prova que permitisse concluir pela sua verificação.
Com efeito, no que tange à conclusão dos trabalhos acordados entre as partes, quer o Autor, quer a Ré, quer as testemunhas D. G. e M. V. referiram que os trabalhos foram integralmente executados.
A este propósito importa salientar que em sede de declarações de parte a Ré aventou que o Autor não completou os trabalhos contratados, designadamente a colocação de pontos de luz na piscina e no furo de água. Todavia, tal factualidade não se mostra alegada pela Ré no seu articulado e, consequentemente, não poderia resultar provada.
Por seu turno, a decisão negativa quanto à factualidade vertida em f) decorreu da completa ausência de prova que autorizasse a sua sedimentação.”
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Vejamos agora as exigências legais em sede de impugnação da matéria de facto.
Quem pretende recorrer de facto e de direito tem de cumprir determinados pressupostos formais, uma vez que tem de fundamentar por que pede a alteração ou anulação da decisão –nº. 1, do artº. 639º, C.P.C..
No que concerne ao recurso sobre a aplicação do direito, o nº. 2 desse artigo impõe que verta nas conclusões do recurso as normas jurídicas que entende terem sido violadas, o sentido com que, no seu entender as que entende se aplicam devem ser interpretadas e aplicadas invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no seu entender devia ter sido aplicada.
Versando o recurso sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, dispõe o artº. 640º do C.P.C..
Os requisitos ou ónus da impugnação a cumprir são: a indicação dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; a especificação na motivação dos meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; fundando-se a impugnação em parte na prova gravada, a indicação na motivação das passagens da gravação relevantes; a apreciação critica dos meios de prova, expressando na motivação a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas; tudo conforme resulta do disposto no artº. 640º, nºs. 1 e 2, do Código Processo Civil (C.P.C.) e vem melhor mencionado na obra de Abrantes Geraldes “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 4ª Edição, pags. 155 e 156.
Conforme Acs. do STJ, designadamente de 29/10/2015, 03/05/2016 e de 21/03/2019 (www.dgsi.pt, fonte de todos os que se indicarão), podemos distinguir nestas exigências um ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto do recurso e de fundamentação concludente da impugnação, e um ónus secundário tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida. No primeiro caso cabem as exigências de concretização dos pontos de factos que se consideram incorretamente julgados, especificação dos concretos meios de prova que sustentam a decisão errada e/ou diversa (sendo que o Tribunal pode considerar esses e ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda relevantes, apreciando livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto impugnado, excepto no que respeita a factos para cuja prova a lei exija formalidades especiais ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documento, acordo ou confissão, conforme artº. 607º, nº. 5 do C.P.C.), e a indicação do sentido em que se deveria ter julgado a matéria de facto, na posição do recorrente, ou da decisão a proferir (artº. 640º, nº. 1, a), b) e c)). No segundo caso cabe a exigência de indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver reapreciados (a), nº. 2, do artº. 640º). Em ambos os casos a cominação para a falta de cumprimento das exigências é a rejeição imediata do recurso (cfr. a dita disposição), sem possibilidade de prévia oportunidade de aperfeiçoamento da peça. Em ambos os casos os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade devem orientar a decisão de rejeição (-já que a parte ficará prejudicada ao não ver apreciado o seu recurso por motivos de ordem formal). A “nuance” entre os dois casos decorrerá do bom senso com que se analisam as exigências, as quais antes de mais têm que ver com o facto de possibilitar á parte contrária um efetivo exercício do contraditório para além de serem decorrência dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, visando-se com elas assegurar a seriedade do próprio recurso. Se as primeiras exigências são imprescindíveis a esse exercício e orientam também o Tribunal de recurso relativamente ao que se lhe pretende sujeitar, a segunda exigência, tendo em vista a melhor orientação para esse efeito, ainda que seja cumprida de forma imprecisa, caso a parte contrária tendo apreendido convenientemente o alcance do visado, e o Tribunal esteja habilitado ao pretendido reexame, não se imporá a rejeição do recurso, mas antes o seu aproveitamento. Desde modo se dará prevalência ao mérito sobre a forma, princípio informador do atual C.P.C..
Além disso, a sanção de rejeição do recurso apenas poderá abarcar o segmento relativo à impugnação da matéria de facto e, dentro deste segmento, apenas pode abranger os pontos relativamente aos quais tenham sido desrespeitadas as referidas regras.
Por último, e continuando a seguir a orientação do nosso STJ, face ao que se pretende assegurar com cada um dos ónus, a especificação dos pontos concretos de facto deve constar das conclusões (artºs. 635º, nº. 4, 640º, nº. 1, a), e 639º, nº. 1, do C.P.C.). No mais (meios de prova concretos e indicação das passagens das gravações) basta que contem do corpo das alegações.
A propósito, diz o Ac. do STJ de 19/2/2015 (relator Tomé Gomes): “Outra problemática consiste em saber se tais requisitos do ónus impugnativo devem constar, formalmente, das conclusões recursórias ou se bastará incluí-los no corpo alegatório.
Segundo certo entendimento, a lei não consagra norma expressa sobre tal inclusão no quadro conclusivo, como o faz relativamente à impugnação de direito, nos termos do artigo 639.º, n.º 1 e 2, do CPC. Outro entendimento vai no sentido de que, constituindo a especificação dos pontos concretos de facto um fator de delimitação do objeto de recurso, nessa parte, pelo menos a sua especificação deverá constar das conclusões recursórias, por força do disposto no artigo 635.º, n.º 4, conjugadamente com o art.º 640.º, n.º 1, alínea a), aplicando-se, subsidiariamente o preceituado no n.º 1 do art.º 639.º, todos do CPC.
Nesta segunda linha de entendimento, não parece que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam figurar da síntese conclusiva, já que não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, traduzindo-se antes em elementos de apoio à argumentação probatória.
Pena é que, no âmbito da recente Reforma do Código de Processo Civil introduzida pela Lei n.º 41/2013, 26-06, ante as divergências já então existentes, o legislador não tivesse o cuidado de clarificar o modo como devem ser inseridos na peça alegatória os requisitos formais do ónus de impugnação da decisão de facto previstos nos n.º 1 e 2 do art.º 640.º, o que obstaria às persistentes polémicas que se têm vindo a verificar.
Todavia, nesse domínio, perante a pouca clareza da lei e a decorrente divergência jurisprudencial, quando o recorrente tenha especificado os pontos concretos de facto apenas no corpo das alegações, caso se entenda que o devia fazer nas conclusões, será porventura mais curial providenciar pelo aperfeiçoamento destas, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 639.º do CPC, em vez de rejeitar logo a impugnação assim deduzida, só se justificando essa rejeição imediata quando tenha sido omitida de todo tal especificação.”
Também os Acs. desta Relação de Guimarães de 28/06/2018 e de 26/04/2018 analisaram de forma coincidente com a orientação do STJ esta matéria.
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Decorre com clareza a indicação da matéria impugnada.
Lidas as conclusões de recurso, não decorre das mesmas o que pretende a R. se consigne ou altere relativamente a cada um daqueles ítens. Apenas podemos inferir o que pretende destes pontos das conclusões de recurso: “21. Os defeitos identificados deverão ser os constantes da sentença, mais todos os identificados no Relatório Pericial, à exceção da anomalia 1 porque diz respeito à bomba de água.
22. A instalação elétrica efetuada pelo Autor tem deficiências graves que se traduzem num mau funcionamento da mesma.
23. A Recorrente referiu que também estava incluído no contrato os trabalhos a instalação dos anexos, da piscina e do furo da água.
24. Trabalhos que não foram executados pelo Recorrido e por esse motivo entende a Recorrente que a obra não foi terminada.
25. Ficou provado que a Recorrente desde logo reclamou dos defeitos visíveis e reclamava das falhas/quebras na eletricidade.” –cfr ainda o ponto 29.
Vejamos se do corpo das alegações decorre de forma mais evidente o que se pretende e porquê, e na medida que assim for será considerada satisfeita a imposição legal.
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Antes disso atentemos nesta posição da recorrente: “Compulsados os autos verificamos que foi o Recorrido notificado do despacho de 16/09/2020, nos termos do qual “atendendo à matéria de exceção invocada em sede de Oposição, determino que se notifique o Autor para, no prazo de 10 dias, exercer o seu direito ao contraditório”, não se tendo pronunciado sobre a mesma, concluímos que foi a mesma aceite.
A matéria de exceção neste caso corresponde ao cumprimento defeituoso da obra.
Aquando da junção da oposição (em 20/03/2020) a Recorrente refere desde logo que a instalação elétrica tem deficiências, acrescentando que a instalação elétrica ficou desalinhada e as lâmpadas nos corredores e quartos estão tortas; “…a instalação elétrica e a instalação das telecomunicações não funcionam.”
É verdade que o A. foi notificado para se pronunciar sobre a matéria de exceção e nada disse. Mas só tinha de se pronunciar sobre factos já concretamente alegados e destacados. Não o fez.
Quanto a essa matéria já alegada e que por isso não foi impugnada, foi consignada no ponto 8.
O que se pretende nesta sede recursiva é vê-lo acrescentado de outra factualidade; veremos que o que se pretende consignar no ponto 8 é matéria concretizadora das deficiências a que a R., posteriormente e através da junção do “relatório” a que faremos referência, pretende dar suporte.
Ora, o mau funcionamento (inicialmente alegado) foi devidamente especificado e traduzido em desconformidades, em factos, o que foi feito posteriormente. Ou seja, o que a R. alegou em sede de audiência especificou, e assim sendo esta concretização assim trazida, não estando assente por falta de impugnação (antes pelo contrário), foi sujeita a contraditório em sede de audiência de julgamento e assim colocada à livre apreciação do julgador.
Daqui decorre que, se alguma coisa está mal, é que a matéria assente em 8 resulta antes de mais do facto de ter de se considerar assente por força da falta de impugnação do A. (cfr. artºs. 3º, nº. 4, 574º, nº. 2, 662º, nº. 1, todos do C.P.C.). Como assim foi, embora o Tribunal tenha aduzido para o efeito à sua convicção sobre a prova produzida, nada há a retificar.
Dizem Lopes do Rego (“Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. I, 2ª ed., pags. 252 e253), Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro (“Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, 2ª ed., pag. 40) que factos essenciais são os que concretizando, especificando e densificando os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do autor ou do reconvinte, ou a exceção deduzida pelo réu como fundamento da sua defesa, se revelam imprescindíveis para a procedência da ação, da reconvenção ou da exceção; factos instrumentais são os que se destinam a realizar prova indiciária dos factos essenciais, já que através deles se poderá chegar, mediante presunção judicial, à demonstração dos factos essenciais correspondentes – assumindo, pois, em exclusivo uma função probatória e não uma função de preenchimento e substanciação jurídico-material das pretensões e da defesa.
Paulo Pimenta (“Processo Civil Declarativo”, 2ª ed., pag. 22) diz que “…os factos complementares e os concretizadores, embora também integrem a causa de pedir ou a exceção, não têm a função individualizadora, pelo que a omissão da respetiva alegação não é passível de gerar ineptidão da petição inicial (ou nulidade da exceção), ao que acresce a (…) circunstância de não haver preclusões quanto a factos desta natureza. Assim, os factos complementares são os completadores de uma causa de pedir (ou de uma exceção) complexa, ou seja, uma causa de pedir (ou uma exceção) aglutinadora de diversos elementos, uns constitutivos do seu núcleo essencial, outros complementando aquele”.
No Ac. desta Rel. de 5/5/2022 (relator Pedro Maurício) diz-se que “(…) os factos a provar são os factos essenciais ou principais da causa, que constituem a causa de pedir e em que se baseiam as excepções invocadas, que deverão ser alegados pelas partes (cfr. art. 5º/1 do C.P.Civil de 2013), os factos instrumentais e os factos «complementares e concretizadores», desde que resultem da instrução da causa e relativamente aos quais inexiste qualquer vinculação temática [cfr. art. 5º/2a) e b) do C.P.Civil de 2013], tudo sem prejuízo dos casos excepcionais em que o juiz pode oficiosamente introduzir factos principais na causa [cfr. art. 5º/2c) do C.P.Civil de 2013].”
Também no Ac. da Rel. do Porto 23/11/2021 (relator Rui Moreira) consignou-se: “IV – No que toca à definição da causa de pedir e das excepções, o tribunal está vinculado à alegação das partes. Estabelecida a causa de pedir em função da alegação suficiente dos factos essenciais, o juiz pode importar para a decisão outros que resultem da instrução da causa: se forem instrumentais, pode fazê-lo sem mais –art. 5º nº 2 , al. a); se forem complemento ou concretização daqueles essenciais, o seu aproveitamento exige que sobre eles a parte tenha tido oportunidade de se pronunciar – art. 5º nº 2, al. b). V – Deve entender-se que a parte teve oportunidade de se pronunciar sobre um facto se o mesmo foi alvo de discussão em audiência de julgamento, tendo sido sobre ele inquirida testemunha, sob instância dos mandatários de ambas as partes.”
Isso posto, a R. podia concretizar o mau funcionamento imputado à instalação eléctrica, “preenchendo” com factos concretizadores da matéria de exceção relativa ao dito mau funcionamento ou deficiências, o que fez com a junção do relatório do ipe –prova documental- no momento processualmente adequado (artº. 3º, nº. 4, DL nº. 269/98 de 1/9), e sobre o qual incidiu instrução. Obviamente esses factos assim trazidos nunca poderiam estar assentes por falta de impugnação.

Nessa medida podia ser considerado nos factos, como decorre do corpo das alegações, o que pretende se altere (adite) ao ponto 8 dos factos provados, a saber (destaque a negrito nosso):

“8) De entre os trabalhos realizados pelo Autor resultam os seguintes defeitos:
i) Desalinhamento de alguns dos focos colocados no tecto;
ii) Desnivelamento de algumas tomadas e interruptores;
iii) Resistência de isolamento no quadro elétrico ≥ 50 M, causando probabilidade de curto-circuito;
iv) Secção 612.3.1 das RTIEBT – Resistência de isolamento da instalação elétrica inadequada: a) Falha de isolamento entre circuitos de fase/terra e neutro/terra também.
v) Secção 701.53.07.1 das RTIEBT – Tomada no volume exterior não alimentada por meio de transformador de separação, nem TRS, nem protegida por diferencial com IDn <= 30mA; a) Tomadas nas casas de banho protegidas por um diferencial com I^= 300mA
vi) Secção 471.2.3.1 das RTIEBT – Proteção por meio de corte automático da alimentação, com tomadas de In não superior a 20 A no exterior, protegidas por dispositivo diferencial de corrente diferencial estipulada superior a 30 mA: a) Tomadas instaladas na zona exterior da habitação sem diferencial de 30 mA
vii) Secção 511.1.2 das RTIEBT – Os equipamentos não se encontram em conformidade com as regras de segurança: a) Condutores de fase, neutro e terra nos barramentos e nos disjuntores dos quadros elétricos mal apertados; b) Barramentos dos circuitos de neutro e terra sobrecarregados.
viii) Secção 412.2.1.1 das RTIEBT – Partes ativas da instalação não colocadas dentro de invólucros ou por detrás de barreiras: a) Quadro parcial do anexo sem máscaras de proteção, possibilidade de contatos diretos; b) Circuitos para pontos de iluminação nas paredes exteriores acessíveis, possibilidade de contatos diretos; c) Circuito para tomada do Armário de Telecomunicações Individual (ATI) com fios condutores acessíveis, possibilidade de contatos diretos.
ix) Secção 433.2.1 das RTIEBT – Características de funcionamento dos dispositivos de proteção das canalizações contra as sobrecargas inadequadas: a) Portinhola com porta fusível queimada e cabo de entrada de alimentação ligado diretamente sem proteção contra sobrecargas.
x) Secção 803.2.4.4.2.1 das RTIEBT – Os valores de queda de tensão são excedidos: a) Está instalado um cabo de entrada de alimentação do tipo LSVAV2x16mm2 com comprimento de aproximadamente de 40 metros. Queda de tensão superior a 1,5% para uma potência contratada de 10,35kVa em monofásico.
xi) Secção 413.1.6.1.1 das RTIEBT – Ligação equipotencial suplementar inexistente ou estabelecida de forma inadequada: a) Cabo de entrada de alimentação do tipo LSVAV2x16mm2 sem ligação à bainha metálica à terra.
xii) Secção 701.413.1.6.1 das RTIEBT – Não garante ligação equipotencial suplementar que interligue todos os elementos condutores existentes no V0, V1, V2 e V3 com os condutores de proteção dos equipamentos colocados nesses volumes: a) Janelas metálicas sem ligação à terra proteção; b) Tubagem metálica para aquecimento central não ligada à terra de proteção.
xiii) Secção 314.3.1 das RTIEBT – Os circuitos das várias instalações não se encontram estabelecidos de forma bem diferenciada: a) Circuito para bomba do furo de água deriva de uma tomada de uso geral; b) Circuito para piscina alimentado por uma extensão e não existem tubos para passagem de circuitos para a zona técnica; c) Circuito alimenta máquina de lavar roupa e máquina de lavar louça em simultâneo.
xiv) Secção 522.3.1.1 das RTIEBT – Canalização com IP inadequado, sujeita a sofrer danos devido à penetração da água: a) Circuitos para pontos de iluminação no exterior sem caixas de aplique/equipamentos.
xv) Secção 559.1.1.1 das RTIEBT – Canalizações embebidas, não se encontram protegidas com caixa de ligações, na sua entrada nos equipamentos: a) Circuitos para pontos de iluminação no interior da garagem e anexo sem caixas de aplique/equipamentos.
xvi) Secção 514.2.1 das RTIEBT – Condutores com identificação incorreta: a) Circuito para ponto de iluminação no exterior com condutor de fase de cor verde e amarelo;”
Consequentemente pretende a R. que a alínea c) dos factos não provados seja daí retirada e passe a constar como ponto 9 dos provados nestes termos, que seria a consequência da alteração do ponto 8: “9- A instalação elétrica efetuada pelo Autor tem deficiências graves que se traduzem num mau funcionamento da mesma”.
Quanto à impugnação deste ponto 8 e alínea c), desde já dizemos aceitar que se encontram cumpridos os ónus da impugnação (de modo a possibilitar quer o exercício do contraditório se assim entendesse o A., quer a reapreciação por parte deste Tribunal), acrescendo que o meio de prova aduzido em prol da versão da recorrente é a prova documental referida, fotografias e orçamento juntos aos autos no mesmo momento. Alude ainda como reforço às explicações dadas pela testemunha D. G..
Vejamos se tem então razão.
*
Introduzimos aqui os princípios a atender em sede de impugnação da matéria de facto.
Dispõe o artº. 662º, n.º 1, do C.P.C. que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.” A Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1ª instância, nos termos que resultam do nº. 5 do artº. 607º do C.P.C.. Assim, após análise conjugada de todos os meios de prova produzidos, a Relação deve proceder a reapreciação da prova, de acordo com a própria convicção que sobre eles forma, sem quaisquer limitações, a não ser as impostas pelas regras de direito material. A propósito refere também Abrantes Geraldes na mesma obra, pag. 273, "(…) a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência” –cfr. artº. 607º, nº. 4, C.P.C.. E a pags. 274 (…) “a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daquelas que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia”.
O Tribunal da Relação nesta sua função de reapreciação da decisão de facto não opera apenas em casos de erros manifestos de apreciação, mas também pode formar uma convicção diversa da 1ª instância sobre os pontos de facto impugnados, o que deve levar a nova decisão que contenha esse resultado, fundamentadamente, ou seja, com base bastante para alterar aquela que foi a convicção (errada) do juiz de 1ª instância (-erro de apreciação ou erro de julgamento).
Partindo do princípio do dispositivo, deve o recorrente indicar os meios de prova que no seu entender deviam ter feito o Tribunal “a quo” encetado caminho diverso no seu juízo probatório; contudo, o Tribunal “ad quem” não está limitado a essa indicação – que será seu ponto de partida e pode até ser o bastante- podendo e devendo se tal se impuser (além dos demais poderes conferidos em termos de retorno à primeira instância ou de oficiosidade) socorrer-se de todos os meios de prova produzidos nos autos para confirmar ou rebater a argumentação do recorrente.

O Ac. desta Relação de 29-10-2020 (relator Alcides Rodrigues) sintetiza os princípios a ter em consideração na atuação do Tribunal de recurso, recorrendo à doutrina -Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017 – 4ª ed., Almedina, pp. 271/300, Luís Filipe Pires de Sousa, “Prova testemunhal”, 2017 – reimpressão, Almedina, pp. 384 a 396; Miguel Teixeira de Sousa, em anotação ao Ac. do STJ de 24/09/2013, Cadernos de Direito Privado, n.º 44, Outubro/dezembro 2013, p. 33 e Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, Vol. II, 2015, Almedina, pp. 462 a 469- e jurisprudência -Acs. do STJ de 7/09/2017 (relator Tomé Gomes), de 24/09/2013 (relator Azevedo Ramos), de 03/11/2009 (relator Moreira Alves) e de 01/07/2010 (relator Bettencourt de Faria); Acs. da RG de 11/07/2017 (relatora Maria João Matos), de 14/06/2017 (relator Pedro Damião e Cunha) e de 02/11/2017 (relator António Barroca Penha), todos consultáveis em www.dgsi.pt.- desta forma:

- só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente;
- sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento;
- nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, de acordo com o princípio da livre apreciação das provas, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não apenas os indicados pelas partes);
- a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação tem que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância;
- a intervenção da Relação não se pode limitar à correção de erros manifestos de reapreciação da matéria de facto, sendo também insuficiente a menção a eventuais dificuldades decorrentes dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas;
- ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que está também sujeita, se conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão;
- se a decisão factual do tribunal da 1ª instância se basear numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível onde se optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção -obtida com benefício da imediação e oralidade- apenas poderá ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.
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O Tribunal recorrido quanto aos defeitos verificados não se sustentou no relatório, ao qual aludiu para dar como não provado (porque entendeu que o relatório não o sustenta) que o sistema de telecomunicações não funciona em virtude da má execução dos trabalhos pelo A..
Entende a recorrente que o Tribunal confunde a instalação elétrica com a instalação das telecomunicações.
É verdade que o relatório não assume força probatória especial, é antes um documento sujeito ao regime dos meios de prova ao dispor da livre apreciação e formação da convicção do Tribunal.
O Tribunal recorrido “desvaloriza-o” desde logo porque entende que apenas confrontando o documento com o projeto poderia concluir pela má execução, mas parece efetivamente relacionar o seu conteúdo apenas com o sistema de telecomunicações (só esse e não a instalação elétrica tinha projeto) sobre o qual o relatório não se debruça.
Entendemos, contudo, que o relatório junto, apenas impugnado no que respeita ao seu conteúdo e alcance, é de atender, não obstante o seu autor não ter prestado esclarecimentos sobre o mesmo. Foi realizado por uma entidade que não tem relacionamento com as partes, embora é certo a pedido da R.; tem data posterior à citação da R., mas também isso não causa estranheza já que terá sido a necessidade de apresentar a sua defesa nos autos e melhor se elucidar sobre questões que são técnicas que esteve na sua origem.
É precisamente porque se trata de questões técnicas que o Tribunal necessitaria de uma análise dessa natureza, como é o caso.
Acrescenta-se ainda outro argumento para a “validade” do relatório face á matéria dos autos: da sua leitura por um leigo resulta que as deficiências apontadas nada têm que ver com o uso de equipamentos elétricos, daí resultando, além de outros argumentos, a irrelevância da passagem o tempo (entre a realização da obra e) até à sua elaboração.
O seu resultado deve por isso ser atendido, mostrando-se especificado e fundamentado, e inclusive ilustrado com imagens.
Acresce o facto de ter sido o próprio A. a fazer a vistoria do seu trabalho, e ser o próprio a passar o termo de responsabilidade de conformidade, bem como a falta de competência técnica assumida pela testemunha D. G. no que concerne à parte elétrica, sendo que, tal como a A., apenas detetava o que era visível a “olho nu”). Acresce o facto da A. estar emigrada e por isso não ter feito o uso da casa que lhe permitiria detetar outras situações.
Como dissemos, a testemunha D. G., no âmbito das suas funções e conhecimento, pôde apenas comprovar no local e a seu tempo aquilo que se via a “olho nu” no que à parte elétrica respeita (mas que, para além do consignado em 8, também abrangeu a entrada de água nos focos exteriores), mas também pôde assegurar que a realização da instalação de telecomunicações não se mostrava de acordo com o projeto ITED (dimensão da manga), desde logo situação mencionada perante si pelo engenheiro respetivo que, aquando da vistoria e embora tenha dado o seu aval (-a testemunha explicou essa necessidade de ficar resolvido), deu indicação para corrigir.
A propósito, para além do depoimento dessa testemunha, ouviram-se ainda as declarações prestadas pelas partes e o depoimento produzido por A. L., irmão da R. e que frequentava a casa (para além de ter ajudado na obra).
Ora, embora o A. nada aceite como sendo-lhe imputado, embora reconheça o que se visualiza na fotografia 1, e vá dando explicações para o desalinhamento de alguns focos, a R. e o irmão explicaram não só o que se vê, mas também os problemas (alguns) com que foram sendo confrontados a nível elétrico.
Retomando a questão das declarações de parte, neste caso conjugam-se com o relatório junto, sendo certo que há situações que a R. explica porque lhe foram explicadas a si já que não tem conhecimentos na área. Acresce o orçamento retificativo, e as várias imagens juntas aos autos.
De mencionar ainda o carater evasivo das declarações prestadas pelo A. quando confrontado com o orçamento para retificar o que lá fez (admitindo-se a exclusão do led do último item).
Entendemos por isso que deve ser dado provimento à impugnação da matéria de facto, no sentido propugnado pela recorrente, no que concerne ao ponto 8 (reproduzindo as deficiências encontradas e relatadas no relatório junto aos autos), com exceção da parte que colocamos a negrito porque respeita a aspetos que não se apurou (como melhor veremos) terem sido acordados com o A., muito menos feitos –a R. disse que não o fez.
Deve ainda ser feita a ligação do ponto 8 com o ponto 1 (-a instalação elétrica conforme acordado é mais do que aquilo que vem especificado em 4), aproveitando o que a recorrente pretendia introduzir com um ponto 9, e neste constar: “De entre os trabalhos realizados pelo Autor mencionados em 1 e os descritos em 4…”
Já quanto à alínea c) considerada não provada, no que respeita ao sistema de telecomunicações, atenta aquela postura do engenheiro respetivo, a que acresce o facto de não sabermos exatamente no caso concreto qual a consequência que resultaria do facto da manga ter menor dimensão do que o previsto, mantém-se a opção do Tribunal recorrido, em conformidade com o que estava alegado.
A redação proposta para um suposto ponto 9 (em sua substituição) mostrava-se aliás redundante e desnecessária, atento o deferimento do pretendido quanto à redação do ponto 8.
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Quanto ao ponto 4 e relativamente aos trabalhos contratados, pretende a recorrente que se acrescente que o A., face ao acordo mencionado em 1, não executou a instalação elétrica dos anexos, da piscina e do furo da água. Em consequência, o facto provado em 6) e o não provado da alínea e) veriam o seu inverso ser consignado. Percebe-se o propósito da recorrente, não se colocando em questão o cumprimento do ónus impugnatório nessa vertente.
Porém, neste tema, a recorrente não imputa ao Tribunal recorrido qualquer vício de raciocínio ou erro de julgamento, não introduz na discussão os seus argumentos nem indica o que sustenta a sua posição. Nessa medida entende-se que não cumpriu o ónus probatório que se lhe impunha tal como resulta da alínea b), do nº. 1, do artº. 640º do C.P.C., o que impõe a rejeição da impugnação. Acresce o argumento a que aludiu o Tribunal recorrido e que também seria válido caso não tivéssemos já concluído assim: a R. não alegou a matéria que pretende agora introduzir (cfr. o que já referimos quanto á alegação dos factos).
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Temos por último a impugnação da consignação da alegação que trata da interpelação e que consta como não provado na alínea d).
A recorrente alude apenas neste item às suas declarações de parte, ainda assim restritas à parte elétrica, pretendendo reverter para o sentido inverso.
O Tribunal recorrido, para além de tecer considerações sobre o valor das declarações de parte (meio de prova livre face ao disposto no artº. 466º, nº. 3, C.P.C., mas que, em casos como este em que há suscetibilidade de se fornecer meios de prova coadjuvantes, a tratar com reservas quando é prova única), justificou assim a sua posição: Relativamente à decisão quanto à factualidade não provada vertida em d), resultou a mesma da falta de prova cabal que permitisse concluir pela sua verificação.
O Autor afirmou que a Ré apenas lhe falou nos focos do tecto desalinhados e numa correção no encaixe de um deles, sendo que o Autor se prontificou a corrigir ou a custear a correção. Por seu turno a Ré afirmou que pediu ao Autor que corrigisse o alinhamento das tomadas, bem como as luminárias exteriores, junto à rampa, que se enchiam de água, a ausência de fios de terra em alguns pontos da casa e problemas na instalação elétrica, sendo certo que assim declarou sempre por reporte ao aludido “Relatório Técnico” por si junto aos autos.
Não obstante, neste particular foi muito relevante o depoimento da testemunha A. L., irmão da Ré e que afirmou que também ajudou o Autor a executar alguns dos trabalhos. Com efeito, pese embora todo o seu relato fosse invariavelmente coincidente com a Ré, a determinada altura no seu depoimento e de modo genuíno e que se afigurou honesto, afirmou que o Autor chegou a falar com ele para que ele compusesse os problemas, mas que não o fez “porque tinha ordem da dona para não tocar naquilo” uma vez que “ia compor e tinha que mexer no tecto todo, ia ficar mancha e era preciso pintar o tecto todo outra vez”.
Ora, se assim é, e cremos que seja, atenta a genuinidade do depoimento da testemunha, que ademais é irmão da Ré, dificilmente se concebe que a mesma tenha solicitado as aludidas reparações ao Autor.
De todo o modo, não resulta dos autos qualquer outro elemento probatório que permita concluir pela verificação da factualidade em análise, cumprindo assim julgar a mesma como não provada.”
Reanalisados esses elementos, não secundamos a posição (e dúvidas) do Tribunal recorrido, como justificaremos.
Reitera-se que a R. só teria conhecimento daquilo que era visível a “olho nu”, e para o que foi sendo alertada pela testemunha D. G., para além do que decorresse da utilização da habitação realizada numa fase mais recente, já que quanto a aspetos técnicos mencionados no relatório só teve obviamente conhecimento deles após a sua elaboração. Não iria interpelar o A. para o que desconhecia. Mantém-se a dúvida no que concerne às tomadas, interruptores, questão das telecomunicações, e outras situações que fosse eventualmente verificando.
Porem, no rigor, parte desta factualidade, face ao que a recorrente pretende, pode obter uma “resposta”/provimento restritivo, devendo passar a constar como provado, como ponto 9, o que foi admitido pelo A. -sendo um facto que lhe é desfavorável, valeria o disposto no artº. 466º, nº. 3, C.P.C.; não tendo a confissão sido reduzida a escrito como impõe o artº. 463º do C.P.C., nada impede que não possa ser tida em conta porque prestadas em sede de declarações avaliadas de forma livre, conjugando com as declarações da R. e juízos de experiência comum; não faz para nós sentido que, sendo algo imputável ao A., a R. preferisse ficar com “aquilo” assim pelos motivos explanados pelo seu irmão, cujas palavras a propósito não interpretamos do mesmo modo que o Tribunal recorrido – para nós, o que se quis dizer foi que não se iria “mexer” só no(s) focos porque teria de ser reparado todo o tecto.
Logo, a redação deve ficar: “A Ré interpelou o Autor para a correção dos focos do teto desalinhados e para a correção no encaixe de um, o que não foi feito.”
Mantém-se a alínea d) nos factos não provados, sem prejuízo do ponto 9 que aditamos aos provados.
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Por último pretende a recorrente que que a alínea f) passe a constar dos factos provados, como resulta de forma minimamente inteligível do corpo das alegações de recurso. Nada diz, porém, em prol da sua pretensão.
Muito embora seja irrelevante uma vez que, verificadas as alegações e as conclusões respetivas, a recorrente não apresenta qualquer argumento e por isso não abrange no seu recurso a questão da litigância de má fé, sendo se dirá que tal alínea deve simplesmente ser eliminada uma vez que contém um juízo conclusivo.
A inclusão, na fundamentação de facto constante da sentença, de matéria de direito ou conclusiva configura uma deficiência da decisão, passível de apreciação oficiosa pelo Tribunal da Relação, de molde a sancionar como não escrito todo o enunciado que se revele conclusivo, contemplando com tal expressão toda a matéria que se reconduza à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objecto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum (Ac. STJ de 23/9/2009; relator Bravo Serra, www.dgsi.pt).
Pelo exposto, e porque esta situação pode e deve ser oficiosamente corrigida por este Tribunal ao abrigo do artº. 662º, nº. 2, c), do C.P.C., elimina-se essa alínea.
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IV MATÉRIA DE FACTO.

Os factos provados e não provados são aqueles que foram considerados em 1ª instância já elencados, com as alterações que introduzimos face á procedência parcial da respetiva impugnação, e que passamos a consignar:

Factos Provados: (…)

1) Em 1 de setembro de 2017 o Autor e a Ré acordaram entre si, que o primeiro realizaria a montagem da instalação elétrica na moradia da segunda, sita na Rua … em ….
2) Pela realização do trabalho descrito em 1) a Ré obrigou-se ao pagamento ao Autor do montante de €6.000,00 (seis mil euros).
3) No momento da celebração do acordo descrito em 1) a Ré pagou ao Autor a quantia de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), através de cheque.
4) Em cumprimento do acordo referido em 1) o Autor realizou os seguintes trabalhos:
- colocação de 40 tomadas interiores e exteriores;
- colocação de 20 pontos de luz e cinco pontos dos muros,
- um intercomunicador de voz;
- instalou o fornecimento de luz para o portão e respetiva iluminação;
- assegurou o prolongamento da corrente para uma cozinha atrás da moradia e respetivos acabamentos
- executou o projeto ITED
5) Em agosto de 2019 o Autor solicitou à Ré o pagamento do remanescente do valor descrito em 3), até perfazer o preço acordado entre as partes, descrito em 2), não tendo a Ré realizado esse pagamento.
6) Em julho de 2018 o Autor finalizou a instalação elétrica na moradia descrita em 1) e pediu à ... a efetivação da ligação elétrica, o que logrou.
7) Em 02/10/2019 o Autor emitiu a fatura com o n.º …, no montante de €7.595,25 (sete mil, quinhentos e noventa e cinco euros e vinte e cinco cêntimos).
8) De entre os trabalhos realizados pelo Autor mencionados em 1 e os descritos em 4 resultam os seguintes defeitos:
i) Desalinhamento de alguns dos focos colocados no tecto;
ii) Desnivelamento de algumas tomadas e interruptores;
iii) Resistência de isolamento no quadro elétrico ≥ 50 M, causando probabilidade de curto-circuito;
iv) Secção 612.3.1 das RTIEBT – Resistência de isolamento da instalação elétrica inadequada: a) Falha de isolamento entre circuitos de fase/terra e neutro/terra também.
v) Secção 701.53.07.1 das RTIEBT – Tomada no volume exterior não alimentada por meio de transformador de separação, nem TRS, nem protegida por diferencial com IDn <= 30mA; a) Tomadas nas casas de banho protegidas por um diferencial com I^= 300mA
vi) Secção 471.2.3.1 das RTIEBT – Proteção por meio de corte automático da alimentação, com tomadas de In não superior a 20 A no exterior, protegidas por dispositivo diferencial de corrente diferencial estipulada superior a 30 mA: a) Tomadas instaladas na zona exterior da habitação sem diferencial de 30 mA
vii) Secção 511.1.2 das RTIEBT – Os equipamentos não se encontram em conformidade com as regras de segurança: a) Condutores de fase, neutro e terra nos barramentos e nos disjuntores dos quadros elétricos mal apertados; b) Barramentos dos circuitos de neutro e terra sobrecarregados.
viii) Secção 412.2.1.1 das RTIEBT – Partes ativas da instalação não colocadas dentro de invólucros ou por detrás de barreiras: a) Quadro parcial do anexo sem máscaras de proteção, possibilidade de contatos diretos; b) Circuitos para pontos de iluminação nas paredes exteriores acessíveis, possibilidade de contatos diretos; c) Circuito para tomada do Armário de Telecomunicações Individual (ATI) com fios condutores acessíveis, possibilidade de contatos diretos.
ix) Secção 433.2.1 das RTIEBT – Características de funcionamento dos dispositivos de proteção das canalizações contra as sobrecargas inadequadas: a) Portinhola com porta fusível queimada e cabo de entrada de alimentação ligado diretamente sem proteção contra sobrecargas.
x) Secção 803.2.4.4.2.1 das RTIEBT – Os valores de queda de tensão são excedidos: a) Está instalado um cabo de entrada de alimentação do tipo LSVAV2x16mm2 com comprimento de aproximadamente de 40 metros. Queda de tensão superior a 1,5% para uma potência contratada de 10,35kVa em monofásico.
xi) Secção 413.1.6.1.1 das RTIEBT – Ligação equipotencial suplementar inexistente ou estabelecida de forma inadequada: a) Cabo de entrada de alimentação do tipo LSVAV2x16mm2 sem ligação à bainha metálica à terra.
xii) Secção 701.413.1.6.1 das RTIEBT – Não garante ligação equipotencial suplementar que interligue todos os elementos condutores existentes no V0, V1, V2 e V3 com os condutores de proteção dos equipamentos colocados nesses volumes: a) Janelas metálicas sem ligação à terra proteção; b) Tubagem metálica para aquecimento central não ligada à terra de proteção.
xiii) Secção 314.3.1 das RTIEBT – Os circuitos das várias instalações não se encontram estabelecidos de forma bem diferenciada: c) Circuito alimenta máquina de lavar roupa e máquina de lavar louça em simultâneo.
xiv) Secção 522.3.1.1 das RTIEBT – Canalização com IP inadequado, sujeita a sofrer danos devido à penetração da água: a) Circuitos para pontos de iluminação no exterior sem caixas de aplique/equipamentos.
xv) Secção 559.1.1.1 das RTIEBT – Canalizações embebidas, não se encontram protegidas com caixa de ligações, na sua entrada nos equipamentos: a) Circuitos para pontos de iluminação no interior da garagem e anexo sem caixas de aplique/equipamentos.
xvi) Secção 514.2.1 das RTIEBT – Condutores com identificação incorreta: a) Circuito para ponto de iluminação no exterior com condutor de fase de cor verde e amarelo.
9- A Ré interpelou o Autor para a correção dos focos do teto desalinhados e para a correção no encaixe de um, o que não foi feito.
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Factos Não Provados:

a) o valor descrito em 2) acresceria o valor do IVA e o preço do certificado a emitir pela ....
b) O certificado concedido pela ... em 16 de janeiro de 2018 atestava a conformidade da instalação elétrica.
c) O sistema de telecomunicações não funciona em virtude de má execução dos trabalhos descritos em 4), por parte do Autor.
d) A Ré interpelou por diversas vezes o Autor para que este refizesse os trabalhos mal executados, designadamente a instalação elétrica e de telecomunicações, sendo que o Autor nada fez.
e) O Autor não terminou o trabalho a que se obrigou por via do acordo descrito em 1).
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V O MÉRITO DO RECURSO.

A R. não discute o enquadramento dado ao acordo celebrado entre as partes, nem a qualidade que cada um ocupa no contrato.
De acordo com os artºs. 1208º e 406º do C.C., o empreiteiro obriga-se a executar a obra nos termos convencionados, sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.
O contrato de empreitada é aquele em que uma das partes –o empreiteiro- se obriga em relação á outra –o dono da obra- a realizar certa obra mediante um preço –artº. 1207º do C.C..
Estamos perante um contrato bilateral, oneroso e sinalagmático.
A obrigação do empreiteiro é essencialmente uma obrigação de resultado: vincula-se a realizar a obra convencionada, nos termos acordados e segundo os usos e as leges artis, sob pena de falhar ao cumprimento da sua obrigação.
Não estava em causa a verificação de um cumprimento defeituoso do contrato, apenas a sua dimensão, matéria que obteve provimento em sede de alteração dos factos provados.
Conforme Ac. da Rel. do Porto de 2/10/2014 (relator Aristides Rodrigues de Almeida) que aqui vamos citar, não obstante a extensão, por ter plena aplicação ao caso que nos ocupa: “Nos contratos bilaterais as partes vinculam-se a trocar entre si prestações que assumem e pretendem que sejam a contraprestação uma da outra. Independentemente dos objectivos a que cada uma das partes se propõe com a prestação que pretende praticar ou receber, ambas aceitam que a prestação da outra é a justa medida ou retribuição da sua própria prestação. Inerente ao contrato está pois uma ideia e uma intenção de justiça comutativa: uma prestação não existe sem a outra, é a razão de ser da outra e é ainda a medida da outra. Por isso, em homenagem a esse vínculo de reciprocidade entre as prestações, a essa justiça comutativa aceite e querida pelas partes, nenhum dos contraentes deve ser obrigado a cumprir sem que o outro cumpra igualmente, melhor dizendo, a executar a sua prestação e não receber a contraprestação.
A excepção de não cumprimento é precisamente o mecanismo potestativo que num contrato bilateral permite a qualquer das partes suspender a sua prestação enquanto a outra não realizar também a sua ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo (cfr. João Abrantes, in “A excepção de não cumprimento do contrato”, Almedina, 1986, pág. 39 e ss.).
Não se trata de uma sanção para o incumprimento, trata-se de uma medida de coerção privada e de natureza contratual destinada a assegurar que as partes respeitarão o nexo sinalagmático entre as prestações a que se vincularam reciprocamente. Nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil anotado, I vol. pág. 406, "a exceptio não funciona como uma sanção, mas apenas como um processo lógico de assegurar, mediante o cumprimento simultâneo, o equilíbrio em que assenta o esquema do contrato bilateral."
Segundo o nº 1 do artigo 428º do CC, "se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo". Esta exigência de que os prazos para o cumprimento das prestações não sejam diferentes, tem sido interpretada, pela doutrina e pela jurisprudência, com o sentido de que a excepção só está vedada ao contraente que estiver obrigado a cumprir antes da contraparte, ou seja, que mesmo que uma parte tenha um prazo para cumprir a sua prestação diferente do da outra parte é-lhe lícito invocar a excepção desde que não seja sua obrigação cumprir antes da outra. Ninguém questiona que a excepção vale não só para o incumprimento total, mas também para os casos de incumprimento parcial ou de cumprimento defeituoso - a chamada exceptio non rife adimpleti contractus. E isso é assim porque estando o devedor obrigado a cumprir pontualmente a sua prestação, a observar na íntegra o programa contratual, a não definir ele mesmo, à revelia do contrato e do interesse da contraparte, a medida ou os termos em que deve executar a sua prestação, a outra parte tem sempre direito à prestação definida e fixada contratualmente e, como tal, o direito de suspender o cumprimento da sua enquanto a outra não se mostrar rigorosamente cumprida.
O exercício da exceptio non rife adimpleti contractus tem, desde logo, pressupostos específicos, concretamente os previstos no nº 1 do art. 428º do CC: que as prestações derivem de um contrato bilateral e sinalagmático; que quem a invoca não esteja obrigado a cumprir antes do contraente a quem vai opor a excepção; que esta parte tenha falhado o cumprimento ou cumprido defeituosamente a contraprestação ou não tenha oferecido o cumprimento simultâneo da mesma.
Mas a excepção tem ainda o que poderemos designar como pressuposto geral dado ser comum à generalidade dos direitos subjectivos: não ser contrária à boa-fé, o que emerge da necessidade de preservar o equilíbrio entre as obrigações sinalagmáticas e subentende, portanto, que a invocação da excepção seja necessária e proporcional. José João Abrantes, in Cadernos de Direito Privado, nº 18, pág. 55, defende que a parte da prestação recusada pelo excipiente deve ser proporcional à parte ainda não executada pelo contraente faltoso.
A este respeito deve acentuar-se que a excepção funciona como um mecanismo legal posto à disposição do contraente para obrigar o outro contraente a cumprir pontualmente a sua obrigação e, portanto, um mecanismo de coerção destinado a exercer sobre o contraente inadimplente alguma coacção destinada a levá-lo a cumprir a sua obrigação nos precisos termos em que se vinculou a fazê-lo. Este mecanismo de coerção ou coacção tem como objectivo assegurar que o sinalagma contratual é respeitado.
Acresce que nos termos do artigo 763º/1 do CC, a prestação deve ser realizada integralmente e não por partes, pelo que se o devedor se propuser realizar apenas uma parte da prestação, o credor pode pura e simplesmente recusar a prestação que lhe é oferecida. Esta regra, prevista directamente para o cumprimento parcial, deve entender-se aplicável igualmente ao cumprimento defeituoso. Aliás, o mesmo princípio parece resultar já da regra da pontualidade do cumprimento prevista no artigo 406º para a generalidade das obrigações contratuais, uma vez que cumprir o contrato ponto por ponto é cumpri-lo nos seus precisos termos, ou seja, realizando uma prestação não defeituosa.
Estas duas ideias conduzem, a nosso ver, a que a regra da proporcionalidade a observar no exercício da exceptio deva ser interpretada com um sentido muito específico. Em rigor, não tem de haver uma correspondência estrita, rigorosamente determinada e calculada, entre a parte da prestação que o excipiente recusa e a parte que o contraente faltoso incumpriu. Se assim fosse, estaria a dar-se ao contraente faltoso a possibilidade de decidir a medida do seu cumprimento e de impor ao credor o resultado dessa opção, o que, como vimos, é proibido pelos artigos 763º e 406º.
Na verdade, se a prestação recusada pelo excipiente tivesse de corresponder rigorosamente à medida do incumprimento do contraente faltoso, este podia livremente escolher a parte da prestação que não queria cumprir já que em qualquer caso o credor só poderia recusar cumprir o equivalente a essa falta, acabando assim obrigado a aceitar tudo o que o devedor entendeu prestar, sem poder recusar a prestação no seu todo. Na prática, portanto, o devedor acabaria por ter o poder de decidir livremente que parte da prestação executar e que parte não executar, impondo ao credor as consequências dessa opção já que este apenas poderia excepcionar o equivalente à parte não executada.
Entendemos, por isso, que o limite à actuação do excipiente é sim constituído, como não podia deixar de ser, pela boa-fé e pelos bons costumes. A actuação do excipiente não pode constituir um abuso de direito. As ideias de proporcionalidade (entre as prestações incumprida e recusada) e de adequação (entre o cumprimento defeituoso e o remédio que se lhe quer opor) são apenas algumas das ideias presentes no momento de sindicar o preenchimento do requisito do respeito pelas regras da boa-fé, mas já não um requisito autónomo, inultrapassável, que justifique per se a ilegitimidade da invocação da excepção”.
No caso dos autos, face á alteração da matéria de facto e introdução do constante do atual ponto 8, contrapondo o que foi convencionado e os defeitos verificados, a questão da falta de proporcionalidade e adequação, bem como a questão que se poderia levantar quanto a um pretenso abuso de direito, perdem pertinência.
Face ao detetado, não podem restar dúvidas que não excede os limites da boa fé e dos bons costumes a recusa do pagamento do valor que falta enquanto a situação se mantiver.
Contudo, outra objeção/questão se levanta e que foi abordada pelo Tribunal recorrido: para funcionar a exceção de não cumprimento (direito potestativo) é necessária a demonstração da denúncia dos defeitos e a exigência do direito que pretende exercer?
A jurisprudência e doutrina não são unânimes, mas tem-se entendido que apenas pode ser exercida após o credor haver denunciado os defeitos e exigido que os mesmos sejam eliminados, a prestação substituída, o preço reduzido ou ainda o pagamento de uma indemnização por danos circa rem (cfr. Pedro Martinez, in “Cumprimento Defeituoso”, pags. 328 e 329, e, entre outros, Acórdãos do S.T.J. de 10/12/2009, da Rel. de Coimbra de 14/7/2010 (relator Fonte Ramos), da Rel. do Porto de 17/6/2014 (relator Fernando Samões) e da Rel. de Lisboa de 30/5/2017 (relator Pedro Brighton).
Pedro Martinez diz concretamente que “…não basta que os defeitos tenham sido denunciados; torna-se necessário que o devedor fique ciente da pretensão (ou pretensões) a que está adstrito. Nestes termos, após o credor ter indicado por qual ou quais dos direitos opta, é que nasce o crédito à pretensão e, só a partir desse momento, se pode deduzir a exceptio”.
Há que dar ao empreiteiro a possibilidade de agir, de reparar, de substituir, como decorre do princípio da boa fé –artº. 762º, nº. 2, C.C..
No caso podemos dizer que efetuou a denúncia na oposição apresentada nos autos ao dizer que o trabalho está mal feito. Confrontou inclusive com a instalação desalinhada e as lâmpadas tortas. Provou-se que “A Ré interpelou o Autor para a correção dos focos do teto desalinhados e para a correção no encaixe de um, o que não foi feito.”
Porém, para além do mais que consta da alínea d) dos factos não provados, a grande maioria das situações/defeitos especificados penas o foram em sede de instrução, pelo que não se pode dizer, a nosso ver, que exerceu aqueles deveres de denúncia e que claramente optou pela faculdade de pedir a reparação em relação aos mesmos.
Ainda que se verifique a sua posição no que concerne aos (correção dos) focos do teto desalinhados e (para a correção no) encaixe de um, essa situação voltaria a colocar-nos perante a dificuldade em encontrar proporcionalidade e adequação na falta de pagamento de € 3.500,00 da totalidade do preço acordado.
Igualmente a recorrente não realizou tal declaração de vontade unilateral extrajudicialmente (o que teria de reiterar em sede judicial), desde logo conclusão que se mostra óbvia quanto aos defeitos que acrescentamos ao ponto 8 e que só durante a instrução foram devidamente especificados (e cuja dimensão foi do conhecimento da recorrente com a realização do relatório que se mostra junto aos autos).
Assim sendo não assiste à recorrente o direito de invocar a exceção.
Ainda uma outra questão poderia levantar dificuldades: a excepção de não cumprimento do contrato é tida como uma excepção dilatória de direito material ou substantivo. É excepção material porque fundada em razões de direito substantivo. É dilatória, por que não exclui definitivamente o direito do autor, apenas o paralisa temporariamente (cfr. Calvão da Silva, “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, pag. 329 e segs., e José Abrantes, “A Excepção do Não Cumprimento”, pag. 127 e segs.).
Tem vindo a discutir-se na doutrina e jurisprudência quais os efeitos da sua procedência: absolvição do pedido da R. ou a sua condenação a prestar em simultâneo?
No citado Ac. da Rel. de Lisboa expõem-se as duas posições e adere-se à segunda, nestes termos: “Para determinada orientação, a procedência da “exceptio” tem como efeito a condenação do réu a prestar ao mesmo tempo que o autor, argumentando-se que a excepção é um meio de defesa destinado a assegurar o respeito pelo princípio do cumprimento simultâneo, pelo que a condenação do réu fica subordinada à condição de cumprimento por parte do autor. Uma vez feito o cumprimento pelo autor, dispensa-se uma nova acção a pedir a condenação do réu, ficando desde logo o autor com uma sentença que o legitima a tornar efectiva a obrigação do réu; a aplicação analógica do art.662 do CPC (cf. Vaz Serra, in “A Excepção do Contrato Não Cumprido”, B.M.J. nº 67, pg. 33 e ss.). Para Calvão da Silva (in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, pg. 335), “se é verdade que, em virtude das excepções materiais dilatórias, o direito do autor não existe ou não é exercitável no momento em que a decisão é proferida, por falta de algum requisito material, mas pode vir a existir ou a ser exercitável mais tarde”, parece que a “exceptio non adimpleti contractus” não deve obstar ao conhecimento do mérito da acção. “O Juiz deve, isso sim, condenar à realização da prestação contra o cumprimento ou o oferecimento de cumprimento simultâneo da contraprestação, em consonância com o “indirecto pedido de cumprimento” co-envolto na arguição da “exceptio” e salvaguarda do equilíbrio contratual”.
No plano jurisprudencial, vejam-se, por exemplo, o Acórdão do S.T.J. de 26/10/2010, e o Acórdão da Relação de Lisboa de 26/6/2008, ambos consultados na “internet” em www.dgsi.pt..
Outra tese aponta no sentido de que a procedência da “exceptio” implica a absolvição (temporária) do pedido, porque a lei não permite a condenação condicional, sendo que inexiste caso julgado quanto à posterior acção (cf. Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. III, pg. 80 e ss.).
Neste sentido, escreve Miguel Mesquita (in “Reconvenção e Excepção no Processo Civil”, pg. 95) : “Afastada no nosso sistema, como resulta do artº 673º, a figura da condenação condicional, o tribunal não deve, uma vez provada a “exceptio non adimpleti contractus”, condenar o réu a cumprir a prestação se e quando o autor realizar a correspondente contraprestação. Ficando o juiz convencido de que também o autor se encontra em falta, deverá proferir uma sentença absolvendo temporariamente o réu do pedido”.
A nível jurisprudencial veja-se o Acórdão do S.T.J. de 30/9/2010, e o Acórdão da Relação do Porto de 30/1/2012, ambos consultados na “internet” em www.dgsi.pt..
Muito embora a questão não seja líquida, aderimos aqui à primeira orientação, e como se decidiu no Acórdão da Relação de Coimbra de 13/9/2011 (consultado na “internet” em www.dgsi.pt), é legalmente possível uma condenação “quid pro quo” (uma coisa pela outra), ou, “condenação num cumprimento simultâneo”, pelo que a comprovação da excepção implica, não absolvição do pedido, mas a condenação em simultâneo.
Ora, esta opção poderia ainda colocar a discussão da necessidade da dedução de pedido reconvencional, o que não foi feito nos autos –sendo ainda outra e diversa questão da sua admissibilidade ou inadmissibilidade nesta concreta tramitação. Veja-se casos em que não obstante a ausência de pedido reconvencional foi determinada a condenação em simultâneo no Ac. da Rel. do Porto de 28/11/2017 (relatora Maria Graça Mira) e no Ac. da Rel. de Coimbra de 29/01/2013 (relator Jorge Arcanjo).
Não se mostrando necessária qualquer outra apreciação, julga-se improcedente o recurso de apelação.
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As custas no caso são a cargo da parte vencida de acordo com o critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo; entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for – artº. 527º, nºs. 1 e 2 do C.P.C.
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VI DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso improcedente e, em consequência, negar provimento à apelação e manter a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente (artº. 527º, nºs. 1 e 2, do C.P.C.).
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Guimarães, 15 de junho de 2022.

Os Juízes Desembargadores
Relator: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade
1º Adjunto: Fernando Barroso Cabanelas
2º Adjunto: Eugénia Pedro
(A presente peça processual tem assinaturas eletrónicas)